DISPOSITIVO DE AUXÍLIO DE DOSE (DAD):DESENVOLVIMENTO DE UMA NOVA FERRAMENTA SIMPLES, SEGURA E DE MENOR CUSTO PARA INSULINIZAÇÃO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7509936


Eric Aguiar Wittlich¹
Ana Cláudia Couto Silva²


RESUMO

O tratamento dos casos de diabetes mellitus tipo 2 nos quais há falência primária ou secundária a medicamentos orais é feito com insulinoterapia. A doença é mais agressiva em populações vulneráveis, nas quais fatores socioeconômicos e fisiopatológicos contribuem para capacidade reduzida de adesão terapêutica. Se, por um lado, as canetas de insulina promovem melhora dessa adesão, por outro, as seringas ainda são mais acessíveis e sustentáveis, do ponto de vista financeiro e logístico. A fim de reduzir a distância entre facilidade de uso e viabilidade para o Sistema Único de Saúde Brasileiro (SUS), este trabalho propõe o desenvolvimento pré-clínico e análise de viabilidade financeira inicial do Dispositivo de Auxílio de Dose, ou DAD, direcionado inicialmente, mas não restrito, ao tratamento da população de idosos frágeis. O desenvolvimento resultou em um dispositivo dose-específico de baixo custo de aquisição que funciona acoplado à seringa de insulina e possibilita ao usuário a retirada da dose de maneira precisa e segura, com apenas um movimento, sem necessidade de ajustar a posição do êmbolo da seringa simultaneamente à verificação da dose na escala. O DAD se mostrou uma solução disruptiva no estágio pré-clínico, conciliando características importantes da caneta e da seringa e sobrepondo ambas em aspectos chave, como na operação por deficientes visuais. 

Palavras chave: insulina, custo, desenho de equipamento, Sistema Único de Saúde

ABSTRACT

The treatment of type 2 diabetes mellitus cases in which there is primary or secondary failure in oral drugs is done with insulin therapy. The disease is more aggressive in vulnerable people in which socioeconomic and pathophysiological factors contribute to an impairing capacity for therapeutic adherence. While, on the one hand, insulin pens promote an improvement in therapeutic adhesion, on the other hand, syringes are still more accessible, and sustainable, from a financial and logistical point of view. In order to reduce the gap between ease of use and viability for the Brazilian Public Health System (SUS), this work proposes the pre-clinical development and the initial financial viability analysis of the Dispositivo de Auxílio de Dose, or DAD, aimed initially at, but not restricted to, the treatment of the frail elderly population. The development resulted in a low-cost dose-specific device that works coupled with insulin syringes and allows the user to withdraw the dose accurately and safely, with just one movement, without the need to adjust the position of the plunger while checking the dose on the syringe scale. The DAD proved to be a disruptive solution in the preclinical stage, conciliating important characteristics of the pen and syringe and overtaking both in key aspects, such as in operation by the visually impaired.

Keywords: insulin, cost, equipment design, Unified Health System

1 INTRODUÇÃO

Estimado a se tornar até 2030 a sétima maior causa de morte no planeta, o diabetes mellitus alcançou uma prevalência em 2019 de cerca de 464 milhões de pessoas, repercutindo em 4,2 milhões de mortes1. No Brasil, 16 milhões de indivíduos foram acometidos em 2019, representando um custo total de US$ 50 bi distribuídos entre o sistema público e privado de saúde 1,2

O diabetes mellitus é uma doença metabólica, com prevalência em ascensão, marcada pela hiperglicemia às custas da redução da capacidade de produção de insulina, característica do diabetes mellitus tipo 1 (DM 1) e do diabetes mellitus tipo 2 (DM 2) avançado, ou pelo aumento da resistência periférica à insulina, característica do DM 2. A hiperglicemia tem consequências multissistêmicas levando a complicações crônicas associadas, sobretudo, ao mau controle glicêmico a longo prazo³. 

 O DM 2 corresponde a 95% do total de diabéticos. Muitos pacientes que acabam por necessitar da insulinoterapia devido à evolução da doença são idosos, têm pouco acesso aos serviços de saúde e/ou baixa instrução, o que dificulta a adesão terapêutica e o consequente controle da doença. Esses grupos representam entre 15% e 25% do total de pacientes com DM 2, por volta de 2,5 milhões de pessoas no Brasil3,4,5.

 Como os procedimentos para a autoinsulinização requerem, além da aderência terapêutica, níveis mínimos de acuidade visual, destreza manual e compreensão do processo, essa parcela de indivíduos é particularmente vulnerável considerando o tratamento tradicional baseado no uso de seringas e ampolas6,7,8.

Na década de 1990 surgiram as canetas de insulina trazendo um avanço significativo na facilidade de tratamento e, consequentemente, na adesão terapêutica7,8. Em contrapartida elas têm, ainda hoje, um custo de aquisição e operação geralmente maiores quando comparados ao método tradicional9. Outros métodos mais modernos contemplam as bombas de infusão de insulina e as insulinas inaláveis, contudo, além de ambos serem direcionados a dispensa de insulinas ultrarrápidas, os dois não fazem parte do rol de tratamento disponibilizados normalmente pelo Sistema Único de Saúde Brasileiro (SUS).

Em face dos benefícios ao usuário, em 2017 a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) aprovou o acesso às canetas de insulina para todos pacientes portadores de DM 1 e DM 2 em uso de insulina do tipo protamina neutra de Hagedorn (NPH)10. Entretanto, essa incorporação não foi observada na prática, como amplamente divulgado pela mídia, por fatores logísticos e pelo custo estimado na ordem de R$ 3,5 bi para cada três anos de insumos, impactando centenas de milhares de pacientes11,12,13.

Parte dos pacientes que não tiveram acesso às canetas, apesar da previsão na Portaria, é constituída por idosos que, tendo ou não comorbidades, apresentam dificuldades inerentes à própria idade, como redução da acuidade visual, sarcopenia, diminuição do controle motor, e até depressão, justificando a necessidade da oferta de um dispositivo que facilite a aplicação e adesão terapêutica frente à indisponibilidade da caneta2,3,15. O perfil de insulinização dos idosos, principalmente os de idade mais avançada, é constituído, em geral, de doses estáveis de insulina e necessidade de um controle glicêmico menos estreito, características que favorecem o emprego de um dispositivo simplificado e de menor custo3,14,15

O objetivo deste trabalho é descrever o desenvolvimento técnico de uma solução de intermédio entre a seringa e a caneta, simples, robusta e de baixo custo, focada nos idosos frágeis, que representam, aproximadamente, 20% dos 710 mil idosos portadores de DM 2 insulino requerentes no Brasil1,2,3,10. O equipamento denomina-se Dispositivo de Auxílio de Dose (DAD) e trata-se de um instrumento reutilizável, dose-específico, que funciona acoplado à seringa, servindo de interface para o usuário durante a retirada da dose de insulina da ampola através de um movimento único e intuitivo. A aplicação, movimento onde o embolo é comprimido e a insulina injetada no subcutâneo, não é alterada pelo dispositivo, mantendo suas características originais. 

2 MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Desenvolvimento do DAD

O desenvolvimento iniciou-se no processo inventivo que adveio diante da observação das dificuldades enfrentadas por pacientes idosos, pacientes com dificuldades motoras ou visuais e pacientes com baixo nível de instrução durante o treinamento para início ou manutenção da insulinoterapia, em um serviço de referência do SUS-BA.

A fundamentação teórica acerca da viabilidade da oportunidade identificada foi baseada na revisão de mercado e literatura em busca de dispositivos ou soluções que pudessem ser aplicadas no caso observado. Os argumentos de interesse foram dispositivos que aliassem facilidade de aplicação com baixo custo de aquisição e manutenção. Para tal, foram utilizados os repositórios PubMed, Scielo, Lilacs, Google Scholar, e bancos de patentes do Brasil e Estados Unidos da América.

A verificação das normas e legislações aplicáveis a este tipo de equipamento, utilizados para o desenvolvimento do DAD, empregou capítulos da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), CONITEC, International Organization for Standardization (ISO), Centers for Disease Control (CDC), e Federal Drug Admnistration (FDA), como a ABNT14971:2020, ABNT15804-1:2020, ISO28620:2020, ISO/IEC Guide 63:2019, CONITEC RDR 256:2017, e FD&C 21 CFR. Os aspectos de segurança e facilidade de operação foram inspirados nos requisitos aeronáuticos, como o capítulo 8 do RBAC-25.

O escopo do trabalho foi determinado pelos seguintes fatores: a população majoritária da observação inicial, a acessibilidade e custo dos materiais, as diretrizes, as normas e legislações aplicáveis, e a janela de tempo disponível para o projeto. O escopo determinado foi o desenvolvimento até nível pré-clínico da patente de invenção, depositada pelo autor, de um dispositivo de baixo custo de aquisição que auxilie a seleção correta de doses de insulina por meio de seringas de 100 unidades internacionais (UI). A população alvo delimitada foi a de idosos vulneráveis em tratamento com insulina basal, com acesso reduzido à caneta de insulina, no âmbito do SUS. Integra-se ainda ao escopo deste trabalho a avaliação econômica inicial, na qual o DAD é comparado com o método tradicional de aplicação de insulina e com a caneta de insulina.

A gestão do projeto foi realizada utilizando uma customização do PMBok para projetos piloto17, e os controles temporal e orçamentário foram feitos no Microsoft Project 2019.  A gestão técnica de desenvolvimento de produto utilizou o método da Espiral de Projetos16. O objetivo foi prover dados quantitativos que pudessem ser utilizados ao final do desenvolvimento, permitindo a comparação entre os custos das soluções disponíveis no mercado e os da proposta. Desta forma, é interessante salientar que a espiral tem seu aspecto de tempo sempre crescente enquanto o custo varia conforme a solução apresentada (soluções que trazem simplificações do processo produtivo ou menos material levam a uma diminuição do custo acumulado).

O desenvolvimento do DAD seguiu os padrões da indústria num processo híbrido, entre modelagem com avaliação computacional e produção com avaliação de protótipos físicos submetidos a testes não clínicos. 

A evolução da maturidade foi estruturada em famílias, ou séries, de versões e nas versões propriamente ditas, com a nomenclatura “vW.X”, onde o W se refere à identificação da série e o X à versão. As séries reúnem grupos de versões que compartilham de um processo tecnológico comum, e as versões são variações acerca desse processo, que envolve geometria, materiais e parâmetros de fabricação. As séries e versões evoluíram conforme a necessidade de alterações, a fim de atender os requisitos de produto, econômicos e de fabricação.

Foram utilizados os softwares: Dassault Systems Catia V5 R22 para modelamento 3D, análise e modelagem por elementos finitos, análise de ergonomia, e simulação dos processos produtivos; Simplify3D V4.1 como gerador de Gcode, e simulador do processo de fabricação por deposição de material – FDM; e Microsoft Excel 2019 para análise de demais dados e suporte para previsões. 

O projeto recorreu a dois centros de desenvolvimento (SSA-desenvolvimento do dispositivo, SJK-desenvolvimento de ferramentais, dispositivos de ensaio e testes de materiais), três Workstations CAD/CAE, duas impressoras 3D de alta precisão (para confecção dos protótipos, ferramentais e dispositivos de ensaio) e plásticos de engenharia para confecção dos modelos, como: politereftalato de etileno aditivado com ciclohexano dimetanol (PETG), acrilonitrila butadieno estireno (ABS), nylon 6.6, resinas de policarbonato (PC) e polipropileno (PP).

Este trabalho tratou do desenvolvimento do equipamento até nível pré-clínico, sendo dispensada a aplicação a Comitês de Ética de acordo com os critérios estabelecidos pelo Manual Operacional de Comitês de Ética, do Ministério da Saúde18.

2.2 Custos do DAD

Para a precificação do DAD foram considerados os valores calculados de custo de hora-máquina, hora-operador e matéria-prima. Assim como nos valores dos demais insumos, extraídos do Banco de Preços em Saúde (BPS) do Ministério da Saúde (MS), não foram contabilizados valores de transporte. Os impostos apresentam grande variação conforme local de produção, classificação do produto, frete e quantidade. Foi considerado para o DAD a mesma alíquota de imposto de seringas plásticas, isentas de IPI.

2.3 Comparativo financeiro entre o DAD e a caneta de insulina

Levando-se em conta os custos recorrentes e não recorrentes, a comparação econômica foi realizada entre a terapia tradicional assistida pelo DAD e a terapia com caneta. Para esse cálculo foram utilizados os valores resultantes da precificação do DAD e os valores médios ponderados dos insumos adquiridos pelo governo federal, acessados através do portal do BPS. Foi verificado, após avaliação dos períodos entre 2017 e 2020, que os preços dos insumos não variou de forma regular, permanecendo estável em alguns períodos e não seguindo a inflação em outros. Portanto, foram considerados os valores presentes, conforme metodologia de ponderação utilizada pelo BPS, para o período estendido de 3 anos9,10

A composição dos custos parte de algumas premissas: as canetas distribuídas pelo SUS têm uma vida útil esperada de 3 anos, de acordo com o relatório número 256 de 2017 da CONITEC, e as agulhas devem ser substituídas a cada aplicação, de acordo com as recomendações da Sociedade Brasileira do Diabetes (SBD) e dos próprios fabricantes7,8,10. De forma semelhante às agulhas das canetas, a recomendação para as seringas é de que sejam de uso único devido ao desgaste da agulha3.

Ademais, pela diferença de apresentação entre as ampolas e os refis de insulina, os valores das insulinas foram convertidos para Reais por Unidade Internacional (R$/UI). No escopo deste projeto, as insulinas avaliadas foram NPH e glargina U100, ambas disponibilizadas pelo SUS e recomendadas para uso basal em pacientes idosos pela SBD na diretriz de tratamento com insulina para população idosa15. Tanto a NPH quanto a glargina têm seis semanas como tempo de uso máximo após abertas. Foram consideradas doses diárias únicas.

3 RESULTADOS

3.1 Desenvolvimento do DAD

As buscas por soluções já disponíveis ou em desenvolvimento que apresentassem vantagens econômicas semelhantes ao método tradicional em conjunto com vantagens de operação semelhantes à caneta retornaram sem achados. Esse resultado levou ao início do processo de desenvolvimento do DAD.

O conceito original do DAD se baseava num mecanismo de duas barras, com um ponto de contato com a parte fixa da seringa, um ponto de contato com a manopla do êmbolo e um ponto central flutuante que, quando pressionado, faria a distância entre os dois pontos de contato aumentarem, atuando o êmbolo no sentido de retirar a dose.

Após testes e simulações de geometria plana, essa solução se mostrou eficiente, mas pouco robusta para a aplicação em um dispositivo médico. Mantendo os requisitos de simplicidade e robustez do DAD outros tipos de mecanismos passaram a ser avaliados.

Os perfis que se adequaram à proposta foram os mecanismos de quatro barras com came e os mecanismos de 5 barras com duas barras de controle.

Foram listados e hierarquizados os requisitos de produto de forma a direcionarem os trabalhos e servirem como condições de contorno principais do dispositivo, demonstrado na Tabela 1.

Tabela 1 : Requisitos gerais do DAD

Parte do atendimento dos requisitos do DAD tangeu à seleção e escolha de materiais apropriados. Cada etapa da evolução do projeto utilizou materiais que foram sendo adequados e alterados conforme os resultados dos ensaios e amadurecimento das análises de manufatura. 

O primeiro modelo foi o teste de conceito v0.0, observado na Figura 1, feito de cartolina e fita adesiva, baseado no mecanismo de quatro barras com came. Esse demonstrou que a ideia era factível, sendo capaz de promover a extensão do êmbolo de uma seringa de 100 UI de insulina com precisão mesmo após diversos ciclos e manuseados por diferentes pessoas, não interferindo na compressão do êmbolo e permitindo a plena visualização da escala.

Figura 1 : Teste de conceito v0.0 instalado na seringa de 100 UI de insulina, em posição recolhida e atuada

Fonte: Autor, 2018

 A família 1.X utilizou uma estratégia de prototipagem rápida, baseada no processo de impressão 3D por deposição de camada de material, conhecido como FDM, para possibilitar a produção e a disponibilidade de peças para teste de maneira rápida e com baixo custo por protótipo. 

Essa família permitiu a avaliação da relação entre o tamanho do dispositivo e a sua robustez. O material escolhido nesta etapa foi o ABS devido ao menor custo de aquisição, mas cujas propriedades mecânicas não atenderam a demanda de operação.

Utilizando as definições geométricas da série 1.X, a série 2.X trouxe a alteração do material de impressão, mantendo o método produtivo. Filamentos especiais de nylon 6.6 foram importados para a fabricação das peças para a realização dos testes. A troca de material permitiu a realização de testes cinemáticos mais precisos, mas o valor elevado da matéria-prima e a dificuldade de controlar os parâmetros ambientais de produção exigiram a substituição por um material com propriedades mais estáveis.

Desta forma, as versões 3.X utilizaram PETG e eram totalmente funcionais. O PETG foi selecionado por suas propriedades mecânicas, pelo custo e disponibilidade e por sua estabilidade quando utilizado com o processo de FDM. Essas versões contribuíram de forma significativa para a maturação do modelo virtual e para a validação das análises de operação. Foi a série mais longa, chegando à versão 3.14.

A versão 3.1 foi especialmente importante para o salto de maturidade, por ter sido a primeira a integrar todas as características operacionais fundamentais em um mesmo modelo totalmente funcional. O sucesso da série 3.X abriu caminho para a investigação de métodos de fabricação diversificados, buscando a redução de custo em uma produção seriada.

A versão 4.0 deu início a uma nova fase de exploração da tecnologia de corte a laser em placas planas de matéria-prima, neste caso, de PP. Outras versões utilizaram corte por faca, usinagem por comando numérico e corte a água. A matéria-prima também foi alterada e adaptada ao longo dos testes, não apenas o tipo, como o já citado PP e o PC, mas também as espessuras e tipos de tratamento superficiais. 

Outro ponto pertinente da série 4.X foi a necessidade identificada de alterações na geometria base da parte do encaixe na seringa, devido às limitações inerentes aos processos de manufatura. 

Figura 2 : Versão v4.3 de diversas doses

Fonte: Autor, 2019

O resultado dessa série, exemplificada pela versão 4.3 na Figura 2, reforçou o resultado das análises prévias de viabilidade econômica, mostrando que a produção baseada em FDM era significativamente mais custosa para produção seriada, mas a de melhor custo-benefício para fabricação de lotes pequenos e customizados.

A família 4.X é a solução de produção seriada e considerou a terceirização parcial da fabricação mediante maquinário e infraestrutura alugados, com a composição de custo envolvendo o tempo de preparação do modelo e do equipamento, o valor da matéria-prima por unidade produzida, e o valor da hora da infraestrutura contratada. 

Em paralelo à proposta de verificação da viabilidade econômica deste artigo, que se baseia na série 4.X, o desenvolvimento da série 5.X está em andamento, tendo em vista a preparação para as fases futuras de ensaios clínicos pilotos. A Figura 3 mostra a versão 5.4, exemplificando um modelo com potencial de ser aplicado nestas fases. Essa série representa um refinamento da série 3.X com as lições aprendidas da série 4.X, resultando em modelos híbridos, produzidos por FDM. A série 5.X possui geometrias e tolerâncias que simulam a capacidade de produção desenvolvidas na série 4.X ao mesmo tempo que permite a produção de lotes menores, com custo reduzido, para atender a demanda de produção especial para o futuro ensaio piloto.

Figura 3 : Versão híbrida v5.4

Fonte: Autor, 2020

Os testes da versão atual da família 5.X envolvem, além das questões de projeto e produção, a validação dos modelos computacionais de ergonomia e análises de elementos finitos, levandose em consideração os ensaios realizados nos modelos fabricados.

3.2 Custos do DAD

Para a análise econômica comparativa com a caneta foi selecionado a versão v4.9, com produção via corte a laser, chapa de 4 mm de PP, e operando um lote mínimo economicamente viável (LMEV) de 50 mil peças. O corte a laser foi selecionado pela capacidade de produzir modelos de diversas doses sem necessidade de ferramentais especializados ou matéria-prima padrão, flexibilizando a produção e reduzindo os custos. Assim, essas 50 mil peças podem ser divididas entre as doses necessárias elencadas à época pela análise de mercado.

O custo de aquisição estimado do DAD é de R$ 3,00 por unidade quando fabricado em LMVE e o mesmo possui vida útil prevista de 36 meses (a título de comparação, o mesmo período das canetas de insulina).

3.3 Comparativo financeiro entre o DAD e a caneta de insulina

Levando em conta apenas o equipamento, a caneta de insulina tem um custo por ciclo estimado em R$ 0,04 enquanto que no DAD esse valor é inferior a R$ 0,0001. Conquanto, a comparação é mais significativa quando todas as outras variáveis são analisadas num contexto, pois a maior parcela do custo do tratamento está associada à insulina em si.

Os custos médios estimados de cada um dos insumos para o tratamento com DAD e com caneta, utilizando a BPS, estão expostos na Tabela 2. As insulinas tiveram seu valor normalizado para R$/100 UI a fim de aumentar a quantidade de números significativos do valor e consequentemente, a precisão da análise econômica do estudo. Para as avaliações com diferentes doses os valores foram proporcionalmente calculados para cada uma delas. Há um efeito importante da escolha do tipo de dispositivo e da dose diária na composição final do custo. 

Tabela 2 : Custo recorrente e não recorrente para o tratamento utilizando o DAD e a caneta de insulina.

Fonte: Adaptado de BPS, 2020

Os tratamentos foram avaliados para doses entre 2 UI e 40 UI por representarem parcela significativa do espectro terapêutico considerando a método de insulinização basal recomendado pela SBD15. O tratamento com glargina U100 apresenta menor custo quando utilizado via caneta, revelando diferenças maiores, na ordem de 160%, até uma dose diária de 22 UI. Para doses superiores a 22 UI a caneta continua favorecida, mas com um custo médio mais próximo daquele do DAD (conquanto ainda 7% menor). 

O custo utilizando NPH é favorável para o DAD em todas as doses, com o tratamento com caneta sendo 6,5% mais caro em doses até 6 UI/dia, 100% mais custoso em doses de 20 UI/dia e chegando a 165% maior em doses de 40 UI/dia.

A partir da estimativa de 10 doses diferentes por paciente, calculou-se que para a implementação total da portaria 256/2017 da CONITEC considerando toda a população originalmente almejada pela mesma, a disponibilização do DAD em lugar da caneta representaria uma economia, em valores atuais do BPS, na ordem de R$ 175 milhões, uma redução de 67% sobre o custo da utilização da caneta, além da economia gerada pelo uso de ampolas em substituição aos refis, cuja diferença, já citada, pode ultrapassar 100%. Quando considerada a disponibilização circunscrita à população alvo do escopo do projeto, a quantidade de dispositivos per capita necessários cairia devido à maior estabilidade das doses nesta população, implicando numa economia de até 83% sobre a caneta, se considerados cinco ajustes ao invés de dez.

O custo de tratamento com NPH é menor quando comparado ao da glargina, independentemente do tipo de tecnologia de aplicação utilizada, com a diferença variando entre pouco menos de R$ 90,00 até mais de R$ 1.300,00 por paciente, anualmente. Os dados que permitem a avaliação completa do custo anual de tratamento discriminado por tipo de tecnologia envolvida, tipo de insulina e dose diária estão disponíveis no Anexo I.

4 DISCUSSÃO

As opções de insulinização disponíveis no mercado hoje são as seringas, as canetas, as bombas de infusão, e as insulinas inaláveis. Dentre essas, somente as opções mais acessíveis, a seringa e a caneta, são disponibilizadas de maneira sistemática pelo SUS10. A portaria da CONITEC que recomendou o uso das canetas o fez apenas para refis de NPH e regular, o que faz sentido quando observada a diferença de investimento relacionada ao tratamento com glargina. 

O presente estudo teve como objetivo desenvolver um dispositivo alternativo à caneta. O DAD é prioritariamente direcionado à utilização pela população idosa vulnerável. Entretanto, pode também ser utilizado pelo paciente que já faz o tratamento utilizando caneta, independentemente do tipo de insulina, mas que tem dificuldade de acesso aos insumos para a sua caneta, uma vez que, de modo geral, cada fabricante utiliza agulhas e refis específicos entre si. 

Esses são limitadores importantes, pois, como pode ser observado na análise do BPS e do portal de transparência do SUS, nem sempre os consumíveis de todas as marcas do mercado são adquiridos pelo Ministério da Saúde, podendo uma parcela ficar indisponível nos centros de referências e nas farmácias populares, principalmente em regiões mais afastadas. 

Diferentemente das canetas, as ampolas e seringas são totalmente intercambiáveis, independente do fabricante, e têm maior disponibilidade em todo território nacional. Essas características podem conferir ao DAD um papel tanto de dispositivo reserva, em ocasiões esporádicas de falta de acesso aos insumos da caneta, quanto como substituto em casos em que o paciente, por qualquer motivo, precise migrar definitivamente da caneta para a seringa.

Em síntese, a análise dos dados mostrou que o DAD por si só, quando comparado com o método tradicional – seringa e ampola – gera um impacto orçamentário anual de R$ 1,00 por paciente, representando um acréscimo bastante reduzido, entre 0,1% e 0,9%, no custo do tratamento tradicional, não havendo outra solução que promova os benefícios propostos pelo DAD em faixas similares de custo.

Transcendendo à questão econômica, a filosofia de operação do DAD representa um passo importante no auxílio a uma parcela de pacientes que não são contemplados nem mesmo com a caneta: pacientes que realizam a auto insulinização mas apresentam reduzida acuidade visual, seja devido à idade ou a sequelas de doenças, como o próprio diabetes. Esses pacientes podem ter parte de sua independência restaurada com o uso do DAD, gerando um efeito benéfico em vários espectros da qualidade de vida.

Uma argumentação possível é a de que essa característica dose-dependente que auxilia o usuário por um lado, como citado acima, pode ser encarado como uma limitação do dispositivo, dificultando a execução de tratamentos que utilizam múltiplas doses ou estão em fase de ajuste. A capacidade de a caneta despender doses que variam de 2 UI até 80 UI, com ajustes de 1 ou 2 unidades, é um promotor de flexibilidade que o DAD não possui. Entretanto, como apresentado, considerando somente os consumíveis diários em três anos (agulha e seringa), que é o tempo de vida estimado da caneta e do DAD, o valor economizado com o uso da seringa seria equivalente ao valor de aquisição de 7 DADs de doses diferentes. Tal quantidade de DADs possibilita uma capacidade bastante significativa de ajustes de doses, diminuindo a distância entre a flexibilidade oferecida pela caneta sobre o dispositivo aqui apresentado. Além disso, diferentemente da caneta, um mesmo DAD pode ser utilizado para mais de um tipo de insulina desde que as doses sejam iguais, enquanto a caneta pode utilizar apenas um refil por vez, com o risco de violar a integridade da insulina do refil em caso de troca.  

Analisando de maneira ampla, um tratamento que facilite a aderência e o atingimento das metas glicêmicas, potencialmente, reduz também gastos indiretos inerentes ao paciente através da diminuição das internações por complicações graves. O paciente grave custa o dobro do paciente compensado, representando despesas na ordem de mais de R$ 11 mil por paciente anualmente15, reforçando a relevância de uma solução como o DAD.

Portanto, o DAD apresenta potencial como uma solução balanceada de bom custo-benefício entre a caneta e a seringa, trazendo, a um custo muito próximo do tratamento mais acessível, facilidades que até então eram incompatíveis com essa faixa de investimento. Sobressai-se ainda com relação a ambos os métodos atuais no tratamento de pacientes com baixa acuidade visual, e como dispositivo reserva, pela flexibilidade, portabilidade e custo.

5 CONCLUSÃO

As características únicas do DAD representam um potencial avanço no auxílio terapêutico para o grupo alvo do escopo deste projeto e, também, para grupos até então negligenciados pelos outros métodos, como o de pessoas com dificuldades visuais e o de pessoas que perderam o acesso à caneta. Além disso, sua aplicação como dispositivo reserva, que pode ser adquirido e armazenado – até mesmo dentro de uma carteira – facilmente, é algo inovador para o mercado. 

O estágio atingido no desenvolvimento do DAD apresentou uma solução técnica madura para os ensaios não clínicos, com definições de fabricação robustas e estimativa sólida de custo de aquisição, com valor competitivo às opções disponíveis no mercado. 

Enquanto há ainda considerável análise e preparação a serem realizadas para o início dos ensaios clínicos, a avaliação de maturidade e a avaliação econômica desse trabalho completam mais uma etapa na direção de oferecer um equipamento que atenda às necessidades SUS, ao mesmo tempo em que gere um impacto positivo na aderência e na qualidade do tratamento das populações atendidas pelo sistema – em especial as fragilizadas e vulneráveis.

REFERÊNCIAS

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3 Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes 2019-2020. Editora Clannad, 2019

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9 Banco de Preços em Saúde – Ministério da Saúde. Material: caneta de insulina, agulha para caneta, refil para caneta, seringa para insulina, ampola de insulina. Disponível em: http://bps.saude.gov.br/, acesso em 01/10/20.

10 Relatório de Recomendação da Caneta para injeção de insulina – Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, #256, 2017. 

11 A batalha por insulina com o governo brasileiro, por Vanessa Pirolo. Veja & Associação do Diabetes Juvenil, 2020. Disponível em: https://saude.abril.com.br/blog/com-apalavra/a-batalha-por-insulina-com-o-governo-brasileiro/, acesso em: 02/10/20.

12 Saúde amplia distribuição de canetas de insulina para diabéticos – Ministério da Saúde. Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&sour ce=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwiotZ_CzZvsAhXSH7kGHfocBBAQFjAAegQIBBAC&url=https%3A%2F%2Fwww. saude.gov.br%2Fnoticias%2Fagenciasaude%2F46727-saude-amplia-distribuicao-de-canetas-de-insulina-para diabeticos&usg=AOvVaw2YuHjZmNtAeG_LR607HDLO, acesso em 20/04/20.

13 Contra gasto bilionário, Saúde quer reduzir público de canetas de insulina, por Mateus Vargas – JOTA, 2019. Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&sour ce=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwiCqMq0zpvsAhWkHLkGHdjUAy0QFjACegQIBBAC&url=https%3A%2F%2Fwww.jota.info%2Ftributos-e-empresas%2Fsaude%2Finsulina-caneta-ministerio-saude-03042019&usg=AOvVaw0_yubu-pIAFAyK6MzSl-S, acesso em: 23/09/20.

14 Guyton, A.C.; Hall, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 13ª ed. Rio de Janeiro, Elsevier Ed., 2017.

15 Sociedade Brasileira de Diabetes. Abordagem da Pessoa Idosa com Diabetes 20192020. Posicionamento oficial SBD nº07/2019

16 Kaminski, P.C. Desenvolvendo produtos com planejamento, criatividade e qualidade. 1ª ed. São Paulo, Editora LTC, 2000.

17 Project Management Institute: PMBok.Disponível em: https://www.pmi.org/pmbok-guide-standards, acesso em 12/08/2018.

18 Ministério da Saúde. Manual operacional para comitês de ética em pesquisa – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Disponível em: https://conselho.saude.gov.br/biblioteca/livros/Manual_ceps.pdf, acesso em 01/06/2019.


¹Discente: Eng°. MBA. Eric Aguiar Wittlich – Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia
²Orientadora: Profª. PhD. Drª. Ana Cláudia Couto Silva – Departamento de Saúde da Família da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia.


ANEXOS 

Anexo 1: Relação custo anual / dose diária para seringa + DRD e caneta de insulina (NPH e glargina U100)