REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8433174
Wilinghton Sardinha Souza Lopes1
Hugo Dias Mascarenhas Barbosa de Oliveira2
Joyce da Silva do Carmo3
Julia Siqueira Girondi4
Leonardo da Silva Coelho Duarte5
Mariana Dias da Silva6
Resumo: A incidência, morbidade e mortalidade do câncer de mama são altas. Seu tratamento pode causar diversas complicações com repercussões físicas, emocionais e sociais. Em relação à reabilitação de doenças músculo-esqueléticas, tem sido dada especial atenção às medidas de prevenção e tratamento de complicação pós-operatórias, entre as quais se destacam as disfunções do ombro. Abordagens terapêuticas miofasciais para o tratamento de distúrbios pós-operatórios do ombro podem promover a recuperação da função dos membros superiores. Este estudo teve como objetivo analisar em um caso o efeito imediato de uma técnica de mobilização fascial profunda na dor e amplitude de movimento (ADM) em uma paciente submetida à mastectomia com dor em região de ombro e ADM diminuída para flexão do braço. A paciente foi submetida a uma única intervenção de mobilização fascial. A flexão do braço foi medida fotogoniometricamente e a dor foi avaliada por meio de uma escala visual analógica (EVA). Os dados da ADM foram analisados em medida pré e pós-intervenção sendo quo valor da ADM pré-intervenção foi de 128 graus e o pós-intervenção 150 graus, e a melhora percentual média foi de 22%. A dor referida na EVA foi de 5 (pré-intervenção) para 0 (pós-intervenção), em que houve melhora de 100% do quadro de dor da paciente. Como conclusão, temos a necessidade de novos estudos que devem ser realizados para avaliar os resultados das técnicas de liberação miofascial com outros movimentos do ombro e compará-los com outras estratégias de cinesioterapia no tratamento da disfunção do ombro em mulheres mastectomizadas.
Abstract:
The incidence, morbidity, and mortality rates of breast cancer are high. The treatment breast cancer an lead to various complications, resulting in significant physical, emotional, and social consequences. In the context of rehabilitating musculos keletal diseases, a substantial focus has been place don implementing measures to prevent ad address post operative complications, particularly shoulder dysfunction. Myofascial therapeutic approaches haves hown promise in managing post operative shoulder issues, aiding in restoring upper limb function. This study a imsto evaluate the immediate impact of a deep fascial mobilization technique on pain and range of motion (ROM) in a case involving a mastectomized patient with shoulder pain and reduced arm flexion ROM. The patient underwent a single fascial mobilization intervention. Arm flexion was measure using photo goniometry, and the pain was assessed using a visual analogue scale (VAS). ROM data were analyzed in both pre intervention and post-intervention measurements. The pre-intervention ROM value was recorded at 128 degrees, while the post-intervention value reached 150 degrees, representing an average percentage improvement of 22%. The pain reported don the VAS decreased from 5 (pre-intervention) to 0 (post-intervention), signifying a remarkable 100% improvement in the patient’s pain condition. In conclusion, further researches essential to evaluate the efficacy of myofascial release techniques for various shoulder movements and compare them with
alternative kinesio therapy strategies in treating shoulder dysfunction among mastectomized women.
I. INTRODUÇÃO:
O câncer é definido como o crescimento desordenado de células que invadem tecidos e órgãos e podem espalhar-se para outras regiões do corpo (Costa et al., 2021). Atualmente, o câncer de mama é o tipo mais frequente no mundo entre as mulheres acima de 35 anos. Globalmente, cerca de 2,3 milhões de novos casos são diagnosticados a cada ano e por esse motivo, tem chamado a atenção da Organização Mundial de Saúde (INCA, 2021).
No Brasil, as estimou-se a ocorrência de 66.280 novos casos (Ministério da Saúde, 2020), que possuem como agravante o fato de serem diagnosticados em estádios mais avançados da doença o que gera a necessidade de tratamentos envolvendo terapias mais agressivas e mutilantes (Rett et al., 2022).
A mastectomia pode ser responsável por diferentes complicações físico funcionais. Destacam-se de modo geral as seguintes intempéries: infecções, necrose cutânea, seroma, síndrome da mama fantasma, alteração postural, diminuição de força muscular, fibrose cicatricial, dor, diminuição da amplitude de movimento do ombro homolateral à intervenção cirúrgica e consequentemente perda de funcionalidade (Mendonça et al., 2017; Rett et al., 2022).
A fisioterapia tem um papel fundamental na atenção as pacientes submetidas ao tratamento do câncer de mama, tendo como objetivos principais a prevenção de complicações, a melhora da dor e a recuperação funcional do membro superior (Silva et al., 2021; Coelho et al., 2021; Tomaz et al., 2022). No âmbito das técnicas cinesioterapêuticas, estas pacientes podem ser submetidas a vários procedimentos de terapia manual como drenagem linfática, mobilizações articulares e liberações miofasciais (Oliveira et al., 2023). Esta abordagem tem sido estudada por diversos autores (Panchik et al., 2019; Serra-Añóet al., 2019; Baileyet al., 2017) que apresentam um modelo biomecânico conhecido como principio da tensegridade para decifrar o papel da fáscia nas desordens músculo-esqueléticas considerando que o sistema miofascial forma uma rede única que tem o objetivo de transmissão de forças, logo o mau funcionamento de um único elemento desta rede causar perturbações em outros elementos levando a uma tensão no grupo miofascial que será transmitida a todo o conjunto de cadeias (Krzysztof et al., 2013; Myers, 2010).
A técnica atua com mobilizações da fáscia visando quebrar o espasmo muscular, aumentar a circulação local, melhorar o aporte sanguíneo, recuperar a mobilidade das fáscias, quebrando possíveis aderências no tecido conectivo e diminuir a dor (Martins et al.; 2019). A partir de seus princípios e efeitos, há uma grande aplicabilidade desta técnica nas mais diversas disfunções musculoesqueléticas, dentre elas as alterações decorrentes do pós-operatório de mastectomia.
Além disso, o método é relevante pelo baixo custo, simples e rápida abordagem. Pelo fato de haver poucos relatos na literatura referente às abordagens terapêuticas miofasciais no tratamento das disfunções do ombro em pacientes pós mastectomia, o objetivo geral deste estudo será analisar os efeitos da manipulação da cadeia miofascial anterior e lateral da região torácica e de membro superior, no arco de movimento de flexão e quadro álgico de uma paciente mastectomizada.
II. MATERIAIS E MÉTODOS
Mulher, 58 anos, diagnosticada em junho de 2022 com câncer mamário tendo acompanhamento na Clínica Escola Unigranrio-AFYA.
Como tratamento oncológico, indicou-se o processo cirurgico. Em maio de 2023, a paciente foi submetida à mastectomia à direita com preservação de pele, sem indicação de terapia adjuvante. Processo de cicatrização em boas condições. Paciente relata não optar por reconstrução mamária.
No momento em acompanhamento fisioterapêutico em mesma unidade. Apresenta deficiência cinético-funcional musculoesquelética com lesão de estruturas do complexo articular do ombro, moderada dor, redução de mobilidade articular para flexão de ombro, moderada redução de força, afetando membro superior direito tendo assim limitação para atividades funcionais. Nega patologias pregresas e uso de medicamento no momento da avaliação. Também nega etilismo e tbagismo. Histórico familiar de leucemia (mãe).
Para prosseguimento do estudo paciente foi orientada, tendo explicação dos benefícios e possíveis riscos da conduta assinando o TCLE que corrabora com o parecer número 25763814.4.3001.5274 do Cômite de Ética e Pesquisa.
Para avaliação da amplitude dos movimentos flexão e abdução do braço (ADM) nas condições pré e pós-intervenção, foi utilizada a técnica de fotogrametria, em uma sala com dimensão de 24m2. Para as fotos utilizamos uma câmera digital, celular modelo XiomeRedmi Note 8, assim como o software Encubadora SAPO, que possibilitará a quantificação dos dados referentes aos deslocamentos angulares dos movimentos de flexão do membro superior. Um tripé ficou posicionado a 0,83m de altura do solo e a 2,5m de distância dos sujeitos. Para o delineamento do modelo foram utilizados marcadores passivos brancos de 20mm, fixados em pontos anatômicos estratégicos, a saber: crista ilíaca, ângulo do acrômio, epicôndilo lateral e processo estiloide da ulna. Além disso, também foi colocado um pano preto no fundo a fim de gerar contraste. Para a execução do ato motor supracitado, adotou-se a posição fundamental por ser natural, com o objetivo de determinar o posicionamento inicial de registro da imagem para possibilitar posteriormente a comparação das imagens nos momentos pré e pós-intervenção. Para avaliação da alteração percentual de amplitude de movimento (APADM) entre a ADM inicial (ADMI) e a ADM ao final da intervenção (ADMF), será utilizada a fórmula APADM= ((ADMI-ADMF)/ADMI)*100.
Para avaliação da resposta terapêutica foi considerada a alteração da dor e da amplitude de movimento do braço homolateral pré e pós a intervenção terapêutica. Referente à avaliação da dor, foi utilizada a Escala Visual Analógica (EVA) que consiste de uma linha de 10 cm, com âncoras em ambas as extremidades. Numa delas é marcada “nenhuma dor” e na outra extremidade é indicada “a pior dor possível” (Oliveira et al., 2019). A paciente indicou a magnitude da dor no início (DI) e imediatamente após, ou seja, ao final da intervenção (DF). Para avaliação da alteração percentual de dor (APD) entre as avaliações, será utilizada a fórmula APD= ((DI-DF)/DI)*100.
III. PROCEDIMENTO:
Para a aplicação da manobra a paciente ficou posicionada em decúbito dorsal sobre uma maca com o membro superior homolateral a ser tratado com uma posição de antebraço em supinação com cotovelo estendido associado a uma abdução de ombro em torno de 30º. Esse posicionamento tornou-se necessário para minimizar a rigidez músculo-articular (Ingber 2008), além de deixar as estruturas anatômicas de interesse durante a terapia em fácil acesso a manualidade do terapeuta (Van de Wal. 2009).
O procedimento de liberação miofascial foi de acordo com a proposta de Myers (2010) onde um fisioterapeuta devidamente treinado realizou manualmente movimentos elípticos no sentido inferior para superior no tronco, e de proximal para distal no membro superior, com objetivo de descolar a interface profunda dos trilhos fasciais da região anterior de tronco, peitoral e face anterior do membro superior ipsilateral a intervenção cirúrgica. A paciente foi submetida a uma única intervenção que tem um tempo total de aplicação em torno de 60 segundos.
IV. RESULTADOS
O valor da ADM pré-intervenção foi de 128 graus e o pós-intervenção 150 graus; a melhora percentual foi de 22%. A dor referida na EVA foi de 5 (pré intervenção) para 0 (pós-intervenção), em houve melhora de 100% do quadro de dor da paciente.
QUADRO 1: EVA PRÉ E PÓS INTERVENÇÃO
QUADRO 2: MEDIDAS DE AMPLITUDE DE MOVIMENTO PRÉ E PÓS INTERVENÇÃO
FIGURA 1: POSIÇÃO DE FLEXÃO DO OMBRO ANTES DA INTERVENÇÃO E FLEXÃO DE OMBRO APÓS INTERVENÇÃO
V. DISCUSSÃO
A fáscia é o componente de tecido mole do sistema de tecido conjuntivo que permeia o corpo humano. Atua como uma matriz de suporte estrutural tridimensional (estrutura fibrosa) que atravessa e envolve todos os órgãos, músculos, ossos e fibras nervosas. Portanto, influencia a funcionalidade de todos os sistemas (Martins et. al., 2019).
O corpo humano é organizado mecanicamente em um sistema autoestabilizador caracterizado por um equilíbrio perfeito entre forças de tração e compressão (biotensegridade). O corpo humano utiliza a arquitetura da tensegridade para estabilizar sua forma e integrar a estrutura e função das células, tecidos, órgãos e tudo mais. O autor afirma ainda que as trocas bioquímicas intracelulares são causadas pelas forças utilizadas pelo sistema mecânico molecular (transdução mecânica). Em outras palavras, forças em macroescala produzem trocas bioquímicas celulares que poderiam explicar como as aplicações locais e sistêmicas da fisioterapia podem afetar fisiologicamente todos os tipos de tecidos (Moccia et al., 2016).
A fáscia está envolvida na função musculoesquelética. Myers (2010) define o esqueleto fibroso como uma rede única que desempenha um papel fundamental no processo de transmissão de energia. A unidade músculo-fascial é formada por tecido conjuntivo extracelular, miofáscias. Elas transmitem forças de tração e estão localizados na mesma direção das fibras musculares. Assim, as “trilhas” fasciais estendem-se além das origens e junções músculo-tendinosas e se conectam a outros grupos musculares da cadeia. O autor chama esse conceito de construção de trilhos frontais.
Outra consideração importante é que quando os músculos esqueléticos estão passivamente sob tensão, eles apresentam resistência mensurável, mesmo que seus neurônios motores não estejam ativados e, portanto, as fibras musculares não estejam se contraindo ativamente. Essa resistência é chamada por Schleip et al. (2006) como resistência passiva, elasticidade passiva, adaptação muscular passiva, extensibilidade passiva, tensão de repouso ou tensão muscular passiva.
Dentre os motivos que causam alterações no tecido miofascial há a sugestão científica relacionada a alterações na composição das fibras colágenas ou à transformação de fibroblastos em miofibroblastos, ou mesmo a uma alteração fundamental nos efeitos neurofisiológicos que levaria a alterações nas relações bioquímicas das células. O autor acrescenta que quando a fáscia perde a elasticidade e fica contraída, pode causar distorções corporais, causar problemas biomecânicos, alterar a força e o equilíbrio muscular e prejudicar a coordenação motora. Ao final desse processo, os pacientes podem sentir dor e disfunção devido à desorganização causada pelas alterações do estresse de Ingber (Zullo et al., 2017).
A dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a danos reais ou potenciais nos tecidos. Cada pessoa aprende a usar esse termo por meio de experiências traumáticas anteriores. Pacientes que sofrem de dor apresentam alterações biológicas e psicossociais que prejudicam o humor, as relações sociais e a capacidade de funcionamento da pessoa como um todo (Oliveira et al., 2023).
Apesar da eficácia da abordagem cirúrgica no tratamento do câncer de mama, diversas complicações têm sido relatadas a partir desses procedimentos, com destaque para a dor crônica pós-operatória. A dor crônica associada a um procedimento cirúrgico pode ser neuropática ou nociceptiva. A primeira é a dor por lesão nervosa ou disfunção nervosa, entidade que tem sido mais estudada por ser mais comum e corresponder à síndrome dolorosa pós-mastectomia, e a segunda é a síndrome dolorosa muscular, ligamentar e de inserção, síndrome dolorosa miofascial. (Ercolani et al., 2018; Bergmann e Silva, 2017).
A dor pós-câncer de mama tem componentes miofasciais. Tradicionalmente diagnosticados como sinais e sintomas de fase aguda, os danos nos tecidos moles podem levar à inflamação crónica, que foi recentemente diagnosticada como fibromialgia, dor por disfunção miofascial e fibrose (Martins et al., 2019).
A dor miofascial é única e característica e pode originar-se tanto do músculo quanto da fáscia. Tanto o local lesionado como as unidades miofasciais lesionadas tornam-se menos tensos, causando uma diminuição na amplitude de movimento associada às unidades miofasciais e articulações relacionadas, levando a sintomas posturais, redução da flexibilidade e amplitude de movimento, e até mesmo sobrecarga biomecânica que pode levar a dor crônica (Bennet et al., 2014).
VI. CONCLUSÃO
A técnica de manipulação miofascial em pacientes submetidos a mastectomia aumentou a amplitude articular do ombro e diminuiu a dor em paciente submetida a mastectomia, sendo necessário novos estudo com maior número de indivíduos para guiar a prática baseada em evidências.
VII. REFERÊNCIAS
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1Mestrando em Ciências da Saúde pela LOGOS Universitu International. Pós graduado em Fisioterapia Traumato-ortopédica pela Universidade Gama Filho. Pós-graduado em Gestão de Assistência em Saúde pela Faculdade Unyleya. Preceptor da Universidade Unigranrio. Afya e Tutor da Faculdade Anhanguera
2Discente do curso de graduação em Fisioterapia pela Universidade Unigranrio – Afya.
3Discente do curso de graduação em Fisioterapia pela Universidade Unigranrio – Afya.
4Discente do curso de graduação em Fisioterapia pela Universidade Unigranrio – Afya.
5Discente do curso de graduação em Fisioterapia pela Universidade Unigranrio – Afya.
6Graduada em Fisioterapia pela Universidade Unigranrio – Afya. Pós-graduada em Fisioterapia Respiratória pela Faculdade UniBF.