REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11661479
Fernanda da Silva Andrade
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo fazer algumas reflexões sobre o trabalho na perspectiva da educação inclusiva, de forma a contribuir no debate sobre os desafios postos à Educação pelas profundas mudanças que caracterizam a cultura escolar contemporânea. Conclui-se com este estudo pode representar um avanço no trabalho pedagógico na perspectiva da inclusão, na medida em que o profissional atua de forma conjunta e compartilhada na regência de turma onde se tenha matriculados educandos da educação especial.
Palavras-chave: Educação Inclusiva.
1.INTRODUÇÃO
O Atendimento Educacional Especializado (AEE) é um serviço da educação especial que identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade, visando eliminar barreiras para a plena participação dos alunos, atendendo suas necessidades específicas (BRASIL, 2008, p. 15). Conforme o Decreto nº 7611/2011 (BRASIL, 2014j), o AEE deve integrar a proposta pedagógica da escola, envolver a participação da família para garantir pleno acesso e participação dos estudantes, atender às necessidades específicas do público-alvo da educação especial e ser realizado em articulação com outras políticas públicas (Art. 2º).
O AEE, conforme estabelecido na Lei nº 9.394/96 – LDBEN (BRASIL, 2014b) nos artigos 58, 59 e 60, e na Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 2010a), não substitui o direito ao acesso à educação em classes comuns da rede regular de ensino. Em vez disso, tem como objetivo atender as especificidades desses estudantes como uma complementação ao ensino regular. Esse atendimento pode ocorrer tanto no contexto da escola, em turno oposto, ou em espaços segregados, visando atender estudantes com necessidades significativas e severas.
Além disso, as Diretrizes Nacionais da Educação Básica, conforme a Resolução CNE/CEB nº 4/2010 (BRASIL, 2010b), estabelecem que os estudantes devem ser matriculados na rede de ensino regular e, quando necessário, também no AEE. Esse atendimento é oferecido por centros especializados da rede pública ou por instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas, em salas de recursos multifuncionais, como complemento à escolarização.
Segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Edu cação Inclusiva (BRASIL, 2008a), o Atendimento Educacional Especializado é uma complementação ao ensino regular, realizado preferencialmente em escolas comuns, em um espaço de aprendizagem diferenciado denominado Sala de Recursos Multifuncionais onde são atendidos alunos com deficiência, alunos com transtornos globais do desenvolvimento e alunos com altas habilidades.
Assim sendo, a referida Política define o público-alvo do atendimento educacional especial, ou seja: estudantes com deficiência – aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem ter obstruída sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade; estudantes com transtornos globais do desenvolvimento – aqueles que apresentam quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação e/ou estereotipias motoras. Fazem parte dessa definição estudantes com autismo infantil, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância e estudantes com altas habilidades ou superdotados – aqueles que apresentam potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotora, artes e criatividade.
O atendimento educacional especializado pode ser ofertado em salas de Recursos Multifuncionais, cujo objetivo é promover condições de acesso a estudantes público alvo da educação inclusiva, viabilizando a oferta do atendimento educacional especializado como espaço de complementação da aprendizagem.
A sala é equipada com mobiliário específico, materiais didáticos, recursos pedagógicos e de acessibilidade, além de equipamentos que atendem às necessidades dos estudantes. O professor da sala de recursos multifuncionais deve ter formação específica para atuar nesse ambiente e deve colaborar com o professor da classe comum para complementar a escolarização do estudante. É importante destacar que a abertura de salas de recursos multifuncionais nos Colégios Maristas será considerada somente após a identificação das necessidades das unidades e uma discussão com a direção das escolas.
O acesso à educação e o direito à aprendizagem são garantias constitucionais universais, ou seja, previstas a todos os brasileiros como dever do Estado e da família. A diversidade de experiências, habilidades, contextos e capacidades entre estudantes é uma realidade que deve ser celebrada através de práticas educacionais inclusivas. Nas últimas décadas, a insistência em modelos pedagógicos padronizados demonstrou ser pouco eficiente, de modo que o presente e o futuro da educação consistem na promoção da diversidade como um valor inegociável. Quanto mais respeitados em suas diferenças, mais os estudantes e educadores avançam, sejam eles pessoas com ou sem deficiência.
Uma história de lutas e conquistas
Ao falar da educação inclusiva, é crucial resgatar o histórico de lutas, conquistas e estudos que consolidaram essa estratégia pedagógica como um modelo de avanço educacional. Ao longo da década de 90, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e movimentos sociais em defesa dos direitos das pessoas com deficiência se mobilizaram em torno desse tema, resultando na publicação de importantes documentos. Desde a Declaração de Salamanca (1994) até a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2006 e incorporada à Constituição federal, na forma da Lei Brasileira de Inclusão (LBI).
Historicamente, a diversidade de habilidades e características físicas e intelectuais foi categorizada pelo saber médico e científico na forma de padronizações excludentes. Nesse sentido, conformou-se ao longo do século 18 o chamado “corpo normal”, isto é, uma medida arbitrária de humanidade calcada em um conjunto de características tidas como necessárias para se constituir enquanto um sujeito de direitos. Uma pessoa que não atendesse a essas expectativas era definida como menos capaz e, por conseguinte, excluída dos espaços de convivência social, educação e trabalho. A esse fenômeno histórico e social dá-se o nome de capacitismo, o qual resulta da exclusão sistemática e estrutural de pessoas com deficiência.
A LBI é uma grande conquista na medida em que vai na contramão desse passado histórico, definindo a deficiência como atributo que não pode ser descolado do contexto, uma vez que se dá na interação de uma pessoa que possui uma ou mais características que divergem do padrão com barreiras. Em outras palavras, a deficiência – seja ela de que ordem for – só existe na relação com um mundo repleto de impedimentos para a plena inclusão da pessoa que a possui. As barreiras podem ser arquitetônicas (portas estreitas, banheiros não adaptados, por exemplo); urbanísticas (calçada desnivelada, falta de piso tátil e sinal sonoro em semáforos, entre outros); nos transportes (ausência de rampas e corrimão); na comunicação (ausência de libras, legendas, texto alternativo etc.); tecnológicas (que impedem o acesso à tecnologia); e/ou atitudinais.
As barreiras atitudinais são um conjunto de preconceitos e predisposições contrárias à presença e inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. Imaginar que uma criança com deficiência atrapalha o processo de ensino e aprendizagem de outros estudantes é um dos exemplos mais contundentes e comuns dessa discriminação, como reproduziu o atual ministro da Educação, Milton Ribeiro. As conquistas legais nesse campo consolidaram, contudo, a corresponsabilidade entre Estado e sociedade na eliminação de barreiras, de modo a possibilitar que pessoas com deficiência se desenvolvam de maneira autônoma e independente. Pensando nas implicações diretas desse debate para a educação, Rodrigo Hübner Mendes – superintendente do Instituto Rodrigo Mendes, referência na promoção de práticas inclusivas – compreende que: “No âmbito da educação, tal perspectiva gera impactos contundentes no modo de pensar o acolhimento das diferenças humanas no ambiente escolar, uma vez que desconstroi o cômodo argumento de que a escola e os professores estão dispostos a atender ao aluno com deficiência desde que ele se adapte ao modelo presente. (…) Além disso, a convenção esclarece que as pessoas com deficiência não devem ser excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência. Ao contrário, devem ter acesso ao ensino em igualdade de condições com os demais estudantes, de modo a conviver plenamente com toda a comunidade escolar.”
2.DESENVOLVIMENTO
Educação inclusiva: uma escola de todos e para todos
O compromisso de uma educação que se propõe universal deve ser o de incluir a diversidade, fugindo de modelos padronizados, que não respeitam as realidades dos estudantes e de suas famílias e promovem cenários de exclusão e fracasso escolar. Historicamente, pessoas com deficiência tiveram o acesso à educação negado ou muito restringido. Apesar dos avanços nas últimas décadas e do aumento progressivo de matrículas, a exclusão escolar ainda atinge desproporcionalmente as crianças e jovens com deficiência. Analisando os dados do Censo Escolar de 2016, Rodrigo Mendes avalia que:
“Sendo conservador, estou usando uma estatística da Organização Mundial da Saúde, temos 15% da população com alguma deficiência. Hoje, no Ensino Médio brasileiro, somente 0,68% das matrículas é ocupada por pessoas desse segmento social. Precisamos mudar esse cenário.”
As restrições se davam através de modelos educacionais de segregação – quando a criança ou o adolescente é apartado do convívio com a sociedade e com a família e confinado a uma instituição – ou de integração, modelo no qual a pessoa com deficiência frequenta uma classe ou escola especial.
Para o especialista, as salas de aula e escolas especiais reproduzem muitas características do modelo segregador, uma vez que há uma forte presença da saúde e da assistência social na rotina escolar. Porém, a integração permitiu maior participação do estudante com deficiência em outros espaços públicos, ainda que não possibilitasse um “processo de aprendizagem em contato contínuo com os demais alunos, sob a alegação de que esse modelo era mais seguro e oferecia um atendimento de maior qualidade”. Com efeito, foi esse processo em contato contínuo que se mostrou, nas últimas décadas, como o modelo mais adequado e eficiente para a aprendizagem tanto das crianças e adolescentes com deficiência quanto para os demais estudantes.
Mas como podemos definir o que é o modelo de inclusão? Entre os mais diversos especialistas em educação inclusiva ao redor do mundo, o ponto de partida consensual é a ideia de que “o acesso à educação é um direito inegociável”. Para Rodrigo Mendes três fatores fundamentais sustentam e qualificam a implementação desse direito: a garantia do convívio, o acesso ao mesmo currículo e, por fim, a existência de altas expectativas para todos os estudantes:
“A implementação desse direito deve contemplar três fatores que o qualificam e o sustentam. O primeiro é a garantia de convívio, de interação do estudante com deficiência com o restante da comunidade escolar, na medida em que essa interação é um ingrediente fundamental para que o aluno seja desafiado e possa desenvolver o máximo de seu potencial. O segundo fator é a garantia de acesso ao mesmo conhecimento, ou seja, ao mesmo currículo. Esse tema é muito oportuno, tendo em vista que estamos na fase de implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o que envolve traduzir em práticas pedagógicas os currículos que foram criados pelos estados e municípios. O fato de um estudante ter uma deficiência não pode servir de desculpa para que ele seja privado do conteúdo na sua íntegra, mesmo que isso envolva flexibilizações ou diversificação de estratégias pedagógicas. O terceiro fator é a existência de altas expectativas para todos os alunos, independentemente de suas particularidades.”
A inclusão garante direitos e promove a aprendizagem, estimulando a autonomia e a independência das pessoas com deficiência em todas as fases da vida. Dessa forma, o Brasil estabeleceu na Meta 4 do Plano Nacional de Educação o objetivo de universalizar para a população de 4 a 17 anos com deficiência o acesso à educação de acordo com o modelo de inclusão. A abordagem prioriza o direito de todos os estudantes frequentarem as salas regulares, combatendo qualquer discriminação. Além disso, a meta prevê espaços de atendimento educacional especializado (AEE), como medida complementar e não substitutiva da sala de aula comum, que podem ser frequentados pelos estudantes com deficiência no contraturno. O AEE tem por objetivo identificar demandas específicas e elaborar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem barreiras existentes, garantido a inclusão e autonomia dos estudantes.
O superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, em participação no podcast Conselho de Classe, falou sobre a importância da educação inclusiva. Para ele, a previsão de escolas e classes especiais:
“vai completamente na contramão das conquistas da educação inclusiva dos últimos anos no Brasil e no mundo. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) caminham na direção da educação inclusiva. Em 1998, nós tínhamos 340 mil estudantes com deficiência matriculados na escola, somente 13% estavam em escolas inclusivas. Em 2008 entrou em vigor uma política de educação especial e, a partir desse ano, o número de matrículas de pessoas com deficiência nas escolas comuns superou o da educação especial. Agora, em 2020, chegamos a 90% dos estudantes com deficiência matriculados em escolas comuns. Estamos falando de mais ou menos de 1 milhão e 300 mil de estudantes matriculados nas escolas. Não devemos, como sociedade, após essas décadas todas de avanços e conquistas, retroceder ao paradigma da segregação. A segregação ocorre quando estudantes com deficiência estão em ambientes separados, em escolas especiais, isolados dos estudantes sem deficiência.”
Esse processo descrito por Henriques cria uma limitação artificial dos horizontes possíveis para jovens e adultos com deficiência. Um levantamento do Instituto Alana, coordenado pelo Dr. Thomas Hehir, da Escola de Educação de Harvard, demonstrou como o modelo de escola segregada gera pessoas com maior dependência da família e dos serviços sociais e menos integração ao mundo do trabalho e do ensino superior. Além disso, o estudo acompanhou 68 mil estudantes com deficiência e, através de um modelo comparativo, foi capaz de demonstrar que em escolas e classes segregadas havia uma performance significativamente inferior nas competências em linguagem, leitura e matemática. As baixas expectativas desse modelo impedem o desenvolvimento pleno das capacidades cognitivas e socioemocionais necessárias, os estudantes se encontram mais desmotivados e desacreditados por estarem segregados.
Além dos benefícios concretos às pessoas com deficiência, Ricardo Henriques reforçou como o modelo inclusivo estimula as capacidades do conjunto da comunidade escolar:
“A educação inclusiva é para todos os estudantes. É para ter igualdade de oportunidades, valorização da diversidade, e promover a aprendizagem de todos, com deficiência e sem deficiência. A escola, a gente não pode esquecer, é muito mais do que um local de aprendizagem das disciplinas curriculares tradicionais, é um espaço de socialização e integração dos estudantes. É um espaço de valorização da diversidade que favorece o desenvolvimento cognitivo, evidentemente, mas também socioemocional.”
A noção falaciosa e preconceituosa de que a presença de estudantes com deficiência “atrapalha” a aprendizagem esbarra em evidências concretas que apontam o exato oposto. O levantamento do Instituto Alana é um dos diversos estudos nesse sentido, como comentou o superintendente do Instituto Unibanco:
“Certamente não há perda de aprendizagem, pelo contrário, há um aumento da visão de uma sociedade democrática, plural, competente, associado a visões de empatia, criatividade, capacidade de trabalhar em conjunto. Portanto, é fundamental para os alunos com deficiência e bom para os alunos sem deficiência. A gente precisa apoiar os professores, precisa ter formação e subsídios necessários aos profissionais. Não podemos esquecer de forma alguma que não são as características individuais das pessoas com deficiência que atrapalham a escola ou impedem a inclusão. São as barreiras de segregação que impedem a inclusão. Necessitamos de formação adequada para os educadores, transporte escolar, apoio aos professores na sala de aula, materiais pedagógicos adaptados, apoio sobretudo de oferta do atendimento educacional especializado e projeto pedagógico com intencionalidade inclusiva. Uma escola de todos e para todos.”
Desafios e riscos de retrocesso
A pandemia de covid-19 trouxe diversos desafios para a educação, sobretudo no que se refere às adaptações necessárias para o modelo remoto em virtude das medidas de isolamento e distanciamento social. Estudantes com deficiência e suas famílias, por sua vez, vivenciaram desafios e demandas específicas, envolvendo a acessibilidade dos materiais nas aulas a distância e no modelo híbrido.
O Instituto Rodrigo Mendes, em conjunto com o Portal Diversa, promoveu uma série de webinários com enfoque nas práticas desenvolvidas ou aprimoradas durante a pandemia. Andreia Duque, gestora educacional na Secretaria Municipal de Educação de Cruzeiro, participou de um dos webinários, falando sobre a relevância do diálogo e da criação de vínculos entre a escola e as famílias. Duque reforçou a importância de investir em materiais pedagógicos acessíveis para evitar o aumento das desigualdades de aprendizagem, tanto nas atividades remotas quanto na retomada gradual das atividades presenciais:
“O foco das atividades trabalhadas é o desenvolvimento das habilidades e competências, evitando cair no conteudismo e no desgaste. Nossa intenção foi criar conteúdos simples e objetivos, de fácil compreensão, pensando nas flexibilizações necessárias para que todos sejam atendidos e no desgaste da família. O mais importante é o vínculo, pois nem sempre a gente vai conseguir atender a demanda na hora, mas a família sabe que terá um atendimento humanizado.”
O desenvolvimento de práticas pedagógicas inclusivas beneficia a todos os estudantes, tenham eles alguma deficiência ou não. Em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de Cruzeiro, a secretaria municipal desenvolveu o projeto piloto M.A.P.A (Materiais Pedagógicos Acessíveis):
“Com o objetivo de ressignificar a educação, firmamos a parceria de construção de materiais pedagógicos acessíveis, procurando mostrar que todos são capazes de aprender, desde que lhes sejam oferecidos recursos apropriados para participação nas aulas e no desenvolvimento de competências, a fim de que tenham condições de exercer a cidadania e se preparar para a realidade do mercado de trabalho.”
O desenvolvimento de modelos tridimensionais do sistema Terra-Lua e da pirâmide alimentar ampliaram as possibilidades pedagógicas, qualificando o processo de ensino-aprendizagem. A introdução dessas ferramentas alternativas contribui para o desenvolvimento de competências e habilidades em todos os estudantes, sobretudo ao incluir a perspectiva deles no desenvolvimento dos próprios modelos.
Essa abordagem está em consonância com o desenho universal da aprendizagem (DUA), estratégia pedagógica da educação inclusiva que favorece a diversificação de plataformas e métodos educacionais. Yara Aparecida da Silva, professora do AEE e do apoio e acompanhamento à inclusão na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, reforçou essa perspectiva em sua participação:
“Nos mobilizamos para estar mais perto das famílias, estreitando esse vínculo, pois é uma parceria para o desenvolvimento do aprendizado. É a família que dá o feedback para que o professor possa planejar novas ações, articulado ao professor do AEE, para que possamos eliminar as barreiras e o estudante tenha garantido o direito à aprendizagem. É importante reforçar o desenho universal da aprendizagem como instrumento para todos. Temos que pensar no estudante com deficiência, no estudante em situação de vulnerabilidade, no estudante com deficiência que também está em situação de vulnerabilidade e nos demais estudantes, como o estudante que está com um problema emocional, por exemplo.”
Enquanto as redes de ensino ainda lidam com a necessidade de adaptar aulas, tanto remotas quanto presenciais, às exigências sanitárias impostas pelo atual contexto, outros desafios põem em risco os direitos dos estudantes com deficiência em nosso país. Em setembro de 2020, o atual governo promulgou o Decreto nº 10.502, que instituiu a Política Nacional de Educação Especial. A medida prevê, entre outras coisas, o retrocesso ao modelo de integração segregada, com escolas e classes especiais. Suspenso em caráter preliminar por decisão do Superior Tribunal Federal (STF) desde dezembro de 2020, o decreto aguarda uma decisão definitiva da corte.
Além de seguir um modelo duramente criticado por especialistas, familiares e organizações que atuam em defesa dos direitos das pessoas com deficiência, o decreto pode retroceder muito as conquistas da educação inclusiva consolidadas nas últimas décadas. Ao determinar salas e escolas especiais, o decreto divide a previsão orçamentária, desestimulando o investimento para inclusão em escolas e classes regulares. Dessa forma, abre-se o precedente para que o Estado não custeie as adaptações necessárias à diminuição das barreiras para os estudantes com deficiência nas escolas.
O pressuposto falacioso, reproduzido em uma das declarações do ministro da Educação, Milton Ribeiro, de que existem deficiências severas com as quais seria “impossível a convivência” transfere a responsabilidade de garantir as condições de acessibilidade do Estado para o indivíduo. Não é o estudante que não possui as habilidades necessárias para estar numa sala de aula regular, é a escola que precisa se capacitar, eliminando barreiras – inclusive as atitudinais –, para possibilitar o pleno desenvolvimento das capacidades de todos. Como explica Ricardo Henriques, trata-se de um momento crucial para a defesa do direito à educação universal:
“O modelo brasileiro de educação inclusiva é o mais contemporâneo, mais do que o de vários países. Não podemos permitir que falas do ministro Milton Ribeiro, nem decretos como o que será analisado no STF, retrocedam as conquistas das últimas três décadas. Não podemos esquecer que o modelo de escola especial que segrega os alunos com deficiência foi testado por várias décadas e fracassou. As gerações que passaram por escolas inclusivas tiveram convívio, interação, estímulo contínuo e altas expectativas, isso que garantiu serem cidadãos mais autônomos. Precisamos continuar na rota de evolução da educação brasileira, e para isso precisamos reconhecer a escola inclusiva como tão importante para o estudante com deficiência quanto para aquele que não tem deficiência.”
O aumento exponencial das matrículas de pessoas com deficiência tanto no Ensino Médio quanto no Ensino Superior demonstram de maneira inquestionável os avanços promovidos pela inclusão, sobretudo no que tange ao aumento da autonomia e independência desses estudantes na vida adulta. Levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) demonstra como, em uma década (2003-2013) de investimento em práticas inclusivas, as matrículas de jovens com deficiência no Ensino Médio aumentaram quase 88%. Já no Ensino Superior, o aumento ficou pouco acima dos 83%. Nos últimos anos, esse aumento se manteve: em 2020, o número de matrículas de estudantes com deficiência chegou a 1,3 milhão, um aumento de 34,7% em relação a 2016. Além disso, entre os estudantes de 4 a 17 anos, observa-se que o percentual de matrículas em turmas e escolas inclusivas continuou aumentando gradativamente, passando de 89,5%, em 2016, para 93,3%, em 2020.
Qualquer proposta que vá na contramão da inclusão põe em risco não apenas o acesso à educação de milhões de crianças e adolescentes, como também o seu desenvolvimento pleno para uma vida adulta independente. Além disso, o retorno aos modelos de segregação e integração empobrece a educação brasileira, impedindo que a comunidade escolar como um todo desenvolva suas capacidades plenamente. A inclusão é um investimento que extrapola os muros da escola, uma vez que é capaz de promover uma sociedade mais plural e democrática.
Referência:
*BRASIL. Saberes e práticas da inclusão. Brasília, DF: Ministério da Educação Secretaria de Educação Especial, 2006ª.Brsil. Lei de nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
*Diário oficial (da) União, Poder Executivo, Brasília, DF,16 jul.1990. BRASIL.
*Educação inclusiva: direito à diversidade. Brasília, DF: Ministério da Educação Secretaria de Educação Especial, 2006b. BRASIL. Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001a. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências.
* BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Acesso em 09 set 2015. BRASIL, Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf.
*BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 4 de 2010.
*Diário Oficial da União, Brasília, 14 de julho de 2010, Seção 1, p. 824. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_10.pdf BRASIL. *Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília: MEC, 2000b.