EFFECTS OF THE MEDITERRANEAN DIET ON THE METABOLIC HEALTH OF WOMEN WITH OBESITY
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202505291551
Suellen Zava
RESUMO
A obesidade em mulheres é um problema de saúde pública crescente e multifatorial, cujas repercussões ultrapassam os riscos metabólicos gerais, afetando aspectos reprodutivos, hormonais e psicossociais. As particularidades fisiológicas do sexo feminino — como variações hormonais ao longo da vida, tendência ao acúmulo de gordura visceral após a menopausa e maior prevalência de distúrbios do comportamento alimentar — reforçam a necessidade de intervenções nutricionais adaptadas. Nesse contexto, a dieta mediterrânea tem ganhado destaque por seu potencial anti-inflamatório, cardioprotetor e pela melhora de marcadores metabólicos.
Esta revisão narrativa tem como objetivo analisar os efeitos da adesão à dieta mediterrânea sobre parâmetros metabólicos em mulheres com obesidade, com base na literatura recente. Foram analisados estudos publicados em bases como PubMed, Scopus e Web of Science. Os estudos selecionados indicam benefícios consistentes na sensibilidade à insulina, no perfil lipídico, na composição corporal e na redução de processos inflamatórios. Apesar das evidências promissoras, limitações metodológicas e culturais ainda dificultam a padronização e a adesão ao modelo alimentar mediterrâneo em populações não europeias. Conclui-se que a dieta mediterrânea representa uma alternativa nutricional viável e eficaz no manejo da obesidade feminina, especialmente quando adaptada ao contexto sociocultural de cada população.
PALAVRAS-CHAVE: obesidade feminina; dieta mediterrânea; saúde metabólica; intervenção nutricional; inflamação crônica.
ABSTRACT
Obesity in women is a growing and multifactorial public health issue, whose repercussions go beyond general metabolic risks, affecting reproductive, hormonal, and psychosocial aspects. The physiological characteristics specific to the female sex — such as hormonal fluctuations throughout life, a tendency to accumulate visceral fat after menopause, and a higher prevalence of eating behavior disorders — reinforce the need for tailored nutritional interventions. In this context, the Mediterranean diet has gained prominence due to its anti-inflammatory potential, cardioprotective effects, and improvement in metabolic markers.
This narrative review aims to analyze the effects of adherence to the Mediterranean diet on metabolic parameters in women with obesity, based on recent literature. Studies published in databases such as PubMed, Scopus, and Web of Science were analyzed. The selected studies indicate consistent benefits in insulin sensitivity, lipid profile, body composition, and the reduction of inflammatory processes. Despite promising evidence, methodological and cultural limitations still hinder the standardization and adherence to the Mediterranean dietary model in non-European populations.
It is concluded that the Mediterranean diet represents a viable and effective nutritional alternative for managing female obesity, especially when adapted to the sociocultural context of each population.
KEYWORDS: Female obesity; Mediterranean diet; metabolic health; nutritional intervention; chronic inflammation.
1. INTRODUÇÃO
A obesidade feminina representa uma preocupação crescente no cenário da saúde pública mundial, evidenciada pelo aumento progressivo da prevalência e pela associação com uma série de desfechos metabólicos adversos, como resistência à insulina, dislipidemias, inflamação crônica de baixo grau e risco cardiovascular aumentado. Fatores hormonais, fisiológicos e comportamentais conferem às mulheres características metabólicas distintas que exigem estratégias específicas de intervenção nutricional. Nesse contexto, a busca por padrões alimentares que não apenas promovam a redução de peso, mas também favoreçam a melhora dos parâmetros metabólicos, tornou-se prioritária. Entre essas abordagens, a dieta mediterrânea tem se destacado por seu potencial anti-inflamatório, antioxidante e cardioprotetor, sugerindo benefícios relevantes para mulheres com obesidade. No entanto, apesar das evidências positivas, ainda são necessários estudos e análises que consolidem a eficácia dessa estratégia nutricional para esse grupo específico, justificando a realização da presente revisão narrativa.
Entre as diversas estratégias nutricionais estudadas, a dieta mediterrânea tem se destacado não apenas pela eficácia na promoção da saúde cardiovascular, mas também pelo impacto positivo em fatores metabólicos associados à obesidade. Estudos recentes indicam sua potencial atuação na modulação da resistência à insulina, redução da adiposidade visceral e melhora do perfil lipídico em indivíduos com obesidade. Esses benefícios têm sido amplamente validados em diferentes populações, mesmo fora da região mediterrânea, o que reforça a viabilidade global desse padrão alimentar. Diante da crescente atenção dedicada ao papel da dieta mediterrânea no manejo da obesidade e seus fatores metabólicos, especialmente em populações femininas, torna-se relevante consolidar e analisar criticamente as evidências existentes na literatura recente. Assim, o presente estudo tem como objetivo revisar os efeitos da adesão à dieta mediterrânea sobre a saúde metabólica de mulheres com obesidade, considerando parâmetros como perfil lipídico, resistência à insulina, inflamação sistêmica e composição corporal.
2. METODOLOGIA
Este estudo trata-se de uma revisão narrativa da literatura com o objetivo de identificar e analisar os efeitos da adesão à dieta mediterrânea sobre parâmetros de saúde metabólica em mulheres com obesidade. A busca bibliográfica foi realizada em sua maior parte nas bases de dados PubMed, Scopus e Web of Science. Foram utilizados os descritores “Mediterranean diet”, “obesity”, “women” e “metabolic health”, combinados entre si por meio do operador booleano “AND”.
Os critérios de inclusão foram: estudos originais, revisões sistemáticas e meta-análises publicadas em inglês ou português, que abordassem a relação entre dieta mediterrânea e parâmetros metabólicos em mulheres com obesidade. A seleção dos estudos foi realizada de forma manual, priorizando os trabalhos mais recentes e relevantes para o tema.
3. DESENVOLVIMENTO
3.1 DEFINIÇÃO DE OBESIDADE
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade é caracterizada pelo excesso de gordura corporal, de forma que gere prejuízo à saúde e redução da expectativa de vida. A obesidade tende a aumentar o risco de diabetes tipo 2, doenças cardíacas, podendo também afetar a saúde óssea e a reprodução, além de aumentar também o risco de certos tipos de câncer. Trata-se de uma doença crônica complexa e progressiva, com causas multifuncionais, como: fatores genéticos, hormonais, culturais, econômicos, estilo de vida, dentre outros. O ambiente obesogênico agrava a probabilidade da obesidade em indivíduos e populações aliado a falta de uma resposta eficaz do sistema de saúde para antecipar o diagnóstico em seus estágios iniciais (1).
3.2 EPIDEMIOLOGIA
A obesidade é considerada uma epidemia global. Um estudo divulgado pela Lancet, com dados de 2022, aponta que mais de um bilhão de pessoas vive com obesidade no mundo, representando 1 em cada 8 indivíduos. Entre os adultos, o número de pessoas obesas mais que dobrou nas última três décadas. Entre crianças e adolescente, de 5 a 19 anos, os dados são ainda mais alarmantes, chegando a quadruplicar no mesmo período analisado.
Quando nos delimitamos na população brasileira, a obesidade aumentou 72% entre 2003 e 2019, saindo de 11,8% em 2003 para 20,3% em 2019, segundo pesquisa da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel). Essa mesma pesquisa apontou que o percentual de obesidade diminui com o aumento da escolaridade e que 20,7% das mulheres entrevistadas estavam com obesidade, enquanto nos homens o índice era de 18,7% (2).
Em níveis globais, os custos sociais que envolvem o sobrepeso e a obesidade, com saúde e perda de produtividade, são estimados em 2 trilhões de dólares por ano. O equivalente ao impacto do tabagismo ou de conflitos armados (3).
3.3 FISIOPATOLOGIA
A obesidade é resultado de um balanço energético positivo crônico, que é regulado através de uma complexa interação do tecido endócrino e o sistema nervoso (4). Entretanto, o melhor indicador antropométrico de gordura visceral é a circunferência de cintura, além de ser um melhor preditivo de desordens metabólicas. Pessoas eutróficas, de acordo com o IMC, mas com circunferência de cintura acima do desejado apresentam maior risco. A gordura visceral está mais correlacionada com o aumento de risco de doenças cardiovasculares e diabetes do que o aumento de IMC, visto que ele por si só tem limitações (não indica distribuição de gordura, não leva em consideração a massa muscular; não distingue sexo e etnia e é menos acurado em grupos específicos como idosos, etnia asiática, indígenas, etc.) (5,6).
No entanto, as razões bioquímicas e fisiológicas para uma melhor correlação da adiposidade visceral ainda não são claras. Uma possível explicação é que a gordura visceral tem acesso direto à circulação pela veia porta, que leva o sangue do trato gastrointestinal para o fígado, em comparação ao tecido adiposo branco subcutâneo, fazendo com que as substâncias produzidas pela gordura visceral afetem diretamente o organismo. Já a circunferência do quadril é inversamente relacionada à síndrome metabólica, ou seja, uma circunferência de quadril grande está relacionada a menos riscos de diabetes e doenças coronarianas. Provavelmente devido a grande massa muscular dessa região (7). A obesidade também é mencionada como uma inflamação crônica de baixo grau ou inflamação metabólica, que frequentemente é o foco na patogênese de várias doenças, como doenças coronarianas, aterosclerose e resistência insulínica (8,9).
O tecido adiposo é classificado como um órgão secretor que desempenha muitas funções no metabolismo. Ele pode modular o gasto energético, apetite, metabolismo ósseo, reprodutivo, funções endócrinas, inflamação, reserva de triglicerídeos e sensibilidade a insulina. Os adipócitos produzem e secretam diversas proteínas chamadas citocinas, que desempenham papéis importantes na inflamação (10). Existem mais de 50 citocinas conhecidas, e elas são diferenciadas principalmente por seus papéis na inflamação. Uma discrepância na secreção de citocinas foi observada em indivíduos dependendo de seu IMC; indivíduos obesos têm tecido adiposo que secreta principalmente citocinas pró-inflamatórias, enquanto indivíduos magros secretam citocinas anti-inflamatórias. As citocinas implicadas na promoção da inflamação incluem TNFs, interleucina (IL)-6, leptina, angiotensina II, visfatina e resistina (11,12). Enquanto as citocinas anti-inflamatórias incluem o fator de crescimento transformador beta (TGF), IL-4, IL-10, IL-13, antagonista do receptor de IL-1 (IL-1Ra) e adiponectina (13).
O papel do aumento da secreção de citocinas pró-inflamatórias em pacientes obesos é atualmente desconhecido. Há uma falta de conhecimento científico sobre os processos fisiológicos e bioquímicos associados à obesidade e à inflamação crônica de baixo grau.
3.4 DIAGNÓSTICO
Segundo o Ministério da Saúde, o diagnóstico clínico é feito com base na estimativa do índice de massa corporal (IMC) que é calculado pela formula: IMC=peso/altura2 (kg/m2); com a seguinte classificação e estratificação de risco de comorbidades (quadro abaixo):
Classificação do estado nutricional de adultos e risco de comorbidades , segundo IMC.

Como já abordado, o IMC tem suas limitações para uso exclusivo de diagnóstico da obesidade. Por isso, muitos profissionais conciliam com outros parâmetros. Em janeiro de 2025, com apoio da revista científica The Lancet, uma comissão com mais de 58 especialistas do mundo todo, propôs novas diretrizes para diagnosticar a obesidade reconhecendo-a como uma doença crônica e contínua, e não apenas como um fator de risco. Os especialistas chegaram a 18 sinais capazes de indicar quando obesidade é doença em adultos (como por exemplo, apneia do sono, falta de ar, hipertensão, dores de cabeça recorrentes, menstruação irregular, linfedema, problemas articulares, dentre outros) — e outros 13 sinais, em crianças e adolescentes. Os novos critérios de avaliação têm vantagens como, a inclusão de métodos como circunferência abdominal, razão cintura-quadril e medidas diretas de adiposidade, como o DEXA, que permitem uma avaliação mais fidedigna do impacto da obesidade na saúde (14).
3.5 PARTICULARIDADE DA OBESIDADE EM MULHERES
Embora os mecanismos fisiopatológicos da obesidade sejam semelhantes entre os sexos, a expressão clínica, os fatores determinantes e as consequências metabólicas diferem significativamente em mulheres. Dados epidemiológicos mostram que a prevalência de obesidade é consistentemente maior em mulheres do que em homens em diversos países, incluindo o Brasil. Esse cenário pode ser atribuído a uma combinação de fatores hormonais, comportamentais e sociais. As variações hormonais ao longo da vida feminina — como menarca, gestação, puerpério e menopausa — influenciam diretamente o metabolismo energético, o padrão de distribuição de gordura e a regulação do apetite. A queda nos níveis de estrogênio durante a menopausa, por exemplo, favorece o acúmulo de gordura visceral, aumentando o risco de síndrome metabólica e doenças cardiovasculares. Além disso, questões como maior suscetibilidade à depressão, maior carga de trabalho não remunerado e desigualdade no acesso a programas de atividade física contribuem para o agravamento do quadro. As diretrizes clínicas atuais na maioria das vezes ignoram esses fatores específicos do sexo, potencialmente limitando a eficácia das estratégias de controle da obesidade em mulheres. A obesidade feminina também está associada a desfechos clínicos específicos, como disfunções menstruais, infertilidade e aumento do risco de complicações obstétricas, o que reforça a necessidade de estratégias nutricionais adaptadas a esse grupo populacional.
As mudanças nos níveis de hormônios sexuais das mulheres estão associadas a mudanças na distribuição da gordura corporal. Enquanto mulheres em idade fértil tendem a acumular gordura na parte inferior do corpo (formato de “pera”), mulheres na pós-menopausa tendem a acumular mais gordura ao redor do abdômen (formato de “maçã”). A suplementação com estrogênio parece causar diminuição no acúmulo de gordura abdominal. Estudos em animais também demonstraram que a falta de estrogênio leva ao ganho excessivo de peso. O estrogênio e a obesidade estão intimamente relacionados, com o estrogênio desempenhando um papel crucial na regulação da gordura corporal e na distribuição da gordura no corpo. A deficiência de estrogênio, especialmente na pós-menopausa, pode estar associada ao ganho de peso e à mudança na distribuição da gordura, com maior acúmulo de gordura abdominal (15).
Um estudo mostrou que a maior prevalência da obesidade nas mulheres pode ser motivada por um vínculo bidirecional mais forte entre a obesidade e o desemprego. Além disso, o que se verifica é que uma maior renda reduz a diferença da obesidade em relação aos homens. Esse resultado está de acordo com a literatura, que aponta para a desigualdade pró-pobre na prevalência da obesidade nos países em desenvolvimento, com as mulheres pobres sendo as mais afetadas. Por consequência, o maior nível de renda reduz a chance de obesidade das mulheres em relação aos homens, corroborando com evidências que mostram essa diferença, associada ao gênero do indivíduo, no efeito da renda sobre a obesidade.
A escolaridade apresenta um efeito relativamente pequeno sobre a desigualdade de gênero na obesidade. Para o caso das mulheres, a variável ensino médio e superior tem um efeito positivo, implicando no aumento da chance de obesidade em relação aos homens. Os indivíduos com mais anos de estudo tendem a conhecer melhor os riscos do excesso de peso, reduzindo o risco de obesidade. Mas, na média, as mulheres já possuem mais anos de estudos do que os homens, o que possivelmente faz com que uma maior escolaridade não necessariamente tenha o efeito de reduzir a diferença da obesidade (16).Embora uma dieta saudável e atividade física regular sejam as principais estratégias de estilo de vida para a prevenção e o tratamento da obesidade e das condições associadas, as baixas taxas de adesão limitam sua eficácia.
3.6 DIETA MEDITERRÂNEA (COMPOSIÇÃO E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS)
A dieta mediterrânea foi descrita pela primeira vez na década de 50 do século XX, durante um estudo do cientista norte-americano, Ancel Keys. Observando os hábitos alimentares de populações do sul da Itália, da Grécia e de outras regiões banhadas pelo mar Mediterrâneo, Keys identificou um padrão associado a baixas taxas de doenças cardiovasculares e a uma expectativa de vida elevada. Porém, somente começou a ganhar popularidade e importância na década de noventa, sendo reconhecida como patrimônio cultural imaterial da humanidade, pela UNESCO, em 2010 (17). Mais do que um conjunto de alimentos, a dieta mediterrânea representa um estilo de vida que valoriza a simplicidade, a sazonalidade e a socialização nas refeições, mantendo forte ligação com o ambiente local e as tradições culturais.
A composição alimentar da dieta mediterrânea é centrada em produtos de origem vegetal, frescos e minimamente processados. Frutas, verduras, legumes, grãos integrais, leguminosas como feijão, lentilha e grão-de-bico, e oleaginosas como nozes e amêndoas compõem a base diária da alimentação. O azeite de oliva extra-virgem é a principal fonte de gordura, enquanto peixes e frutos do mar são consumidos com frequência moderada. Laticínios, especialmente queijos e iogurtes, aparecem em pequenas porções, e carnes vermelhas são reservadas para ocasiões esporádicas. Ervas frescas e especiarias substituem o uso excessivo de sal, conferindo aos pratos sabores intensos e naturais.
No padrão atual reconhecido como dieta mediterrânea, existem proporções recomendadas que orientam a prática alimentar. A maior parte da energia diária deve vir de vegetais, frutas e grãos integrais, compondo cerca de 50 a 60% da ingestão calórica total. As gorduras, principalmente provenientes do azeite de oliva, devem representar entre 25 a 35% das calorias, priorizando os ácidos graxos monoinsaturados. Recomenda-se consumir ao menos duas porções de peixe por semana, enquanto carnes vermelhas devem ser limitadas a no máximo uma ou duas vezes por mês. Laticínios podem ser ingeridos diariamente em pequenas quantidades. A dieta é também caracterizada por uma elevada ingestão de fibras, antioxidantes, vitaminas (A, C e E) e minerais como potássio, magnésio e cálcio, nutrientes que, combinados, conferem efeito protetor contra doenças crônicas.
Assim, para que um padrão alimentar seja considerado genuinamente mediterrâneo nos dias atuais, ele deve seguir esses princípios: predominância de alimentos vegetais frescos, alta utilização de azeite de oliva como fonte principal de gordura, consumo frequente de peixes e frutos do mar, ingestão moderada de laticínios e mínimo consumo de produtos industrializados e carnes vermelhas. Além disso, o aspecto cultural de valorização das refeições em família, da prática regular de atividade física e do respeito à sazonalidade dos alimentos permanece como um elemento essencial da dieta.
3.7 MECANISMOS DE AÇÃO METABÓLICA DA DIETA MEDITERRÂNEA
A dieta mediterrânea é rica em compostos bioativos oriundos de sua base alimentar (frutas, verduras, cereais integrais, leguminosas, azeite de oliva, peixes, etc.), esses compostos exercem diversos efeitos benéficos no metabolismo humano. A saber, modificação na microbiota intestinal (levando ao aumento de bactérias benéficas), regulação glicêmica, melhora na sensibilidade à insulina, redução da adiposidade visceral, dentre outros. Esses efeitos são mediados, em parte, pela presença de polifenóis e ácidos graxos monoinsaturados, que modulam vias inflamatórias e redox, contribuindo para a homeostase metabólica e consequentemente na prevenção e tratamento de doenças crônicas como obesidade (18), dislipidemia (19) e inflamação (20).
O azeite de oliva extra virgem, principal fonte lipídica desse padrão alimentar, é rico em ácidos graxos monoinsaturados, principalmente o ácido oleico, que atua na modulação da inflamação e na melhora da sensibilidade à insulina. Além disso, os polifenóis presentes em sua composição, como hidroxitirosol e oleuropeína, possuem propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, reduzindo o estresse oxidativo e a peroxidação lipídica, fatores cruciais no desenvolvimento de doenças metabólicas.
A alta ingestão de fibras da dieta mediterrânea leva a um aumento no número de espécies bacterianas intestinais responsáveis pela produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), como acetato, propionato e butirato, essenciais para o funcionamento adequado na prevenção de doenças metabólicas (21). Além disso, o alto consumo de ácidos graxos poli-insaturados ômega-3, de fontes de peixes e vegetais, e uma proporção adequada de ácidos graxos poli-insaturados ômega-6/ ácidos graxos poli-insaturados ômega-3 da dieta mediterrânea (22) promove um melhor perfil metabólico em comparação a outros padrões alimentares ricos em ômega-6. A fibra alimentar se tornou um mediador fundamental da comunicação entre o cérebro e o intestino. Os AGCC exercem seus efeitos benéficos diretamente, contribuindo para a modulação da saúde do hospedeiro por meio de uma série de mecanismos específicos de tecidos relacionados à função da barreira intestinal, homeostase da glicose, imunomodulação e regulação do apetite (23).
Além dos efeitos dos compostos bioativos e da modulação da microbiota intestinal, o impacto benéfico da dieta mediterrânea também pode ser devido à modulação do sistema imunológico (24). Uma microbiota saudável está diretamente relacionada a um sistema imune eficiente, visto que ela ajuda a proteger o organismo de infecções e doenças. Além disso, esse tipo de dieta oferece uma abundância de alimentos ricos em vitaminas e minerais essenciais para o bom funcionamento do sistema imunológico.
3.8 DIETA MEDITERRÂNEA NA POPULAÇÃO BRASILEIRA
Apesar dos inúmeros benefícios já relatados da dieta mediterrânea, há desafios na adaptação da realidade socioeconômica e cultural brasileira. Os alimentos base da dieta são custosos para a maioria da população brasileira, além de não fazerem parte da história cultural de boa parte dos estados do Brasil, comprometendo consideravelmente a adesão ao plano. Uma das vertentes da dieta mediterrânea é justamente a sazonalidade e a simbologia envolvida nas refeições à mesa, ressaltando a necessidade de validar também aspectos não estritamente nutricionais.
Essa realidade não é exclusivamente brasileira. Logo, torna-se necessário criar ferramentas que validem uma adequação regional da dieta mediterrânea. O MEDAS (Mediterranean Diet Adherence Screener) foi elaborado para avaliar rapidamente o desfecho de 24 intervenções nutricionais do estudo PREDIMED (Prevención com Dieta Mediterránea). PREDIMED, por sua vez, foi o maior estudo de intervenção dietética já realizado na Europa. Esse ensaio clínico randomizado espanhol visou analisar a eficácia da dieta mediterrânea na prevenção de doenças cardiovasculares. O MEDAS pode ser usado como ferramenta de triagem para avaliar a adesão da dieta mediterrânea em grandes contextos epidemiológicos, incorporando uma medida com baixos recursos. Para além do estudo PREDIMED, o instrumento é considerado útil para os pesquisadores quando esse padrão alimentar for o objetivo da intervenção e mesmo na prática clínica para identificar o perfil de dieta do paciente em relação a dieta mediterrânea. Assim, este método possibilita uma estimativa rápida do padrão alimentar do paciente, sendo também mais fácil de ser utilizado por outros profissionais de saúde (25). O MEDAS consiste em 12 perguntas sobre a frequência de consumo de alimentos e duas perguntas sobre hábitos alimentares considerados característicos da dieta mediterrânea espanhola, totalizando 14 itens.
Retornando ao contexto brasileiro, levando em consideração as desigualdades socioeconômicas, insegurança alimentar e o alto consumo de alimentos ultraprocessados, a adaptação da dieta mediterrânea exige mais do que apenas substituições de alimentos dos mesmos grupos alimentares. Uma das soluções encontradas é incorporar pilares da dieta mediterrânea e não apenas incluir, excluir ou substituir alimentos. Práticas como, ênfase em alimentos frescos, de origem vegetal, priorizando alimentos da estação e produzidos localmente podem colaborar para uma readequação dietética.
Sob essa visão, um estudo brasileiro (26) buscou adaptar a dieta mediterrânea com os alimentos amazônicos. O primeiro alimento analisado foi o azeite de oliva. Apesar de ser facilmente encontrado em comércios, não é um produto local e nem possui um custo viável para a maioria dos brasileiros. O alimento substituto proposto, pelo estudo em questão, foi o açaí, considerando sua proporção de gorduras saturadas, monoinsaturadas e poli-insaturadas. Em relação às fontes de proteína animal, os peixes devem ser priorizados nessa estratégia. As estimativas indicam um consumo de pescados de 8,3 a 10,0 kg/pessoa/ ano no Brasil, abaixo do recomendado. Apesar de apresentar um custo elevado em muitas regiões brasileiras, na Amazônia há uma maior disponibilidade, tornando-o mais competitivo com relação a outras fontes proteicas. É importante salientar que a composição sofre interferência de inúmeros fatores. Os peixes provenientes da Bacia Amazônica (coletados no Estado de Roraima) tiveram seu perfil lipídico e composição em ácidos graxos afetados pela sazonalidade. No entanto, em ambos os períodos, seca e cheia, as espécies estudadas apresentaram excelente conteúdo de ácidos graxos poli-insaturados, em especial, ácidos graxos essenciais. Em relação ao consumo de frutas, o estudo apontou como opções amazônicas os frutos de palmeiras, que têm um alto conteúdo de gordura sendo ótimas fontes de energia, além disso, tucumã, açaí, buriti, pupunha, piquiá, mari, caiaué, patauá, uxi, sapota, sorva e abricó, que contêm um alto potencial de caroteno. Na região Norte, as frutas são também importantes contribuintes para a capacidade antioxidante total, principalmente devido ao alto consumo de açaí. Uma limitação apresentada pelo trabalho foi a falta de detalhamento de substâncias importantes, como concentração de compostos bioativos, fibras, vitaminas e minerais, apontando necessidade de aprofundamento dos estudos.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A obesidade feminina configura um cenário de múltiplos desafios metabólicos que demandam estratégias nutricionais eficazes e sustentáveis, além dos aspectos emocionais e sociais. A adesão à dieta mediterrânea demonstra efeitos positivos consistentes sobre a saúde metabólica de mulheres com obesidade, refletindo em melhoras no perfil lipídico, na sensibilidade à insulina e na redução da inflamação sistêmica. Dado o fato desse estilo de dieta apresentar uma composição anti-inflamatória associa-se resultados positivos em mulheres com Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), endometriose, e mudanças hormonais, como por exemplo, durante o período da menopausa. Porém, observou-se dificuldade em encontrar investigações que contemplassem exclusivamente a população feminina, sendo frequente a unificação dos sexos, o que compromete a análise direcionada ao público alvo desse trabalho. A falta de achado de estudos dentro da população brasileira também dificultou conclusões mais precisas, por esse motivo foi necessário a utilização de descritores em inglês, uma vez que a busca com descritores em português resultou em poucos estudos relevantes.
Diante das evidências revisadas, a dieta mediterrânea emerge como uma abordagem nutricional promissora no manejo da obesidade feminina, sendo recomendada como parte de programas de promoção da saúde e prevenção de doenças metabólicas. No entanto, dadas todas as limitações, mostra-se a necessidade de maior produção científica direcionada a mulheres obesas, em especial, dentro da população brasileira, de modo a subsidiar estratégias alimentares mais eficazes e contextualizadas. Estudos futuros devem considerar a adesão a longo prazo, as barreiras culturais e o impacto em diferentes faixas etárias da população feminina.
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