REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7722966
Júlia Passo Machado Neto Viana1
Renato Santos De Almeida2
Márcia Cristina Almeida Magalhães Oliveira3
Domingos Lázaro Souza Rios4
Márcio Frâncis Pires Gonçalves5
Sérgio Queiroz Braga6
RESUMO
A obesidade desencadeia um estado de inflamação crônica que leva a alterações no metabolismo e na homeostase. O excesso de peso corporal e o processo inflamatório crônico associados a obesidade aumentam a tensão sobre o sistema vascular, podendo levar ao aparecimento de disfunções vasculares periféricas. Devido ao crescente número de indivíduos com obesidade na população e sabendo-se das recorrentes queixas compatíveis com disfunções venosas periféricas neste público, este trabalho teve como objetivo fazer uma revisão da literatura descrevendo as principais disfunções venosas periféricas relacionadas ao paciente obeso. As complicações vasculares estão entre as mais comuns, incluindo doenças arteriais e venosas periféricas. Diversos fatores de risco têm sido associados ao desenvolvimento da insuficiência venosa, incluindo a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. Os pacientes geralmente negligenciam a doença até que ela prejudique a qualidade de vida ou limite o funcionamento geral dos membros inferiores. Outras disfunções que podem ser exacerbadas pela obesidade incluem: insuficiência venosa, linfedema, edema, veias varicosas e úlceras venosas.
Palavras-chaves: Obesidade, Doenças Vasculares Periféricas, Insuficiência Venosa, Edema, Linfedema.
INTRODUÇÃO
A obesidade é uma condição clínica existente em proporções mundiais, sendo considerada um problema de saúde pública por seu alto custo de tratamentos, além de etiologicamente ser acompanhada por comorbidades limitantes, que afetam a qualidade de vida dos indivíduos (Anjos, 2006; Martins, 2018; De Figueiredo, 2021).
O sedentarismo e hábitos alimentares são apontados como fatores importantes para o desencadeamento da obesidade, sendo influenciado também por hábitos comportamentais, estado emocional, estilo de vida, além de outros fatores orgânicos como alterações hormonais e nutricionais (Carlucchi, 2013; Mendonça, 2016; Ribeiro, 2015; Florido, 2019)
A obesidade desencadeia um estado de inflamação crônica que leva a alterações no metabolismo e na homeostase. Este desequilíbrio exige do corpo constante necessidade de adaptações nos mais diversos sistemas, sendo necessárias intervenções de várias especialidades multidisciplinares da saúde para reversão do quadro (Sippel,2014; Oishi, 2016; Oishi, 2018; Oliveira, 2017; Da Silva, 2019).
O excesso de peso corporal e o processo inflamatório crônico associados a obesidade aumentam a tensão sobre o sistema vascular, podendo levar ao aparecimento de disfunções vasculares periféricas, sendo as mais frequentes: a insuficiência venosa crônica (IVC), linfedema, edema, veias varicosas, úlceras venosas, dentre outras (Nisha K, et al., 2017).
Devido ao crescente número de indivíduos com obesidade na população e sabendo-se das recorrentes queixas compatíveis com disfunções venosas periféricas neste público, este trabalho teve como objetivo fazer uma revisão narrativa descrevendo as principais disfunções venosas periféricas relacionadas ao paciente obeso.
MATERIAIS E MÉTODOS
Esta revisão foi elaborada a partir de estudos originais publicados entre 2000 e 2022, indexados em português e inglês nas bases de dados PubMed e Scielo. As palavras-chaves utilizadas para as pesquisas foram Obesidade, Doenças Vasculares Periféricas, Insuficiência Venosa, Edema e Linfedema.
Artigos e bases de dados anteriores a 2018, necessários para o esclarecimento de conceitos e confirmação de dados relativos à obesidade ou disfunções vasculares, também foram citados. Algumas pesquisas foram incluídas através da busca manual nas mesmas bases de dados citadas.
Como critérios de exclusão, artigos que tratavam sobre as resoluções cirúrgicas das disfunções vasculares no paciente obeso não foram incluídos na presente pesquisa.
RESULTADOS
Após a interação entre as palavras-chaves foram encontrados 47 artigos, sendo que, após a leitura dos títulos e resumos, 32 foram excluídos por não apresentarem relação específica com o tema e, consequentemente, 15 foram selecionados para a presente revisão. Em relação às doenças vasculares e obesidade, 4 artigos abrangeram linfedema, assim como erisipela, também com 4 trabalhos, sendo que outras alterações, tais como insuficiência venosa periférica, veias varicosas, edema e úlceras venosas foram abordadas em 7 artigos.
TÍTULO | AUTOR | ANO | REVISTA | BASE DE DADOS |
Varicose veins of the lower limbs and venous capacitance in postmenopausal women: relationship with obesity. | Iannuzzi A | 2002 | J Vasc Surg | PUBMED |
Prevalência de insuficiência venosa superficial dos membros inferiores em pacientes obesos e não obesos. | Seidel, Amélia Cristina et al. | 2011 | Jornal Vascular Brasileiro | SCIELO |
Results of surgical treatment of massive localized lymphedema in severely obese patients. | Cintra, Wilson et al. | 2014 | Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões | SCIELO |
Influence of body mass index on the frequency of lymphedema and other complications after surgery for breast cancer. | Oliveira, Riza Rute et al. | 2016 | Fisioterapia e Pesquisa | SCIELO |
Prevalência de linfedema após tratamento de câncer de mama em pacientes com sobrepeso | Paiva, Carina Batista de e Dutra, Cintia Maria da Silva | 2016 | Fisioterapia e Pesquisa | SCIELO |
Comparison of cutaneous manifestations in diabetic and nondiabetic obese patients: A prospective, controlled study. | Ozlu E et al | 2018 | North Clin Istanb | PUBMED |
Correlation of obesity e comorbid conditions with chronic venous insufficiency: Results of a single-centre study | Sandeep Mahapatra et al | 2018 | Indian J Med Res. | PUBMED |
Obesity Paradox in Patients With Deep Venous Thrombosis. | El-Menyar A, Asim M, Al-Thani H | 2018 | Clin Appl Thromb Hemost. | PUBMED |
Comorbidities as Risk Factors for Acute and Recurrent Erysipelas. | Brishkoska-Boshkovski V et al | 2019 | Open Access Maced J Med Sci. | PUBMED |
The clinical characteristics of lower extremity lymphedema in 440 patients. | Dean SM et al | 2020 | J Vasc Surg | PUBMED |
Acceptability of a structured diet and exercise weight loss intervention in breast cancer survivors living with an overweight condition or obesity: A qualitative analysis. | Beckenstein H, et al | 2021 | Cancer Rep | PUBMED |
Factors associated with acute and recurrent erysipelas in a young population: a retrospective of 147 cases. | Chamli A et al | 2021 | Tunis Med. | PUBMED |
Long-term incidence and outcomes of obesity-related peripheral vascular disease after bariatric surgery | Osama Moussa et al | 2021 | Langenbecks Arch Surg | PUBMED |
Risk factors of recurrent erysipelas in adult Chinese patients: a prospective cohort study. | Li A, Wang N, Ge L, Xin H, Li W. | 2021 | BMC Infect D | PUBMED |
Erysipelas of the leg: A cross-sectional study of risk factors for recurrence. | Hali F et al | 2022 | Ann Dermatol Venereol | PUBMED |
DISCUSSÃO
O tecido adiposo é reconhecido como órgão endócrino, devido à produção de muitas substâncias biologicamente ativas produzidas pelo adipócito, como as adipocinas, e também pela secreção das citocinas. A síntese de adipocinas inflamatórias, como IL-6 e TNF-alfa, resultam em um estado inflamatório crônico do organismo, assim como a resistência à insulina e disfunção endotelial. As adipocinas vasoativas podem ser a base das alterações de função vascular na obesidade e a leptina, que entre outros efeitos exerce influência sobre o sistema cardiovascular, é capaz de modular o tônus vascular. O estado inflamatório também se traduz nas alterações nos vasos linfáticos, na estrutura e na função do colágeno e gordura subcutânea. (DA SILVA, 2019; SERETTA ,2014)
Os efeitos prejudiciais da obesidade à saúde são numerosos e já estão amplamente demonstrados. As complicações vasculares estão entre as mais comuns, incluindo doenças arteriais e venosas periféricas. A correlação entre obesidade e morbidade vascular arterial pode ser mediada pelo aumento da inflamação endotelial e aumento da incidência de fatores de risco para aterosclerose que estão associados à obesidade: diabetes tipo 2, hipertensão e dislipidemia (MOUSSA et al, 2021).
A obesidade é reconhecidamente um fator de risco para a IVC tanto em homens quanto em mulheres. O aumento da pressão intra-abdominal causa maior resistência ao retorno venoso. Uma das principais complicações da IVC é risco do desenvolvimento de úlceras de estase. A apresentação clínica da IVC varia desde lesões assintomáticas até a associação com dermatites, como eczema, dermatite ocre e dermatolipoesclerose e, além disso, pode ocasionar edema e dor (ABBADE et al, 2005).
A compreensão das disfunções venosas presentes no paciente obeso baseia-se na inflamação crônica. Situações que elevem a pressão dentro dos vasos como o sobrepeso e obesidade, muito tempo em pé ou sentado, gestação e variações hormonais femininas, constipação, excesso de peso durante exercícios ou deficiências dietéticas são exemplos de situações que predispõe as varizes através do enfraquecimento das paredes do vaso e danificando suas válvulas (DE MOURA., et al, 2021; RAFFETTO JD, et al., 2020). Outras disfunções que podem ser exacerbadas pela obesidade incluem: insuficiência venosa, linfedema, edema, veias varicosas e úlceras venosas (NISHA K, et al., 2017).
A IVC dos membros inferiores (MMII) é a mais prevalente das doenças venosas, causando dor e desconforto no membro afetado e podem se manifestar como veias varicosas, dilatadas e tortuosas, válvulas disfuncionais e refluxo venoso. Se não tratadas adequadamente, as veias varicosas podem progredir para insuficiência venosa crônica (IVC) e levar à úlcera venosa da perna (SEIDEL et al, 2011; Raffetto e Khalil, 2021).
Diversos fatores de risco têm sido associados ao desenvolvimento da insuficiência venosa, incluindo a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. Os pacientes geralmente negligenciam a doença até que ela prejudique a qualidade de vida ou limite o funcionamento geral do membro inferior (SEIDEL et al, 2011; Raffetto e Khalil, 2021).
Para Mahapatra (2018), seus achados indicaram que pacientes idosos do sexo masculino com IMC elevado pareciam estar em maior risco de graus clínicos avançados de IVC. A IVC das extremidades inferiores está associada a uma abrangente condição clínica, variando de problemas assintomáticos até a presença de sintomas mais graves, incluindo telangiectasias, veias reticulares, varizes, edema, pigmentação e/ou eczema, lipodermatoesclerose, atrofia branca e ulceração venosa (YOUN, 2019).
Segundo Bellen et al., (2013) a obesidade, através do aumento da pressão abdominal, seria um fator que favoreceria a estase venosa, provocando alterações no fluxo venoso e, assim, os sintomas da doença vascular crônica. Estes achados corroboram com outros dados pesquisados envolvendo o aumento da pressão abdominal com as disfunções endoteliais presentes no paciente obeso (Bellen et al., 2013; Marques Lins et al., 2012; Seidel et al., 2011; Willenberg et al., 2010)
As características clínicas da IVC incluem edema, varizes e alterações na pele ou ulceração. O desconforto venoso na perna, quando este sintoma está presente, é frequentemente descrito como uma dor incômoda, latejante ou pesada, ou sensação de pressão após ficar em pé por muito tempo. Normalmente este sintoma é aliviado por qualquer medida que reduza a pressão venosa, como elevação da perna, compressão ou caminhada (YOUN, 2019).
No estudo de Osama Moussa et al (2021), nos pacientes obesos avaliados pela equipe e encaminhados para a realização da cirurgia bariátrica, a doença venosa periférica foi identificada e definida pela presença de diagnóstico de insuficiência venosa, úlcera venosa, eczema venoso ou varizes, demonstrando o amplo aspecto de manifestações clínicas a que estão expostos os pacientes obesos que apresentam disfunção vascular, devendo ser estimulado o tratamento conservador para amenizar as repercussões clínicas, sociais e emocionais destes pacientes.
Devido a sua prevalência dentro da população obesa que já está suscetível a outras comorbidades associadas, as disfunções vasculares periféricas podem persistir com uma situação clínica complexa, com quadros que evoluem de modo reservado. Dentre estas circunstâncias, a trombose venosa profunda (TVP) esta relacionada ao desgaste do endotélio vascular, sendo que a literatura descreve como sendo um dos principais fatores de risco para a trombose venosa profunda e síndrome pós-trombótica os pacientes obesos e idosos (El-Menyar, Asim e Al-Thani, 2018)
Pacientes que apresentam varizes como manifestação clínica da disfunção vascular periférica relatam maior sensibilidade no local afetado devido à distensão venosa. Nos pacientes com obstrução venosa profunda, a claudicação venosa pode estar presente, prejudicando a funcionalidade dos indivíduos. Pacientes com varizes podem também ser assintomáticos, mas podem cursar com dor caso desenvolva como complicação a tromboflebite superficial e até mesmo em sangramento (Youn, 2018).
O edema é uma característica comum das disfunções vasculares periféricas e até um terço dos casos de IVC pode causar um linfedema secundário. Na pesquisa de Dean et al., (2020), realizada com 440 pacientes com linfedema, média de peso e IMC da coorte foi de 115,8 kg e 40,2 kg/m2 preenchendo os critérios para definição de obesidade mórbida como característica do público avaliado. A associação entre a obesidade e a presença de um expressivo linfedema reduzem o retorno linfático, prejudicando a funcionalidade do indivíduo, prejudicando aspectos sociais, laborais e emocionais.
Nos casos em que a disfunção vascular progrida em classificação, seguindo as Normas de Orientação Clínica da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular – SBACV (DE MONITORIZAÇÃO, 2005) as alterações cutâneas podem estar presentes, incluindo hiperpigmentação da pele por hemossiderina, dermatite de estase e ulceração. Estas complicações, associadas a outras comorbidades, podem estar manifestas em pacientes com IMC acima de 30 kg/m2 (Youn, 2018).
Mudanças de estilo de vida e cuidados apropriados, que podem incluir tratamento com drogas alopáticas, podem retardar a progressão da doença, melhorar a qualidade de vida e provavelmente reduzir os custos de saúde (Nicolaides e Labropoulos, 2019). Estratégias clássicas como a prática de exercícios físicos e dieta devem ser mantidas no tratamento destes indivíduos (ANDRRASI et al, 2010; PANCHEVA et al, 2018). Porém são necessárias novas estratégias que aliadas às clássicas ampliem a eficácia terapêutica e agreguem benefícios para a resolubilidade da fisiopatologia que envolvem as disfunções vasculares periféricas no paciente obeso, a saber a hipertensão venosa, principalmente nos membros inferiores, ampliando a possibilidades de tratamento conservador, minimamente invasivo e com alta possibilidade de adesão pelo paciente.
CONCLUSÃO
As pesquisas no campo da obesidade são ferramentas importantíssimas a fim de nortear a prática clínica, principalmente incluindo revisões como esta que aprofunde o estado da arte com relação às disfunções vasculares periféricas especificamente no paciente obeso, tanto a nível de prevalência quanto incidência destas disfunções.
Necessita-se de ampliação no campo de pesquisas específicas para populações obesas que não tenha sido submetida à tratamento cirúrgico, incorporando ao conhecimento científico as rotinas terapêuticas conservadoras com alto poder de resolubilidade dos sintomas apresentados pelo paciente obeso portador de disfunções vasculares periféricas, como a dor, edema, varizes, manifestações cutâneas, erisipela de recorrência, linfedema, entre outras, conforme citado na presente revisão, além de novas abordagens de tratamento específico para estas populações, de modo a contemplar os tratamentos para disfunções venosas e linfáticas.
Além disso, também se faz necessário um aprofundamento das pesquisas que visem a mensuração da qualidade de vida do paciente obeso portador de doença vascular periférica (sequelas de erisipela de recorrência, convivência com tratamento do linfedema, aspecto social das manifestações cutâneas das disfunções vasculares) dentre outras abordagens que ainda permanecem carentes quanto a um olhar mais específico para a população obesa.
REFERENCIAS
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1Hospital Da Obesidade (Camaçari/Ba)
2Hospital Da Obesidade (Camaçari/Ba)
3Universidade Estadual Da Bahia (Salvador/Ba)
4Universidade Estadual Da Bahia (Salvador/Ba)
5Hospital Da Obesidade (Camaçari/Ba)
6Hospital Da Obesidade (Camaçari/Ba)