DISPLASIA VALVAR TRICÚSPIDE EM MICROPIG (SUS SCROPHA DOMESTICA)

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202411291942


Thaynan Piontkovsky Pereira1, Taiana Melo Alves2, Emmanuel José Camilo Fialho3, Nathalia Leite Barros Lima4, Vinícius Lima Brito5, Genilson Pereira Gonçalves Junior6, Bárbara Procópio da Silva Lobo7, Rafaela Pereira de Souza8, Giovanna Pestana Silva9, Alexandre José Rodrigues Bendas10


RESUMO

A displasia valvar tricúspide consiste em alteração morfológica das cúspides valvares, cordoalhas tendíneas e músculos papilares, podendo apresentar maior amplidão entre tais estruturas. Destaca-se como uma cardiopatia congênita frequente em felinos e pouco encontrada em cães. Em grandes suínos, poucos relatos são encontrados na literatura sobre esta agenesia valvar, e nenhum relato é encontrado em suínos classificados como micropigs. Um estudo retrospectivo realizado por F.S. Hsu e S.J. Du em Taiwan, identificou entre 1906 porcos necropsiados, 83 animais que possuíam alguma cardiopatia congênita, sendo 42 (34%) dos animais acometidos por displasia tricuspídea. Na idade fetal dos suínos, as valvas atrioventriculares terminam sua formação no 42º dia de vida, deixando de serem espessas a se desenvolverem finas e delgadas. As características da malformação valvar atrioventricular direita em porcos se assemelham a dos seres humanos e pequenos animais, como cães e gatos, sendo observado espessamento irregular dos folhetos; fixação dos folhetos deformados à parede ventricular; cordas tendíneas ausentes ou curtas, robustas e fundidas. O objetivo deste trabalho é relatar anomalia tricúspide em um micropig (SUS SCROPHA DOMESTICA) e suas reverberações clínicas na espécie.

Palavras-Chave: Valva; fluxo; ventrículo

ABSTRACT

Tricuspid valve dysplasia consists of morphological changes in the valve cusps, chordae tendineae and papillary muscles, which may present greater amplitude between these structures. It stands out as a common congenital heart disease in felines and rarely found in dogs. In large pigs, few reports are found in the literature about this valve agenesis, and no reports are found in pigs classified as micropigs. A retrospective study carried out by F.S. Hsu and S.J. Du in Taiwan, identified among 1,906 necropsied pigs, 83 animals that had some congenital heart disease, with 42 (34%) of the animals affected by tricuspid dysplasia. In the fetal age of pigs, the atrioventricular valves complete their formation at 42 days of life, ceasing to be thick and becoming increasingly thinner. The characteristics of right atrioventricular valve malformation in pigs are similar to those in humans and small animals such as dogs and cats, with irregular thickening of the leaflets being observed; fixation of deformed leaflets to the ventricular wall; chordae tendineae absent or short, robust and fused. The objective of this work is to report the tricuspid anomaly in a micropig and its clinical repercussions on the species.

Keywords: Valve; flow; ventricle

INTRODUÇÃO

A displasia valvar tricúspide consiste em alteração morfológica das cúspides valvares, cordoalhas tendíneas e músculos papilares, podendo apresentar maior difusão entre tais estruturas. Destaca-se como uma cardiopatia congênita frequente em felinos e pouco encontrada em cães (LARSSON, 2020). Em grandes suínos, poucos relatos são encontrados na literatura sobre esta malformação valvar, e nenhum relato é encontrado em suínos classificados como micropigs. Um estudo retrospectivo realizado por F.S. Hsu e S.J. Du em Taiwan, identificou entre 1906 porcos necropsiados, 83 animais que possuíam alguma cardiopatia congênita, sendo 42 (34%) dos animais acometidos por displasia tricuspídea. (HSU, F.S; DU, S.J, 1982). Em cães, as raças mais acometidas são Poodle, Labrador, Golden Retriever, Pastor Alemão e Weimaraner (JERICÓ; NETO; KOGIKA, 2015, LARSSON, 2020). Já em grandes suínos destaca-se: Landrace, Duroc, Jersey e Large White, como raças mais afetadas, sendo machos o gênero mais acometido (HSU, F.S; DU, S.J, 1982, Gabriel C. et al., 2021). Na idade fetal dos suínos, as valvas atrioventriculares terminam sua formação no 42º dia de vida, deixando de serem espessas para se tornarem-se delgadas. As características da malformação valvar atrioventricular direita em porcos se assemelha à dos seres humanos e pequenos animais, como cães e gatos, sendo observado espessamento irregular dos folhetos, fixação destes à parede ventricular, cordas tendíneas ausentes ou curtas, robustas e fundidas (HSU, F.S; DU, S.J, 1982). Os sinais clínicos mais evidentes em pacientes com displasia tricúspide, além da presença de um sopro holossistólico, são aqueles relacionados ao desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva direita, que culmina em ascite e em efusão pleural. Ressalta-se que o quadro congestivo se dá pela gravidade da insuficiência instalada. Exames de imagem como radiografia e ultrassonografia torácica são ferramentas auxiliares importantes para melhor elucidação do quadro do paciente enfermo, entretanto, a ferramenta de rotina, crucial para o diagnóstico dessa condição, é o ecodopplercardiograma. Atualmente, a espécie de porco em miniatura tem sido utilizada de forma crescente como modelo de pesquisas científicas, isso, devido à alta semelhança anatomofisiológica com os humanos, nos sistemas tegumentar, cardiovascular, digestório, renal, acuidade visual e estrutura ocular (BUSTARD, MCCLELLAN, 1965). Além das semelhanças com a espécie humana, o tamanho e o fácil manejo tornam esse animal um modelo de pesquisa laboratorial ideal, quando comparado com camundongos e outros pequenos animais. Em 1996 os micropigs iniciaram sua produção no território brasileiro, sendo denominados pela empresa responsável como Minipig br1 (MARIANO, 2003).

RELATO DE CASO

O objetivo deste trabalho é relatar anomalia tricúspide em um micropig e suas consequências clínicas na espécie. Foi atendido um suíno micropig de 2 meses, 3kg, com histórico de prostração e mucosas cianóticas. Em   avaliação clínica foi identificado dispneia expiratória, cianose de mucosas gengivais, abafamento cardíaco e pulmonar moderado, sopro sistólico grau IV/VI em foco tricúspide durante ausculta. O paciente foi submetido a internação e oxigenioterapia e, em poucos minutos, recobrou a coloração de mucosas para róseas, apresentando melhor grau de consciência, porém não se mantinha em estação. Radiografia torácica foi realizada, em que foi identificado cardiomegalia importante, tendo o coração ocupando 60% da área do tórax, revelando também elevação do seguimento traqueal torácico (FIGURA 1). O paciente foi submetido a ultrassonografia torácica e abdominal, os quais evidenciaram presença de líquido bicavitário (FIGURA 2). Após a estabilização, o animal foi submetido a ecodopplercardiográfia (FIGURA 3). O paciente descrito apresentava cianose de mucosas, bem como desorientação, sinais compatíveis com baixa perfusão tecidual e encefálica, causada pelo fluxo retrógrado no coração direito. Além disso, apresentava sinais de hidrotórax e ascite, identificado pela radiografia torácica e ultrassonografias torácica e abdominal, alterações hemodinâmicas que ocorrem devido à pressão hidrostática aumentada nos vasos sanguíneos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na eletrocardiografia foi visualizado ritmo sinusal, sem alterações nas ondas do traçado, porém na ecodopplercardiografia foi visualizado a presença de aumento atrioventricular direito e aumento atrial esquerdo; valva tricúspide com aspecto irregular e hiperecoico, com espessamento distribuído principalmente em região terminal dos folhetos. Também foi possível visualizar presença de fluxo regurgitante de grau importante, com gradiente de pressão de 75,66mmHg. O gradiente de pressão sistólica é a diferença de pressão entre dois pontos do sistema circulatório, durante a sístole. Por sua vez, a regurgitação tricúspide ocorre quando o fluxo sanguíneo retorna pela valva tricúspide, de modo que o gradiente de pressão apresenta correlação direta com esse refluxo valvar. A displasia tricúspide é uma anomalia congênita que apresenta uma frequência de 3,1% em cães (OLIVEIRA et al., 2011; BEIJERINK et al., 2017). De acordo com F.S Hsu e S.J Du (1982) esta alteração está presente em 34% das complicações cardíacas congênitas de grandes suínos. A hemodinâmica suína se assemelha com a dos cães e gatos, bem como humanos, sendo assim, a fisiopatogenia da doença também se pareia. Nas afecções displásicas valvar atrioventricular direita, ocorre a regurgitação sanguínea para a câmara atrial e, consequentemente, a sobrecarga de volume, isso, devido a não aposição dos folhetos valvares. Com a sobrecarga, há remodelamento atrioventricular direito, evidenciando um átrio dilatado e ventrículo hipertrofiado excentricamente, com consequentes sinais de insuficiência cardíaca direita (MACDONALD, 2006; ETTINGER; FELDMAN, 2010; LARSSON, 2020). A valva mitral também apresentava aspecto irregular e hiperecoico. As valvas semilunares não apresentavam alterações em seus folhetos, entretanto, a valva pulmonar demonstrava fluxo regurgitante, apresentando insuficiência de grau moderado. Também foi observada retificação do septo interventricular e efusões pleural e pericárdica. No que concerne à parede ventricular direita, esta encontrava-se espessada e a câmara apresentava volume aumentado. Micropigs (SUS SCROPHA DOMESTICA) ainda estão na obscuridade, quando se trata de estudos referentes aos seus acometimentos congênitos, sendo o diagnóstico definitivo dificultoso na medicina veterinária, haja vista a ausência de literatura confirmatória. Observa-se, no paciente em questão, uma displasia valvar tricúspide, entretanto, mais estudos em outros espécimes são necessários para um diagnóstico mais claro e confirmatório.

CONCLUSÃO

O mercado de Pets não convencionais cresce de forma acelerada no Brasil, de modo que, na atualidade, a espécie de porco em miniatura já se encontra em pet shops, sendo comercializados e compondo núcleos familiares, assim como cães e gatos. Tendo em vista a mudança na conjuntura de pets, a demanda por atendimentos médicos veterinários especializados aumenta diariamente. Portanto, considerando  a escassez na literatura sobre o tema abordado, o presente relato é de suma importância para estudo de enfermidades cardiológicas na espécie.

FIGURA 1: Radiografia toracoabdominal evidenciando intenso aumento de radiopacidade intrabdominal e intratorácica, compatível com ascite e efusão pleural respectivamente.

Fonte: Acervo do Pesquisador.

FIGURA 2: Imagens ultrassonográficas.

A) Janela abdominal hepatodiafragmática apresentando discreta quantidade de líquido .

B) Presença de líquido anecogênico em espaço pleural, em hemitórax esquerdo.

C) Presença de líquido anecóico em espaço pleural, em hemitórax direito.

D) Janela abdominal esplenorenal apresentando discreta quantidade de liquido anecogênico.

Fonte: Acervo do Pesquisador.

FIGURA 3: Imagens ecocardiográficas.

A) Janela paraesternal esquerda-corte apical quatro câmaras evidenciando o aspecto displásico dos folhetos valvares tricúspides (setas amarelas).

B) Janela paraesternal esquerda-corte apical quatro câmaras evidenciando aumento atrioventricular direito.

C) Janela paraesternal direita -corte transversal evidenciando retificação de septo interventricular.

D) Janela paraesternal direita-corte transversal plano papilar evidenciando função contrátil do ventrículo esquerdo.

E) Janela paraesternal esquerda-corte apical quatro câmaras evidenciando o refluxo valvar tricúspide através do mosaico de cores.

F) Janela paraesternal esquerda-corte apical quatro câmaras indicando avaliação da função contrátil longitudinal através do TAPSE.

FONTES: Acervo do pesquisador

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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