DOENÇA DE KAWASAKI EM ADOLESCENTES: UMA REVISÃO DE LITERATURA

KAWASAKI DISEASE IN ADOLESCENTES: A LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202502091909


Ester Veronesi Prearo1
Orientador(a) Aline Islabão2


RESUMO:

A doença de Kawasaki (DK) é definida como uma vasculite sistêmica aguda que acomete artérias de pequeno e médio calibre de etiologia desconhecida, acredita-se que esteja relacionada a uma resposta imunológica atípica desencadeada por infecções virais ou bacterianas. Segue sendo uma das principais causas de cardiopatias adquiridas em países desenvolvidos. Afeta principalmente crianças abaixo de 5 anos e apresenta baixa prevalência em adolescentes. O estudo busca realizar uma análise da literatura sobre a doença em adolescentes e suas repercussões. Como metodologia, foi realizado uma busca em plataformas online e gratuitas nos últimos 15 anos em idiomas português e inglês. Como resultados, observou-se que a doença de Kawasaki em adolescentes permanece com etiologia incerta, predomina no sexo masculino, apresenta-se na maioria dos casos de forma incompleta, sendo erroneamente diagnosticada como doenças infecciosas, retardando assim seu diagnóstico e tratamento, consequentemente, aumenta a principal complicação que é o aneurisma de coronária. Por não apresentar teste diagnóstico patognomônico, os profissionais de saúde devem ser incentivados a estudar e reconhecer precocemente a doença de Kawasaki a fim de evitar complicações e morbimortalidade

Palavras-chave: Kawasaki, adolescentes, MISC, febre.

ABSTRACT:

Kawasaki disease (KD) is defined as an acute systemic vasculitis that affects small and medium-sized arteries of unknown etiology, believed to be related to an atypical immunological response triggered by viral or bacterial infections. It remains one of the main causes of acquired heart disease in developed countries. It mainly affects children under 5 years of age and has a low prevalence in adolescents. The study seeks to carry out an analysis of the literature on the disease in adolescents and its repercussions. As a methodology, a search was carried out on free online platforms over the last 15 years in Portuguese and English. As a result, it was observed that Kawasaki disease in adolescents remains of uncertain etiology, predominates in males, presents in most cases incompletely, being wrongly diagnosed as infectious diseases, thus delaying its diagnosis and treatment, consequently, increases the main complication, which is coronary aneurysm. As it does not present a pathognomonic diagnostic test, health professionals should be encouraged to study and recognize Kawasaki disease early in order to avoid complications and morbidity and mortality.

Keywords: Kawasaki, teenagers, MISC, fever.

INTRODUÇÃO

A doença de Kawasaki é uma vasculite sistêmica febril aguda de etiologia desconhecida que afeta vasos de pequeno e médio calibre, com destaque para as artérias coronárias(ADVANI N., SANTOSO L.A., SASTROASMORO S., 2019). Esta entidade foi descrita pela primeira vez em 1.967 pelo médico japonês Tomisaku Kawasaki(FERREIRA JF et al., 2024). Apresenta pico de incidência em crianças menores que 5 anos, podendo ocorrer em adolescentes, embora a prevalência seja baixa. Apesar de ser considerada rara, segue sendo uma das principais causas de cardiopatias adquiridas em países desenvolvidos(DEHAAN LL et al., 2024). Pode apresentar uma variedade de manifestações clínicas, isoladas ou em conjunto, caracterizando-se, entre elas, por febre persistente, conjuntivite não exsudativa, eritema e edema das mãos, erupção cutânea, linfadenopatia cervical, entre outros sintomas(HALL GC., TULLOH LE., TULLOH RM., 2016). Seu diagnóstico precoce e tratamento adequado são fundamentais para prevenir complicações cardiovasculares, como aneurismas coronarianos e miocardite, diminuindo assim a morbimortalidade.

OBJETIVOS

Esta revisão de literatura busca fornecer uma visão acerca da DK em adolescentes, explorando sua etiologia, epidemiologia, fatores de risco, manifestações clínicas, critérios diagnósticos atualizados, diagnóstico diferencial, tratamento e complicações. Declaro que não há conflito de interesse. Esta pesquisa não recebeu bolsa específica de nenhuma agência de financiamento dos setores público, comercial ou sem fins lucrativos.

METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão de literatura narativa realizada a partir da análise de dados atualizados encontrados em plataformas científicas, entre eles Pubmed Central (PMC), Medline, SciELO e UpToDate. A busca foi conduzida utilizando descritores específicos, como “Kawasaki disease”, “Kawasaki disease in teenager”, “Kawasaki x MIS-C”, “Kawasaki and fever” nos últimos 15 anos (2010-2025). Não foi realizada seleção do tempo de publicação dos artigos. A lista de referência dos artigos incluídos também foram exploradas para identificar outros estudos relevantes não encontrados nas pesquisas eletrônicas. Foram selecionados para a análise os estudos em português e em inglês que se adequassem aos objetivos deste estudo. Contudo, é importante salientar algumas limitações do estudo, como a restrição a artigos publicados em periódicos revisados não gratuitos, em outros idiomas ou anteriores ao ano de 2010, mas ainda pertinentes ao tema. Ao final da revisão, foram adicionadas artigos julgados como relevantes ao tema. Desse modo, foram selecionados para a revisão 13 artigos científicos.

A aprovação do Comitê de Ética não é aplicável a estudos de revisão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A doença de Kawasaki é caracterizada por ser uma vasculite sistêmica aguda que acomete artérias de pequeno e médio calibre. Demonstra uma prevalência mais significativa nas nações asiáticas, principalmente no Japão. A etiologia ainda é incerta, contudo, presume-se que esteja associada a fatores ambientais e uma resposta imunológica atípica desencadeada por infecções virais ou bacterianas em indivíduos geneticamente susceptíveis(SHIMIZU M. et al, 2021).

Acomete na maior parte das vezes crianças abaixo de 5 anos de idade, com maior incidência entre 1 e 2 anos de idade. É descrito casos na literatura de paciente acima desta idade, no entanto, o diagnóstico torna-se desafiador, visto que apresenta-se de forma incompleta ou com sintomas atípicos, sendo assim, subdiagnosticado ou diagnosticado erroneamente como doença infecciosa. Embora os critérios diagnósticos para DK tenham sido estabelecidos, eles não foram validados no início da vida adulta ou adolescência(ADVANI N., SANTOSO L.A., SASTROASMORO S., 2019).

Em um estudo transversal no Japão, realizado de janeiro de 2022 a janeiro de 2024, pela Universidade de Jichi, foram coletados dados de pacientes diagnosticados com DK de 1970 a 2020. Assim sendo, observou-se que a incidência média de DK entre bebês (idade inferior a 6 meses) permaneceu relativamente estável, sendo que 85% dos casos ocorreram em menores de 5 anos. No entanto, a taxa de incidência média para crianças com mais de 3 anos e adolescentes aumentou em 5,2 vezes. Além disso, a proporção de pacientes com DK, independentemente da idade, entre o sexo masculino e feminino, é de 1,5:1, respectivamente, tendo sido relatado baixa taxa de recorrência, cerca de 3% a 4%(DEHAAN LL et al, 2024).

Em comparação a um estudo retrospectivo, descritivo e observacional realizado no Reino Unido através dos bancos de dados The Health Improvement Network (THIN), a análise incluiu 110 episódios de doença em 109 crianças de 3,9 milhões de pessoas-ano em risco. Observou-se incidência anual da doença de Kawasaki de 2,8 em 100.000 habitantes (Intervalo de confiança – IC 95% = 2,3 a 3,4) em menores de 20 anos de idade e 9,1 (IC 95% = 7,9 a 11,2) em menores de 5 anos, equivalente a 80% dos casos. Tem-se a idade mediana de ocorrência entre 3 anos e 4 meses com uma proporção de homens para mulheres de 1,2: 1, além disso, não houve tendência estatisticamente significativa na incidência ao longo dos anos de estudo ou entre as estações (HALL GC., TULLOH LE., TULLOH RM, 2016).

Em publicação recente da American Heart Association (AHA) em dezembro de 2024, para o diagnóstico de DK devemos basear em critérios clínicos, caracterizados por febre, linfadenopatia unilateral, erupção cutânea, injeção conjuntival bilateral não exsudativa, edema e eritema das mãos e pés e achados orofaríngeos, incluindo língua em morango e lábios eritematosos (JONE PN. et al, 2024).

Na presença de 4 ou mais características clínicas, o diagnóstico de DK pode ser feito com 4 dias de febre ou 3 dias de febre por médicos experientes. Não há teste diagnóstico patognomônico. Para a DK incompleto, ocorre 2 ou 3 dos critérios principais associado a aneurisma de artéria coronária (AAC). Embora os critérios diagnósticos para DK incompleta permaneçam inalterados, os médicos são encorajados a diagnosticar precocemente para prevenir complicações (JONE PN. et al, 2024).

Além disso, os pacientes podem apresentar sintomas sistêmicos como alteração do humor, irritabilidade, dor abdominal, queda do estado geral, diarreia e artrite. Por mais que os critérios sejam clínicos, é importante salientar que a realização de exames complementares tais como hemograma, exame de urina, teste de função hepática e exame de imagem como ecocardiograma, será útil para o acompanhamento da doença. Os exames laboratoriais não são específicos, embora anemia, leucocitose, aumento de velocidade de hemossedimentação e de proteína C-reativa sejam achados frequentes no estágio agudo da doença(JONE PN. et al, 2024). 

Em um outro estudo retrospectivo realizado no Japão – Showa University Northern Yokohama Hospital – entre janeiro de 2015 a dezembro de 2019 foram examinadas 405 crianças com DK, destas 169 apresentavam mais de 3 anos e 236 menores de 3 anos. A idade média foi de 2,9 anos. Todas foram tratadas com imunoglobulina venosa (IVIG) dose de 2g/kg e nenhuma usou corticoterapia. As conclusões foram que manifestações cutâneas como o rash são mais evidentes em crianças com menos de 3 anos. Enquanto que linfadenopatia cervical, DK incompleta, febre não responsiva a uma dose de imunoglobulina venosa e febre prolongada são mais frequentes em crianças com mais de 3 anos. Além disso, foi reportado que a linfadenopatia cervical isolada na DK e crianças com mais de 6 anos possuem um fator de risco elevado para o desenvolvimento de anormalidades coronárias. Sexo e história familiar não foram significativamente diferentes entre os dois grupos (WATANABE Y., IKEDA H., WATANABE T., 2023).

É de suma importância diagnosticar DK no prazo de 10 dias do início da febre, idealmente em torno do 4º ou 5º dia da doença para pacientes com DK completa e o mais rápido possível e dentro de 10 dias do início da febre para pacientes com um possível diagnóstico de DK incompleta. Isto porque o tratamento dentro de 10 dias do início da febre está fortemente associado a um menor risco de dilatação ou aneurismas das artérias coronárias (JONE PN. et al, 2024).

Em um estudo transversal realizado na Indonésia publicado em 2019, foi observado em um total de 1.150 casos de DK (idade entre 1 e 192 meses), durante o período de janeiro de 2003 a dezembro de 2016 em 5 hospitais, sendo o perfil clínico dividido em duas amostras: aqueles com idade maior que 10 anos (adolescentes) e menores de 10 anos (crianças). Compilando os dados, 17 pacientes eram adolescentes, sendo 3 mulheres (proporção de 4 mulheres para 1 homem) e 542 pacientes eram crianças (proporção de 1,5:1). Foram descritas características mais observadas em crianças como conjuntivite (85% em crianças x 65% em adolescentes), alterações da mucosa (94% em crianças x 77% em adolescentes), erupção cutânea (86% em crianças x 59% em adolescentes) e alterações nas mãos/pés (68% em crianças x 41% em adolescentes). Já nos adolescentes foi observado maior frequência da apresentação da DK incompleta, linfadenopatia cervical (82% em adolescentes x 39% em crianças), dilatação coronária (47% em adolescentes x 29% em crianças). Além disso, a proporção de homens para mulheres é muito maior em adolescentes. Já os resultados laboratoriais não diferiram entre os grupos. No mais, é importante salientar que 5 dos 17 casos de adolescentes (30%) foram diagnosticados após o 10º dia de doença (diagnóstico tardio). Enquanto no grupo das crianças 103 dos 542 (19%) foram diagnosticados após o 10º dia(ADVANI N., SANTOSO L.A., SASTROASMORO S., 2019). 

Em um estudo retrospectivo de janeiro de 2007 a julho de 2017, analisaram 2.118 pacientes com DK no West China Second University Hospital of Sichuan University, 17 pacientes com idade entre 10 a 18 anos foram incluídos no estudo. Entre estes, 13 pacientes do sexo masculino e 4 do sexo feminino (razão 3,25:1,00). A idade variava de 10,1 a 13,5 anos (idade média de 11,8 anos). Na admissão, a duração média da febre foi de 10,2 dias. Notavelmente, 7 pacientes apresentaram febre intermitente por mais de 10 dias. A maior duração da febre de uma criança foi de 35 dias. Dos 17 pacientes, 9 (52,9%) foram diagnosticados como DK incompleta. Todos tiveram febre prolongada por mais de 5 dias. 16 pacientes (94,1%) tiveram conjuntivite bilateral não exsudativa, 15 (88,2%) tiveram eritema dos lábios e mucosa oral, 14 (82,%) erupção cutânea polimórfica, 7 (41,2) alterações nas extremidades e 6 (35,3%), linfadenopatia cervical(LIU X. et al, 2021).

Outros sintomas atípicos foram observados como vômitos, diarreia, dor abdominal, sintomas respiratórios, tosse, tontura, fadiga, zumbido, cefaleia, sonolência, piúria estéril, proteinúria, edema no epidídimo, artrite, artralgia e edema da articulação do tornozelo. Apenas 2 dos 17 pacientes foram diagnosticados como DK no estágio inicial. O restante foi diagnosticado erroneamente como linfangite cervical, amigdalite, infecção do trato respiratório, diarreia infecciosa, bronquite, pneumonia e infecção de sistema nervoso central (SNC). O intervalo de tempo entre o início da febre e o diagnóstico foi de 11,8 dias (LIU X. et al, 2021).

A principal complicação da DK é o aneurisma coronariano, caracterizado pela dilatação ou formação de aneurismas nas artérias coronárias, podendo ocasionar infarto agudo do miocárdio ou morte súbita, sendo o risco maior nas primeiras semanas da doença3. Aneurisma de coronária ou ectasia ocorre em 15 a 25% das crianças não tratadas, mas com o tratamento por meio de imunoglobulina IV e aspirina reduz a ocorrência para 4,5%1. Outras complicações citadas são miocardite, insuficiência cardíaca, pericardite, trombose, artrite e vasculite sistêmica podendo acometer outras artérias e gerando complicações em órgãos como rins, intestino e sistema nervoso central. (AGRAWAL H., QURESHI AM., 2019).

Um estudo realizado em 2010, em uma população canadense observou-se que crianças entre 10 a 14 anos tinham um risco aumentado de aneurisma da artéria coronária (17%) em comparação com crianças de 1 a 4 anos (8%) e de 5 a 9 anos (6%)(FRADIN KN., RHIM HJH., 2012)

Ademais, a prevalência de aneurisma de artéria coronária em crianças com DK diminuiu consideravelmente desde o início com imunoglobulina intravenosa. Os aneurismas de artéria coronária, relatador em estudos de 2000, se desenvolvem em 18% a 23% das crianças que não recebem esse tratamento em comparação com 4% a 8% daquelas que o recebem dentro de 10 dias do início da febre. O envolvimento máximo da artéria coronária geralmente ocorre nas primeiras 6 a 8 semanas (LIN Y et al., 2010). Este estudo foi repetido em 2010, manteve-se a observação de que não há associação entre a anormalidade da artéria coronária com a apresentação completa ou incompleta da doença. E a prevalência de anormalidades da artéria coronária relatadas no estudo do ano de 2010 foi ligeiramente superior ao relatador anteriormente em 2000, com cerca de 20-25% em pacientes não tratados e 5-10% em pacientes tratados dentro de 7 dias do início da doença (LIN Y et al., 2010).

O sub/reconhecimento tardio e o subtratamento de casos de DK envolvendo apresentação incompleta são contribuintes para anormalidades da artéria coronária, especialmente em crianças < 6 meses e > 5 anos (LIN Y et al., 2010).

A ecocardiografia continua sendo a principal modalidade de imagem não invasiva, ressaltando que a sua realização não deve atrasar o início da terapia e resultados normais no início do quadro não excluem o diagnóstico da doença e nem a possibilidade de vir a desenvolver alterações. A artéria descendente anterior esquerda proximal e a artéria coronária direita proximal são os locais mais frequentes de aneurisma e a artéria descendente posterior é a menos comum (JONE PN et al., 2024).

As medidas da dimensão luminal da artéria coronária são normalizadas para a área da superfície corporal usando escores Z para crianças de mesmo peso, sexo e altura, assim sendo, a obtenção do peso e altura precisos evitam a superestimação ou subestimação. O uso rotineiro de escores Z de artéria coronária (AC) possibilitou a padronização para a quantificação do diâmetro, mas os desafios permanecem (JONE PN et al., 2024).

A identificação de pacientes com alto risco de desenvolver AAC no momento do diagnóstico permite a intensificação da terapia anti-inflamatória primária, o que pode melhorar os resultados da AC. Embora a identificação do risco de desenvolver aneurisma de artéria coronária continue sendo um desafio, Son et al estabeleceram critérios de pontuação de risco na população norte-americana, são eles: idade < 6 meses, raça asiática, pontuação maior que 2 no ecocardiograma inicial e proteína C-reativa maior que 13 mg/dL (cada um com 1 ponto atribuído, com exceção de 2 pontos atribuídos a artéria coronária). Uma pontuação total maior ou igual a 3 pontos é fortemente preditiva da formação de aneurisma de artéria coronária em 8 semanas após a doença aguda. Enquanto essa pontuação de risco enfatiza o maior risco de idade <6 meses, os critérios de alto risco no Japão incluem idade <12 meses (JONE PN et al., 2024).

Embora continue difícil identificar o risco em desenvolver AAC, dados indicam que a AC direita ou o escore Z da artéria descendente anterior esquerda maior ou igual a 2,5 no diagnóstico e idade < 6 meses são características de alto risco em vários grupos raciais e étnicos, e esses pacientes devem ser considerados para intensificação da terapia primária (JONE PN et al., 2024).

Um ecocardiograma deve ser repetido durante a hospitalização e antes da alta em pacientes com características clínicas de alto risco ou resistência à imunoglobulina intravenosa. Pacientes com recorrência de febre na semana após a alta precisam fazer um ecocardiograma urgente, a menos que haja outro diagnóstico (JONE PN et al., 2024).

Em pacientes sem acometimento de artéria coronária durante a internação, um ecocardiograma é repetido dentro de 1 a 2 semanas após a alta, pois um pequeno número de pacientes desenvolverá aumento coronário dentro de uma ou duas semanas após a alta, e a detecção precoce permite a instituição rápida de terapia anti-inflamatória (JONE PN et al., 2024).

Em pacientes que respondem à terapia anti-inflamatória e têm resultados normais de ecocardiograma no diagnóstico e em 1 a 2 semanas após a alta, a probabilidade de desenvolver alterações de AC é extremamente baixa(JONE PN et al., 2024).  Um estudo recente mostrou que nessa população de pacientes, 98,6% têm resultados normais de ecocardiograma em 4 a 6 semanas, sugerindo que esses pacientes com DK podem não precisar de nenhum acompanhamento cardíaco adicional, a menos que novas preocupações se desenvolvam (JONE PN et al., 2024).

Já os raros pacientes (1,4%) que tiveram novas alterações de AC em 4 a 6 semanas de acompanhamento após resultados de ecocardiograma inicialmente normais tiveram todos escore Z de AC < 5, e as alterações de AC foram transitórias com retorno às dimensões normais de AC no primeiro ano de acompanhamento(JONE PN et al., 2024).

É importante destacar também a síndrome do choque da DK que é uma forma rara e grave, na qual os pacientes apresentam choque vasodilatador, hipotensão e má perfusão, com ou sem disfunção miocárdica. Como não há teste específico, a diferenciação entre DK e sua síndrome de choque podem ser difíceis de distinguir clinicamente de outros distúrbios inflamatórios. Como por exemplo, da síndrome inflamatória multissistêmica em crianças (MISC) associada ao COVID-19. Esta síndrome é caracterizada por um estado inflamatório sistêmico intenso com febre e manifestações em vários órgãos e sistemas, como sintomas gastrointestinais, cardiovasculares, mucocutâneos, neurológicos, entre outros. Está relacionada ao SARS-CoV-2 e foi descrita inicialmente em abril de 2020 na Europa(CAVALCANTI A et al., 2022).

Estudo retrospectivo multicêntrico de março a novembro de 2020 realizado no Brasil tendo como referências 5 centros terciários de reumatologia pediátrica, utilizando os critérios do Royal College of Paediatrics and Child Health (RCPCH) e idade máxima de 18 anos e 11 meses, foram avaliadas 57 crianças e adolescentes com MISC, 54% do sexo feminino com mediana de idade de 8 anos (3-11 anos). A maioria era previamente hígida, sendo asma a principal comorbidade relatada, presente em 10% dos pacientes. Como manifestações clínicas, a febre foi a principal, estando presente antes mesmo da internação, seguido de manifestações mucocutâneas (89%) e gastrointestinais (81%), respiratórias (37%), 23% apresentaram pleurite, pericardite ou peritonite,  miocardite (definida como fração de ejeção do ventrículo esquerdo diminuída <55% e/ou concentração aumentada de troponina ocorreu em 21%), sendo que 68% necessitaram de cuidados intensivos (CAVALCANTI A et al., 2022).

O fenótipo da DK ocorreu em 77%, sendo que 32 pacientes (56% preencheram para DK clássica e 12 (21%) para forma incompleta. Como exames laboratoriais, ocorreu aumento de marcadores inflamatórios em todos eles, principalmente PCR, VHS, ferritina, D-dímero e troponina, anemia e linfopenia, leucocitose e trombocitopenia. Evidências de SARS-CoV-2 foram encontradas em 77% dos pacientes, com 39% de RT-PCR positivo e 84% de sorologia positiva para SARS-CoV-2 (CAVALCANTI A et al., 2022)

No ecocardiograma as alterações encontradas foram redução da fração de ejeção inferior a 55%, acometimento da artéria coronária direita e esquerda. Na radiografia de tórax e/ou tomografia de tórax foram encontradas opacidade em vidro fosco, derrame pleural e atelectasia. Na ultrassonografia e/ou tomografia de abdome linfadenopatia mesentérica, ascite, colite, espessamento de alça intestinal, líquido livre na cavidade abdominal e espessamento da vesícula biliar. Para tratamento, 38 pacientes (67%) receberam imunoglobulina associada a corticoide, 12 pacientes (21%) receberam apenas imunoglobulina e 2 (3,5%) glicocorticoide. 5 pacientes não receberam nenhuma terapia acima citada (CAVALCANTI A et al., 2022)

Duração mediana de hospitalização de 10 dias independente do tratamento proposto, sendo que aqueles que receberam ou imunoglobulina ou corticoide necessitaram com mais frequência de terapia intensiva. Não houve óbitos registrados(CAVALCANTI A et al., 2022).

É essencial distinguir a DK de início na adolescência à MISC pois vários sintomas são comuns. Ambas acometem crianças mais velhas, sendo a MISC mais prevalente em adolescentes e com prognóstico pior. A taxa de mortalidade de MISC é de 1,7% nos Estados Unidos e 1,4% na Europa, enquanto a doença de Kawasaki 0,01%(CAVALCANTI A et al., 2022).

A incidência de MISC diminuiu substancialmente desde 2022, potencialmente devido à imunidade generalizada ao SARS-CoV-2 ou à capacidade reduzida de variantes mais recentes do SARS-CoV-2 de causar MISC (CAVALCANTI A et al., 2022).

A DK é significativamente maior no leste asiático, enquanto a MISC que foi relatada principalmente na Europa e Estados Unidos(CAVALCANTI A et al., 2022).

A DK possui como faixa etária crianças menores que 5 anos de idade, com mediana de 3 anos e leve predominância no sexo masculino. Na MISC possuem como comorbidades frequentes encontradas a obesidade e asma(CAVALCANTI A et al., 2022).

Os mecanismos subjacentes à inflamação diferem entre DK e MISC. Na DK a interleucina – 1 (IL-1) tem efeitos inflamatórios diretos nas células endoteliais coronarianas, enquanto na MISC a disfunção miocárdica e a maior gravidade da infecção por SARS-CoV-2 são impulsionadas por IL-6 e IL-10 (CAVALCANTI A et al., 2022).

Certas características clínicas são mais evidentes na MISC como sintomas gastrointestinais, entre eles dor abdominal (tendo alguns pacientes sendo submetidos a laparotomia exploratória), vômitos, diarreia, dor de cabeça, alterações laboratoriais com trombocitopenia, linfopenia, níveis elevados de troponina, ferritina ou BNP – peptídeo natriurético tipo B e achados cardíacos, como diminuição da função sistólica ventricular esquerda e derrame pericárdico). Os sintomas da MISC tem maior semelhança com os da síndrome de ativação de macrófago (CAVALCANTI A et al., 2022).

Em contrapartida, erupção cutânea, injeção conjuntival, alterações da mucosa oral e anormalidades coronarianas são mais comuns em pacientes com DK(CAVALCANTI A et al., 2022).

Ao contrário da DK clássica, a disfunção miocárdica na MISC é comum. Um estudo foi citado onde 80% dos pacientes com MISC desenvolveram insuficiência ventricular esquerda aguda com necessidade de suporte inotrópico e 28% necessidade de circulação extracorpórea. Em contraste, o envolvimento da artéria coronária é mais proeminente na DK(CAVALCANTI A et al., 2022).

Ou seja, na MISC, o envolvimento miocárdico é comum e grave, enquanto o envolvimento da artéria coronária é leve e transitório(CAVALCANTI A et al., 2022).

Os pediatras devem ter em mente que a MISC deve ser considerada um diagnóstico diferencial para DK de início na adolescência, especialmente em crianças com diagnóstico precoce de COVID-19 ou não vacinadas (CAVALCANTI A et al., 2022).

O tratamento inicial para DK inclui a infusão de imunoglobulina 2g/kg durante 8 a 12 horas. A anemia hemolítica é uma complicação dependente da dose e mais frequentemente encontrada em pacientes com tipo sanguíneo A, B ou AB (JONE PN et al., 2024). Estudos sugerem que a dose seja baseada na massa corporal magra em pacientes com obesidade reduzindo assim seus riscos. Outra complicação associada à imunoglobulina é a meningite asséptica, geralmente transitória e sem sequelas(JONE PN et al., 2024).

Todas as vacinas vivas, incluindo vacinas contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela, devem ser adiadas por 11 meses após a administração de imunoglobulina, com o objetivo de não reduzir a eficácia das vacinas. A velocidade de hemossedimentação aumenta após o tratamento; portanto, não é um marcador confiável(JONE PN et al., 2024).

A aspirina é administrada durante o período agudo da DK, mas sua atividade nas plaquetas é inibida por anti-inflamatórios não esteroides. A aspirina tem sido administrada em uma dose moderada (30–50 mg/kg por dia) ou alta (80–100 mg/kg por dia) como terapia anti-inflamatória e por seu efeito antipirético até que o paciente esteja afebril por 48 a 72 horas. A aspirina em baixa dose (3–5 mg/kg por dia) uma vez ao dia tem sido usada por seu efeito antiplaquetário após a defervescência e é continuada até 6 a 8 semanas após o início da doença (JONE PN et al., 2024).

Para acompanhamento a longo prazo, imagens não invasivas como eletrocardiogramas, ecocardiograma, testes de estresse, angiografias por tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética cardíaca (RM), angiografia coronária e cateterismo são usadas principalmente para diagnosticar anormalidades coronárias e suas repercussões, especialmente naqueles com aneurisma grandes ou gigantes 1 anos após a DK (AGRAWAL H., QURESHI A., 2019 ) (JONE PN et al., 2024).

Embora pouco frequentes, complicações como dissecção da artéria coronária, trombose aguda, bradiarritmia, bloqueio atrioventricular, taquicardia ventricular ou fibrilação podem ocorrer e podem ter implicações sérias, até mesmo fatais. Os centros devem ser equipados para gerenciar tais situações e outros eventos adversos(JONE PN et al., 2024).

CONCLUSÃO

A respeito da doença de Kawasaki em adolescentes conclui-se então que sua etiologia permanece incerta, assim como nas crianças. Tem-se como fatores de risco a interação complexa entre fatores ambientais, infecções bacterianas e susceptibilidade genética.  Apesar de ser mais frequente em crianças menores de 5 anos, não é incomum sua ocorrência em adolescentes, predominando no sexo masculino.

Como muitos casos de doença de Kawasaki em adolescentes tem apresentação incompleta, eles podem ser tardiamente ou erroneamente diagnosticados como infecções, aumentando assim, complicações, como a formação de aneurismas coronários e outras morbimorbidades.

Seria benéfico se houvesse a padronização de critérios diagnósticos específicos em adolescentes evitando assim o subdiagnóstico. Sendo assim, a conscientização sobre a doença é essencial para qualquer médico que esteja lidando com pacientes pediátricos ou adolescentes.

Referências:

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1Médica Instituição: Hospital Materno Infantil de Brasília
Endereço: Av. L2 Sul SGAS Quadra 608, Módulo A, Asa Sul, Brasília-DF, CEP: 70203-900
E-mail: esterprearo@hotmail.com

2Reumatologista Pediatra
Instituição: Hospital Materno Infantil de Brasília
Endereço: Av. L2 Sul SGAS Quadra 608, Módulo A, Asa Sul, Brasília-DF, CEP: 70203-900
E-mail: aline.remato@hotmail.com