DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO: FISIOPATOLOGIA, MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E ABORDAGENS TERAPÊUTICAS

GASTROESOPHAGEAL REFLUX DISEASE: PATHOPHYSIOLOGY, CLINICAL MANIFESTATIONS, AND THERAPEUTIC APPROACHES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202408201509


Marina Pezzetti Sanchez Diogo1; Leonardo Salles de Oliveira Moura2; Yolanda Luz Capistrano Brito3; Leo de Azevedo Almeida4; Moisés Elias de Souza Alves5; Ingrid Jayme Ávilla6; Yago Azevedo Guerra7; Carlos Alberto Rocha de Araújo Nogueira Filho8; Arthur Henrique Simões Paiva9; Emmanoel de Jesus Siquara Neto10


Resumo

A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é uma condição crônica caracterizada pelo retorno do conteúdo gástrico ao esôfago, resultando em sintomas que variam de azia e regurgitação a manifestações extraesofágicas como tosse crônica e dor torácica. A patogênese da DRGE envolve um desequilíbrio entre os fatores protetores, como a função do esfíncter esofágico inferior, e os fatores agressores, como a acidez gástrica elevada. A DRGE pode levar a complicações graves, incluindo esofagite erosiva, estenose esofágica e a progressão para esôfago de Barrett (EB), uma condição pré-maligna associada ao adenocarcinoma esofágico (ACE). O diagnóstico de DRGE é clínico e pode ser confirmado pelo alívio dos sintomas com o uso de inibidores da bomba de prótons (IBP). Nos casos em que a endoscopia digestiva alta (EDA) é indicada, a classificação de Los Angeles é utilizada para avaliar a esofagite. A monitorização do pH esofágico é o padrão-ouro para diagnóstico em pacientes sem esofagite erosiva visível. O tratamento da DRGE inclui mudanças no estilo de vida, como elevação da cabeceira da cama e controle de peso, além de terapias medicamentosas com IBPs. Em casos refratários ou em pacientes que não desejam tratamento prolongado com medicamentos, a intervenção cirúrgica pode ser considerada. A identificação precoce e o manejo adequado da DRGE são cruciais para prevenir complicações a longo prazo, incluindo o desenvolvimento de ACE.

Palavras-chave: Refluxo Gastroesofágico, Esofagite, Esôfago De Barrett, Adenocarcinoma Esofágico.

1 INTRODUÇÃO

A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é uma condição crônica caracterizada pelo retorno do conteúdo gástrico para o esôfago, resultando em inflamação e danos à mucosa esofágica. Esse processo patológico ocorre principalmente devido à disfunção do esfíncter esofágico inferior (EEI), que normalmente atua como uma barreira para prevenir o refluxo ácido. A prevalência da DRGE é significativa na população global, especialmente nos países ocidentais, onde está associada a um aumento da morbidade e ao risco de complicações graves, como esôfago de Barrett (EB) e adenocarcinoma esofágico (ACE) (RATCLIFFE; JANKOWSKI, 2019).

Estudos epidemiológicos indicam que a DRGE afeta cerca de 30% da população adulta nos Estados Unidos, com sintomas semanais de azia e regurgitação ácida, que são considerados típicos dessa condição. No entanto, a DRGE também pode se manifestar por meio de sintomas atípicos, como dor torácica e manifestações extraesofágicas, incluindo tosse crônica, disfonia e dor de garganta (YADLAPATI et al., 2022). Essa patologia é uma das mais prevalentes do trato gastrointestinal, afetando igualmente homens e mulheres. Contudo, complicações como esofagite erosiva são mais frequentemente observadas em homens. Fatores como obesidade e predisposição genética também parecem influenciar a incidência da DRGE (FELDNER et al., 2017).

O presente estudo tem como objetivo analisar as complicações associadas à DRGE, com foco na fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento.

2 METODOLOGIA

Este estudo consiste em uma revisão narrativa de artigos científicos publicados nos últimos cinco anos, utilizando a base de dados Medline. Foram utilizados os seguintes descritores para a busca: “refluxo”, “esôfago”, “Barrett”, “complicações” e “tratamento”. Inicialmente, 37 artigos foram identificados e submetidos a critérios de seleção específicos.

Os critérios de inclusão abrangeram artigos publicados entre 2019 e 2024, independentemente do idioma, e que abordassem as temáticas propostas, como revisões e meta-análises disponíveis na íntegra. Os critérios de exclusão incluíram artigos disponíveis apenas em formato de resumo, aqueles que não estavam diretamente relacionados ao tema proposto e os que não atenderam aos critérios de inclusão.

Após a aplicação dos critérios de seleção, cinco artigos foram escolhidos para análise detalhada. Os dados foram extraídos e apresentados de forma descritiva, organizados em categorias temáticas: Fisiopatologia, Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

A fisiopatologia da DRGE está intimamente relacionada a um desequilíbrio entre fatores protetores, como a barreira antirrefluxo, depuração esofágica ao ácido e resistência tecidual, e fatores agressores, como o aumento da acidez gástrica, volume e conteúdo duodenal (FELDNER et al., 2017). O EEI desempenha um papel crucial como principal barreira antirrefluxo, mantendo-se contraído em repouso. No entanto, o relaxamento transitório do EEI, induzido pela deglutição, a hipotonia do EEI e a presença de hérnia hiatal são fatores que podem contribuir para o refluxo gastroesofágico. Embora a hérnia hiatal possa agravar a DRGE, não é um determinante exclusivo da condição (FELDNER et al., 2017).

A depuração do conteúdo esofágico ocorre por meio do peristaltismo esofágico, enquanto a neutralização do ácido gástrico é facilitada pela secreção de bicarbonato pelas glândulas salivares e esofágicas. A resistência tecidual é garantida por uma série de mecanismos epiteliais, pré-epiteliais e pós-epiteliais que protegem a mucosa esofágica dos danos causados pelo ácido gástrico (FELDNER et al., 2017).

A exposição prolongada ao ácido gástrico pode levar a complicações graves, como a metaplasia intestinal, onde o epitélio esofágico normal é substituído por um epitélio colunar, característico do EB, uma condição pré-maligna. A prevalência de EB varia significativamente entre diferentes populações, sendo estimada entre 2,5% na China e 51,2% na Grécia (RATCLIFFE; JANKOWSKI, 2019). O EB é mais prevalente em homens de meia-idade, com fatores de risco adicionais, como idade acima de 50 anos, tabagismo, obesidade central e etnia caucasiana. A progressão do EB para ACE ocorre a uma taxa de 0,2% a 0,5% ao ano, com risco aumentado em casos de displasia (RATCLIFFE; JANKOWSKI, 2019).

O aumento na incidência de ACE globalmente é motivo de preocupação, devido à baixa taxa de sobrevida em cinco anos, inferior a 20% (KUBOTA et al., 2022). Assim, o rastreamento e a vigilância de indivíduos com EB são essenciais para prevenir a progressão para câncer, e o diagnóstico precoce de ACE pode melhorar significativamente o prognóstico.

Os sintomas da DRGE são amplos e variam de manifestações típicas, como pirose e regurgitação, a sintomas atípicos e extraesofágicos, incluindo dor torácica não cardíaca, tosse crônica, asma e erosão dentária (FELDNER et al., 2017). A pirose, caracterizada por uma sensação de queimação retroesternal, é um dos principais sintomas da DRGE, ocorrendo com frequência mínima de duas vezes por semana. No entanto, a gravidade dos sintomas nem sempre se correlaciona diretamente com a gravidade da doença. A regurgitação ácida é frequentemente exacerbada após as refeições e em posições como decúbito dorsal. A disfagia, por sua vez, é considerada um sinal de alarme e deve ser investigada para excluir complicações ou malignidades (FELDNER et al., 2017).

A exposição prolongada ao ácido gástrico pode resultar em esofagite, caracterizada por sintomas mais graves, como odinofagia e hematêmese. Complicações adicionais incluem úlceras esofágicas, estenose esofágica, displasia celular e ACE (LYNCH, 2022). A incidência de ACE tem aumentado nas últimas décadas, e sua apresentação clínica geralmente ocorre em estágios avançados, com disfagia e perda de peso, sendo a DRGE o principal fator de risco para o desenvolvimento dessa malignidade. Sintomas de DRGE presentes uma vez por semana já podem aumentar o risco de ACE em cinco vezes, e sintomas diários podem aumentar o risco em sete vezes (JENSEN, 2022).

O diagnóstico de DRGE pode ser confirmado por meio de sintomas clássicos, como pirose e regurgitação, e o tratamento empírico com inibidores da bomba de prótons (IBP) pode ser utilizado tanto para diagnóstico quanto para alívio dos sintomas. A endoscopia digestiva alta (EDA) é indicada em casos de sinais de alarme ou pacientes refratários ao tratamento medicamentoso, sendo utilizada para avaliar a presença de esofagite e outras complicações (FELDNER et al., 2017). A classificação de Los Angeles é amplamente utilizada para avaliar a gravidade da esofagite, e a biópsia é indicada apenas para suspeita de lesões precursoras de malignidade, como o EB. O monitoramento do pH esofágico é considerado o padrão-ouro para o diagnóstico da DRGE, especialmente em pacientes sem esofagite erosiva visível na EDA (FELDNER et al., 2017).

O tratamento da DRGE geralmente começa com o uso de IBP, que são considerados a primeira linha de tratamento para alívio dos sintomas e cura da esofagite. Em casos de doença grave, a terapia de manutenção com IBP em dose completa ou reduzida é recomendada, enquanto a terapia sob demanda é indicada para pacientes com sintomas leves e intermitentes (HOJO et al., 2020).

Mudanças no estilo de vida também desempenham um papel crucial no manejo da DRGE, especialmente para pacientes com sintomas leves. Medidas como elevação da cabeceira da cama, perda de peso, evitar o decúbito após as refeições e a adoção de uma dieta fracionada e equilibrada são recomendadas. Além disso, a cessação do tabagismo e a moderação no consumo de álcool são medidas adicionais que podem reduzir os sintomas da DRGE (FELDNER et al., 2017).

O tratamento cirúrgico, mais frequentemente a fundoplicatura, é considerado para pacientes que não respondem ao tratamento clínico ou para aqueles que preferem evitar a terapia prolongada com IBP. A fundoplicatura laparoscópica, em que a parte superior do estômago é envolvida em torno da porção inferior do esôfago, melhora a função do EEI e reduz o refluxo. No entanto, complicações, como disfagia persistente e gases, podem ocorrer após a cirurgia (ZINGG et al., 2022). Outra opção é o dispositivo magnético de reforço do EEI, que oferece uma alternativa para pacientes que desejam evitar a cirurgia invasiva (ZINGG et al., 2022).

4 CONCLUSÃO

A DRGE é uma condição prevalente, associada a complicações graves, como esofagite erosiva, EB e ACE. O tratamento inicial geralmente é clínico, com o uso de IBP e mudanças no estilo de vida. O diagnóstico precoce e o manejo adequado das complicações são essenciais para prevenir a progressão para condições mais graves, como o ACE. A cirurgia pode ser considerada para pacientes com doença refratária ou como alternativa à terapia medicamentosa prolongada. A escolha do tratamento deve ser personalizada, levando em consideração as preferências do paciente, a gravidade da doença e a resposta ao tratamento clínico.

REFERÊNCIAS

FELDNER, P. T. et al. Refluxo gastroesofágico: fisiopatologia, manifestações clínicas e diagnóstico. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 43, n. 4, p. 317-327, 2017.

HOJO, M. et al. Guidelines for the Diagnosis and Management of Gastroesophageal Reflux Disease. Journal of Gastroenterology and Hepatology, v. 35, n. 5, p. 733-743, 2020.

JENSEN, C. D. Incidence and Risk Factors for Esophageal Adenocarcinoma: A Systematic Review. Esophagus, v. 19, n. 2, p. 187-197, 2022.

KUBOTA, M. et al. Global Trends in the Incidence of Esophageal Cancer. World Journal of Gastroenterology, v. 28, n. 28, p. 3857-3869, 2022.

LYNCH, K. L. Gastroesophageal Reflux Disease: A Review of Pathophysiology, Diagnosis, and Management. Journal of Clinical Gastroenterology, v. 56, n. 8, p. 654-663, 2022.

RATCLIFFE, N. R.; JANKOWSKI, J. A. Barrett’s Esophagus: Epidemiology, Diagnosis, and Clinical Management. Surgical Clinics of North America, v. 99, n. 3, p. 523-534, 2019.

YADLAPATI, R. et al. Clinical Presentation and Diagnosis of Gastroesophageal Reflux Disease. American Journal of Gastroenterology, v. 117, n. 3, p. 389-398, 2022.

ZINGG, U. et al. Surgical Management of Gastroesophageal Reflux Disease: Indications and Outcomes. Annals of Surgery, v. 275, n. 2, p. 225-233, 2022.