DISFUNÇÃO EXECUTIVA E SUAS IMPLICAÇÕES NOS NEURÔNIOS-ESPELHO: HIPÓTESE ETIOLÓGICA NO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249191347


Rosa Maria Braga Lopes de Moura
Luisa Helena Freitas Vaz
Monica Ferreira Rêgo
Cristiane Rodrigues da Silva
Rômulo Urquia da Costa
Rejane Magano Souza
Angélica Berwaldt
Carla Pinto Garcia
Carla Bastos
Tierri Paganelli Bender Fonseca
Stefani do Nascimento
Vinícius kercher da Silva


RESUMO

A relação que se estabelece entre o TEA e o prejuízo no sistema dos neurônios-espelho bem como nas funções executivas vem sendo apontada pelas neurociências, de forma significativa, proporcionando discussões e reflexões em direção a novos construtos teóricos e, consequentemente, novas técnicas de intervenções em prol da melhoria da qualidade de vida. Assim, o presente estudo investigou a correlação entre disfunção executiva e neurônios-espelho envolvidos nas habilidades sociais e suas implicações na gênese do TEA. Para tanto, a metodologia de investigação foi de cunho qualitativo através da revisão narrativa da literatura nas bases de dados Scielo e PubMed com os descritores neurociências, neurônios-espelho, disfunção executiva e TEA.

Palavras-chave: Disfunção Executiva; TEA; Neurociências; Neurônios-espelho. 

INTRODUÇÃO  

Nos últimos anos, muitos estudos em neurociências têm buscado compreender como o sistema nervoso está estruturado, como funciona em individuos com desenvolvimento global típico e atípico. De acordo com o DSM-5, o TEA faz parte dos chamados Transtornos Invasivos do Desenvolvimento os quais incluem ainda síndrome de Asperger, síndrome de Rett e transtorno desintegrativo da infância. Os níveis são classificados com base no nível de suporte necessário. São eles: nível 1 (autismo leve), nível 2 (autismo moderado) e nível 3 (autismo severo).  

A Associação Americana de Psiquiatria estabelece o diagnóstico do TEA enquadrado em três categorias dentro do DSM-5, são elas: Deficiência Social, Dificuldades de linguagem e comunicação e Comportamentos repetitivos e/ou restritivos. Para diagnosticar o TEA, é necessário observar a dificuldade em duas áreas: ‘Comunicação social’ e ‘Comportamentos ou interesses restritos, repetitivos e sensoriais ou apresentar características do transtorno desde cedo, mesmo que os sinais diminuam em fases mais tardias da infância.

As neurociências têm estudado a possível relação do TEA com um tipo específico de neurônios, os neurônios-espelho. Esses neurônios estão relacionados a um diverso número de comportamentos como a interação social, imitação, a linguagem e na capacidade em adotar o ponto de vista do outro, incluindo a empatia. Essas habilidades estão prejudicadas ou, até mesmo, suprimidas nos indivíduos que apresentam o TEA (RAMACHANDRAN, 2014).

Estudos independentes encontraram anormalidades da anatomia e do funcionamento em repouso do lobo temporal em pacientes autistas. Essas alterações estão localizadas bilateralmente nos sulcos temporais superiores. Essa região anatômica é de grande importância para a percepção de estímulos sociais essenciais. Além disso, estudos funcionais demonstraram hipoativação da maior parte das áreas envolvidas na percepção social (percepção de faces e voz) e cognição social (teoria da mente).

As áreas do processamento da linguagem em indivíduos com o TEA têm ativação reduzida apresentando anormalidades em circuitos cerebrais tais como: atraso no desenvolvimento maturacional dos circuitos do sistema límbico, número diminuído de células de Purkinje no cerebelo, aumento do volume do córtex frontal, dentre outros (LeDOUX, 2003). 

As áreas supramencionadas, encontram-se hipoativas no TEA durante a execução de tarefas que requerem cognição social, sugerindo um funcionamento anormal de toda a rede de pensamento do cérebro social. Essa ativação anormal do cérebro social envolve áreas envolvidas na percepção facial e de voz, bem como em tarefas de ordem social mais elevada, tais como fazer julgamentos ou inferências sobre as informações sociais. A não percepção do material social poderia estar subjacente às dificuldades de extrair estados mentais do material social o que sugere que o prejuízo da comunicação social no TEA poderia estar baseado no processamento perceptual anormal de informações socialmente relevantes (MINSHEW, 1988). 

Os neurônios-espelho foram relacionados a várias modalidades do comportamento humano tais como imitação, teoria da mente, aprendizado de novas habilidades e leitura da intenção em outros humanos (RIZZOLATTI, 2006) e a sua disfunção poderia estar envolvida com a gênese do TEA (RAMACHANDRAN, 2006).

Estudos usando ressonância magnética funcional (fMRI) demonstraram que os neurônios-espelho codificam ações como a interação social, imitação, linguagem e na capacidade em adotar o ponto de vista do outro, incluindo a empatia. Em outras palavras,  os neurônios-espelho foram relacionados ao comportamento humano tais como imitação, teoria da mente, aprendizado de novas habilidades e leitura da intenção em outros humanos e a sua disfunção poderia estar envolvida com a gênese do TEA.  

Por fim, o interesse nessa área do conhecimento justifica-se na intenção de pesquisa para a compreensão e entendimento da base neural que se estabelece entre o TEA e o prejuízo no sistema dos neurônios-espelho apontada pelas neurociências de forma significativa pois tem gerado discussões e reflexões em direção as novas técnicas de intervenções em prol da melhoria da qualidade de vida do indivíduo com TEA. Sendo assim, o foco de interesse são as pesquisas atuais da neurociência cognitiva e comportamental demostrando que os neurônios-espelho estão fortemente relacionados com nossa capacidade de aprender. Além de responder as ações dos outros – daí o nome espelho – eles podem ser a chave para descobrir como o ser humano começa a sorrir, andar e falar. Partindo da problemática supracitada, a metodologia proposta desta investigação foi de cunho qualitativo com o escopo de organizar as estratégias de acordo com a organização cerebral do indivíduo com o TEA.

EMOÇÕES: HABILIDADES SOCIAIS & NEURÔNIOS-ESPELHO

O papel das emoções na subjetividade humana é referenciado desde a antiguidade como elemento indissociável da cognição. As pesquisas em Neurociências têm demonstrado como as emoções estão implicadas de forma complexa com a cognição. 

Em respeito à etimologia e às diferentes reações físicas e mentais que produzem, o afeto (do Latim affectus, significando afligir, abalar, atingir) é definido como sendo um conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos ou paixões, acompanhadas sempre da impressão de prazer ou dor, de satisfação ou insatisfação, agrado ou desagrado, alegria ou tristeza, Emoções (do Latim emovere, significando movimentar, deslocar) são, como sua própria etmologia sugere, reações manifestas frente àquelas condições afetivas que, pela sua intensidade, mobilizam-nos para algum tipo de ação. As emoções gerenciam nossas ações e interferem em nosso aprendizado. Izquierdo (2009) afirma que “somos o que lembramos, somos aquilo que nosso cérebro faz de nós, somos aquilo que ele armazena em seu interior ao longo da vida”.

Posteriormente, Izquierdo (2010) verificou que a memória é seletiva e influenciada pela motivação e prazer sendo uma das características mais valorizadas da espécie humana: a capacidade de raciocinar, portanto, a emoção muitas é percebida como uma “anestesia” da razão. 

Maturana (2001) já afirmava que não há atividade humana que não esteja sustentada por alguma emoção. Sendo assim, as emoções perpassam de plano essencialmente biológico, para um plano de significado constituído pela cultura. 

A complexificação cerebral, ocorrida gradualmente, foi um processo fundamental para a evolução da espécie humana. Essa tem um caráter dialético, pois ao mesmo tempo em que a evolução do cérebro produziu o desenvolvimento da cultura, esta estimulou lentamente o desenvolvimento do cérebro, facilitando tanto a aptidão para aprendizagem quanto o desenvolvimento afetivo e cognitivo (PÓVOA  2005 apud MOURA,  2024b). 

Segundo LeDoux (2003 apud Moura et al., 2024), a integração de conteúdo emocional relacionada aos processos cognitivos ocorre no complexo córtex órbito-frontal (COF) e córtex pré-frontal (CPF) ventromedial. As impressões sensoriais convergem, através do COF, para o CPF ventromedial, de onde a informação sintetizada é levada às regiões do CPF dorsomedial e CPF ínfero-lateral. O sistema límbico, que atua como regulador da emoção, recebendo mensagens do córtex. Dentro da estrutura límbica existe o hipotálamo, que atua como ativador do sistema nervoso simpático. Emoções como medo, raiva, fome, sexo e sede são compreendidas pelo hipotálamo, já outras situações como raiva, prazer, dor e medo, são compreendidas pelas amídalas e o septo. 

Conforme Damásio (1996 apud Moura et al., 2024a), há três níveis de emoção, classificados em primário, secundário e de fundo. As emoções primárias, também denominadas emoções básicas, são alegria, tristeza, medo, raiva, surpresa e repugnância. As emoções secundárias ou sociais incluem embaraço, ciúme, culpa e orgulho. E as emoções de fundo são bem-estar ou mal-estar, calma ou tensão. Segundo o autor, emoção exerce influência nos processos mentais; os sistemas cerebrais destinados à emoção estão intrinsecamente ligados aos sistemas destinados à razão; e que a mente não pode ser separada do corpo.

As alterações neuropatológicas no sistema límbico (hipocampo, amígdala, corpos mamilares, giro anterior do cíngulo e núcleos do septo) e cerebelares são pequenas no tamanho e aumentadas em número por unidade de volume, portanto, atrasando o desenvolvimento maturacional. No cerebelo foi encontrado um número diminuído de células de Purkinje, especialmente no neocerebelo póstero-lateral e no córtex arquicerebelar adjacente (BAUMAN, 1991). 

A neurociência cognitiva que é um ramo da neurociência relativamente novo se encontra especificamente na compreensão dos processos cognitivos de nível superior através das tecnologias das imagens. Recentemente, as neurociências têm estudado a possível relação do TEA com um tipo específico de neurônios, os neurônios-espelho. Esses neurônios estão relacionados a um diverso número de comportamentos como a interação social, imitação, a linguagem e na capacidade em adotar o ponto de vista do outro, incluindo a empatia. Essas habilidades estão prejudicadas ou, até mesmo, suprimidas nas pessoas que apresentam o TEA (RAMACHANDRAN, 2014). 

A imitação é um mecanismo inato, comandado pelos neurônios-espelho, com isso as crianças menores de um ano já tem essa habilidade, sendo o processo de imitação fundamental para o desenvolvimento da comunicação e da interação social. Essa ação é essencial para a comunicação verbal e não verbal e encontra-se relacionada com os neurônios-espelho (RIZZOLATTI et al., 2004). 

Em estudo posterior, Rizzolatti, (2008), sugere que os neurônios-espelho desempenham uma função crucial para o comportamento humano sendo ativados quando alguém observa uma ação de outra pessoa. Além disso, o mais impressionante é o fato desse espelhamento não depender obrigatoriamente da nossa memória. Se um indivíduo realiza um movimento corporal complexo que nunca realizamos antes, os nossos neurônios-espelho identificam no nosso sistema corporal os mecanismos proprioceptivos e musculares correspondentes e tendemos a imitar, inconscientemente, aquilo que observamos, ouvimos ou percebemos de alguma forma.

Segundo o autor, os neurônios-espelho foram associados a várias modalidades do comportamento humano: imitação, teoria da mente, aprendizado de novas habilidades e leitura da intenção em outros humanos e a sua disfunção poderia estar envolvida com a gênese do autismo Além disso, considerando que a capacidade humana de abstrair a   intenção a partir da observação é considerada crucial na transmissão da cultura. Portanto, a descoberta dos neurônios-espelho é de importância fundamental para compreendermos o que nos faz diferente de outros animais, em termos cognitivos (RIZZOLATTI, 2008).

As emoções também podem ser espelhadas pois, quando vemos alguém chorar, por exemplo, nossas células refletem a expressão do sentimento que pode estar por trás das lágrimas e trazem de volta a lembrança de momentos que já vivenciamos. A essa capacidade dá-se o nome de empatia, uma das chaves para decifrar o comportamento e a socialização do ser humano. Essas células também refletem uma série de elementos da comunicação não verbal, como por exemplo, pequenas mudanças na face e no tom de voz nos ajudam a compreender o que o outro está pensando ou sentindo (RIZZOLATTI, 1998). 

Indivíduos com TEA têm grande dificuldade para se expressar, compreender e imitar sentimentos como medo, alegria ou tristeza. Por isso se fecham em um mundo particular e acabam desenvolvendo sérios problemas de socialização e aprendizado. Em consequência,  o comportamento  reflete um quadro compatível com a falha do sistema dos neurônios-espelho. Cabe ressaltar que o entendimento de ações (essencial para a tomada de atitude em situações de perigo), a imitação (extremamente importante para os processos de aprendizagem) e a empatia (a tendência em sentir o mesmo que uma pessoa na mesma situação sente, a qual é fundamental na construção dos relacionamentos) são funções atribuídas aos neurônios-espelho e são exatamente essas funções que se encontram alteradas em pessoas autistas (RAMACHANDRAN, 2014). 

A descoberta dos neurônios-espelho proporcionou uma revolução no interior das neurociências, pois possibilitou a compreensão de uma série de comportamentos típicos dos seres humanos. Essa rede específica de neurônios é ativada quando os indivíduos realizam uma ação e quando observam a mesma ação, sendo executada por outros favorecendo a base para o comportamento de imitação e empatia, no entanto, estão prejudicadas ou suprimidas, nos indivíduos com TEA (SINIGAGLIA, 2008).

Os neurônios-espelho podem explicar muitas habilidades mentais que permaneciam misteriosas e inacessíveis aos experimentos e os neurocientistas acreditam que o aparecimento e o aprimoramento dessas células propiciou o desenvolvimento de funções importantes como linguagem, imitação, aprendizado e cultura (RIZZOLATTI, 2005).  

No desenvolvimento das habilidades sociais (HS), a valência afetiva atribuída ao comportamento do outro acaba por definir alguns padrões do processamento cognitivo. Essa valência é atribuída pela observação do comportamento alheio, que pode passar pelo crivo dos neurônios-espelho, pois a identificação dessa intencionalidade do ato é processada por esse grupo de neurônios. Do ponto de vista do desenvolvimento, as crianças elegem como modelos pessoas cujos vínculos afetivos são mais estreitos. Desse modo, as crianças que têm boas HS tendem a ser mais efetivas em assumir o ponto de vista de outra pessoa e em distinguir emoções reais e dissimuladas, além de apresentar maior habilidade em linguagem e em reconhecer crenças falsas (PAPALIA, 2010; CAMINHA et al., 2011).

A ativação dos neurônios-espelho não é o único mecanismo biológico que o cérebro tem para entender as intenções inerentes nas ações dos outros, entretanto, permitem um entendimento do comportamento do outro a partir da emulação do comportamento. Dessa maneira,  os neurônios-espelho representam parte do processo de empatia, podendo ser vistos como uma espécie de indicador biológico da competência social do indivíduo (IACOBONI, 2009; FOGASSI, 2013).

 Em um modelo experimental realizado em macacos da espécie Rhesus, foram encontrados neurônios que se tornavam ativos tanto nas ações motoras feitas pelo próprio indivíduo quanto nas ações executadas pelo experimentador na área cortical F5 (área do córtex pré-motor, associada ao controle dos movimentos de mãos e boca), e por isso foram chamados de espelho. Posteriormente, os neurônios-espelho também foram identificados em humanos, localizado em largas porções do córtex pré-motor, lobo parietal rostral inferior e lobo frontal, tendo sua função correspondente à do cérebro de primatas não humanos (CASILE, 2011; DIAMOND, 2008; FOGASSI, 2013; GALLESE, 2011).

Nas últimas décadas, muitos estudos em neurociências têm demonstrado que tanto a música instrumental quanto as canções consistem em excelentes elementos para estudo das emoções, uma vez que não somente são capazes de eliciar respostas com valência positiva e negativa, mas, também e principalmente, por estas respostas serem consistentes mesmo em indivíduos de culturas diferentes. Ativações foram registradas na amígdala, no hipocampo, no giro hipocampal, na ínsula, no lobo temporal e no estriato ventral, dentre outras regiões cerebrais (BRATTICO et al. 2011; WONG et al., 2012). Indivíduos com TEA, aparentemente, possuem uma ativação menor na área pré-motora e na ínsula anterior esquerda, em relação a sujeitos com desenvolvimento típico.

DISFUNÇÃO EXECUTIVA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Associam-se ao TEA características como inflexibilidade, perseveração, foco nos detalhes ao invés do todo, dificuldade nos relacionamentos interpessoais e dificuldades no brincar. Todas elas poderiam ser explicadas por um comprometimento funcional no lobo frontal, e consequentemente, nas habilidades das funções executivas (BANDIM, 2011). 

De acordo com Ramachandran (2006), as  funções executivas abrangem um conjunto de processos comportamentais complexos que permitem ao indivíduo a realização independente e autônoma de atividades dirigidas a metas. Essas funções dependem da integridade de processos volitivos como a capacidade de estabelecer objetivos a partir da motivação e consciência de si e do ambiente. Estão relacionados a vários processos cognitivos como planejamento, organização e prevenção das ações para atingir uma meta e um desempenho efetivo, através de tomada de decisões, desenvolvimento de estratégias, estabelecimento de prioridades, controle de impulsos, auto monitoramento, auto direção e auto regulação da intensidade, do ritmo e outros aspectos qualitativos comportamentais. Além disso, envolve processos emocionais e motivacionais como a ação intencional direcionada a um objetivo planejado, uma ação produtiva baseada na capacidade de dar início, manter, modificar ou interromper um complexo conjunto de ações e atitudes integradas organizadamente.

Nos achados de Lent (2010), as funções executivas começam a desenvolver-se nos primeiros anos de vida e terminam seu processo de maturação por volta do final da adolescência, sendo responsáveis pelo processo cognitivo que inclui o planejamento e execução de atividades como controle de impulsos, iniciação de tarefas, memória de trabalho, atenção sustentada, entre outras. O desenvolvimento dessas funções durante a infância proporciona gradualmente a adequação e um melhor desempenho para a iniciação, persistência e conclusão de tarefas.

Conforme o autor supracitado, a região pré-frontal executa atividades a partir de informações provindas das regiões posteriores do córtex. É responsável pelo planejamento, pela coordenação entre a percepção e organização de diferentes movimentos, isto é, a partir de informações emocionais, atencionais e mnemônicas recebidas do sistema límbico ou do cerebelo e das regiões posteriores sensoriais. Essa região faz um planejamento de ações complexas, soluciona problemas propostos pelo ambiente, organiza e desencadeia as respostas motoras. Assim, para a realização de tarefas diárias e para um adequado convívio social, as funções executivas devem necessariamente estar íntegras, pois a identificação de respostas alternativas para a resolução de problemas reflete na adaptação ambiental do indivíduo (LENT, 2010). 

Segundo Gazzaniga (2006), as  funções executivas não são restritas apenas aos lobos frontais. Existem outras estruturas que apresentam uma ligação na execução dos comportamentos como o lobo parietal, que participa da atenção espacial, e o hipocampo, que pode ser visto como um sistema de coordenação executiva que liga representações através das áreas corticais. Ainda, existem estudos que evidenciam a cognição ligada ao cerebelo e núcleos da base, podendo estas ter uma formação em rede com o córtex pré-frontal.

As características da síndrome disexecutiva são a diminuição da autocrítica, falta de preocupação com o futuro, indiferença afetiva, diminuição ou ausência de senso crítico, irritabilidade, desinibição, impulsividade, perseverações e euforia. Também são comuns a presença de sintomas como baixa flexibilidade conceitual, excessiva rigidez comportamental, tendência a indiferença, apatia, entre outros (GAZZANIGA, 2006). 

De acordo com Klin (2006), o prejuízo das funções executivas no autismo causam dificuldades no planejamento e manutenção de um objetivo na execução de uma tarefa, podendo também gerar déficits no aprendizado por meio de feedback e uma falta de inibição de respostas irrelevantes e ineficientes. 

Para Casanova (2010), as funções executivas no TEA apresentam um déficit relevante, pois há um prejuízo na capacidade atencional, na motivação, na memória, no planejamento e execução de uma tarefa. Além disso, não coordenam a percepção recebida do meio e a coordenação de diferentes movimentos, a partir de informações recebidas do sistema límbico, cerebelo e das regiões posteriores sensoriais. Sendo assim, os achados neuropsicológicos e neuropatológicos das estruturas corticais envolvidas através da neuroimagem auxiliam na explicação dos comportamentos típicos do autismo, apesar de não poderem ser considerados como marcadores biológicos próprios do TEA.

Nos resultados de Bernier (2007), evidências nos estudos demonstraram que a perseveração, a incapacidade de planejamento para atingir metas, a inflexibilidade cognitiva e a rigidez para mudança no foco de atenção estão presentes no TEA. Assim, pode-se supor que os maneirismos e a estereotipia comportamental estão diretamente ligados a desinibição e impulsividade, pois o lobo cerebral pré-frontal parece não inibir os estímulos eferentes do sistema límbico. Do mesmo modo, a dificuldade nos relacionamentos interpessoais, a dificuldade ao brincar, a indiferença afetiva, as demonstrações inapropriadas de afeto poderiam ser explicadas pelo déficit funcional do lobo frontal.

A disfunção executiva é um comprometimento característico de indivíduos com desordens no TEA, no entanto, se tais déficits estão relacionados ao TEA ou se existe deficiência intelectual associada, ainda não está esclarecido. Este estudo examinou as funções executivas em um grupo de crianças com TEA em relação a um grupo controle com desenvolvimento típico combinado individualmente com base na idade, sexo, QI e vocabulário. Deficiências significativas na inibição de respostas prepotentes foram relatados para as crianças com TEA (MINSHEW, 1998).  

Apesar dos avanços nas pesquisas acerca dos sintomas e tratamento do TEA nos últimos anos, ainda há muito a ser descoberto sobre a etiologia desse transtorno. A compreensão neuropatológica e neuropsicológica da sintomatologia do TEA é uma área promissora e de extrema relevância para o tratamento levando-se em consideração os achados dos exames de neuroimagem das disfunções cerebrais e a semelhança com o quadro da síndrome disexecutiva, para o entendimento das lesões apresentadas e consequentemente, para um tratamento efetivo. Desta forma, o TEA relaciona-se com alterações neurológicas diversas, sendo alterações no lobo frontal uma delas, ocasionando disfunção executiva. Em contrapartida, as conclusões entre TEA e mecanismos exatos alterados no cérebro ainda são inconclusivos (KLIN, 2006). 

    As funções executivas no TEA apresentam um déficit relevante, pois há um prejuízo na capacidade atencional, na motivação, na memória, no planejamento e execução de uma tarefa. Sendo assim, os achados neuropatológicos das estruturas corticais envolvidas através da neuroimagem auxiliam na explicação dos comportamentos típicos apesar de não poderem ser considerados como marcadores biológicos próprios do TEA (CASANOVA, 2010).

    A incapacidade de planejamento para atingir metas, a inflexibilidade cognitiva e a rigidez para mudança no foco de atenção estão presentes nos pacientes com TEA. Assim, pode-se supor que a estereotipia comportamental estão ligados a desinibição e impulsividade, pois o lobo cerebral pré-frontal parece não inibir os estímulos eferentes do sistema límbico. Do mesmo modo, a dificuldade nos relacionamentos interpessoais, a dificuldade ao brincar, a indiferença afetiva, as demonstrações inapropriadas de afeto poderiam ser explicadas pelo déficit funcional do lobo frontal (BERNIER, 2007).

Diante do exposto, a compreensão neuropatológica do TEA é uma área promissora levando-se em consideração os achados de neuroimagem  das disfunções cerebrais e a semelhança com o quadro da síndrome disexecutiva para um tratamento efetivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS  

Estudos funcionais demonstraram hipoativação da maior parte das áreas envolvidas na percepção social  e cognição social (teoria da mente).  Por conseguinte, os indivíduos com o TEA apresentam atraso no desenvolvimento maturacional dos circuitos do sistema límbico, no cerebelo, aumento do volume do córtex frontal, dentre outros. Desse modo, a ativação anormal envolve áreas envolvidas na percepção tais como fazer julgamentos ou inferências sobre as informações sociais.

Estudos sugerem que as áreas do processamento da linguagem têm ativação reduzida apresentando anormalidades em circuitos cerebrais como atraso no desenvolvimento maturacional  do sistema límbico, no cerebelo bem como no  córtex frontal.

As áreas cerebrais supracitadas, são hipoativas no TEA durante a execução de tarefas que requerem cognição social, sugerindo um funcionamento anormal de toda a rede de pensamento do cérebro social. Essa ativação anormal do cérebro social envolve áreas envolvidas na percepção facial e de voz bem como em tarefas de ordem social mais elevada como fazer julgamentos ou inferências sobre as informações sociais.

 Tendo em vista as considerações supracitadas, sugere-se a correlação entre disfunção executiva e neurônios-espelho  na gênese do TEA em conformidade com os últimos avanços da neurociência cognitiva e comportamental que contribuem de maneira profícua na produção da ciência, tendo como premissa inicial, validar suas teorias com base em evidências.

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