DOENÇA DE CROHN: A IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE

CROHN’S DISEASE: THE IMPORTANCE OF EARLY DIAGNOSIS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12587792


Paola B. Vaccari¹
Carlos P. Nunes2


RESUMO

Introdução: A doença de Crohn (DC) é uma patologia autoimune pertencente às doenças inflamatórias intestinais (DII) e apresenta períodos de exacerbação e remissão. Sua patogênese é baseada na insuficiência na eliminação de antígenos microbianos associada à permeabilidade celular intestinal aumentada e uma resposta imunológica disfuncional. Objetivo: Descrever a relevância do diagnóstico precoce da Doença de Crohn. Métodos: revisão de literatura de caráter qualitativo, na qual foram realizadas pesquisas nas bases de dados eletrônicas PubMed,SciELO em que os seguintes descritores e operadores booleanos foram usados: (Crohn’s disease) AND (epidemiology) AND (brazil), (Crohn’s disease) AND (pathophysiology), (Crohn’s disease) AND (clinical manifestations) NOT (pediatrics). Utilizados 17 artigos. Resultados e discussão: Caracteristicamente a DC causa danos na mucosa intestinal, podendo ser vistas como ulcerosas, estenóticas ou fistulizantes, tendo uma clínica inicial inespecífica com sintomas como dor abdominal, perda ponderal, diarreia crônica, febre, e pode apresentar sintomatologia extraintestinal. Possivelmente associada à fatores genéticos, ambientais e desregulação imunológica. O diagnóstico é aventado pela anamnese e exames de imagem e laboratoriais. Contudo o diagnóstico é realizado muitas vezes de forma tardia, assim os impactos para o prognostico se tornam sombrios. O tratamento consiste em abordagem medicamentosa com o uso de glicocorticoides, anti-inflamatórios, imunobiológicos, antibióticos, e cirúrgicas com técnicas de resseção intestinal e anastomose do tipo término-terminal. Conclusão: O diagnóstico precoce auxilia na diminuição de desfechos desfavoráveis, sendo um desafio na realidade brasileira devido a carências diagnósticas e epidemiológicas.

Descritores: Doença de Crohn, Doenças Inflamatórias Intestinais,diagnóstico precoce, tratamento

ABSTRACT

Introduction: Crohn’s disease (CD) is an autoimmune pathology part of the inflammatory bowel diseases (IBD) with periods of exacerbation and remission. Its pathogenesis is based on failure to eliminate microbial antigens associated with increased intestinal cell permeability and a dysfunctional immune response. Aims: To describe the relevance of early diagnosis of Crohn’s Disease. Methods: It is a qualitative literature revie. Searches were carried out in electronic databases PubMed, SciELO using the keywords: Crohn’s Disease, Inflammatory Bowel Diseases, early diagnosis, treatment and the Boolean descriptors and operators: (Crohn’s disease) AND (epidemiology) AND (Brazil), (Crohn’s disease) AND (pathophysiology), (Crohn’s disease) AND (clinical manifestations) NOT (pediatrics). Used 17 articles. Results and discussion: Characteristically, CD causes damage to the intestinal mucosa, that can be seen as ulcerative, stenotic or fistulizing, having a nonspecific initial clinical appearance with symptoms such as abdominal pain, weight loss, chronic diarrhea, fever, and may present extraintestinal symptoms. Possibly associated with genetic and environmental factors and immune dysregulation. The diagnosis is suggested by anamnesis, imaging, and laboratory tests. However, the diagnosis is often made late, so the impacts on the prognosis become dismal. Treatment consists of a drug approach with the use of glucocorticoids, anti-inflammatories, immunobiologicals, antibiotics, and surgery with intestinal resection techniques and end-to-end anastomosis. Conclusion: Early diagnosis helps to reduce unfavorable outcomes, being a challenge in the Brazilian reality due to diagnostic and epidemiological deficiencies.

Descriptors: Crohn’s Disease, Inflammatory Bowel Diseases, early diagnosis, treatment

INTRODUÇÃO

A doença de Crohn (DC) é uma afecção crônica do grupo das doenças inflamatórias intestinais (DII) juntamente com a colite ulcerativa1. Caracteristicamente, a DC possui períodos de exacerbação e remissão, associado a uma disfunção imunológica1. Nesta doença o sistema imune inato é insuficiente em eliminar antígenos microbianos associada a um aumento da permeabilidade celular intestinal que induz a uma resposta imune adaptativa desregulada, no qual células T e uma resposta humoral são estimuladas de forma errônea, induzindo lesões que podem ser ulcerosas, estenóticas ou fistulizantes, e terá uma diversidade de manifestações clínicas inicialmente inespecíficas que acometerá predominantemente as mucosas do trato gastrointestinal de forma descontínua, principalmente a parte mais distal do intestino delgado2.

Essa doença autoimune não possui uma etiologia específica, porém está associada a três fatores predisponentes como: predisposição genética, desregulação imunológica e por antígenos ambientais. Em relação a genética os principais genes envolvidos são NOD2/CARD15, que se manifestam nas células de Paneth presente no epitélio intestinal, nos macrófagos e nas células dendríticas. Esses genes são responsáveis pela detecção de dipeptídeo muramil, um componente de peptidoglicanos das bactérias gram-positivas, sendo que a partir dessa informação recebida, haverá ativação gênica e ocorrerá a indução da transcrição de citocinas pró-inflamatórias. Há outras associações de genes que também favorecem o aparecimento da DC como os polimorfismos dos genes receptor-4 da família TLR, como é o caso dos genes OCTN1 e DLG5 que são responsáveis pela codificação de canais iônicos2.

Como fatores ambientais que favorecem essa patologia, temos o tabaco, a dieta, as infecções intestinais, o estresse e a poluição1. Verificou-se que o aleitamento materno, com duração mínima de 12 meses, promoveu um fator protetor ao desenvolvimento de DC, estando relacionado a liberação de anticorpos (SIgA e SIgM), de citocinas, de células imunes, de fatores de crescimento e de altas concentrações de oligossacarídeos. Esses fatores protetores atuariam na promoção da defesa e da produção de bactérias melhorando a microbiota intestinal, e formação da imunidade inata da mucosas3,4.

Com relação as manifestações clínicas, a DC pode apresentar sintomas diversos e inespecíficos como dor abdominal, perda ponderal, diarreia crônica que pode estar associados a mal-estar, anorexia e febre, sendo a diarreia o sintoma mais habitual5. A suspeita clínica é maior em pacientes jovens com média de idade 31,6 anos5,6. A clínica pode ser classificada  em sintomas intestinais e extraintestinais. Essas últimas acometem uma variedade de sistemas, tais como olhos, pele, pulmões, rins e os sistemas hepatobiliar, imunológico, hematológico e cardiovascular, sendo a mais comum as lesões dermatológicas7. Ademais, estas manifestações externas do trato intestinal podem ocorrer antes do diagnóstico8 com dados epidemiológicos cerca de 25,8%. Os fatores relacionados a ocorrência de manifestações extraintestinais são: sexo feminino, idade e atividade da doença9. Em relação as manifestações extraintestinais, estas em geral são formas mais severas da doença, devido a acarretar uma maior morbimortalidade e redução da qualidade de vida10. No sistema ocular pode-se apresentar como episclerite, esclerite, e uveíte; no sistema dermatológico podem ser vistos eritema nodoso (EN) e pioderma gangrenoso (PG); no sistema hepático pode haver colangite esclerosante; e no sistema musculoesquelético, com a prevalência de cerca de 7% a 25%, podem apresentar artropatias inflamatórias, espondiloartropatias (EpAs), artropatia axial (AA), artrite periférica.11

De acordo com a Organização Europeia de Doença de Crohn e Colite (ECCO) não há um exame padrão-ouro. A confirmação diagnóstica depende de uma avaliação clínica e uma investigação endoscópica, bem como uma investigação histológica, radiológica e/ou bioquímica, não sendo mais utilizados exames genéticos ou sorológicos habitualmente, pois possuem pouca especificidade e não diferencia DC de colite ulcerativa.5 Inicialmente a investigação é realizada laboratorialmente com hemograma completo, velocidade de hemossedimentação (VHS), proteína C-reativa (PCR) e albumina. Rotineiramente devemos solicitar a colonoscopia. A biópsia diagnóstica tem um importante papel na identificação da atividade da doença ao avaliar anormalidades vistas nas fases ativa e crônica no intestino delgado e /ou cólon.11

OBJETIVOS

Primário:

Apresentar a relevância no diagnóstico precoce da Doença de Crohn.

Secundários:

Discutir as manifestações clínicas associadas a fisiopatologia.       

Descrever o tratamento e as complicações resultantes da doença de crohn.

Citar a epidemiologia envolvida na doença de crohn.

MÉTODOS

Foi realizada uma revisão de literatura de caráter qualitativo, na qual foram realizadas pesquisas nas bases de dados eletrônicas PubMed,SciELO em que os seguintes descritores e operadores booleanos foram usados: ((Crohn’s disease) AND (epidemiology)) AND (brazil), (Crohn’s disease) AND (pathophysiology), (((Crohn’s disease)) AND (clinical manifestations))) NOT (pediatrics).

Foi realizado pesquisa no uptodate acesso 24/11/22 com o termo “indicações de cirurgia na doença de crohn”, utilizado dois artigos e publicações impressas gastrologia essencial e Goldman-Cecil medicina interna 24ª edição.

Os parâmetros utilizados para escolha dos artigos foram o texto completo gratuito, utilizando filtros com publicações dos últimos 5 anos. Dentre os 135 artigos vistos,17 trabalhos foram escolhidos e estes apresentavam o tema principal de pesquisa pela pré-leitura dos títulos e resumos, com leitura completa em seguida. Assim os critérios de exclusão dos artigos não selecionados foram os que não possuía relevância para o diagnostico, abordavam pacientes pediátricos e psiquiátricos, não estavam diretamente relacionados a patologia de Crohn e os critérios de inclusão foram apresentasse tópicos de interesse para análise do tema

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A doença de Crohn é uma patologia autoimune, crônica, progressiva, com períodos de remissão e recidivas1. É uma das principais Doenças inflamatórias intestinais (DII), acomete as mucosas do trato gastrointestinal, o local mais frequente é o ileoterminal, contudo com a progressão da doença, outros sistemas podem ser acometidos1,2.

Existem várias formas de classificá-la. Uma das mais utilizadas é a classificação de Montreal (2005) que é baseada na classificação anterior de Viena, porém com conceitos mais atualizados.

A classificação de Montreal consiste em considerar o diagnóstico tendo como referência a idade (A), localização da doença (L), presença de fistulas ou abscesso perianais (P) somado ao comportamento da doença (B)5 (tabela 1).

Tabela 1: Classificação de Montreal

Esta patologia também tem classificação quanto a atividade:

  • Ativa quando apresenta Índice de Atividade da Doença de Crohn (CDAI) acima de 220;
  • Remissão, ou seja redução de parâmetros deste índice por no mínimo 12 meses, apresenta CDAI abaixo de 150;
  • Resposta ao tratamento quando abaixo de 100.

Os 8 parâmetros que compõem o índice são: média de evacuações líquidas ou pastosas/dia nos últimos 7 dias, dor abdominal dividida em ausente,leve,moderada ou grave, sensação de bem estar, manifestações extraintestinais ou febre, consumo de antidiarreicos, massa abdominal, déficit de hematócritos , porcentagem do peso abaixo do esperado ( peso/peso do habitual x 100), tendo um fator multiplicador com determinado valor com base em cada parâmetro, respectivamente 2,5,7,20,30,10,6 e 112

Estes conceitos são mais utilizados em ensaios clínicos5.

A origem dessa patologia está relacionada a interação de alguns aspectos etiológicos como tabagismo, infecções intestinais, higiene, dieta e amamentação que podem provocar uma resposta imunológica desordenada. Os linfócitos T tipo CD4, CD8, natural killers, células B, monócitos serão liberadas no intestino, provocando uma resposta inflamatória exarcebada, com excesso de produção de citocinas como a IL-12, IFN- γ, TNF, IL23, a IL-34 sendo que esta última está envolvida na expressão de mais citocinas como TNF-α e IL6. É observado a ocorrência de uma cascata inflamatória com um fenótipo linfocítico TH 1. É possível notar que determinados genes estão implicados neste processo, como MUC 2 e FUT 2. Respectivamente são responsáveis por reduzir a produção de muco e codificar enzima que secreta formas solúveis de antígenos. Isto induz uma reação anômala com as bactérias que proporcionará o organismo a produzir reação imunológica que sustenta a ativação da cascata inflamatória interruptamente. Na mucosa, o contato dessas células imunes com as integrinas, moléculas de adesão e quimiocinas é o local que ocorrerá a cascata inflamatória, no qual será dado o encontro das citocinas ao epitélio intestinal. Assim, o epitélio poderá atuar de três maneiras: incremento da permeabilidade intestinal e absorção de antígenos, favorecendo ainda mais a resposta imune com a liberação de mais citocinas inflamatórias e presença de células apresentadoras de antígenos. Portanto, é um ciclo de produção de citocinas, proporcionando processo inflamatório crônico com destruição de tecidos, fibrose, estenose, fístulas intestinais, massas inflamatórias ou abscessos intra-abdominais. As lesões podem ser evidenciadas através de biópsias mostrando a presença de granulomas com distribuição descontinua.1,14

Os fatores etiológicos não são nítidos, acredita-se que haja uma combinação de fatores genético e ambiental associada a uma incompetência imunológica2. O fator ambiental com maior associação é o tabagismo que também exerce uma influência agravadora aos já portadores diagnosticados. Fumantes possuem uma prevalência maior de manifestações extraintestinais, ou seja, a gravidade da doença é maior, além de, consequentemente, terem um prognóstico pior em relação aos não-fumantes13. Os pacientes que cessaram o tabagismo apresentaram redução das manifestações, entre elas as articulares e de pele13.

O paciente com DC, primariamente, possui sintomas como dor abdominal, perda de peso, diarreia crônica, mal estar, febre, sangramentos, anemias e, em crianças, pode haver déficit de crescimento5. As manifestações extraintestinais podem surgir antes de haver evidência de DC com sintomas intestinais claros5. São localizadas como: nos sistemas ocular, na forma de episclerite, esclerite, e uveíte; no sistema dermatológico pode ter eritema nodoso (EN) pioderma gangrenoso (PG); no sistema hepático por colangite esclerosante; e no sistema musculoesquelético através de artropatias inflamatórias, espondiloartropatias (EpAs), artropatia axial (AA), artrite periférica, sendo as artropatias inflamatórias uma das mais prevalentes com cerca de 7% a 25% 11.

Corroborando a clínica, os exames laboratoriais como hemograma completo, PCR, calprotectina fecal e taxa de hemossedimentação, além dos testes parasitológico e microbiológicos para diarreia infecciosa que inclua a toxina Clostridium difficile poderão auxiliar no diagnóstico5.

 A análise desses exames podem identificar anemia, trombocitose, que faz parte do quadro clínico desta patologia, e respostas inflamatórias, tendo em vista que se trata de uma doença autoimune5. A calprotectina fecal é um exame que sugere a realização de investigação endoscópica de forma precoce, pois quando está em baixa é altamente preditivo de não ser síndrome do intestino irritado, acarretando uma forte suspeita de que pode tratar-se de DC ou colite ulcerativa, assim a realização de exames endoscópicos antecipados ampara diagnóstico. Outros exames laboratoriais que podem ser usados, de forma não rotineira, são os marcadores sorológicos anticitoplasma de neutrófilos (pANCA) e os anti-Saccharomyces cerevisiae (ASCA), porém são incapazes de diferenciar DC de colite ulcerativa5.

Pela frequência do acometimento, a iIeocolonoscopia e a biopsia do íleo terminal são exames de imagem e histológicos de rotina5. A endoscopia digestiva alta pode ser feita, contudo não é rotina em pacientes assintomáticos5. Os exames de rotina supracitados exploram evidências de áreas com inflamação na mucosa e verifica os tipos de lesão como úlceras, fistulas e estenose, além do mais possibilita classificar a gravidade com base na profundidade do acometimento das camadas da mucosa. Na ocorrência de falha dos demais exames e presença de uma alta suspeita pode-se optar por realizar a cápsula endoscópica e enteroscopia com biópsia5.

As principais complicações da doença são as manifestações extraintestinais que mostram a progressão da doença, reduz a qualidade de vida, oportuniza mais fibrose no tecido intestinal, permeabilidade intestinal aumentada e má absorção dos nutrientes, o que desencadeia quadro de diarreia crônica e caquexia. Um agravante é evolução para malignidade, o que fomenta uma morbimortalidade alta1,10. Cerca de 55% dos pacientes com DC terão algum tipo de manifestação cutânea ao longo da patologia e estão relacionadas a progressão da DC ou ao tratamento realizado15.

O tratamento medicamentoso visa indução de remissão da DC, correção de déficits nutricionais, redução do avanço da doença e a prevenção de complicações, entretanto algumas medicações como os anti-tntalfa pode resultar menor sobrevivência do paciente e repercussões negativas para o estilo de vida, em consequências de seus efeitos colaterais. Apesar disso, é uma das ferramentas disponível no momento que possui melhores resultados na diminuição na proporção de hospitalização e cirurgias. A condução terapêutica deve ser feita com base na gravidade, subtipo, comportamento e localização da DC. A terapêutica medicamentosa possui um arsenal como aminosalicilatos, corticoides, anti-inflamatórios, agentes bioterapêuticos, imunossupressores ( tiopurinas e metotrexato) e anti-TNF que é usada a fim de atenuar a sintomatologia e risco de consequências a longo prazo. A taxa de ineficácia é alta pois nenhuma delas inibe totalmente a evolução da doença e ocasionalmente haverá necessidade de intervenção cirúrgica, Os anti-TNF possuem perda de resposta ao tratamento inicial 30% das vezes e, posteriormente, 50% que obtinha resposta satisfatória terão intolerância, falha mecânica e suscetibilidade a infecções pelo bloqueio imunomediado1,10,16. O uso de antibióticos também é considerado devido a probabilidade dos pacientes terem infecções relacionadas a própria doença ou ao tratamento medicamentoso. A escolha antimicrobiana costuma ser a fluorquinolonas e metronidazol. Os biológicos usuais são inibidores do TNF-α (Infliximab, Adalimumab, Certolizumab) ou antintegrinas (Vedolimumab) e interleucinas IL-12 e IL-23 (Ustekinumab). Do grupo dos anti-inflamatórios, a mesalazina é usada devido a segurança da droga, apesar de não ter uma taxa de indução de remissão da doença considerável14.

Contudo, pelo fato de ser uma patologia subnotificada, pois não é de notificação compulsória, ocorre negligencia na informação de dados clínicos, favorecendo uma dificuldade epidemiológica e acarretando uma barreira na criação de estratégias do manejo destes pacientes que necessitam de tratamentos mais invasivos, como cirurgias para correção das obstruções intestinais e outras complicações severas, como foi demonstrado em uma análise retrospectiva em Campinas que  mais de 50 %  dos pacientes analisados necessitaram de intervenção cirúrgica5.  

A conduta cirúrgica é indicada para pacientes que possuem algumas condições como: perfuração intestinal, abscesso intra-abdominal, retroperitoneal ou da parede abdominal refratário ao tratamento, hemorragia gastrointestinal refratária ao tratamento conservador, inflamação persistente causando sintomas refratários à terapia médica, retardo do crescimento em crianças portadoras de doença de Crohn, estenose fibrótica sintomática com obstrução intestinal, fístula entérica refratária à terapia médica e câncer de intestino delgado ou colorretal17.

Pacientes com doença de crohn são mais propensos a terem lesões malignas ou pré-malignas do cólon ou reto ao invés do intestino delgado.  Dessa maneira é relevante que portadores de doença de Crohn de longa data sejam acompanhados com colonoscopia frequente, a fim de monitorar o aparecimento de malignidade. Os métodos cirúrgicos mais executados são ressecção do intestino delgado na presença de inflamação, perfuração, abscesso ou fistula, tendo uma alta resposta positiva quando o paciente apresente estenose com localidade pequena ou doença fistulizante, Vale-se ressaltar que a abordagem laparoscópica no momento está apresentando maiores ganhos para o paciente, pois há atenuação de fatores como morbidade, custo, obstruções do intestino delgado, hernias incisionais e demora na recuperação. Quando a abordagem cirúrgica é no colon ou reto, pode-se proceder com colectomia segmentar, colectomia total com anastomose ileorretal, proctocolectomia total com ileostomia terminal e proctectomia a depender da localização e recomendação cirúrgica, sendo relevante lembrar que a ressecção deve tentar ao máximo ser a menor. Além dessas técnicas há opção de dilatação endoscópica por balão17.

A cirurgia de urgência na doença colorretal é quando há evolução com colite fulminante aguda ou megacólon tóxico para prevenção da sepse, perfuração ou morte, na qual o procedimento  mais adequado é colectomia total com ileostomia terminal17.

Com isso, foi observado a chance ao longo de 10 anos de curso de doença é a inevitabilidade de realizar cirurgia intestinal em cerca de 50% , contudo isso vem reduzindo em países em que há diagnostico precoce e mais opções de terapêutica. Na Holanda, onde foi vista essa mudança, houve uma redução significativa em 1991. A taxa de ressecção era de 22,7 para 100.00 e evolui para 2,5 para 100.000. O uso de tiopurinas e anti-TNFalfa possibilitou essa mudança tão relevante18.

No Brasil, esta patologia parece estar em ascensão, mas há escassez de estudos epidemiológicos. As informações epidemiológicas nem sempre são fidedignas, e somado a estes fatores constata-se que há um acesso desigual e nem todos os métodos diagnósticos são de livre alcance. Vale apontar que há uma certa deficiência na formação dos profissionais envolvidos, na divulgação do conhecimento da patologia e registro no sistema de forma homogênea a nível nacional6.  

Desse modo, compreende-se a grande necessidade em estabelecer um diagnóstico precoce, pois, isso permitirá reduzir ou postergar o aparecimento de sintomas que acarretará a piora da qualidade de vida. Por meio de pesquisas realizadas verificou-se que o diagnóstico é estabelecido entre 10 a 20 anos após o início das manifestações clínicas principais5.

CONCLUSÕES

Essa revisão literária possibilitou observar a carência de estudos epidemiológicos brasileiros, além de realçar as dificuldades em estabelecer um diagnóstico precoce, devido as questões relacionadas a realidade do país que apresenta limitações econômicas em dispor de todos os recursos que facilitariam um diagnóstico. Sabe-se que com o avanço da doença os custos aumentam, se houvesse medidas diagnósticas antecipadas o número de cirurgias e internações poderiam ser menores, e assim os gastos também seriam menores, além dos prognósticos serem mais positivos nessa situação. É válido ressaltar que esta patologia é progressiva e o diagnóstico tardio favorece desfechos sombrios com uma morbimortalidade acentuada, assim é imprescindível que o médico generalista tenha algum conhecimento que possibilite a suspeita, mesmo que a sintomatologia inicial seja inespecífica, pois isso acarretará probabilidades diagnósticas de forma mais cedo, beneficiando o paciente que terá menos repercussões cirúrgicas e manifestações extraintestinais.

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¹Discente do Curso de Graduação em Medicina do UNIFESO. Email:paolavaccaribaratella@gmail.com

²Docente do Curso de Graduação em Medicina do UNIFESO. Email:tccmed@unifeso.edu.br