REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202412092256
Nathalia Aguiar de Souza,
Orientadora: Amanda Cruz de Moura Campos,
Coorientadora: Michelle Andreza Falcão Rodrigues
RESUMO
Este relato de experiência descreve a implementação de práticas grupais de educação em saúde na Atenção Primária à Saúde, destacando sua importância no fortalecimento da atenção integral e promoção da saúde, de acordo com os princípios do Sistema Único de Saúde. A autora, sanitarista residente, compartilha suas vivências em duas Unidades Básicas de Saúde no Distrito Federal. A experiência permitiu a análise de diferentes abordagens, evidenciando a influência da dinâmica das equipes multiprofissionais e das características locais nos resultados das atividades. A educação em saúde se mostrou essencial para promover o autocuidado, empoderamento dos participantes e fortalecimento do vínculo entre comunidade e profissionais de saúde. Apesar dos desafios, como a baixa adesão inicial e ausência masculina, os grupos demonstraram potencial transformador, ampliando a autonomia e protagonismo dos usuários.
Palavras-chaves: Educação em Saúde, Atenção Primária à Saúde, Promoção da Saúde, Integralidade em Saúde, Práticas de Saúde
1 INTRODUÇÃO
A Atenção Primária à Saúde (APS) é o nível inicial de contato dos indivíduos, famílias e comunidades com o público de saúde no Brasil. Sua principal função é fornecer cuidados integrais e contínuos, focando na promoção da saúde, prevenção de doenças, diagnóstico, tratamento e reabilitação. A APS é estruturada para resolver a maior parte das necessidades de saúde da população, sendo o primeiro ponto de contato com os serviços de saúde e ordenando o cuidado com os outros pontos da rede de saúde. É o serviço responsável por coordenar o cuidado ao longo do tempo, integrando diferentes níveis de atenção e setores, e atua com enfoque na longitudinalidade, integralidade e coordenação do cuidado, elementos centrais para garantir a continuidade e a qualidade dos serviços oferecidos aos usuários do sistema de saúde¹.
A criação do Programa de Saúde da Família (PSF) em 1994, visou transformar o modelo de atenção à saúde, colocando em foco o cuidado às famílias, com abordagem dentro do contexto de seu ambiente de vida. Entre as iniciativas do PSF, destacam-se as ações educativas, que se tornaram uma ferramenta fundamental para estimular a autoestima e o autocuidado dos integrantes das famílias, promovendo reflexões que incentivam mudanças nas atitudes e comportamentos. Nesse contexto, a função dos profissionais de saúde como agentes de mudança evolui para a de facilitadores no processo de educação em saúde, orientando e apoiando as famílias na adoção de práticas saudáveis e na promoção de melhorias na saúde e qualidade de vida (2).
No Distrito Federal, o modelo de atenção à saúde é estruturado a partir das Regiões de Saúde, conforme estabelecido pelos Decretos nº 37.515/2016 e 37.057/216. Essas regiões organizam o território em áreas específicas para facilitar o planejamento, a gestão e a oferta de serviços de saúde de forma descentralizada e integrada. Cada região de saúde conta com redes de serviços que atuam em diferentes níveis de complexidade, sendo a APS o eixo central para a ordenação do cuidado e a coordenação das redes. As regiões administrativas do DF são sete: Central; Região Oeste; Norte; Sul; Sudoeste; Leste e Centro-Sul.
As duas UBS que foram cenários da experiência relatada nesse artigo fazem parte da região Sudoeste, que hoje habita parcela significativa da população do DF, De acordo com o Infosaúde são 880.914 mil habitantes em 2024, representando 27,5% de toda a região do DF. Ela abrange as RAs Taguatinga, Recanto das Emas, Samambaia, Vicente Pires, Águas Claras e Arniqueiras, concentrando uma diversidade socioeconômica e cultural, com desafios significativos relacionados à vulnerabilidade social e à alta demanda por serviços de saúde.
A busca por um novo modelo de atuação em saúde pública, que atenda às necessidades e características da população, frequentemente se concretiza por meio do uso de práticas grupais. Essas práticas são particularmente eficazes por considerarem a cultura e a linguagem dos participantes, valorizando o contexto social. O grupo permite compartilhamento de sensações e sentimentos, ampliando a compreensão e a significação dos processos de saúde e doença, além de fortalecer a organização e a ação conjunta (3).
É crucial entender que “formar um grupo” vai além de reunir pessoas em um mesmo espaço; trata-se de criar redes sociais e compartilhar experiências. Os grupos funcionam como espaços onde se escutam as necessidades, problemas e vivências dos participantes, promovendo a troca de informações entre a experiência técnica dos profissionais e as vivências dos usuários, em busca de soluções conjuntas. Assim, o grupo se torna um dispositivo para analisar relações e modos de viver, gerando mudanças que podem melhorar a qualidade de vida. As atividades grupais devem apresentar aspectos comuns que favoreçam a identidade coletiva. Vários critérios podem ser utilizados para agrupar os usuários, como gênero, idade, escolaridade, renda e condições clínicas, sendo a estratificação de risco particularmente importante para definir o tipo de cuidado necessário e a organização da equipe (3). A educação em saúde, quando bem estruturada, pode aumentar a adesão ao tratamento e melhorar a autopercepção da saúde dos usuários, refletindo diretamente na satisfação com os serviços prestados (4).
O papel do sanitarista no planejamento de grupos de saúde é multifacetado e essencial para a promoção da saúde pública. Sanitaristas, profissionais graduados em saúde coletiva, possuem uma formação transdisciplinar que os capacita a intervir em diversas dimensões da gestão e da atenção à saúde(5). Essa formação abrange não apenas a assistência direta, mas também a organização e o planejamento de políticas públicas voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde da população. Um dos aspectos mais relevantes da atuação do sanitarista é sua capacidade de integrar diferentes saberes e práticas em equipes multiprofissionais, algo fundamental para enfrentar os complexos problemas de saúde contemporâneos, onde a colaboração entre diferentes profissionais é necessária para um cuidado integral(6).
No Brasil, a residência multiprofissional representa um modelo inovador de formação que visa atender às demandas de saúde no ambiente em que se insere, promovendo a colaboração entre diferentes áreas profissionais e aprimorando a atuação com base nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Esses programas de residência em saúde pública emergem como uma estratégia crucial para alinhar a capacitação dos profissionais às necessidades da população e ao fortalecimento do sistema. A interação entre preceptores, tutores e residentes possibilita que as instituições de saúde revisem e, quando necessário, ajustem suas práticas, integrando constantemente teoria e prática para aprimorar suas ações(7).
A residência em que a autora participou foi na área de Saúde da Família e Comunidade, oferecida pela Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS). Esse programa proporcionou uma formação voltada para a prática na atenção primária à saúde, permitindo uma imersão nas realidades locais e o desenvolvimento de competências essenciais para o atendimento integral às famílias e comunidades. A experiência adquirida nesse contexto foi fundamental para a formação profissional e para a contribuição no fortalecimento dos serviços de saúde.
2 MÉTODO
Trata‑se de relato de experiência sobre a vivência de uma sanitarista durante o período de residência multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade. Durante o período, foram duas vivências em UBS diferentes, primeiramente na UBS 05 de Taguatinga, de Março de 2023 a Março de 2024, e o outro entre Setembro e Dezembro de 2024 , na UBS 04 do Recanto das Emas. Para a elaboração deste relato de experiências foram usadas como fontes de informações, os registros pessoais da autora e as memórias das reuniões internas.
A residente esteve inserida na equipe multiprofissional tanto na UBS 5 quanto na UBS 4, o que proporcionou uma rica experiência de trabalho colaborativo. Na UBS 5, a equipe era composta por fonoaudióloga, nutricionista, fisioterapeuta, farmacêuticos, psicóloga e residentes de fonoaudiologia e saúde coletiva, promovendo uma abordagem integrada e interdisciplinar no cuidado à saúde. Já na UBS 4, a equipe incluía nutricionista, assistente social, psicóloga, farmacêuticos, fisioterapeuta, além de residentes de farmácia, psicologia e saúde coletiva.
As duas unidades promoviam grupos de acordo com as necessidades específicas da população local e com a capacidade de atendimento dos profissionais. Na UBS 05 de Taguatinga, na época, incluíam os grupos: de Gestantes, encontros voltados para a educação pré-natal e cuidados durante a gestação; Grupo de Introdução Alimentar, sessões sobre a introdução de alimentos na dieta das crianças; Hiperdia, grupo focado na prevenção e controle de hipertensão e diabetes; Grupo de Coluna, atividades voltadas para os pacientes que sentiam dores relacionadas a coluna vertebral; Vida Leve, programa de atividades físicas, promoção de saúde e cuidados na alimentação
Na UBS 04 do Recanto das Emas, os grupos atendem às seguintes necessidades: Grupo de Mulheres, atividades focadas em saúde da mulher e promoção do bem-estar; Grupo de dor Crônica, dedicado ao manejo e suporte para condições de dor crônica; Artesanato, atividades de artesanato como forma de promoção da saúde mental e social; Vida Leve, proporcionamento de suporte e orientação para promover mudanças no estilo de vida; Grupo de Crianças, atividades voltadas para a saúde e desenvolvimento infantil e o Grupo de Caminhada, incentivo à prática de atividades físicas através de caminhadas.
2.1 Grupo de Gestantes
Era um grupo ofertado na UBS 05, a experiência no planejamento, execução e avaliação do Grupo de Gestantes envolveu a implementação de estratégias direcionadas à criação de um espaço propício para a troca de experiências entre as participantes, fundamentando-se na identificação da crescente demanda de gestantes em determinadas equipes de saúde da família (ESF). O planejamento inicial contemplou a seleção de temas pertinentes à saúde gestacional, tais como nutrição, direitos das gestantes e elaboração de planos de parto, visando fornecer informações relevantes e aplicáveis. Os encontros foram estruturados para ter uma duração máxima de 60 minutos pela manhã, com o intuito de otimizar o tempo e assegurar a participação ativa das gestantes. As participantes eram marcadas pela ESF, diretamente na agenda do profissional responsável. Era um grupo aberto, podendo participar as gestantes em qualquer idade gestacional..
2.2 Hiperdia
O Hiperdia é um programa governamental voltado para a prevenção e controle da hipertensão e diabetes. Na UBS 5, a implementação do programa apresentava um formato diferenciado em comparação à UBS 4 do Recanto das Emas, sendo um grupo unificado para todas as equipes de saúde, com planejamento realizado em conjunto pela equipe multiprofissional e pela preceptoria médica.
Foram organizadas duas turmas, com quatro encontros quinzenais cada, em formato de palestras que abordaram temas como cuidados com o pé diabético, alimentação adequada, manipulação e armazenamento de medicamentos. Além das palestras, foram introduzidas atividades didáticas, como quizzes sobre doenças crônicas, com o objetivo de aumentar o engajamento dos participantes. Ao término de cada ciclo, os pacientes recebiam uma cartilha que continha um resumo dos conteúdos discutidos, além de um espaço para anotações e controle de saúde, promovendo assim maior autonomia na gestão de suas condições crônicas. Por sua vez, na UBS 4 do Recanto das Emas, o Hiperdia era organizado de maneira distinta, com cada equipe de saúde conduzindo seus grupos separadamente, com um foco restrito à troca de receitas de medicamentos e consultas, quando necessárias.
2.3 Vida Leve
Vida Leve foi um grupo desenvolvido pela equipe multiprofissional eMulti em ambas as unidades. Na UBS 5, o foco do grupo era voltado pro combate à obesidade, os temas eram previamente definidos pela equipe durante o planejamento, garantindo um cronograma estruturado. Em cada encontro, os pacientes eram pesados e suas medidas corporais registradas, permitindo um acompanhamento contínuo dos resultados. Na UBS 4, os encontros eram mensais e o foco era o desenvolvimento de hábitos de vida saudáveis, os temas discutidos eram escolhidos pelos participantes, o que fomentava um ambiente mais participativo e dinâmico.
2.4 Grupo de Introdução Alimentar
Este grupo, exclusivo da UBS 5, foi desenvolvido em colaboração entre fonoaudiólogas e a nutricionista, com foco na introdução alimentar de bebês de 5 a 7 meses e seus responsáveis. O objetivo principal era orientar sobre a introdução adequada de alimentos na dieta infantil, bem como sobre o uso de mamadeiras e chupetas. Cada bebê participava de apenas um encontro, no entanto, caso os responsáveis identificassem a necessidade, poderiam retornar para novas sessões. Essa flexibilidade permitia que as famílias esclarecessem dúvidas e recebessem acompanhamento adicional diante de dificuldades no processo de introdução alimentar.
2.5 Grupo de Crianças
O Grupo de Crianças foi realizado exclusivamente na UBS 04 do Recanto das Emas, caracterizando-se como uma iniciativa inovadora com uma abordagem multidisciplinar. Na primeira edição, direcionada a crianças de 7 a 9 anos, o grupo consistiu em cinco encontros temáticos que promoveram o desenvolvimento integral das crianças e fortaleceram os vínculos familiares. Durante as sessões, foram realizadas atividades lúdicas como roda de dança e jogos (Memória, Pictureka e Jenga), além de dinâmicas voltadas para leitura, escrita, desenvolvimento motor e psicomotor, e expressão de emoções, estimulando habilidades como concentração, raciocínio, sociabilização e percepção sensorial. Enquanto isso, os pais participaram de orientações em outro espaço. No encontro de encerramento, que reuniu pais e filhos, foram promovidas a integração familiar e o fortalecimento dos vínculos parentais, consolidando os objetivos do projeto.
2.6 Grupo de Caminhada
O Grupo de Caminhada na UBS 4 realizava encontros duas vezes por semana e era aberto a todos os usuários. Além de incentivar a prática regular de atividades físicas, o grupo também funcionava como um espaço para partilha e troca de experiências, contribuindo para o fortalecimento da saúde mental e os vínculos sociais dos participantes. Esse ambiente de convivência proporcionava suporte emocional, enquanto promovia hábitos saudáveis, integrando o cuidado físico e psicológico de maneira sinérgica.
2.7 Grupo de Artesanato
O Grupo de Artesanato da UBS 4 constituiu uma iniciativa diferenciada, proposta por uma usuária da unidade que era artesã. O grupo, além de promover atividades manuais, funcionava como um espaço de socialização e fortalecimento de vínculos comunitários. Através da prática do artesanato, os participantes não apenas desenvolviam habilidades criativas, mas também encontravam um ambiente de apoio mútuo, contribuindo para o bem-estar emocional e a promoção da saúde mental.
3 RESULTADOS
A implementação das atividades de educação em saúde no contexto da APS trouxe impactos positivos tanto para as práticas de saúde da população quanto para a organização dos serviços. O trabalho em grupo na atenção primária se apresenta como uma alternativa às práticas assistenciais convencionais, favorecendo o aprimoramento tanto pessoal quanto profissional de todos os envolvidos, valorizando os diferentes saberes e possibilitando intervenções criativas no processo de saúde-doença de cada indivíduo(8).
Na UBS 5, participei do processo de reformulação das atividades coletivas, desde a identificação de demandas da população até a criação de novos grupos voltados à promoção da saúde e à prevenção de doenças. Atuei diretamente no planejamento estratégico, garantindo que as ações fossem baseadas em protocolos e adaptadas às características da comunidade. Além disso, acompanhei o processo de monitoramento e avaliação contínua, desenvolvendo e aplicando indicadores de impacto e satisfação para mensurar a eficácia das ações implementadas.
Enquanto, na UBS 4, meu foco esteve no desenvolvimento e na avaliação contínua de grupos já estabelecidos, buscando identificar pontos fortes e oportunidades de melhoria nas atividades realizadas. Realizei avaliações participativas, envolvendo os membros da equipe de saúde e os próprios usuários, para ajustar as estratégias de atuação e garantir maior resolutividade e adesão às propostas. Esse trabalho incluiu a facilitação de encontros, a organização de materiais educativos e a implementação de novas dinâmicas para tornar os grupos mais atrativos e eficazes.
Vivenciar grupos com a mesma temática em ambientes diferentes e participar dos diversos momentos, desde o planejamento até a avaliação me permitiu a análise de como a dinâmica e a composição das equipes multiprofissionais, assim como as características locais, influenciam diretamente na implementação e nos resultados das atividades.
No caso do Hiperdia, por exemplo, embora o objetivo fosse o mesmo – controlar e prevenir hipertensão e diabetes –, as estratégias adotadas variaram significativamente entre as duas unidades. Na UBS 5, o grupo teve um formato mais estruturado, com palestras e quizes educativos, enquanto na UBS 4 as equipes implementaram uma abordagem mais voltada para a assistência.
Outro grupo que apresentou abordagens distintas, mas resultados positivos em ambos os casos, foi o Vida Leve. Na UBS 5, o foco principal era o emagrecimento, com controle de peso e Índice de Massa Corporal (IMC) dos participantes em cada encontro. Já na UBS 4, o grupo tinha uma abordagem mais ampla e diversificada, abordando temas gerais relacionados à promoção da saúde, como hábitos alimentares saudáveis e bem-estar geral.
A educação em saúde transcende a mera disseminação de informações, enfocando o fortalecimento da capacidade analítica e interventiva dos indivíduos em relação ao seu ambiente, estilo de vida e vivências pessoais. Essa abordagem tem como objetivo capacitar as pessoas a refletirem criticamente sobre suas condições e decisões, promovendo transformações significativas em sua saúde e qualidade de vida(9).
A experiência aqui relatada está em consonância com a literatura existente, que destaca a importância da educação em saúde como um pilar para o fortalecimento da APS. Estudos indicam que a utilização de práticas educativas integradas às atividades de cuidado contribui para um aumento da adesão ao tratamento, uma vez que os pacientes compreendem melhor o manejo de suas condições, além de fortalecer o vínculo entre a comunidade e os profissionais de saúde(10).
No caso Grupo de Caminhada, por exemplo, observou-se que além da melhora da saúde física, houve uma significativa promoção da saúde mental devido à criação de um espaço de socialização, o que é corroborado por estudos que destacam o papel das atividades grupais para a coesão social e bem-estar psicológico(10).
Segundo Pereira, a educação em saúde na APS não apenas transmite conhecimentos, mas também facilita a construção crítica desses saberes, permitindo que a população tome decisões mais conscientes sobre suas práticas de autocuidado(11). No Hiperdia, por exemplo, a entrega de cartilhas para o acompanhamento dos níveis de glicemia e pressão arterial ajudou os pacientes a monitorarem suas condições com maior segurança, resultando em menor dependência exclusiva dos profissionais de saúde.
No entanto, alguns desafios marcaram a execução dessas práticas. A baixa adesão inicial de alguns grupos, especialmente a baixa participação masculina, foi um dos principais obstáculos.
Um ponto importante observado foi a diferença no público participante dos grupos. Os grupos em sua maioria eram abertos a todos, porém o público feminino predominava em ambas as unidades. Na UBS 5 havia uma participação maior de homens em relação a UBS 4, quase não havia presença masculina. Estudos indicam que as atitudes dos homens em relação à busca por serviços de saúde estão mais associadas a fatores culturais do que à falta de tempo para ir ao médico. Isso reflete a tendência de as mulheres cuidarem mais da própria saúde, em contraste com os homens, que, muitas vezes, mantêm uma postura de invulnerabilidade, associando cuidados preventivos a algo feminino(12).
Além disso, houve dificuldades na articulação entre as equipes multiprofissionais e a Equipe de Saúde da Família o que gerou sobrecarga para a eMulti, que acabou assumindo parte das responsabilidades que deveriam ser compartilhadas. Esses entraves impactaram tanto a integração quanto o funcionamento dos grupos.
4 DISCUSSÃO
As práticas grupais na APS demonstram clara aderência aos princípios fundamentais do SUS, como universalidade do acesso e integralidade da atenção. Essas atividades não apenas facilitam o acesso democratizado aos serviços de saúde, mas também promovem a participação ativa da comunidade, respeitando as necessidades, crenças e costumes locais, fortalecendo o controle social. Ao envolver a população no processo de gestão dos serviços de saúde, essas práticas reforçam o papel da APS como eixo central na promoção de um cuidado integral e participativo. A educação em saúde não só reforça a integralidade do cuidado, mas também fomenta a corresponsabilidade dos usuários no processo de cuidado, essencial para a sustentabilidade dos sistemas de saúde(11).
A baixa participação masculina nos grupos de saúde levanta questões importantes sobre as práticas e estratégias utilizadas na oferta de cuidado a essa população. É fundamental refletir se há lacunas na forma como a atenção à saúde está sendo ofertada e acessada pelos homens. Algumas perguntas cruciais surgem nesse contexto: existe realmente uma demanda masculina não identificada? Os homens são atendidos nos serviços, mas não são encaminhados para grupos? Ou são encaminhados, mas não aderem às atividades propostas? Essas reflexões são indispensáveis para compreender a demanda e a situação real da adesão masculina às práticas de saúde coletiva.
Estudos apontam que as práticas preventivas dificilmente integram a rotina dos homens, devido a fatores estruturais e culturais(12). Durante a experiência na UBS 4, observou-se que as atividades mais abrangentes apresentavam menor engajamento masculino, sugerindo que a generalidade das ações pode não atrair esse público. Por outro lado, na UBS 5, as atividades objetivas, voltadas a temas específicos ou demandas pontuais, registraram maior presença masculina.
Adaptar as estratégias de promoção da saúde às realidades e expectativas específicas do público masculino pode ser essencial para aumentar sua adesão, envolvendo a construção de espaços que dialoguem com suas necessidades e interesses e a reavaliação das práticas de encaminhamento e divulgação das atividades, de modo a romper barreiras culturais e institucionais que afastam os homens do cuidado integral e preventivo. Historicamente, a menor ênfase das equipes de saúde na saúde masculina contribuiu para a baixa participação desse público, tornando-o “invisível” na APS. Identificar os fatores psicossociais que ampliam essa vulnerabilidade e reconhecer as necessidades específicas dessa população são passos cruciais para fomentar uma cultura de prevenção que promova o cuidado integral e equitativo para todos(12).
Um dos principais fatores que contribuem para a melhoria da articulação entre eMulti e ESF é a implementação de práticas de educação permanente e apoio matricial. A educação permanente, conforme destacado por Moraes et al., promove a participação ativa dos profissionais em rodas de conversa e discussões sobre protocolos e rotinas de trabalho, o que favorece a construção de um ambiente colaborativo(13). Além disso, o apoio matricial, que busca estabelecer relações horizontais entre os profissionais, é essencial para reverter a fragmentação do cuidado e fortalecer a identidade da equipe(14). A realização de reuniões regulares, onde todos os membros da equipe podem discutir casos e planejar ações conjuntas, é uma estratégia eficaz para promover a coesão e a troca de conhecimentos entre os profissionais(15,16).
No coletivo, nossas forças e possibilidades se multiplicam, refletindo a capacidade de gerar níveis crescentes de autonomia e protagonismo entre os diversos atores sociais que interagem com o sistema de saúde, como usuários, trabalhadores e gestores. Nenhum planejamento é completo se não incluir critérios para acompanhamento do processo e avaliação dos resultados(17).
A educação em saúde emerge como uma ferramenta central na promoção da autonomia dos usuários, ampliando o acesso ao autocuidado e à informação. Além de ser agente na transformação social por meio da construção de um cuidado mais participativo e humanizado.
Minha experiência nas Unidades ilustra a importância do sanitarista no planejamento e desenvolvimento de grupos de saúde. Na UBS 5, participei desde a reformulação até a criação de novos grupos, acompanhando o processo de monitoramento e avaliação. Já na UBS 4, envolvi-me diretamente no desenvolvimento e nas constantes avaliações dos grupos já em andamento. Esses contextos me permitiram aplicar os conhecimentos adquiridos, promovendo a integração entre teoria e prática. A atuação do sanitarista, em experiências como essas, fortalece a educação em saúde e a construção de políticas públicas mais eficazes e inclusivas. Além disso, sua identidade profissional é consolidada através da prática contínua e da formação acadêmica, promovendo uma saúde pública mais equitativa e acessível(18).
No contexto da gestão da APS e das políticas públicas, a educação em saúde tem se mostrado um elemento essencial para a concretização dos princípios do SUS. As atividades educativas facilitam a democratização do acesso à informação e ao cuidado, permitindo que a comunidade desempenhe um papel mais ativo nas decisões sobre sua própria saúde. Para consolidar essa estratégia, é fundamental que os gestores priorizem investimentos na capacitação das equipes de saúde e garantam a inclusão da educação em saúde nos protocolos de cuidado da APS. Reconhecer o potencial transformador dessa abordagem é crucial para a melhoria da qualidade de vida da população e para o fortalecimento da APS.
Aprendizados importantes emergiram desse processo, como a necessidade de flexibilidade nas abordagens e a inclusão ativa dos participantes no planejamento dos temas abordados, como ocorreu no em alguns grupos da UBS 04 do Recanto das Emas, onde os temas foram definidos em conjunto com os participantes, em que foi notável para a autora, o aumento do interesse da comunidade pelos grupos.
De acordo com Freire(19), a promoção da autonomia dos pacientes por meio da educação em saúde é um impacto significativo das práticas realizadas. Nos grupos educativos, os participantes começaram a desempenhar um papel mais ativo no cuidado com a própria saúde, evidenciando o conceito de empoderamento defendido pelo autor.
5 REFERÊNCIAS
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