DISPARIDADES ÉTNICAS E RACIAIS EVIDENCIADAS PELA PANDEMIA DO COVID-19

 ETHNIC AND RACIAL DISPARITIES EVIDENCED BY THE COVID-19 PANDEMIC

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10938156


Cinthia Karine do Nascimento1;
Romane Klícia Coelho Ferreira Fonseca2;
Luan Victor da Silva Pinho3;
Paula Adriana de Freitas Silva4


RESUMO

Objetivo: Investigar sob a luz da ciência as disparidades étnicas e raciais, suas principais causas e o impacto em números de casos decorrentes da pandemia do Covid-19 no Brasil. Metodologia: Trata-se de uma revisão integrativa narrativa. Foram analisados artigos publicados nas bases de dados eletrônicas Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), onde foram acessados o Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica (MEDLINE), Sistema Latino-Americano e do Caribe de Informações em Ciências de Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e a Base de Dados de Enfermagem (BDENF), que abordaram a pandemia do COVID-19 e o racismo institucional. Resultados e Discussão: Foram analisados nove artigos e dois boletins da pandemia fornecido no site do Ministério da Saúde. De forma unânime, os artigos trouxeram a informação de que a pandemia embora tenha afetado a todos em nível mundial, as pessoas negras foram os mais prejudicados, sendo eles a classe social mais vulnerável a diversas mudanças que a pandemia causou. Considerações finais: Em perspectiva ao exposto, esperamos que os olhares a cerca do cenário atual de saúde e as formas como a mesma é dirigida sejam substituídas por novas políticas, desta vez com maior eficiência visando segurança na possibilidade da ocorrência de futuras pandemias.

Palavras-chave: “Covid-19”, “Desigualdades”, “Discriminação étnica”.

ABSTRACT

Objective: To investigate under the light of science the ethnic and racial disparities, their main causes and the impact on numbers of cases resulting from the Covid-19 pandemic in Brazil. Methodology: This is a narrative integrative review. Articles published in the electronic databases Virtual Health Library (BVS) were analyzed, where the Online System of Search and Analysis of Medical Literature (MEDLINE) and the Latin American and Caribbean System of Information in Health Sciences (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SCIELO) and the Nursing Database (BDENF), which addressed the COVID-19 pandemic and institutional racism were accessed. Results and Discussion: Nine articles and two bulletins of the pandemic provided on the Ministry of Health website were analyzed. Unanimously, the articles brought the information that the pandemic, although it affected everyone worldwide, black people were the most harmed, being the social class most vulnerable to several changes that the pandemic caused. Final considerations: In perspective of the above, we hope that the looks around the current health scenario and the ways in which it is directed will be replaced by new policies, this time with greater efficiency aiming at security in the possibility of the occurrence of future pandemics.

Descriptors: “COVID-19”, “Inequalities”, “Ethnic discrimination”.

1. INTRODUÇÃO

Muito tem se falado de COVID-19 desde 2020 e segundo a OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), “os coronavírus (CoV) são uma ampla família de vírus que podem causar uma variedade de condições, do resfriado comum as doenças mais graves, como a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) e a síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV)” (OPAS/OMS, 2020).

O Ministério da Saúde do Brasil (MS), em 3 de fevereiro de 2020, após o surgimento de novos casos de COVID-19 declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional em decorrência da infecção humana pelo coronavírus (SARS-CoV-2) (Brasil,2020).

Em 11 de março de 2020, mais de uma década após a última ocorrência de uma pandemia, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como tal e atingiu uma escala de alcance e letalidade muito maior do que se era imaginado segundo os conhecimentos pertinentes ao assunto naquele momento (OPAS/OMS, 2020). Conforme os dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde ao Painel Coronavírus Brasil em outubro/2023, foi registrado 37.849.919 casos de covid no Brasil, sendo esta, uma doença com elevada taxa de incidência (18011,2) e que lastimavelmente ceifou 706.142 vidas.

A pior fase da doença já passou e graças as vacinas disponibilizadas no sistema único de saúde hoje pode-se ter mais tranquilidade quanto à doença, apesar da população ainda não estar livre da ameaça do COVID-19. Os casos de contaminação pelo vírus continuam a crescer, de forma mais lenta. Analisando o Painel Coronavírus disponibilizamos no site Corona Vírus Brasil, de acesso público, entre 07/10/2023 e 21/10/2023 houve mais de 8.500 novos casos e 134 óbitos nesses 14 dias de análise, o que justifica manter algumas das medidas adotadas na prevenção da pandemia, como a higienização das mãos e cobertura vacinal em dia.

A pandemia pelo SARS-CoV-2 trouxe um dos maiores desafios em escala global e embora tenha atingido a população como um todo, pode-se observar uma discrepância quanto a raça e etnia ao avaliar a imensa lista de casos da doença e seus agravamentos, incluindo os óbitos decorrentes dessa catástrofe mundial. Uma pesquisa feita em São Paulo, o estado mais populoso do Brasil, evidenciou que as pessoas negras têm 62% mais chances de morrer de COVID-19 do que as pessoas brancas (Boserup, 2020).

Segundo Silva et al., (2023), há evidências de que as disparidades sociais e étnicas estejam fortemente ligadas ao curso da pandemia. Pessoas negras foram apontadas como grupo de vulnerabilidade social e estão mais expostas ao vírus e propensas a maior risco de complicação após a exposição, além de terem pior qualidade de atendimento nos serviços de saúde.

Com o objetivo de enfrentar as desigualdades raciais na assistência à saúde, foram criadas pelo Ministério da Saúde algumas políticas específicas, como a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra instituída pela Portaria nº 992 de 13 de maio de 2009, no qual reconhece a existência do racismo institucional e desigualdades étnico-raciais dele resultante. Essa política surgiu após muita luta dos movimentos negros organizados e prevê medidas para promover e ampliar o acesso a saúde dessa população, orientada pelos princípios e diretrizes da equidade, universalidade, integralidade e participação social (Lopes, 2021).

O racismo institucional refere-se à manutenção das desigualdades sociais por meios institucionais. Atua de forma implícita por meio de práticas discriminatórias pelas instituições e organizações sociais, colocando os discriminados em posição de inferioridade e em desvantagem ao acesso aos serviços e oportunidades, classificando-os de acordo com a cor da sua pele. Em conjunto, o racismo estrutural, é o reflexo de uma sociedade construída de forma racialmente hierárquica, tornando as crenças culturais do grupo racial dominante como normas, nas quais são usadas para julgar os demais grupos sociais (Silva, Santiago & Surita, 2023).

Mesmo sabendo da existência da deficiência de acesso a saúde pública na população negra e sua posição de vulnerabilidade perante o enfrentamento da pandemia, somente em abril/2020 após pressão dos movimentos sociais, que o Ministério da Saúde começou a incluir informações desagregadas por raça e cor nos boletins epidemiológicos (Lopes, 2021).

Deste modo, a questão norteadora deste estudo é: Disparidade étnicas e raciais na pandemia do COVID-19 – houve racismo institucional? E tem como objetivo geral investigar sob a luz da ciência as disparidades étnicas e raciais, suas principais causas e o impacto em números de casos decorrentes da pandemia do COVID-19 no Brasil. 

Considerando que as pessoas negras possuem maior risco de exposição e taxa de mortalidade por COVID-19, esse estudo se justifica pela necessidade de analisar e compreender esses fatores que causaram alto impacto e grande mortalidade, sobretudo em um grupo étnico específico, visando evidenciar os resultados para contribuir com novas decisões de gestão diante das políticas públicas e medidas de ação em saúde voltada para as populações mais vulneráveis.

2. METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, que é “um método que proporciona a síntese de conhecimento e a incorporação da aplicabilidade de resultados de estudos significativos na prática”. (SOUZA, 2010)

Para a realização deste método, Botelho, Cunha e Macedo (2011) recomendam as seguintes etapas: identificação do tema da pesquisa e elaboração de uma pergunta norteadora; seleção dos critérios de inclusão, exclusão e a busca na literatura que inclui a seleção dos descritores e estratégia de busca; definição das informações a serem extraídas dos conteúdos selecionados/categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa; interpretação dos resultados; apresentação da revisão/síntese do conhecimento.

Dessa forma foi definido a pergunta de partida: Disparidade étnicas e raciais na pandemia do COVID-19 – houve racismo institucional?

A busca dos estudos foi realizada na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), onde foram acessados o Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica (MEDLINE), Sistema Latino-Americano e do Caribe de Informações em Ciências de Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e a Base de Dados de Enfermagem (BDENF). Para seleção dos artigos na literatura, o presente estudo partiu dos descritores em ciências da saúde (DeCS): “COVID-19”, “Desigualdades”, “Discriminação étnica”. Os descritores foram combinados através dos operadores booleanos “AND” e “OR” da seguinte forma: “COVID-19″ AND “Desigualdades” OR “Discriminação étnica”.

Os critérios de inclusão selecionados para o estudo foram: Artigos publicados nos últimos 5 anos, em português, texto completo, disponíveis gratuitamente e para exclusão títulos e resumos que não respondem à pergunta norteadora, artigos duplicados, artigos pagos, monografias.

A partir da busca através da combinação dos descritores, foram encontrados 3.628 artigos no total. Após o uso dos filtros Artigos publicados nos últimos 5 anos, em português, texto completo, base de dados MEDLINE, LILACS, SCIELO, BDENF Enfermagem e disponíveis gratuitamente foram excluídos 3.506 artigos, restando 122 os quais foi realizado a leitura dos títulos e excluídos 105. Em seguida foram lidos os resumos e excluídos 8 estudos que não tinham relação com o tema dessa revisão. Assim foram selecionados 9 artigos para leitura completa que compuseram a amostra final deste estudo (figura 1). 

Fluxograma 1 – Seleção dos artigos nas bases de dados públicas para a construção do estudo.

Fonte: Elaborado pelos autores (2024)

Os artigos selecionados referentes ao tema foram lidos na íntegra, sendo realizada uma síntese da produção científica, por meio de quadro sinóptico, de forma a ordenar e avaliar o grau de concordância dos pesquisadores com relação ao problema de estudo promovendo uma síntese crítica do conhecimento, por meio da interpretação dos resultados de cada estudo, bem como discussão das informações relacionadas à temática.

Finalmente a sexta etapa desta revisão correspondeu à apresentação das informações capazes de permitir ao leitor o detalhamento dos estudos incluídos na revisão integrativa.

3. RESULTADOS

A amostra final desta revisão integrativa foi constituída de 9 publicações que compuseram um quadro sinóptico, a fim de organizar a síntese das principais informações dos estudos selecionados nessa revisão.

Quadro 01 – Belo Horizonte, 2024

Título, Autores, Ano e Local de publicaçãoPeriódicos QualisObjetivo da pesquisaMétodo da pesquisaResultado/ Resposta à questão norteadora
Ausência de raça e gênero no enfrentamento da pandemia no Brasil, Ivonete da Silva Lopes, 2021, Reciis – Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde.ISSN 1981-6278 – B1Discutir a ausência dos quesitos cor/raça e gênero nos boletins epidemiológicos da Covid-19 e como essa omissão está articulada ao modo como se operacionaliza o racismo no Brasil.Pesquisa qualitativa e exploratória dos boletins epidemiológicos da Covid-19 disponíveis no site do Ministério da Saúde.Discussão sobre a ausência das informações de raça e cor nos boletins epidemiológicos divulgados pelo Ministério da Saúde
Vulnerabilidade da população negra brasileira frente à evolução da pandemia por COVID-19, Ricardo Bruno Santos Ferreira, Climene Laura de Camargo, 2021.Revista Cuidarte.ISSN 2216-0973 – B1Analisar a vulnerabilidade da população negra brasileira frente à evolução da pandemia por COVID-19.Estudo documental, descritivo, quantitativo, realizada a partir dos boletins epidemiológicos coronavírus publicados pelo Ministério da Saúde do Brasil.A população negra foi a mais impactada durante a pandemia, devido a sua maior vulnerabilidade social e baixo acesso a serviços de saúde de qualidade 
Morbimortalidade pela Covid-19 segundo raça/cor/etnia: a experiência do Brasil e dos Estados Unidos, Edna Maria de Araújo, Kia Lilly Caldwell, Márcia Pereira Alves dos Santos, Ionara Magalhães de Souza, Patrícia Lima Ferreira Santa Rosa, Andreia Beatriz Silva dos Santos, Luís Eduardo Batista, 2020.Revista Saúde em Debate.ISSN 2358-2898 – A4Descrever a experiência do Brasil e dos Estados Unidos da América (EUA) em relação aos dados de morbimortalidade por Covid-19, segundo a raça/cor/etnia.Estudo descritivo, exploratório que buscou descrever os aspectos envolvidos no tratamento e na divulgação dos dados de morbimortalidade por Covid-19 no Brasil e nos EUA. FAnálise dos Boletins Epidemiológicos do Covid-19 desagregados por raça/cor e dados estatísticos sobre a população brasileira.
Quilombos e a luta contra o racismo no contexto da pandemia, Givania Maria da Silva, Bárbara Oliveira Souza, 2021, Brasília.Boletim de Análise Politico-Institucional.Refletir sobre a situação vivenciada no contexto atual de pandemia po causada pelo novo coronavírus nas comunidades quilombolas do Brasil.Revisão integrativa da literatura.Os quilombos e negros foram os mais prejudicados durante a pandemia, o que corrobora com as afirmações da existência do racismo institucional.
O dia em que a vida parou – Expressões da colonialidade em tempos de pandemia, Flávia Souza, 2020, Rio de Janeiro.Revista de Saúde Coletiva.ISSN 1677-752. B3Analisar e descrever as desigualdades sociais perante o enfrentamento da pandemia do COVID-19. Revisão integrativa da literatura.As medidas de prevenção e controle do Covid durante a pandemia impactou mais os negros pela instabilidade financeira e a impossibilidade de aderir as mediadas de higiene e isolamento social. 
Vulnerabilidade da população negra brasileira frente a evolução da pandemia do COVID-19, Ricardo Bruno Santos Ferreira, Climene Laura de Camargo, 2021, Salvador/Bahia.Revista Cuidarte.ISSN 2216-0973 – B1Analisar a vulnerabilidade da população negra brasileira frente à evolução da pandemia por COVID-19.Trata-se de um estudo documental, descritivo, quantitativo, realizada a partir dos boletins epidemiológicos coronavírus publicados pelo Ministério da Saúde do Brasil.Pessoas negras apresentam maior prevalência de comorbidades, tornando assim parte do grupo de risco. Associado a condições de moradia, higiene e menor acesso a saúde faz com que se tornem ainda mais vulneráveis a doença.
Racismo como determinante social da saúde no Brasil – na pandemia de COVID 19 e além, Amanda Dantas Silva, Silvia Maria Santiago, Fernanda Garanhani Surita, 2023, Campinas/São Paulo.Revista Feminina. B3Descrever o racismo e seus impactos na saúde da população negra.Análise crítica da literatura.Os negros desde sempre têm menor acesso ao s serviços de saúde, e, quando os tem, são de menor qualidade comparado aos serviços oferecidos aos brancos. O artigo também traz o conceito de racismo institucional e estrutural, discorrendo sobre o tema.
Reflexões sobre a mortalidade da população negra por COVID-19 e a desigualdade racial no Brasil, Marianny Naiara Paiva Dantas, Mercês de Fátima dos Santos Silva, Isabelle Ribeiro Barbosa, 2022, Natal/RNSaúde e Sociedade.ISSN 2525-420. B1Refletir sobre os antecedentes sociais, políticos e históricos que conduziram às discrepâncias raciais na mortalidade hospitalar da população brasileira pela covid-19.Análise crítica da literatura.A discrepância nas taxas de mortalidade entre negros e brancos durante a pandemia tem relação direta com a ineficiência das políticas públicas.
Influência da desigualdade socioeconômica na distribuição das internações e dos óbitos por COVID-19 em municípios brasileiros, Gabriela Drummond Marques da Silva, Anelise Andrade de Souza, Mônica Silva Monteiro de Castro, Wanessa Debortoli Miranda, Letícia Lemos Jardim, Romulo Paes de Souza, 2023, Brasília.RESS Revista Epidemiologia e Serviços de Saúde. A3Analisar a influência da desigualdade socioeconômica na distribuição da covid-19 nos maiores municípios brasileiros (> 100 mil habitantes), controlando, pelo efeito da infraestrutura hospitalar, comorbidades e outras variáveis.Estudo ecológico sobre internações e óbitos por covid-19 em 2020; dados de desfecho obtidos do Ministério da Saúde; a razão de incidência foi estimada via modelo linear generalizado.As maiores taxas de mortes por covid-19 ocorreram em municípios que apresentam a maioria da população não-branca e moradias com mais de duas pessoas.

4. DISCUSSÃO

O Brasil é um país composto por grandes diversidades étnicas, especialmente por três grupos étnicos, que são os indígenas, os brancos e os negros. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019 revela que a população autodeclarada preta e parda representam juntas 56,2% da população brasileira (IBGE, 2019).

Entretanto, estar na classe que representa a maioria da população não quer dizer ter acesso a melhor qualidade de vida, tampouco a garantia de ter seus direitos assegurados, tais como moradia decente, acesso à saúde, oportunidade de estudo e inclusão em um mercado de trabalho justo e com remunerações descentes. Estar fora do grupo étnico branco está ancorado a viver em uma estrutura de desigualdade, sendo o Brasil o país com mais desigualdades em todo o mundo (Silva & Souza, 2021).

Em cada parte da história brasileira, principalmente a parte “preta” dela, é marcada por muita luta e resistência social. Podemos identificar traços de desigualdades, injurias e racismo, sendo aspectos considerados socialmente aceitáveis e realizados sem escrúpulos a luz do sol por uma sociedade reprodutora de padrões raciais (Oliveira, 2020).

Quando falamos sobre saúde, a população negra é diretamente impactada devido ao racismo estrutural e institucional que se associam a piores resultados em saúde de forma geral. As pessoas negras têm menos acesso aos serviços de saúde, apresentam maior tempo de espera para atendimentos de emergência, recebem menos prescrição de analgésicos e menos tratamentos paliativos. Mulheres negras apresentam maior taxa de mortalidade e morbidade materna, recebem pior assistência durante a gestação e parto e em contrapartida, tem menos acesso aos métodos contraceptivos (Silva, Santiago & Surita, 2023).

Esses achados estão longe de serem um fato isolado, eles possuem raizes históricas presentes desde a fundação do país e orientado pelo racismo estrutural e institucional (Dantas, Silva & Barbosa, 2022).

A desigualdade social e racial no cotidiano considerado “normal” tem fortes impactos na vida das pessoas afetadas, quem dirá diante de uma ameaça mundial, terrivelmente assustadora e com potencial avassalador de destruição como foi o caso da pandemia do COVID-19.

Os primeiros relatos de casos de COVID-19 foram registrados na China, e pouco tempo depois se alastrou para todo o mundo. No Brasil, o primeiro caso de morte por COVID-19 foi notificado no estado do Rio de Janeiro, e a vítima foi Cleonice Gonçalves, uma mulher negra, de 63 anos de idade, empregada doméstica que contraiu o vírus da patroa que acabara de chegar de uma viagem à Europa (Souza, 2020). Assim como Cleonice, a maioria da população negra ocupa majoritariamente empregos informais e sem carteira assinada, o que os tornam financeiramente vulneráveis diante de tamanha incerteza socioeconômica atingida pela pandemia (Ferreira & Camargo, 2021).

Dia 16 de março de 2020 foi lançado a campanha do “Fique em casa” suspendendo as atividades e comércios não essenciais como uma forma de diminuir a transmissão frenética do vírus e minimizar o impacto incessantemente cruel de adoecimento e morte em massa. Embora essa medida tenha sido assertiva e necessária, não era de fato compatível a realidade de muitos brasileiros (Souza, 2020).

Apenas uma pequena parcela privilegiada da população tivera condições de manter seus trabalhos de forma remota, e correspondem a classe mais escolarizada e qualificada. Para que as pessoas se mantivessem isoladas, seria necessário que houvesse uma proteção social aos trabalhadores, tendo em vista que no Brasil a população mais vulnerável é composta por muitos trabalhadores informais e que executam funções nas quais não são compatíveis com o Home Office. Com a maior chance de desemprego diante de uma crise econômica gerada pela pandemia e a insegurança financeira, uma parcela significativa da população negra não conseguiu realizar o isolamento social da forma como deveria ser feita (Ferreira & Camargo, 2021).

Além da dificuldade em realizar o isolamento social, há ainda o fator geográfico que alterou fortemente o fluxo da doença. As favelas brasileiras, são ocupadas majoritariamente por pessoas negras, e formadas por conglomerados de casas sem planejamento urbano e muitas vezes sem acesso a saneamento básico e educação sanitária, que são medidas de extrema importância para o controle da doença. Desta forma essa população apresenta mais dificuldade para implementar as medidas básicas de prevenção ao vírus impostas pelo Ministério da Saúde, como lavagem constante das mãos e higienização adequada das superfícies e dos produtos provindos dos mercados (Ferreira & Camargo, 2021). Ademais, os indivíduos socialmente desfavorecidos são mais propensos a utilizarem os transportes públicos, frequentemente lotados e com alto risco de propagação viral (Silva et al., 2023).

Embora seja de conhecimento público todos esses argumentos citados, ainda sim a variável cor-raça não foi considerada pela OMS e MS como um fator de risco e essa invisibilidade custou a vida de muitos brasileiros (Lopes, 2021).

5. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

As desigualdades sociais sempre estiveram presentes na história dos brasileiros e a pandemia exacerbou as disparidades em saúde, deixando em evidência as consequências de uma lastimável sociedade onde às políticas de acesso a saúde e promoção de condições dignas a vida, não são de fato, inclusiva a todos, principalmente para a população negra, que ocupa o status de grande vulnerabilidade social (Silva, Santiago & Surita, 2023).

O estudo evidenciou de forma clara as disparidades étnicas e raciais, suas principais causas e o impacto nos números de casos de COVID-19 durante a pandemia. Assim, o enfrentamento das desigualdades sociais no Brasil, demandam políticas inclusivas, pensadas na população vulnerável de modo a garantir seu acesso aos serviços públicos e privados de saúde e bem-estar (Silva et al., 2023).

Em perspectiva ao exposto, espera-se que este estudo possa contribuir para que os olhares sejam direcionados para as desigualdades raciais que interferem no cenário atual de saúde e na forma como é dirigida. Contribuindo assim para que o racismo institucional seja confrontado com novas políticas de saúde, desta vez com maior eficiência visando maior segurança para esta população na possibilidade da ocorrência de futuras pandemias.

REFERÊNCIAS

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1Discente do Curso Superior de Enfermagem do Instituto Centro Universitário UNA Campus Belo Horizonte e-mail: cinthia.karineenfermagem@gmail.com;
2Discente do Curso Superior de Enfermagem do Instituto Centro Universitário UNA Campus Belo Horizonte e-mail: @gmail.com;
3Discente do Curso Superior de Enfermagem do Instituto Centro Universitário UNA Campus Belo Horizonte e-mail: @gmail.com;
4Docente do Curso Superior de Enfermagem do Instituto Centro Universitário UMA Campus Belo Horizonte. Mestre em Educação, Cultura e Organizações Sociais pela Fundação Educacional de Divinópolis, pós-graduada em Saúde da família (UFMG). e-mail: paulaadrianafreitas@gmail.com