DOENÇA DE DARIER: RELATO DE CASO EM PACIENTE PEDIÁTRICO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12820226


Aurenita de Assis Formiga Pereira de Melo1
Orientador (a): Ylka Virginia Ribeiro Gomes2


RESUMO

A Doença de Darier, também conhecida como disqueratose folicular ou queratose folicular de Darier, é uma genodermatose autossômica dominante rara, caracterizada por uma desordem na queratinização. Essa condição resulta em lesões papulosas, hiperqueratóticas e de cor marrom-amarelada, frequentemente distribuídas de forma simétrica em áreas sebáceas do corpo, como o tronco, couro cabeludo, rosto e regiões intertriginosas. A doença é causada por mutações no gene ATP2A2, que codifica uma enzima essencial para o transporte de cálcio no retículo endoplasmático das células epiteliais. Embora a Doença de Darier possa se manifestar em qualquer faixa etária, os primeiros sinais e sintomas geralmente aparecem durante a infância ou adolescência, impactando significativamente a qualidade de vida dos pacientes devido à natureza crônica e recidivante das lesões, bem como ao potencial estigma social associado à aparência cutânea. O Artigo teve como objetivo descrever o relato de caso de uma paciente do sexo masculino, atendido no serviço de dermatologia pediátrica do Centro de Estudo e Treinamentos Avançados em Saúde na cidade de João Pessoa/PB, com quadro clínico compatível com doença de Darier, apresentando história familiar positiva (pai e avô paterno com a mesma dermatose diagnosticada). O paciente apresentava manifestações clínicas mais brandas, e recebeu orientações quanto às medidas gerais e à cronicidade da doença, sendo sugerido, também, tratamento oral com retinóide (acitretina). Por fim, apesar da possibilidade de biópsia para confirmação diagnóstica, optou-se por não realizar o procedimento neste paciente, considerando a compatibilidade das lesões com a Doença de Darier e o diagnóstico confirmado da genodermatose em familiares, especificamente no genitor, por meio de exame anatomopatológico.

Palavras-chave: Ceratose folicular. Acitretina. Genética.

1 INTRODUÇÃO

A Doença de Darier é uma genodermatose rara, de herança autossômica dominante (BACELLAR, 1997; JÚNIOR, 2000), que ocorre por mutação do gene ATP2A2, no cromossomo 12, responsável pela codificação da proteína SERCA2B, envolvida na diferenciação epidérmica (BACHAR-WIKSTRÖM, 2021; AZULAY, 2022; CAMPOS et al., 2023). Com frequência, ocorrem casos não familiares, o que pode sugerir mutação espontânea (BACELLAR, 1997).  As manifestações clínicas surgem na primeira ou segunda décadas de vida, com pico na adolescência (BACELLAR, 1997; HOHL, 2023), e vão decorrer da insuficiência da proteína SERCA2B, levando a uma redução da coesão celular com alteração na diferenciação dos queratinócitos (AZULAY, 2022; CAMPOS et al., 2023). Manifesta-se por pápulas eritematoacastanhadas ceratósicas e crostosas em áreas seborreicas (couro cabeludo, face, pescoço e tronco), podendo se associar a prurido e odor fétido, a anormalidades ungueais, como fragilidade, ceratose subugueal, fissuras longitudinais e distrofias, além de lesões mucosas (BACELLAR, 1997; SAMPAIO, 2008; CAMPOS et al., 2023; HOHL, 2023). A confirmação é feita através de biópsia, com exame histopatológico característico: acantólise suprabasal, formação de fendas, disqueratose com corpos redondos e presença de grãos (AZULAY, 2022). Apresenta curso crônico, sem remissão espontânea, com períodos de exacerbação, desencadeada principalmente pelo calor, fotoexposição, atrito e infecções (BOLOGNIA, 2011; AZULAY, 2022; HOHL, 2023).

Descreve-se um caso de doença de Darier em paciente adolescente com história familiar positiva bem documentada em duas gerações.

2 RELATO DE CASO

Paciente, menor, de 13 anos, do sexo masculino, vem acompanhado para a consulta por seus genitores, apresentando queixa de escamas acastanhadas em face, região cervical, região retroauricular, e couro cabeludo que surgiram nos últimos meses, mas não sabe especificar o tempo exato (Figura 1). Refere que as lesões têm aumentado em extensão progressivamente.

Figura 1 – Imagem macroscópicas das lesões

Paciente nascido a termo, de parto cesáreo, sem intercorrências durante a gestação, com calendário vacinal completo e atualizado e desenvolvimento neuropsicomotor normal. Ao exame físico apresentava diversas pequenas pápulas acastanhadas, ceratósicas, agrupadas, localizadas em face, couro cabeludo, região cervical e retroauricular, sendo algumas áreas com aspecto verrucoso nesta última localização. Não apresentava lesões em mucosas nem em placas ungueais.

Genitor refere ter quadro semelhante diagnosticado por biópsia aos dezoito anos e que seu pai (avô do paciente) também apresentava a mesma dermatose. Exame anatomopatológico confirmou doença de Darier em familiares. Foi sugerido iniciar tratamento com retinóide sistêmico oral, mas sendo esclarecida a natureza crônica da doença, com indicação e orientação de acompanhamento periódico, diante da possibilidade de períodos de exacerbação, principalmente em épocas de temperaturas mais elevadas do ano.

3 DISCUSSÃO

A doença de Darier, ou ceratose folicular, é transmitida de forma autossômica dominante (BACELLAR, 1997; JÚNIOR, 2000), com prevalência de 1 para 100 mil habitantes (HOHL, 2023), (JÚNIOR, 2000), apesar de serem frequentes casos sem história familiar, sugerindo mutação espontânea (BACELLAR, 1997). No caso relatado, que corrobora com a literatura, havia forte influência genética, estando a dermatose presente em três gerações. Devido à variabilidade fenotípica no que diz respeito à gravidade, podendo alguns casos se manifestarem de forma mais discreta (HOHL, 2023) inclusive com apenas alterações ungueais, é possível que haja até mais casos familiares não diagnosticados no presente relato.

Ambos os sexos são acometidos, porém homens frequentemente desenvolvem formas mais graves (BACELLAR, 1997). Há relatos de associação da doença com desordens neuropsiquiátricas, como epilepsia, deficiência intelectual, esquizofrenia, transtorno bipolar ou do comportamento (JÚNIOR, 2000; BOLOGNIA, 2011; BACHAR-WIKSTRÖM, 2021; HOHL, 2023), sendo descritos casos de depressão em membros portadores da ceratose folicular de uma mesma família (JÚNIOR, 2000). Porém, os dados são controversos, e casos de depressão ou mesmo ideação suicida podem se relacionar ao isolamento social provocado pelo impacto da doença cutânea (BOLOGNIA, 2011). Outros trabalhos mostraram associação com diabetes (BACHAR-WIKSTRÖM, 2021; HOHL, 2023) e aumento de risco de doença cardíaca em portadores de doença de Darier (BACHAR-WIKSTRÖM, 2021).

As manifestações clínicas surgem, em geral, entre a primeira e segunda décadas de vida, durante o período de puberdade (BACELLAR, 1997), fato observado no caso relatado, com lesões típicas em torno de 13 anos de idade. O quadro é variável no que diz respeito à gravidade, cursando com pápulas amareladas ou acastanhadas, ásperas ou recobertas por crostas, predominando em áreas seborréicas, comumente pruriginosas, que podem confluir e formar placas vegetantes, com odor fétido em caso de infecção secundária, especialmente em áreas intertriginosas, (BACELLAR, 1997; BACHAR-WIKSTRÖM, 2021; AZULAY, 2022).

Há tendência à piora das lesões durante períodos de aumento de calor e umidade, especialmente no verão, e há casos descritos com disseminação de lesões verrucosas (BACELLAR, 1997). O paciente em questão apresentava quadro mais brando, com pequenas pápulas distribuídas em áreas seborréicas, e lesões mais verrucosas em áreas localizadas, não havendo desconforto significativo até o presente momento. Entretanto, são manifestações ainda iniciais, podendo evoluir futuramente com maior disseminação.

Pode haver, ainda, acometimento acral, com pápulas semelhantes a verrugas planas em dorso de mãos e pés e associação com ceratoses punctatas, alterações ungueais, como fragilidade, afinamento da lâmina, linhas longitudinais brancas ou vermelhas, fissuras longitudinais com falhas em forma de “V”, hiperceratose subungueal (BACELLAR, 1997; SAMPAIO, 2008; HOHL, 2023). Lesões em mucosas podem ser frequentes, com pápulas esbranquiçadas ásperas ocorrendo em mucosa oral ou até genital (SAMPAIO, 2008; HOHL, 2023). O paciente do presente caso não apresentava acometimento mucoso ou alterações ungueais.

O diagnóstico da ceratose folicular é sugerido clinicamente, através das manifestações em áreas corporais características, confirmado através do exame anatomopatológico, que evidencia acantólise suprabasal com disqueratose e presença de corpos redondos e grãos, com formação de lacunas (BACELLAR, 1997; SAMPAIO, 2008; HOHL, 2023). Diagnósticos diferenciais possíveis incluem a doença de Hailey-Hailey, a dermatite seborréica, o nevo epidérmico (BACELLAR, 1997), a doença de Grover e a acroceratose verruciforme de Hopf (BOLOGNIA, 2011).

No caso desse paciente relatado, optou-se por não realizar biópsia, tendo em vista as lesões compatíveis e o diagnóstico da genodermatose em familiares, confirmado por exame anatomopatológico (genitor).

O objetivo do tratamento é o alívio dos sintomas, a melhora da aparência da pele e a prevenção de infecções (HOHL, 2023). Em todos os casos da doença de Darier deve haver orientações em relação a medidas gerais como o uso de roupas leves e fotoproteção. O tratamento em casos leves inclui o uso de sabonetes antissépticos, substâncias emolientes e ceratolíticas (ácido salicílico), retinóides tópicos, corticóides tópicos, antibióticos tópicos ou sistêmicos, tacrolimus, 5-fluouracil (BACELLAR, 1997; AZULAY, 2022; CAMPOS et al., 2023). Mais recentemente, tem sido utilizado o diclofenaco de sódio a 3% na doença de Darier, que atua subregulando o gene ATP2A2, com normalização dos níveis de SERCA2 em queratinócitos (CAMPOS et al., 2023).

Em casos mais extensos, pode ser indicado o uso de retinóide sistêmico, sendo este o mais efetivo (BACHAR-WIKSTRÖM, 2021), com necessidade de doses de manutenção após controle do quadro para prevenir recidivas, devendo-se lembrar dos efeitos teratogênicos, (BACELLAR, 1997; BOLOGNIA, 2011; AZULAY, 2022). O paciente em questão recebeu orientações quanto às medidas gerais, sendo sugerido o uso de retinóide sistêmico (acitretina), esclarecendo-se quanto à natureza crônica da doença e à possibilidade de períodos de exacerbação do quadro.

Apesar de não haver evidência confirmada de comprometimento sistêmico de órgãos internos, inclusive em relação à sobrevida, a doença de Darier pode causar grande impacto psicológico e no relacionamento social nos casos de acometimento extenso, onde se observa com maior frequência infecção secundária e odor fétido, com tendência ao isolamento e redução em qualidade de vida, e muitas vezes, deve ser indicado suporte emocional (BACHAR-WIKSTRÖM, 2021; HOHL, 2023).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A doença de Darier não tem cura, apresenta natureza crônica, com períodos de exacerbação, devendo o paciente ser bem esclarecido quanto às medidas preventivas e sobre os fatores de piora da doença, sendo imprescindível o acompanhamento regular. Deve-se, ainda, lembrar do impacto social provocado pela doença, especialmente as formas mais graves, sendo indicado apoio emocional. O presente relato chamou atenção pela presença da ceratose folicular em três membros da mesma família, demonstrando a forte influência genética nesse caso.

REFERÊNCIAS

AZULAY, R. D. Azulay Dermatologia. 8ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1280p. 2022.

BACELLAR, A. G.; NEFFA, J. M.; DUARTE, H.; MENDONÇA, A. M. N. Doença de Darier com lesão mucosa: abordagem terapêutica com etretinato. An bras Dermatol., v.72, n.4, p.369-372, 1997.

BACHAR-WIKSTRÖM E.; WIKSTRÖM J.D. Darier Disease – A Multi-organ Condition? Acta Derm Venereol. 2021 Apr 15;101(4):adv00430. doi: 10.2340/00015555-3770. PMID: 33606037; PMCID: PMC9364244.

BOLOGNIA, J.; JORIZZO, J. L.; RAPINI, R. P. Dermatologia. 2a ed. Rio de Janeiro: Elsevier, p.791-796, 2011.

CAMPOS, M. O. M. Q.; FIGUEIREDO, G. A. P.; EVANGELISTA, A. C.; BAUK, A. R. Doença de Darier: terapêutica tópica com diclofenaco de sódio. An bras Dermatol., v.98, n.6, p.882-884, 2023.

HOHL, D. Darier Disease. Up To Date, 2023. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/darier-disease?search=darier%20disease&source=search_result&selectedTitle=1~42&usage_type=default&display_rank=1. Acesso em: 04 dez. 2023.

JÚNIOR, Q. C.; WEREBE, D. M.; VALLADA, H. Darier’s disease: a new paradigma for genetic studies in psychiatric disorders. Med J/Rev Paul Med., v.118, n.6, p.201-3, 2000.

SAMPAIO, S. A. P.; RIVITTI, E. A. Dermatologia. 3ª ed. São Paulo: Artes Médicas, p.1055-7, 2008.


1Pós-Graduando do Curso Superior em Dermatopediatria
E-mail: draaurenitamelo@gmail.com

2Professor orientador Centro de Estudos e Treinamentos Avançados em Saúde.
E-mail: ylkavirginia@hotmail.com