LINGUISTIC DIVERSITY AND INTERCULTURALITY: CONTRIBUTIONS TO THE EDUCATION OF INDIGENOUS STUDENTS AT IFRR/CAMPUS AMAJARI
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202501182224
Francisco do Nascimento Moura1
Ana Aparecida Vieira de Moura2
Resumo: Este estudo investiga as contribuições dos estudos interculturais, sociolinguísticos, descoloniais e da transmodernidade para a formação integral de estudantes indígenas e migrantes no Instituto Federal de Roraima (IFRR), Campus Amajari, buscando entender os desafios e oportunidades educacionais no contexto de diversidade linguística e cultural. Uma pesquisa, vinculada ao programa ProfEPT, com aderência à linha 2 e ao macroprojeto 6 – Organização de espaços pedagógicos na EPT e ao grupo de pesquisa Grupo de Estudos e Pesquisas em Linguagens Cultura Diversidade e Ensino na EPT, com uma abordagem quali-quanti, envolveu 27 estudantes indígenas e migrantes. Foram utilizados questionários semi-estruturados e análise documental para a coleta de dados, com foco nas barreiras linguísticas e na inclusão educacional no ensino profissional e tecnológico. Os resultados indicam que as barreiras linguísticas e a falta de proficiência em língua portuguesa dificultam a inclusão e o desempenho acadêmico desses estudantes. Identificou-se a necessidade de políticas educacionais que valorizem as línguas indígenas e práticas pedagógicas interculturais, como programas bilíngues e capacitação de professores. O estudo propõe a implementação de ações que promovam a equidade educacional e respeitem as especificidades culturais dos estudantes. As sugestões apontam para a urgência de medidas que ampliem o êxito estudantil e sugerem que futuras pesquisas explorem a aplicação dessas propostas em diferentes contextos educacionais.
Palavras-chave: diversidade linguística; educação intercultural; decolonialismo; educação profissional e tecnológica (EPT); estudantes indígenas e migrantes.
Abstract: This study investigates the contributions of intercultural, sociolinguistic, decolonial, and transmodern studies to the comprehensive education of Indigenous and migrant students at the Federal Institute of Roraima (IFRR), Campus Amajari, seeking to understand the educational challenges and opportunities in the context of linguistic and cultural diversity. A research study, linked to the ProfEPT program, with adherence to line 2 and macroproject 6 – Organization of pedagogical spaces in EPT and to the research group Studies and Research Group in Languages, Culture, Diversity, and Teaching in EPT, with a qualitative-quantitative approach, involved 27 Indigenous and migrant students. Semi-structured questionnaires and document analysis were used for data collection, focusing on language barriers and educational inclusion in professional and technological education. The results indicate that language barriers and the lack of proficiency in Portuguese hinder the inclusion and academic performance of these students. There is a need for educational policies that value indigenous languages and intercultural pedagogical practices, such as bilingual programs and teacher training. The study proposes the implementation of actions that promote educational equity and respect the cultural specificities of the students. A strategic guide for inclusive actions has been developed. The suggestions highlight the urgency of measures that enhance the academic success of these students and recommend that future research explore the application of these proposals in different educational contexts.
Keywords: linguistic diversity; intercultural education; decolonialism; professional and technological education (PTE); Indigenous and migrant students.
1 INTRODUÇÃO
A diversidade linguística, enquanto patrimônio imaterial da humanidade, reflete a riqueza cultural e histórica de povos e nações. No Brasil, a diversidade cultural é notável, com 305 povos indígenas que falam mais de 274 línguas, conforme o Censo Demográfico de 2022 do IBGE. A riqueza linguística evidencia a importância da preservação cultural e das tradições desses povos, representando uma pluralidade sociocultural que merece atenção no contexto educacional. Os desafios são particularmente evidentes na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), onde as barreiras linguísticas podem prejudicar o letramento e a inclusão desses estudantes, comprometendo seu desempenho acadêmico e a construção de uma formação integral.
No Instituto Federal de Roraima (IFRR), Campus Amajari, esse cenário é ainda mais complexo. Localizado no extremo norte do Brasil, o campus é caracterizado por uma população estudantil predominantemente indígena e migrante, composta por jovens de nove povos, como Macuxi, Wapichana, Taurepang, Yekuana, Ingarikó, Sapará, Baré, Tucano e Kamarakota. Essas comunidades trazem consigo uma rica diversidade linguística e cultural, com línguas indígenas sendo faladas como primeira língua (L1) e o português e espanhol, frequentemente, como segunda ou terceira língua (L2 ou L3). O campus enfrenta desafios decorrentes da crise migratória, especialmente de indígenas venezuelanos, que ampliam a complexidade das interações culturais e linguísticas no ambiente educacional.
Contudo, as barreiras linguísticas enfrentadas por estudantes indígenas e migrantes no acesso e na permanência em instituições de ensino representam um desafio que perpassa a educação pública e, em especial, à Educação Profissional e Tecnológica (EPT). Essas barreiras linguísticas representam um obstáculo significativo para a inclusão e o sucesso acadêmico dos estudantes, refletindo em dificuldades no entendimento de conteúdos acadêmicos, na interação com docentes e colegas e na adaptação ao currículo e às práticas pedagógicas. Por outro lado, a diversidade cultural e linguística dos estudantes também pode ser vista como uma fonte valiosa de saberes que, se especializados reconhecidos e integrados, podem enriquecer o ambiente educacional e promover uma aprendizagem mais significativa.
A abordagem intercultural na educação, segundo Cavalcanti e Bortoni-Ricardo (2007), caracteriza-se pela valorização das especificidades socioculturais e linguísticas frequentemente associados a envolvimentos culturais e linguísticos que se manifestam de maneira acentuada no ambiente escolar, propondo estratégias pedagógicas que integram as diversidades presentes nas comunidades escolares. Nesse sentido, o Campus Amajari, destaca-se por sua diversidade sociocultural, sendo uma unidade do Instituto Federal de Roraima – IFRR, com 68,6% de estudantes autodeclarados indígenas.
O presente estudo tem como objetivo analisar as barreiras linguísticas enfrentadas pelos estudantes indígenas e migrantes no IFRR/Campus Amajari e propor práticas pedagógicas interculturais como soluções viáveis para superar essas dificuldades. A pesquisa que busca entender como a melhoria de práticas interculturais, aliadas ao reconhecimento das especificidades sociolinguísticas dos estudantes, pode contribuir para a criação de um ambiente mais inclusivo, respeitador das diversidades culturais e capaz de promover o sucesso acadêmico e a formação integral dos estudantes. Esta pesquisa está vinculada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT), com aderência à Linha 2 e ao Macroprojeto 6 – Organização de Espaços Pedagógicos na EPT, além de integrar o Grupo de Estudos e Pesquisas em Linguagens, Cultura, Diversidade e Ensino na EPT.
Figura 1: IFRR/Campus Amajari, unidade do Instituto Federal de Roraima.
Fonte: Lucas Comassetto, 2024
O Campus Amajari conta com uma infraestrutura abrangente, composta por instalações, recursos e equipamentos que atendem amplamente às necessidades educacionais, sociais e culturais da comunidade acadêmica, incluindo salas de aula modernas, laboratórios bem equipados, biblioteca com acervo específico, alojamentos estudantis, áreas de aula convivência, espaços para práticas esportivas, acesso à internet e recursos tecnológicos, além de serviços de apoio, como assistência estudantil. Os cursos são voltados à agricultura, agropecuária e aquicultura, desempenham um papel central na formação de jovens de diferentes comunidades indígenas e migrantes. Contudo, a rotatividade docente e a necessidade de integração entre conhecimentos tradicionais e científicos evidenciam a importância de iniciativas que promovam uma educação pública, gratuita e inclusiva, verificada aos princípios da interculturalidade.
Este artigo justifica-se pela necessidade de fortalecer a inclusão e a valorização dos saberes indígenas no ensino profissional, contribuindo para a superação de barreiras linguísticas e culturais que historicamente dificultam a formação de estudantes pertencentes a comunidades vulneráveis.
O artigo está organizado conforme segue após a introdução apresentada, o Referencial Teórico aborda fundamentos interculturais, sociolinguísticos e decoloniais, enfatizando a necessidade de práticas pedagógicas inclusivas, fundamentadas em autores como: Labov
(2008), Calvet (2008), Frigotto (2018), Fleuri (2003), Pacheco (2008), Baniwa (2022), Alenhofen (2013), Barros (2017) e Da Silva Neto (2020). A seção de Processos Metodológicos descreve a abordagem quali-quanti, com coleta de dados por questionários e análise documental. Em Resultados e Discussão, são apresentadas barreiras linguísticas e propostas soluções pedagógicas interculturais para promover a equidade educacional. Por fim, as Conclusões reforçam a urgência de políticas educacionais que valorizem a diversidade cultural e sugerem caminhos para pesquisas futuras, destacando as contribuições para a educação inclusiva.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
A Educação Profissional e Tecnológica (EPT) pretende promover a formação técnica profissional dos estudantes, numa perspectiva humana e integral, por meio da articulação entre ensino, pesquisa e extensão. Esse modelo educacional busca integrar ciência, trabalho e cultura, proporcionando aos indivíduos não apenas competências técnicas, mas também uma visão crítica. A criação dos Institutos Federais, em 2008, reflete essa concepção, fundamentada em princípios de democratização e inclusão, especialmente em regiões marcadas por desigualdades históricas, como o norte do Brasil (BRASIL, 2010).
As barreiras linguísticas são um dos principais desafios enfrentados pelos estudantes indígenas e migrantes no contexto educacional. De acordo com Labov (2008), a linguagem não é apenas um meio de comunicação, mas também um reflexo das identidades sociais e culturais dos indivíduos. Assim, as diferenças linguísticas podem criar obstáculos para a integração de estudantes que não dominam a língua dominante, como o português, no caso do Brasil. A predominância do português como língua oficial, conforme Calvet (2008), tende a marginalizar as línguas indígenas e outras línguas minoritárias, reforçando a desigualdade social e educacional desses grupos. Isso se reflete diretamente no desempenho acadêmico e na participação plena desses estudantes no ambiente escolar, uma vez que o domínio do português acadêmico é essencial para o sucesso na Educação Profissional e Tecnológica (EPT).
No entanto, o cenário de diversidade linguística, cultural e social, especialmente em territórios como o de Roraima, traz desafios específicos. Segundo Frigotto (2018), a EPT enfrentou o desafio de equilibrar a formação técnica com a valorização dos saberes locais e das práticas culturais. Essa demanda é ainda mais complexa em contextos marcados por dinâmicas interculturais e pela presença de comunidades indígenas e migrantes.
A sociolinguística, como ciência que estuda a relação entre língua e sociedade, oferece um referencial importante para compreender as barreiras linguísticas e as dinâmicas de inclusão educacional. Labov (2008) destaca que a língua reflete identidades sociais e culturais, sendo um elemento-chave na interação entre grupos. No caso das comunidades indígenas, como apontado por Baniwa (2022), a perda de línguas nativas está diretamente relacionada à desvalorização cultural promovida por políticas de homogeneização linguística, muitas vezes justificadas pela necessidade de uma língua oficial.
Calvet (2008) observa que as políticas linguísticas, em geral, têm privilégios de línguas majoritárias em detrimento das minoritárias, perpetuando desigualdades e invisibilizando línguas indígenas. No Brasil, isso se reflete na predominância do português, mesmo em territórios historicamente marcados por uma pluralidade linguística. A Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (2003) ressalta a importância de preservar e fortalecer línguas minoritárias, reconhecendo seu papel na construção de identidades coletivas e na promoção da justiça social.
A abordagem intercultural emerge como um paradigma capaz de enfrentar esses desafios. Fleuri (2003) defende que a educação intercultural deve promover o diálogo entre saberes, rompendo com perspectivas eurocêntricas e valorizando a diversidade cultural como um recurso pedagógico. No contexto da EPT, essa abordagem implica a criação de currículos que refletem as especificidades locais e o envolvimento ativo das comunidades no processo educativo Pacheco (2008).
A perspectiva decolonial, apresentada por autores como Da Silva Neto (2020), reforça a necessidade de desafiar epistemologias dominantes e reconhecer os saberes indígenas como legítimos e indispensáveis. Segundo o autor, o descolonialismo não apenas denuncia as práticas de exclusão impostas pela colonização, mas também propõe alternativas que ressignifiquem as relações entre culturas e saberes. Essa visão é especialmente relevante em contextos como o do Campus Amajari, onde a interação entre línguas indígenas, português e espanhol revela dinâmicas de poder e resistência.
No campo da política linguística, Alenhofen (2013) propõe estratégias que vão além da simples preservação das línguas, enfatizando a necessidade de políticas integradas que garantam a funcionalidade e a transmissão intergeracional das línguas minoritárias. Barros (2017) complementa essa perspectiva ao destacar os desafios da educação bilíngue em comunidades indígenas, incluindo a escassez de materiais didáticos adequados e a falta de formação específica para professores.
Conforme Dussel (2019), a transmodernidade, um conceito desenvolvido no âmbito do pensamento decolonial, busca estabelecer um diálogo crítico entre a modernidade e os saberes tradicionais, propondo uma alternativa que valorize diferentes epistemologias. Segundo Rajagopalan (2022), essa perspectiva busca integrar diferentes sistemas de conhecimento, superando dicotomias que se opõem à ciência e à cultura. No contexto da educação intercultural, esta abordagem oferece uma base para a construção de práticas pedagógicas que respeitem e valorizem a diversidade cultural e linguística.
A literatura destaca, ainda, a relevância de iniciativas como as descritas por Moura, Santos e Rabelo (2022), que analisam a interculturalidade no contexto roraimense. Esses autores ressaltam que a integração de saberes locais nos currículos e na gestão educacional não é apenas uma questão de inclusão, mas também de inovação pedagógica, capaz de transformar o processo educativo em uma experiência significativa para os estudantes.
Por fim, Bessa-Freire (2016) alerta para os equívocos frequentemente associados à educação indígena, como a ideia de que sua cultura deve se adaptar às normas hegemônicas. Em vez disso, o autor defende uma abordagem que reconheça e valorize as especificidades culturais e linguísticas como pontos de partida para o desenvolvimento de políticas públicas.
A perspectiva decolonial e intercultural oferece ferramentas conceituais e práticas indispensáveis para a educação em contextos de diversidade, como o do Campus Amajari. Com base na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), que visa uma formação integral e humana (BRASIL, 2010), a inclusão de saberes locais nos currículos amplia a relevância do ensino e promove a interação entre culturas. Em regiões como Roraima, onde convivem línguas e culturas indígenas e migrantes, o diálogo intercultural se torna crucial para superar barreiras linguísticas e sociais (FLEURI, 2003; MOURA et al., 2022).
Autores como Calvet (2008) e Labov (2008) destacam que as políticas linguísticas devem considerar o papel das línguas minoritárias como expressões identitárias e culturais. No Brasil, a hegemonia do português muitas vezes limita essas expressões, criando desafios adicionais para a educação indígena e bilíngue (BANIWA, 2022; BARROS, 2017). Alenhofen (2013) e a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (2003) reforçam a necessidade de políticas integradas que assegurem a preservação e transmissão das línguas indígenas, enquanto práticas pedagógicas ancoradas na interculturalidade e na transmodernidade podem transformar o processo educativo (RAJAGOPALAN, 2022; DUSSEL, 2019).
A aplicabilidade desses conceitos se dá no desenvolvimento de currículos e práticas pedagógicas que valorizam saberes tradicionais e locais como recursos educacionais, promovendo uma educação intercultural significativa (CAVALCANTI e BORTONI-RICARDO, 2007). A abordagem decolonial, ao desafiar epistemologias dominantes, reconhecer os saberes indígenas como indispensáveis à construção de um modelo educacional inclusivo (DA SILVA NETO, 2020). Tais estratégias são essenciais para práticas educativas que respeitem a diversidade cultural e linguística, proporcionando um ambiente que transforma desafios em oportunidades de aprendizagem e inovação pedagógica.
3 PROCESSOS METODOLÓGICOS/MATERIAIS E MÉTODOS
Esta pesquisa adota uma abordagem metodológica quali-quanti , que integra análise qualitativa e quantitativa para compreender as barreiras linguísticas enfrentadas pelos estudantes indígenas e migrantes no IFRR/Campus Amajari, assim como para propor soluções pedagógicas interculturais. A combinação de métodos permite uma visão abrangente do problema e a construção de soluções concretas para o contexto estudado.
A pesquisa envolveu 27 estudantes indígenas e migrantes , matriculados nos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio em Aquicultura e Agropecuária no IFRR/Campus Amajari. Os participantes foram selecionados com base em sua autodeclaração como indígenas e migrantes e que estavam com matrícula ativa no campus. Estudantes não indígenas ou que não consentiram em participar foram excluídos.
A coleta de dados foi realizada por meio de questionários semiestruturados e análise documental . Os questionários semiestruturados permitiram uma abordagem flexível para captar tanto dados quantitativos quanto qualitativos. As questões foram organizadas em três blocos: (1) dados sociodemográficos, (2) a experiência acadêmica, e (3) percepções sobre práticas pedagógicas e barreiras linguísticas. O questionário focou no letramento em Língua Portuguesa, nas dificuldades para o acompanhamento dos conteúdos acadêmicos, e nas sugestões para a melhoria do ensino no contexto intercultural.
A análise documental complementou os dados obtidos pelos questionários, oferecendo uma visão das políticas educacionais, institucionais relacionadas à diversidade cultural e linguística, e das ações de inclusão em curso no campus. A documentação institucional foi comprovada a partir de um referencial teórico que discute as práticas interculturais e decoloniais no ensino, como sugerido por Fleuri (2003) e Da Silva Neto (2020).
A análise quantitativa foi realizada por meio de estatística descritiva, com gráficos e tabelas para ilustrar as barreiras linguísticas e os padrões de dificuldades dos estudantes. Para a análise qualitativa, abordamos a leitura flutuante, uma técnica que permite uma leitura inicial ampla dos dados, sem categorias importantes. Essa abordagem facilita a emergência de categorias relevantes a partir das respostas dos participantes (BARDIN, 2011).
Minayo (2014) ressalta que a leitura flutuante permite ao pesquisador obter uma visão geral do material, ajudando a formular hipóteses iniciais sobre os dados. A combinação dessas abordagens permite identificar padrões espontâneos nos dados, alinhando-se com a perspectiva de que uma análise qualitativa deve ser flexível e aberta.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados obtidos nesta pesquisa evidenciam a complexidade da diversidade linguística e cultural presente no Instituto Federal de Roraima (IFRR), Campus Amajari. Entre os 27 estudantes indígenas e migrantes participantes do estudo, foram comprovados que as barreiras linguísticas, associadas às dificuldades no letramento em Língua Portuguesa, impactaram diretamente a inclusão educacional e o desempenho acadêmico. Esses achados corroboram a investigação de Baniwa (2022), que associa a perda de línguas indígenas à desvalorização cultural promovida por sistemas educacionais homogeneizadores.
Quadro 01: Principais características e desafios dos estudantes indígenas do Campus Amajari.
Aspectos | Características dos Estudantes Indígenas | Desafios Enfrentados |
Origem Étnica e Cultural | Povos Macuxi, Wapichana, Taurepang, Yekuana, Ingaricó, Sapará, Tucano, Baré e Kamarakota. | Reconhecimento e valorização de suas identidades culturais e saberes indígenas no ambiente escolar. |
Diversidade Linguística | Uso de línguas indígenas (Taurepang, Yekuana) como L1; Espanhol como L2. | Barreiras linguísticas no aprendizado do português como L3. |
Nível de Letramento | Maior fluência em línguas maternas; letramento limitado em português. | Dificuldade para acompanhar conteúdos curriculares que priorizem o português acadêmico. |
Condições Socio econômicas | Predominância de famílias de baixa renda, muitas vezes em situação de vulnerabilidade. | Acesso limitado a materiais didáticos e infraestrutura tecnológica. |
Motivação e Desempenho Escolar | Interesse em integrar saberes tradicionais com o ensino técnico. | Baixo desempenho acadêmico em disciplinas que exigem alto nível de compreensão do português. |
Integração Cultural | Preservação de práticas culturais, como danças e músicas indígenas. | Conflito cultural entre práticas tradicionais e critério do modelo educacional ocidental. |
Residência e Mobilidade | Muitos estudantes residem em comunidades indígenas afastadas. | Dificuldade de acesso regular ao campus e dependência de transporte e residência estudantil/alojamento fornecido pelo Campus Amajari. |
Uso de tecnologias | Acesso restrito à internet em comunidades indígenas. | Limitação na realização de atividades pedagógicas síncronas e no uso de tecnologias para o aprendizado remoto. |
Interação Escolar | Integração social positiva em atividades que valorizam a diversidade cultural. | Episódios de preconceito linguístico e cultural no ambiente escolar. |
Expectativas Futuras | Interesse em contribuir com o desenvolvimento de suas comunidades. | Falta de políticas de apoio contínuo para integração de saberes indígenas no mercado de trabalho e no currículo. |
Fonte: produzido pelos(as) autores(as) (2024).
O Quadro 1 traz informações sobre as principais características e desafios enfrentados pelos estudantes indígenas do Campus Amajari, organizados em categorias que permitem compreender sua realidade acadêmica, cultural e social. As informações foram sistematizadas a partir de observações realizadas no contexto educacional, interações com os estudantes, questionário semiestruturado e análise de fontes teóricas e documentais. A estrutura em três colunas foi escolhida para facilitar a análise e correlacionar aspectos relevantes da experiência escolar desses estudantes, incluindo suas características, desafios enfrentados e contextos específicos.
A primeira linha aborda a origem étnica e cultural, evidenciando a diversidade dos povos indígenas presentes no campus, como os Macuxi, Wapichana, Taurepang, Yekuana, Ingaricó, Sapará, Tucano, Baré e Kamaracota. Cada grupo traz consigo práticas culturais, saberes tradicionais e línguas próprias, o que contribui para um ambiente educacional multicultural. No entanto, um dos principais desafios enfrentados está relacionado ao reconhecimento e à valorização dessas identidades no currículo escolar, evitando práticas que desconsiderem essa pluralidade cultural.
No que diz respeito à diversidade linguística, destaca-se que muitos estudantes têm como primeira língua (L1) línguas indígenas, como Taurepang e Yekuana, enquanto o espanhol frequentemente figura como segunda língua (L2), devido à proximidade com a Venezuela. O português, para grande parte desses alunos, é uma terceira língua (L3), o que resulta em barreiras linguísticas específicas, especialmente na compreensão de conteúdos acadêmicos e na interação com a norma culta predominantemente no ambiente escolar.
O nível de letramento também é uma questão importante, já que a fluência em línguas maternas não é acompanhada por um domínio pleno do português acadêmico. Essa limitação reflete diretamente no desempenho escolar, particularmente em disciplinas que exigem habilidades avançadas de leitura e escrita em português. Essa lacuna educacional é agravada pelas condições socioeconômicas dos estudantes, cujas famílias, em sua maioria, enfrentam situações de vulnerabilidade econômica. Essa realidade dificulta o acesso a materiais didáticos, infraestrutura tecnológica e transporte, comprometendo ainda mais a experiência acadêmica.
Apesar desses desafios, muitos estudantes demonstram motivação e interesse em integrar saberes tradicionais com o ensino técnico, o que evidencia o potencial transformador da educação intercultural. Entretanto, o baixo desempenho em disciplinas que priorizam conteúdos apresentados na língua portuguesa continua sendo um obstáculo significativo.
No âmbito da integração cultural , os estudantes preservam práticas tradicionais, como danças e músicas tradicionais indígenas, que enriquecem o ambiente escolar e fortalecem sua identidade cultural. Contudo, há um evidente conflito entre essas práticas e o modelo pedagógico predominantemente ocidental, que muitas vezes não contempla as especificidades culturais e epistemológicas desses povos.
A residência e a mobilidade constituem outro desafio relevante, visto que muitos estudantes residem em comunidades indígenas afastadas, o que exige dependência de transporte escolar e da infraestrutura de alojamentos fornecidos pelo campus. Essa limitação geográfica afeta diretamente a frequência e a regularidade dos alunos no ambiente acadêmico.
Quanto ao uso de tecnologias, a dificuldade de acesso à internet e os equipamentos adequados em suas comunidades impedem a realização de atividades pedagógicas síncronas e limitam a utilização de tecnologias digitais no ensino, especialmente em contextos de ensino remoto.
A interação escolar é marcada por uma integração social positiva em atividades que valorizam a diversidade cultural, embora episódios de preconceito linguístico e cultural ainda sejam uma realidade. Esses episódios impactaram a qualidade da autoestima e o senso de pertencimento dos estudantes.
Por fim, as expectativas futuras dos estudantes demonstram o desejo de contribuir para o desenvolvimento de suas comunidades, aplicando os conhecimentos adquiridos no ensino técnico e profissional. Entretanto, a ausência de políticas públicas que integrem saberes indígenas ao mundo do trabalho e ao currículo educacional representa uma entrada para a realização dessas aspirações.
Portanto, o Quadro 1 fornece uma visão abrangente das características e desafios dos estudantes indígenas do Campus Amajari, sendo uma ferramenta valiosa para o planejamento de políticas educacionais e estratégias pedagógicas que respeitem e valorizem a diversidade cultural e linguística desses estudantes. Ele também subsidia o diálogo entre gestores, professores e comunidades indígenas, contribuindo para a construção de uma educação verdadeiramente intercultural.
Quadro 02: Propostas Pedagógicas Interculturais
Proposta | Descrição | Periodicidade | Responsáveis | Instrumentos de Avaliação | Ações de Monitoramento |
Educação Bilíngue e Trilíngue | Implementar programas bilíngues ou trilíngues com línguas indígenas (L1), português (L2) e espanhol (L3), incluindo formação de professores e criação de materiais específicos. | Contínuo, com revisão anual | – Coordenadores pedagógicos – Professores bilíngues – Núcleo de Linguagens – Nucli – Coordenação de Extensão | – Avaliação do progresso linguístico (provas e observações) – Feedback dos estudantes e famílias | – Reuniões anuais para revisar estratégias e resultados – Observação em sala de aula e registro de boas práticas |
Currículos Intercultu-rais e Inclusivos | Incorporar saberes práticas locais currículo; criar disciplinas específicas sobre cultura e e no línguas indígenas; envolver comunidades locais na construção curricular. | Semestral | -Direção Ensino – Professores das disciplinas -Lideranças comunitárias | – Revisão curricular semestral – Relatórios de alinhamento intercultural – Questionários aplicados a estudantes e professores | – Análise das adaptações curriculares em reuniões pedagógicas – Consulta- às comunidades sobre novos conteúdos inclusivos |
Oficinas de Línguas Indígenas e Português | Planejar oficinas para reforço linguístico em português e valorização das línguas indígenas; oferecer aulas básicas de línguas indígenas para estudantes e professores não indígenas. | Mensal, com intensivos semestrais | – Professores bilíngues – Monitores linguísticos – Coordenador de extensão | – Taxa de participação dos estudantes – Progresso linguístico avaliado em atividades práticas | – Reuniões mensais para avaliar a participação e resultados das oficinas – Relatórios bimestrais de progresso |
Formação Continua-da para Docentes | Capacitar professores para atuar em contextos interculturais , com cursos e seminários sobre bilinguismo, diversidade cultural e metodologias pedagógicas adaptadas. | Trimestral | – Departamento de Ensino /Coordenação de Desenvolvimento Docente – Formadores externos (especialistas) | – Questionários aplicados aos participantes – Relatórios sobre a aplicação prática das formações na sala de aula | – Relatórios trimestrais sobre impactos os das formações no ensino – de Observação práticas pedagógicas inovadoras |
Materiais Didáticos Bilíngues | Desenvolver livros, cartilhas, glossários técnicos conteúdos digitais bilíngues, adaptados às línguas | Anual | – Professores – Comunidades indígenas – Comissão de Produção Didática – Coordenação de Extensão | – Avaliação dos materiais por docentes e estudantes – Análise do uso e impacto dos materiais nas aulas | – Revisão anual dos materiais com base no feedback dos usuários – Registro de boas práticas na utilização dos materiais |
Fonte: produzido pelos(as) autores(as) (2024).
Os estudantes indígenas do Campus Amajari enfrentam desafios significativos, como barreiras linguísticas, dificuldades de letramento, condições socioeconômicas limitadas e a integração cultural ao sistema educacional. O Quadro 01 detalha essas características e dificuldades, que impactam diretamente seu desempenho acadêmico.
O Quadro 02, por sua vez, apresenta Propostas Pedagógicas Interculturais que buscam oferecer soluções práticas para esses desafios. As propostas visam integrar as especificidades culturais e linguísticas dos estudantes indígenas, promovendo um ambiente mais inclusivo e respeitador das suas identidades. Cada proposta será explicada a seguir, destacando como ela pode ajudar a superar os obstáculos identificados no Quadro 01 e contribuir para uma educação mais equitativa e adaptada à realidade dos alunos.
A proposta de implementar programas bilíngues e trilíngues responde diretamente ao desafio das barreiras linguísticas enfrentadas pelos estudantes indígenas, que frequentemente utilizam línguas indígenas como L1 e o espanhol como L2. O português, nesse contexto, aparece como L3, dificultando a compreensão de conteúdos acadêmicos. Segundo Barros (2017, p. 84), a educação bilíngue facilita a transição para o português, preservando a língua materna e promovendo a autoestima e o pertencimento cultural dos alunos. Esses programas devem incluir materiais específicos e formação de professores bilíngues, como defende Rajagopalan (2022, p. 117), que ressalta o impacto positivo do bilinguismo no desempenho acadêmico e no desenvolvimento cognitivo.
A construção de currículos que integrem saberes indígenas e práticas tradicionais aborda o desafio de reconhecer e valorizar a origem étnica e cultural dos estudantes. Fleuri (2003, p. 56) destaca que a educação intercultural deve criar um espaço contínuo de diálogo entre saberes tradicionais e acadêmicos, enquanto González (2009, p. 72) defende que currículos adaptados às realidades culturais promovem inclusão e inovação pedagógica. Essa proposta também ajuda a mitigar os conflitos culturais entre práticas tradicionais e o modelo educacional ocidental, promovendo a integração entre as diferentes perspectivas.
As oficinas linguísticas enfrentam o desafio da baixa fluência dos estudantes indígenas no português acadêmico, estas oficinas já acontecem no campus, ao mesmo tempo que valorizam suas línguas maternas. Como sugere Bardin (2011, p. 45), as práticas de ensino devem respeitar as realidades socioculturais dos alunos, utilizando suas línguas maternas como base para o aprendizado. Baniwa (2022, p. 148) reforça a importância de preservar as línguas indígenas, reconhecendo-as como pilares culturais essenciais. Essas oficinas, realizadas mensalmente, também oferecem oportunidades para reforço linguístico e integração cultural entre estudantes indígenas e não indígenas.
A formação contínua dos professores é essencial para lidar com os episódios de preconceito linguístico e cultural no ambiente escolar. Creswell (2014, p. 112) afirma que a formação docente em contextos de diversidade deve abordar as especificidades culturais e linguísticas dos estudantes, fornecendo ferramentas práticas para a inclusão. Minayo (2014, p. 98) complementa, destacando que uma formação focada na valorização das identidades culturais cria um ambiente mais acolhedor e equitativo. Esses treinamentos, realizados trimestralmente, capacitam os professores para aplicar práticas pedagógicas adaptadas às necessidades dos estudantes.
A produção de materiais didáticos bilíngues responde à dificuldade dos estudantes em acompanhar conteúdos que priorizam o português acadêmico. Esses materiais, como livros e cartilhas, permitem que os estudantes acessem o conteúdo em suas línguas maternas, ao mesmo tempo que desenvolvem o letramento em português. Alenhofen (2013, p. 105) afirma que materiais bilíngues garantem a preservação das línguas minoritárias e sua validação como ferramentas educacionais. Calvet (2008, p. 68) reforça que políticas linguísticas devem incluir o desenvolvimento de recursos pedagógicos que respeitem as línguas e culturas dos estudantes.
As atividades culturais, como feiras e apresentações artísticas, promovem a preservação das práticas culturais dos estudantes indígenas e fortalecem sua identidade. Cavalcanti et al. (2021, p. 34) destacam que essas atividades, quando incorporadas ao currículo, tornam-se instrumentos de aprendizado contínuo, valorizando os saberes locais. Fleuri (2003, p. 61) ressalta que a educação intercultural deve ir além de eventos pontuais, sendo integrada de forma sistemática ao cotidiano escolar. Essa proposta ajuda a mitigar conflitos culturais, criando um ambiente de respeito à diversidade.
Os desafios relacionados à mobilidade e residência, enfrentados por estudantes que residem em comunidades distantes, podem ser resolvidos por meio de políticas de transporte e alojamento. A ampliação das vagas em residências estudantis e a melhoria das condições de transporte garantem o acesso regular ao campus, reduzindo a evasão e melhorando o desempenho escolar.
O acesso limitado à internet nas comunidades indígenas é uma barreira significativa para a aprendizagem remota e o uso de tecnologias pedagógicas. Para enfrentá-lo, sugere-se a criação de laboratórios de informática no campus e a oferta de dispositivos móveis para uso acadêmico. Essas ações garantem que os estudantes tenham acesso aos materiais didáticos digitais e possam participar de atividades pedagógicas online.
Por fim, políticas que integrem saberes indígenas ao ensino técnico e ao mundo do trabalho respondem às expectativas dos estudantes de contribuir com suas comunidades. Essas iniciativas podem incluir programas de empreendedorismo indígena, oficinas de gestão comunitária e projetos que valorizem os conhecimentos tradicionais em áreas técnicas.
Pacheco (2008) destaca que a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) articula ensino, pesquisa e extensão para atender às demandas sociais. Essa perspectiva está confirmada aos achados da pesquisa, que indicam a necessidade de políticas educacionais mais robustas para a inclusão de estudantes indígenas, tanto no aspecto pedagógico quanto no assistencial.
O descolonialismo, abordado por Da Silva Neto (2020), oferece uma perspectiva crítica para compreender as dinâmicas de poder que influenciam o silenciamento de línguas indígenas e a marginalização de seus falantes. No Campus Amajari, essa marginalização se manifesta nas dificuldades enfrentadas pelos estudantes para conciliar suas identidades culturais com os critérios acadêmicos de um currículo predominantemente ocidentalizado e o preconceito linguístico que sofrem em sala de aula, dados da pesquisa mostram que 62% dos estudantes já sofreram algum tipo de preconceito linguístico, onde professores e colegas pedem para eles falarem apenas o português, e com a falta de reconhecimento escolar, reforçando que Bagno (2007, p. 43) descreve como preconceito linguístico estrutural, que marginaliza línguas minoritárias ao deslegitimá-las nos espaços formais.
Alenhofen (2013) propõe que as políticas linguísticas devem ir além da preservação simbólica das línguas, garantindo sua funcionalidade e transmissão. No contexto desta pesquisa, isso implica a criação de espaços pedagógicos que integrem o ensino da Língua Portuguesa com a valorização das línguas indígenas, promovendo o bilinguismo funcional.
Os resultados reforçam a necessidade de que as políticas educacionais sejam orientadas por princípios de inclusão, valorização cultural e justiça social. Moura, Santos e Rabelo (2022) destacam que práticas interculturais bem estruturadas podem transformar o ambiente escolar em um espaço de inovação e respeito à diversidade. Isso requer investimentos na formação de professores, produção de materiais didáticos bilíngues e desenvolvimento de currículos que considerem as especificidades socioculturais dos estudantes. A adoção de práticas pedagógicas decoloniais, como sugerido por González (2009), pode contribuir para a superação de barreiras estruturais que limitam o acesso e o sucesso educacional de populações historicamente marginalizadas. Isso inclui o reconhecimento das línguas indígenas como parte integrante do patrimônio cultural e acadêmico da instituição.
5 CONCLUSÕES
Os resultados desta pesquisa evidenciam a necessidade urgente de ações que promovam a inclusão linguística e cultural de estudantes indígenas e migrantes no Instituto Federal de Roraima (IFRR), Campus Amajari. A análise do perfil sociolinguístico revelou lacunas significativas no letramento em Língua Portuguesa, que impactam diretamente o desempenho acadêmico e a permanência desses estudantes. Além disso, as barreiras linguísticas identificadas reforçam a importância de políticas educacionais que valorizam as línguas indígenas como parte do processo de ensino-aprendizagem.
Entre as estratégias sugeridas para superar essas dificuldades, destacam-se a implementação de programas bilíngues e trilíngues, a capacitação contínua de professores para o ensino em contextos interculturais, e o desenvolvimento de políticas linguísticas específicas que promovem a preservação e o fortalecimento das línguas indígenas. A inclusão de disciplinas práticas, como oficinas de línguas materna e cursos sobre diversidade cultural, pode auxiliar na valorização dos saberes locais e no fortalecimento das identidades dos estudantes.
Este estudo apresenta algumas limitações, especialmente quanto ao tamanho da amostra, restrita a 27 estudantes, e à análise concentrada em um único campus. As limitações não se restringem apenas ao número de participantes, mas também à abrangência dos questionários e às formas de abordagem, que focaram em aspectos iniciais.
Dessa forma, sugere-se que futuras pesquisas ampliem o escopo, investigando outros contextos educacionais e explorando a efetividade de programas bilíngues na prática. É fundamental aprofundar questões relacionadas ao letramento, às barreiras linguísticas, às atitudes linguísticas e à aplicabilidade de estratégias em estudos de caso, buscando maior detalhamento e compreensão dos fenômenos analisados.
Em suma, a pesquisa reafirma a relevância de práticas pedagógicas interculturais e decoloniais como caminhos para a inclusão efetiva na Educação Profissional e Tecnológica. Avançar nesse campo exige não apenas mudanças estruturais nas instituições de ensino, mas também o engajamento contínuo de gestores, professores e comunidades para garantir o direito à educação de qualidade, respeitando as especificidades culturais e linguísticas de todos os estudantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo buscou compreender as contribuições dos estudos interculturais, da sociolinguística, do descolonialismo e da transmodernidade para a formação integral de estudantes indígenas e migrantes no contexto do IFRR/Campus Amajari. Apresenta algumas limitações que devem ser consideradas para a interpretação dos resultados e para o planejamento de pesquisas futuras. Primeiramente, o tamanho da amostra foi restrito a 27 estudantes, o que limita a generalização dos achados. A análise foi conduzida em um único campus, restringindo a abrangência do contexto investigado. A coleta de dados também utilizou questionários com foco em aspectos iniciais, o que restringiu uma exploração mais aprofundada de temas complexos, como os níveis de letramento, as barreiras e atitudes linguísticas, e a aplicabilidade de estratégias educacionais.
Futuras pesquisas poderiam ampliar o escopo, incluindo diferentes contextos educacionais e explorando as especificidades de outros campi ou instituições. Seria relevante, ainda, realizar investigações mais detalhadas sobre questões de letramento em português e línguas indígenas, além de aprofundar a análise das barreiras linguísticas enfrentadas pelos estudantes e das atitudes linguísticas presentes no ambiente escolar. Estudos adicionais poderão avaliar, de forma prática, a efetividade de programas bilíngues ou interculturais, utilizando metodologias que integram estudos de caso e abordagens qualitativas e quantitativas.
Novas pesquisas poderão explorar a aplicabilidade das estratégias identificadas no estudo em diferentes realidades, avaliando seu impacto no desempenho acadêmico e na integração cultural dos estudantes indígenas. Essas iniciativas contribuíram para a construção de uma base mais robusta de conhecimentos sobre educação intercultural e para o desenvolvimento de políticas educacionais mais inclusivas e eficazes.
As descobertas reafirmam a importância de políticas educacionais inclusivas, como a implementação de programas bilíngues, a formação de professores para atuar em contextos multiculturais e o desenvolvimento de materiais didáticos que dialogam com os saberes e valores das comunidades indígenas. O guia estratégico elaborado como parte desta pesquisa representa uma ferramenta prática para orientar essas ações, mas sua efetividade depende do compromisso.
Em resumo, este trabalho contribui para o avanço da discussão sobre interculturalidade e diversidade linguística na Educação Profissional e Tecnológica, destacando a urgência de medidas que promovam a equidade educacional e o respeito às especificidades culturais. A transformação desse cenário requer um esforço coletivo e contínuo, capaz de integrar saberes, superar barreiras e construir uma educação que valorize plenamente a riqueza cultural e linguística dos povos indígenas.
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1Instituto Federal de Roraima. E-mail: francisco.moura@ifrr.edu.br.
2Instituto Federal de Roraima. E-mail: ana.moura@ifrr.edu.br. *Francisco do Nascimento Moura