DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E IDENTIFICAÇÃO DE ÁREAS DE PRIORIZAÇÃO DE MEDIDAS DE PREVENÇÃO E CONTROLE DE ESPOROTRICOSE NO MUNICÍPIO DE NOVA IGUAÇU, BAIXADA FLUMINENSE, RJ.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202501192249


Thainá Alves Ferreira Grechi1; Everton Silva de Lima1; Letícia Oliveira Teixeira1; Brenda Pereira da Silva1; Grasiella Gomes Machado de Carvalho1; Domênica Luiza Carvalho Russo Faria2; Ricardo Ribeiro Fontenele2; Virgínia Valiate Gonzalez2; Vitória Régia Queiroz de Carvalho Fontes2; Joice Aparecida Rezende Vilela3


Resumo:

Introdução: A esporotricose é uma doença fúngica zoonótica de grande ocorrência no Brasil, sobretudo no estado do Rio de Janeiro, onde se observa maior concentração na Região Metropolitana. Dentro desse contexto, o município de Nova Iguaçu apresenta a maior prevalência, ressaltando a importância do agravo e a necessidade de vigilância em saúde sensível e contínua. Objetivo: Avaliar a distribuição espacial e identificar áreas prioritárias para prevenção e controle da esporotricose no município de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, com base em dados estatísticos e epidemiológicos referentes ao período de 2019 a 2024. Material e Métodos: Os dados foram obtidos por meio do levantamento de informações epidemiológicas sobre a esporotricose em animais e humanos, utilizando bancos de dados municipais e o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Essa abordagem permitiu identificar áreas mais vulneráveis à propagação da doença no município, bem como nas fronteiras de Nova Iguaçu, durante o período de estudo. Resultados e Discussão: Entre 2019 e 2024, a esporotricose em Nova Iguaçu afeta predominantemente mulheres (60,85%), com maior incidência na faixa etária de 40 a 59 anos, possivelmente em decorrência do contato frequente com gatos, principais transmissores do fungo. Embora não tenham sido registrados casos em animais durante o período mais crítico da pandemia, o ano de 2023 apresentou um aumento significativo de ocorrências, evidenciando a importância de retomar a vigilância e as ações de conscientização. Bairros com alta densidade populacional e infraestrutura precária, como Austin e Comendador Soares, apresentaram maior prevalência de casos, enfatizando os desafios no controle da esporotricose. Conclusão: A esporotricose em Nova Iguaçu ainda é negligenciada, o que se reflete na subnotificação de cães e gatos com a doença, mesmo diante de um número expressivo de casos em humanos. A subnotificação animal constitui um entrave à elaboração de políticas públicas, pois o tratamento tem custo elevado e, muitas vezes, o tutor não tem condições financeiras adequadas. Como consequência, pode haver compartilhamento de medicamentos entre tutor e animal, resultando em subdosagens, ou até mesmo o abandono dos animais doentes, fato que agrava o problema ao aumentar a população de animais errantes e infectados nas ruas.

PALAVRAS-CHAVES: Doença fúngica, Zoonose, Baixada Fluminense, Saúde Única.

Abstract:

Introduction: Sporotrichosis is a zoonotic fungal disease that occurs widely in Brazil, especially in the state of Rio de Janeiro, where it is most prevalent in the Metropolitan Region. Within this context, the municipality of Nova Iguaçu has the highest prevalence, highlighting the importance of the disease and the need for sensitive and continuous health surveillance. Objective: To evaluate the spatial distribution and identify priority areas for the prevention and control of sporotrichosis in the municipality of Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, based on statistical and epidemiological data from 2019 to 2024. Material and Methods: The data was obtained by collecting epidemiological information on sporotrichosis in animals and humans, using municipal databases and the Notifiable Diseases Information System (SINAN). This approach made it possible to identify areas most vulnerable to the spread of the disease in the municipality, as well as on the borders of Nova Iguaçu, during the study period. Results and Discussion: Between 2019 and 2024, sporotrichosis in Nova Iguaçu predominantly affected women (60.85%), with a higher incidence in the 40-59 age group, possibly due to frequent contact with cats, the main transmitters of the fungus. Although no cases were recorded in animals during the most critical period of the pandemic, the year 2023 showed a significant increase in occurrences, highlighting the importance of resuming surveillance and awareness-raising actions. Neighborhoods with high population density and poor infrastructure, such as Austin and Comendador Soares, showed a higher prevalence of cases, emphasizing the challenges in controlling sporotrichosis. Conclusion: Sporotrichosis in Nova Iguaçu is still neglected, which is reflected in the underreporting of dogs and cats with the disease, even in the face of a significant number of human cases. Animal underreporting is an obstacle to drawing up public policies, as treatment is expensive and the guardian often does not have adequate financial means. As a consequence, medication may be shared between guardian and animal, resulting in underdoses, or even the abandonment of sick animals, which exacerbates the problem by increasing the population of stray and infected animals on the streets.

KEYWORDS: Fungal disease, Zoonosis, Baixada Fluminense, One Health.

1. Introdução:

A esporotricose é a micose subcutânea, de maior ocorrência no Brasil, com caráter zoonótico e que tem como agente etiológico o fungo do gênero Sporothrix, sendo no Brasil o Sporothrix brasiliensis o agente mais comum nos animais e nos humanos 1,2,3,4 . Já foi relatado mundialmente casos em equinos, cães, felinos, bovinos, suínos, camelos, primatas e no homem. Causa infecção crônica em humanos, com grande impacto econômico e social, provocando perdas diretas e indiretas na população. Durante muito tempo essa doença era somente associada com a ocupação profissional, afetando pessoas que trabalhavam com terra, principalmente vegetação em decomposição e matéria orgânica 1,3,4,5,6,7. Entretanto, atualmente a maior transmissão ocorre principalmente através do contato com lesões ulceradas ou por mordeduras ou arranhaduras de gatos infectados, levando ao surto de esporotricose em alguns lugares8,9.

Entre os animais domésticos, a esporotricose tem sido frequentemente diagnosticada nos gatos, principalmente os machos, sem raça definida, não castrados e que sejam errantes, com acesso à rua 3,4,10 . Neles a doença se manifesta de várias formas clínicas, podendo ser de forma cutânea localizada ou cutânea-fixa, cutâneo-linfática, cutânea disseminada, mucosa e sistêmica 11,12,13,14.

Entre as espécies, a forma cutânea é a mais comum, onde são observados nódulos ulcerados com exsudato purulento no centro. São lesões encontradas principalmente na cabeça, região lombar e extremidades de membros e cauda dos gatos 10,15,16. A forma sistêmica geralmente é fatal, com comprometimento de diversos órgãos como pulmões, linfonodos, fígado, baço e rim 16,17. É mais comum os felinos apresentarem sinais clínicos respiratórios, como espirros, secreções nasais, dispneia e rinorreia 18.

Os cães apresentam casos de esporotricose em menor frequência, normalmente apresentando a forma cutânea ou subcutânea 4,19. Apesar disso, existe também a forma cutâneo-linfática, apresentando um nódulo em um único membro e a forma disseminada, que geralmente acomete animais imunodeprimidos, entretanto, é extremamente rara. Neles a infecção está associada a lascas de madeira ou feridas perfurantes por espinhos 3,4 ou ocasionalmente por contato direto com gatos infectados. O diagnóstico da esporotricose é realizado através dos sinais clínicos, histórico, exame físico e exames complementares (os mais usados são o citodiagnóstico pela sua rapidez e praticidade e a cultura fúngica). Outros exames laboratoriais mais complexos incluem histologia, técnica de Imuno-histoquímica e Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) 20.

O tratamento da esporotricose em animais é realizado através de antifúngico, principalmente o Itraconazol por ser um fármaco com baixos efeitos adversos, em comparação com outros antifúngicos 3,4,5,21.

Atualmente existem outras opções de terapia, como a remoção cirúrgica das lesões, criocirurgia e a termoterapia local 4,22, 23. No RJ, o tratamento animal gratuito pode ser feito no âmbito público, pelo Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman, na Mangueira (RJ) e pelo CCZ Paulo Dacorso Filho, em Santa Cruz. Apesar disso, muitos animais não são tratados pela longa distância destes centros e pela dificuldade financeira em realizar o tratamento de forma particular. O tratamento em nível público de humanos é realizado na Unidade de Referência da FIOCRUZ, mas alguns municípios também oferecem a terapia de forma gratuita pela assistência básica.

Essa doença é considerada de maior prevalência na América Latina e no Brasil, com maior desenvolvimento do seu agente em regiões de clima temperado e tropical úmido 2,3,4,24 . Em alguns estados do Brasil, a esporotricose é uma doença de notificação obrigatória, como no estado do Rio de Janeiro. Entretanto, ainda é uma doença subnotificada em relação à sua expansão geográfica pelo país, por não ser de notificação obrigatória em todos os estados, o que contribui com a epidemia da esporotricose em território nacional 3,4,6. Essa epidemia tem maior concentração de distribuição geográfica, na região metropolitana do Rio de Janeiro 4,11,14.

Segundo o Boletim Epidemiológico de Esporotricose de 2018 da SES/RJ, para Vigilância e Cenário Epidemiológico da Esporotricose no RJ, há destaque para maior concentração da doença em humanos nos municípios da Região Metropolitana I, em especial na Capital e em Nova Iguaçu, refletindo a maior circulação do agravo nestas áreas ou a maior sensibilidade das vigilâncias destes municípios. Entretanto, segundo o Boletim Epidemiológico de Esporotricose de 2021 da SES/RJ, para Cenário Epidemiológico da Esporotricose no RJ nos anos de 2019 e 2020, há destaque para o município do RJ com maior circulação de agravos, porém Nova Iguaçu se manteve com concentração alta de casos, ficando em segundo lugar 23,24.

Cabe informar que a Esporotricose humana passou a ser um agravo de interesse estadual a partir de 2013, com sua inserção na lista de agravos de notificação do Estado do Rio de Janeiro: Resolução SES-RJ Nº 674 de 12/07/2013 (SES/RJ Nº674, 2021). Tal processo se deu através de diversas atividades realizadas pela Gerência de Doenças Transmitidas por Vetores e Zoonoses (GDTVZ) da SES/RJ, contando com a colaboração das equipes de Vigilância Epidemiológica dos municípios, dos Núcleos Descentralizados de Vigilância em Saúde (NDVS/SES/RJ) e da Instituição de Pesquisa Fiocruz/RJ 23,24.

Atualmente há diversas problemáticas envolvendo a doença, dentre as quais envolvendo questão Ética (veterinários autônomos se negam a fazer a eutanásia por doença tratável e os do poder público, em sua maioria, orientam a eutanásia devido o grande potencial de disseminação e dificuldade no tratamento), Jurídica (veterinários se negam a fazer a eutanásia por constar na lei local – “impedimento de eutanásia animal para doença tratável”), do tutor (a questão sentimental acima das questões de saúde pública) e das ONGs (pressionam o poder público a tratar os animais). Tais fatos aliados às subnotificações e falta de interação e conhecimento entre os profissionais envolvidos para o acompanhamento epidemiológico da doença, cooperam para o negligenciamento da doença e o aumento da incidência, somado também à falta de conhecimento da população acerca desta zoonose de grande importância em saúde pública.

2. Material e métodos

Trata-se de um estudo do tipo ecológico, com obtenção de dados através de levantamento epidemiológico de casos de esporotricose animal e humana no período de 2019 a 2024 por meio de banco de dados da Secretaria Municipal de Saúde de Nova Iguaçu, pelo SINAN e dados de animais positivos atendidos na clínica Escola Veterinária da Universidade Iguaçu, delimitando quais as áreas vulneráveis de propagação da doença dentro do município e fronteiras de Nova Iguaçu, RJ.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Iguaçu sob o número 75108823.8.0000.8044 e deferido pelo Comitê de Ética no Uso de Animais processo PEBIO/UNIG No 030/2024, garantindo o respeito das diretrizes éticas aplicáveis.

2.1 Local de realização da pesquisa:

A Baixada Fluminense, situada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, engloba 13 municípios (Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Japeri, Magé, Mesquita, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, Seropédica e Itaguaí), reunindo aproximadamente 3,7 milhões de habitantes, o que representa cerca de 23% da população total do Estado do Rio de Janeiro25,26.Entre esses municípios, o presente estudo concentrou-se em Nova Iguaçu, tendo em vista a relevância epidemiológica da esporotricose na região e o volume expressivo de notificações ao longo dos anos.

Localizado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu abrange uma área total de 520,581 km², sendo 122,99 km² urbanizados (24% do total). Em 2022, sua população foi estimada em 785.867 habitantes (47,53% homens e 52,47% mulheres), apresentando taxa de alfabetização de 96,35% e densidade demográfica de 1.509,60 hab/km² 25.

2.2 Obtenção de dados animais:

Os dados referentes à esporotricose em animais foram fornecidos pela Clínica Escola de Medicina Veterinária da UNIG. Embora o período de análise (para fins de vigilância) seja de 2019 a 2024, a clínica não registrou atendimentos positivos entre 2019 e 2021, seja pela ausência de casos, seja pelas restrições impostas pela pandemia de Covid-19 e/ou reformas internas que dificultaram o funcionamento pleno do serviço. Dessa forma, a maior parte dos registros concentra-se entre 2022 e 2024.

2.3 Obtenção de dados humanos:

Os dados sobre casos confirmados de esporotricose em humanos foram obtidos junto à Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal de Saúde de Nova Iguaçu (RJ), mediante autorização prévia, por meio das fichas de notificação preenchidas pelos agentes de saúde no período de 2019 a 2024.

2.4 Tratamento dos dados

Os dados obtidos da esporotricose em animais e humanos foram tabulados em planilhas do software Microsoft Excel® e realizada a estatística descritiva. Para a plotagem dos mapas de incidência dos casos foi utilizado o software QGIS (QGIS Development Team, 2024), tendo como base o shapefile (shp.) dos bairros e fronteiras do município de Nova Iguaçu, RJ.

3. Resultados e discussão

Os dados sobre a distribuição epidemiológica dos casos humanos de esporotricose em Nova Iguaçu entre 2019 e 2024 são apresentados na Tabela 1, mostrando que a doença atinge de forma mais expressiva o sexo feminino, com 359 casos (60,85%), em contraste com os 231 casos (39,15%) registrados no sexo masculino. Essa diferença pode ser explicada pelo maior contato das mulheres com os animais, especialmente gatos, que são os principais transmissores do fungo. Além disso, as mulheres frequentemente se envolvem em atividades ao ar livre, como cuidar de animais e plantas, o que aumenta a exposição ao fungo. Outro fator importante é que as mulheres costumam buscar atendimento médico mais rapidamente, o que pode levar a um maior número de casos diagnosticados. Esses fatores em conjunto ajudam a entender a prevalência maior entre as mulheres em Nova Iguaçu.

Quanto à faixa etária, observa-se que a esporotricose afeta pessoas de diferentes idades, mas a maior incidência foi evidenciada entre os indivíduos de 40 a 59 anos, que representam 35,42% dos casos, seguidos pela faixa de 20 a 39 anos, com 25,08%. A maior vulnerabilidade dessa faixa etária pode estar relacionada ao contato constante com animais, especialmente gatos, e ao aumento da exposição a fatores de risco, como tarefas externas e cuidados com o ambiente. Já a faixa etária de 20 a 39 anos pode apresentar uma maior incidência devido a atividades profissionais ou recreativas em ambientes de risco, como o cuidado com animais ou a convivência em locais potencialmente contaminados.

Segundo Silva, Margarete Bernardo Tavares da et al. (2012), foi realizada uma análise exploratória sobre a distribuição da esporotricose humana em residentes do Estado do Rio de Janeiro, no período de 1997 a 2007. A pesquisa revelou que, em relação às características sociodemográficas, as mulheres foram predominantemente afetadas, representando 66,9% dos casos, e a faixa etária mais atingida foi a de 21 a 60 anos, com 67,5% dos diagnósticos. 27 Os dados corroboram os achados do presente estudo.

Tabela 1 – Variáveis sexo e faixa etária nos casos de esporotricose em Nova Iguaçu – RJ, no período de 2019 – 2024

Fonte: Informações geradas a partir de dados coletados no Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN Net, 2024.

Dados de animais diagnosticados com esporotricose na Clínica Escola Veterinária da UNIG foram utilizados para verificação e comparação de áreas com maior casuística em humanos. Entre 2019 e 2024, a Clínica Veterinária da Universidade Iguaçu, localizada em Nova Iguaçu, registrou 14 casos de esporotricose diagnosticados em animais. De acordo com os dados, não houve casos clínicos da doença entre 2019 a 2022. Em 2023, no entanto, o número de registros aumentou consideravelmente, totalizando 12 casos, e em 2024 o número caiu para 2. A ausência de casos nos primeiros anos reflete tanto a falta de ocorrências quanto a interrupção das atividades da clínica, que esteve fechada devido a reformas e ao impacto da pandemia, o que prejudicou a capacidade de atendimento e, consequentemente, o diagnóstico de novos casos.

Em 2023, resultou no aumento das notificações, que pode ter sido influenciado pela recuperação parcial da estrutura e retorno das ações de vigilância. Esse aumento pode ser atribuído à maior interação entre humanos e animais após o período de isolamento social, bem como à maior conscientização sobre a doença, especialmente no que se refere aos gatos, que são os principais transmissores do fungo.

Apesar do aumento nos registros a partir de 2023, os dados da clínica ainda não são suficientes para refletir com precisão o panorama da esporotricose no município. A variação entre os anos e a quantidade limitada de casos indicam que os dados devem ser interpretados com cautela, pois a interrupção prolongada das atividades da clínica impediu uma análise contínua e abrangente da situação epidemiológica.

De acordo com Martinelli et. al (2022) a esporotricose é a micose subcutânea mais prevalente na América Latina. No Brasil, o Estado do Rio de Janeiro apresenta um elevado número de casos desde a década de 1990, sendo considerada uma hiperendemia de longa duração associada à transmissão felina28. Entretanto, Figueiredo (2022) conduziu um estudo ecológico no estado do Rio de Janeiro, onde foram analisados 4.881 gatos e 295 cães, com 4.502 e 249 casos georreferenciados, respectivamente. A análise dos dados sobre esporotricose revelou que a maior incidência da doença foi registrada no município do Rio de Janeiro e nas áreas adjacentes da região metropolitana. Nos cães, os casos foram mais frequentes em áreas residenciais, enquanto a zona sul, que possui melhores condições socioeconômicas e é predominantemente composta por apartamentos, não apresentou registros da doença. A distribuição dos casos seguiu um padrão de Pareto, indicando que tanto cães quanto gatos mostraram uma concentração de esporotricose, especialmente no Rio de Janeiro, formando um cinturão da doença para ambos os tipos de animais. 29

A Tabela 2 mostra que entre 2019 e 2024, a Secretaria de Vigilância Sanitária de Nova Iguaçu registrou um total de 590 casos de esporotricose humana. A distribuição dos casos ao longo dos anos foi a seguinte: 146 em 2019, 110 em 2020, 99 em 2021, 160 em 2022, 60 em 2023 e 15 em 2024. O ano de 2022 teve o maior número de casos, com 160 registros, representando 27,10% do total.

O Gráfico 1 evidencia uma variação considerável nos casos ao longo dos anos, destacando o aumento expressivo em 2022, que pode indicar tanto um possível surto local quanto uma intensificação na notificação dos casos. Esse crescimento pode estar relacionado ao aumento da conscientização sobre a doença e à ampliação das ações de saúde pública. A redução nos números a partir de 2023, com 60 registros, e especialmente em 2024, com 15 casos, sugere que as medidas de controle e prevenção adotadas pelas autoridades de saúde podem ter começado a surtir efeito, reduzindo a transmissão da esporotricose.

Tabela 2 – Casos confirmados de Esporotricose em humanos, Nova Iguaçu – RJ, no período de 2019 – 2024

Fonte: Informações geradas a partir de dados coletados no Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN Net, 2024.

Gráfico 1 – Número de casos confirmados de esporotricose humana por ano, em Nova Iguaçu – RJ, no período de 2019 –2024.

Fonte: Informações geradas a partir de dados coletados no Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN Net, 2024.

O Gráfico 2 revela que, entre 2019 e 2022, não foram registrados casos de esporotricose em animais, coincidindo com o período da pandemia de COVID-19. Durante esse tempo, muitos serviços veterinários e de saúde foram afetados, com muitos profissionais priorizando atendimentos relacionados ao Coronavírus, o que comprometeu a vigilância e o diagnóstico de outras doenças. Esse cenário provavelmente resultou na subnotificação de casos de esporotricose, tanto em animais quanto em humanos.

No entanto, a partir de 2023, observou-se um aumento nos registros de casos em animais, com 12 casos em 2023 e 2 em 2024. Esse aumento pode indicar a retomada das atividades de vigilância veterinária e a uma maior conscientização sobre a doença. A relação entre os casos de esporotricose em animais e humanos é clara, e a intensificação das interações entre esses dois grupos, especialmente em áreas urbanas, destaca a importância de um monitoramento contínuo. É fundamental que as autoridades de saúde mantenham a vigilância constante, implementando medidas eficazes de prevenção e controle visando evitar novos surtos com vistas à saúde pública.

Gráfico 2 – Número de casos confirmados de esporotricose humana x Número de casos confirmados de esporotricose animal por ano, em Nova Iguaçu – RJ, no período de 2019 –2024.

Fonte: Informações geradas a partir de dados coletados no Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN Net, 2024.

O Gráfico 3, mostra que os casos de esporotricose humana estão mais concentrados nos bairros de Austin, Comendador Soares, Centro, Miguel Couto, Posse, Tinguá e Cabuçu, locais caracterizados por alta densidade populacional, intensa atividade comercial, animais errantes nas ruas e infraestrutura de saneamento básico precária. Além disso, o Gráfico 4 apresenta os registros de esporotricose em animais no município de Nova Iguaçu, com destaque para os bairros de Da Luz e Austin, que apresentam as maiores taxas de prevalência dessa doença causada pelo fungo do gênero Sporothrix. Essa combinação de fatores pode favorecer a propagação do fungo, uma vez que a alta circulação de pessoas e animais cria um ambiente propício à transmissão.

A falta de informações adequadas sobre prevenção e diagnóstico precoce tem contribuído para a propagação da esporotricose. Por ser uma zoonose, a doença pode ser transmitida entre animais e seres humanos, principalmente por meio do contato. Embora os sintomas iniciais se apresentem como lesões cutâneas simples, em casos mais graves, a infecção pode afetar órgãos internos, tornando o quadro clínico mais sério. Em bairros com infraestrutura deficiente, onde a densidade populacional é alta e o abandono e a circulação de animais é frequente, a probabilidade de disseminação de doenças como a esporotricose aumenta consideravelmente. Essas condições tornam a doença um desafio de saúde pública, dificultando seu controle e prevenção.

A Tabela 3 apresenta o número de casos de esporotricose humana em Nova Iguaçu no período de 2019 a 2024. Dentre os bairros, Austin se destaca com o maior número de ocorrências, totalizando 67 casos, o que representa 11,36% do total. Em seguida, Comendador Soares apresentou 54 casos, correspondendo a 9,15%. Os bairros Miguel Couto e Posse, com 33 (5,59%) e 32 (5,42%) casos, respectivamente, também apresentam uma situação preocupante em relação à disseminação da doença. Juntos, esses quatro bairros somam 186 casos, o que equivale a 31,52% do total de casos registrados em Nova Iguaçu. Esses números evidenciam a relevância da esporotricose como um problema de saúde pública nessas localidades, que têm enfrentado um número significativo de ocorrências.

Além disso, outros bairros, como o Centro, com 22 casos, Tinguá, com 20, Cabuçu e Ipiranga, com 19 casos cada, Santa Rita, com 18, e Jardim Iguaçu, com 15 casos, também apresentam números relevantes, o que reflete a presença da doença tanto em áreas centrais quanto periféricas no município. Esses dados destacam a urgência de medidas de atenção e ações coordenadas nas localidades mais afetadas, com o objetivo de controlar a disseminação da esporotricose e garantir a proteção da saúde da população.

Tabela 3 – Casos de Esporotricose em humanos, Nova Iguaçu – RJ, no período de 2019 a 2024, segundo o bairro  de residência.                      

Fonte: Informações geradas a partir de dados coletados no Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN Net, 2024.

Gráfico 3 – Distribuição espacial dos casos de Esporotricose em humanos, no município de Nova Iguaçu, entre os períodos de 2019 a 2024.

Fonte: Construído a partir de dados coletados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN, 2024.

Gráfico 4 – Distribuição espacial dos casos de Esporotricose em animais, no município de Nova Iguaçu, entre os períodos de 2022 a 2024.

Fonte: Construído a partir de dados coletados na Clínica Escola de Medicina Veterinária da Universidade Iguaçu (UNIG), 2024.

4. Conclusão

A análise dos dados provenientes tanto da Clínica Escola Veterinária da Universidade Iguaçu quanto da Secretaria de Vigilância Sanitária de Nova Iguaçu sinaliza um cenário preocupante para a esporotricose. A ausência de registros de casos animais entre 2019 e 2022 pode ter resultado da paralisação de serviços durante a pandemia de COVID-19, influenciando a capacidade de vigilância. Em 2023, observou-se aumento expressivo de casos, tanto em animais quanto em humanos, sugerindo o restabelecimento da dinâmica de transmissão e maior eficiência diagnóstica.

Essa correlação reforça a necessidade de uma abordagem integrada para o controle da esporotricose, considerando a estreita relação entre patógenos zoonóticos e os ambientes em que circulam. Os dados ressaltam a urgência de um monitoramento contínuo e de ações conjuntas entre os setores de saúde pública e veterinária, servindo de base para políticas municipais de controle e para a captação de recursos que viabilizem ações efetivas. Além disso, a intensificação da educação em saúde e o envolvimento de profissionais de diversas áreas são fundamentais para promover a vigilância ativa, reduzir a transmissão e proteger a saúde humana e animal.

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1Discente do curso de graduação em Medicina Veterinária da Universidade Iguaçu (UNIG). Membro do Projeto de Iniciação Científica da Universidade Iguaçu (UNIG).
2Discente do curso de graduação em Medicina da Universidade Iguaçu (UNIG). Membro do Projeto de Iniciação Científica da Universidade Iguaçu (UNIG).
3Médica Veterinária. Docente dos cursos de graduação em Medicina e Medicina Veterinária da Universidade Iguaçu (UNIG). Orientadora do Projeto de Iniciação Científica da Universidade Iguaçu (UNIG).