REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102412071514
Luiz Antonio Morais
Professora Orientadora MSc: Ana Paula Falleiros
Resumo
O trabalho aborda o tema das Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) e a morte digna à luz do direito constitucional brasileiro. No contexto atual, as DAV têm despertado interesse crescente, especialmente em situações de doença terminal ou incapacidade, pois permite que indivíduos, ainda quando capazes, deixem expressas suas vontades em relação aos futuros cuidados médicos e ao prolongamento artificial da vida. A autonomia da vontade e o direito à dignidade humana são fundamentais nesse reconhecimento, garantindo o respeito à vontade dos indivíduos e sua autodeterminação em situações de saúde crítica. O objetivo do trabalho é discutir de que maneira as Diretivas Antecipadas de Vontade podem contribuir para um tratamento e morte digna, bem como trazer segurança jurídica para os profissionais da área de saúde, a família do paciente e ao próprio paciente, além de proporcionar uma morte digna. Para alcançar esse objetivo, foi realizada uma revisão bibliográfica abrangente, doutrina especializada sobre o tema. Os resultados revelam que, embora não haja uma legislação específica que regule as DAV no Brasil, diversos tribunais têm reconhecido sua validade (é preciso ter as decisões) com base nos princípios constitucionais. A conclusão do trabalho destaca a importância de uma legislação específica que regulamente as DAV, conferindo maior segurança jurídica aos envolvidos. Contudo, ressalta-se que o debate sobre as DAV e a morte digna envolve não apenas questões legais, mas também éticas, morais e sociais, exigindo uma abordagem holística e sensível para garantir o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos até o fim da vida.
Palavras–chave: Dignidade da pessoa humana. Direito constitucional. Autonomia. Diretivas Antecipadas de Vontade.
Abstract
The work addresses the topic of Advance Directives (ADV) and dignified death in light of Brazilian constitutional law. In the current context, ADs have aroused increasing interest, especially in situations of terminal illness or disability, allowing individuals to express their wishes regarding medical care and artificial life extension. The objective of the work is to analyze how Brazilian constitutional principles support the recognition and validity of ADs, considering the autonomy of the will and the right to human dignity. To achieve this objective, a comprehensive bibliographical review was carried out, including jurisprudence and specialized doctrine on the topic. The results reveal that, although there is no specific legislation that regulates AD in Brazil, several courts have recognized their validity based on constitutional principles. The autonomy of will and the right to human dignity are fundamental in this recognition, guaranteeing respect for the will of individuals and their self-determination in critical health situations. The conclusion of the work highlights the importance of specific legislation that regulates ADV, providing greater legal security to those involved. However, it should be noted that the debate on AD and dignified death involves not only legal issues, but also ethical, moral and social ones, requiring a holistic and sensitive approach to guarantee respect for citizens’ fundamental rights until the end of life.
Keywords: Dignity of human person. Constitutional right. Autonomy. Advance Directives.
INTRODUÇÃO
O princípio da dignidade da pessoa humana se encontra no centro do ordenamento jurídico brasileiro, pois constitui um dos princípios basilares por força do inciso III do art. 1º da Constituição Federal. O que se entende dignidade da pessoa humana além de presente na Carta Magna, também está prescrita no art. 1º do Declaração Universal dos Direitos Humanos. Por outro lado, a vida é um direito fundamental do indivíduo e, portanto, constitui cláusula pétrea (art. 5º da CF) e deve ser entendida de maneira genérica de modo a abranger a garantia da continuação da vida (direito de não ser morto) como também a uma existência digna (Lenza, 2009).
Considerando a dimensão da dignidade da pessoa, entende-se que é possível estabelecer também que ela deva estar presente na morte e não somente na vida, de forma que pode ser honrado os desejos individuais de cada pessoa e estabelecer sistemas que garantam a preservação da dignidade humana, mesmo nos momentos breves que antecedem a sua morte.
Assim, o presente trabalho pretende abordar a relação entre viver e morrer com dignidade, o que poderá ser tratada por meio das Diretivas Antecipadas de Vontade. Muito embora ainda não haja uma regulamentação legislativa específica sobre elas, isso de forma alguma não invalida a existência deste instituto, sua legitimidade e eficácia jurídica (Affonso, 2023).
As Diretivas Antecipadas de Vontade, como um contrato jurídico, desempenham um meio e a função de possibilitar a declaração de vontade de uma pessoa sobre os tratamentos médicos desejados, para quando não mais conseguir expressar sua vontade livremente. Isso permite que os momentos finais sejam experimentados com a mesma dignidade que anteriormente.
A falta de leis específicas não pode retirar a existência, a legitimidade e a eficácia das DAV’s como instrumento de disposição de vontade para que o indivíduo tenha uma morte sem sofrimento e digna, por tal razão há necessidade de uma legislação sobre o assunto. Embora existam críticas, é necessário possibilitar uma implementação mais consistente desse dessa modalidade de contrato jurídico para o fim da vida. Com essa proposta, não se trata de banalizar a vida exaltando a morte, e nem fazer uma apologia a antecipação da morte, mas pretende-se debater o direito das pessoas decidirem sobre qual tratamento deseja ou não quando estiverem no fim da vida, à beira de uma morte eminente.
A relevância da pesquisa se dá pela necessidade da sociedade debater e reconhecer que em casos específicos, onde as condições de vida sejam irreversíveis, ou incompatíveis com dignidade, deve ser concedida a oportunidade de disposição de vontade da pessoa que porventura tenha demonstrado interesse em ter sua vida atenuada e abreviada, por procedimento médico e que seja atendida essa manifestação de vontade, mas tudo, certamente dentro de um regramento jurídico próprio. A proposta é contribuir com estudo que amplie o debate sobre a capacidade da pessoa em decidir qual tratamento é mais adequado no final da vida, buscando assegurar não apenas uma vida digna, mas também uma morte digna.
O objetivo do estudo procura discutir de que maneira as Diretivas Antecipadas de Vontade podem contribuir para um tratamento e morte digna, bem como trazer segurança jurídica para os profissionais da área de saúde que façam parte da equipe médica multidisciplinar, responsável pelos cuidados “pré-morte” do paciente.
Para tanto, busca-se descrever como o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana pode ser aplicado na autonomia da pessoa, ao decidir sobre quais tratamentos lhe propiciem um fim de vida sem dor, citar as modalidades de Diretivas Antecipadas de Vontade, com suas definições, requisitos, cláusulas, efeitos e aplicabilidade dentro dos aspectos legais, demonstrar a necessidade de uma regulação Das Diretivas Antecipadas de Vontade sobre os tratamentos do fim da vida, a fim de resguardar a segurança jurídica dos profissionais e pacientes e enumerar as decisões do Judiciário que apontam os casos que são levados a Judicialização, por não ter legislação sobre o assunto, relacionando a necessidade da aprovação dos Projetos de Lei que tramitam sobre o assunto.
A metodologia utilizada para a elaboração deste trabalho consiste na revisão bibliográfica, por meio da qual foram levantadas as principais ideias e argumentos de autores que tratam da temática. A análise crítica do assunto tem o intuito de contribuir academicamente na discussão, considerando a incipiente quantidade de publicações sobre o tema.
DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS NO BRASIL
As teorias de Lopes, Lima e Santoro (2018, p.32-33) enfatizam que os termos direitos humanos e direitos fundamentais são características de direitos relacionados à liberdade, igualdade, solidariedade e dignidade humana. Embora os direitos básicos “sejam aqueles protegidos por um sistema legal positivo e geralmente gozem de proteção e significado especial aprimorados no nível constitucional”, direitos humanos se referem a “os direitos reconhecidos nos sistemas jurídicos nacionais, declarações e tratados internacionais.”
O art. 1º da Grande Carta enfatiza a dignidade e a cidadania humanas, constituindo, portanto, o sistema jurídico brasileiro que busca a proteção dos direitos humanos. Considerando as ideias dos autores Lopes, Lima e Santoro (2018, p. 33), quando o estado escolhe a dignidade humana como um de seus fundamentos, reconhece sua “função humana, e não o contrário, porque os seres humanos são o principal objetivo e não um meio de atividade nacional “. Da mesma forma, a cidadania constitui a base de um país democrático, porque seu exercício se baseia no gozo dos direitos humanos, isto é, vida, liberdade, segurança, igualdade, educação e direito à saúde. Finalmente, cidadania plena significa garantia de uma vida digna.
Em relação à igualdade de direitos (direitos sociais, econômicos e culturais), a CF garante a igualdade formal (art. 5º) estipulando que todos são iguais perante a lei e busca alcançar a igualdade material (art. 3º) quando prescreve os objetivos da República Federal. Por outro lado, o direito à solidariedade coloca as pessoas na vanguarda da realidade global. Nesta realidade, a proteção dos direitos humanos e do planeta exige que os indivíduos se entendam como seres humanos e assim, uma nova fusão de direitos surgiu. No geral, o escopo da proteção e libertação do cidadão é ampliado (Lopes; Lima; Santoro, 2018).
A Constituição Federal aponta como características dos direitos humanos a universalidade, indivisibilidade e interdependência. Mesmo em documentos internacionais, como o art. 5ª da Declaração dos Direitos Humanos de Viena de 1993, existe o mesmo sistema que diz: “Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter- relacionados […]”. Os ilustres Lopes, Lima e Santoro (2018) comentaram que essas características afirmam a possibilidade prática de dividir os direitos humanos porque “apenas o direito à liberdade só é possível se os direitos também forem realizados. Portanto, vice-versa “, portanto, estes devem ser entendidos de maneira completa e concomitante, para que os seres humanos possam ter uma vida digna de ser vivida.
Lopes et al. (2018, pag. 39) a afirmam que, por algumas razões, a proteção dos direitos humanos nem sempre é uma verdade estática.
Se, por um lado, os direitos básicos devem ser protegidos pelo sistema jurídico ao mesmo tempo, por outro lado, no caso de conflito com outros mesmos direitos básicos, é necessário limitar esses mesmos direitos. Uma situação que causa conflitos nos direitos básicos está relacionada ao direito de morrer com dignidade. Portanto, alguém perguntou: No caso de um conflito entre o direito à vida (ao enfrentar a morte inevitável e tentar proteger o direito à vida a todo custo) e o direito de escolher a liberdade de morte digna ao atacar.
Neste diapasão, os direitos básicos estipulados na Constituição (art. 5º § 2º) “não excluem outros direitos decorrentes do regime e os princípios adotados por ele”, o que significa que nem todos os direitos básicos estão na Constituição formalmente listado, segundo Dias2012, p. 71) admite-se que, se o intérprete for suficiente para sustentar um princípio, ele poderá criar um direito básico a partir do conflito de normas: “Isso não deve ser causado por conflito com o princípio, mas aplicando-se a proporcionalidade”
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO A VIDA
Os autores Lopes, Lima e Santoro (2018, p.39-40) discorrem que Immanuel Kant foi a primeira pessoa a expressar a dignidade humana como uma obrigação moral incondicional. É a existência de seres humanos que é seu próprio objetivo, não um meio de satisfazer seus desejos ou interesses para esse fim. “Nessa premissa, Kant afirmou que a dignidade humana tem seus parâmetros em autonomia, porque os seres humanos têm razão. O potencial é absolutamente único “e, por causa dessa condição, ele é o único que é dotado de liberdade e a única pessoa que é dotada dessa capacidade.”
Nas palavras de Dias (2012, p. 101) é muito importante enfatizar que o fundamento da democracia e do Estado de Direito não é dignidade humana, mas indica a dignidade humana, porque a palavra “humano” tem valor. Apontou que “as disposições constitucionais são para indivíduos específicos, não para a existência de ideais e abstrações”. Portanto, é necessário abandonar a interpretação autoritária do sistema constitucional que visa sacrificar os direitos “em nome dos chamados interesses coletivos”. Considero perigo esse parágrafo, pois vamos afirmar até o fim que a dignidade da pessoa é o princípio basilar, e não é pelo fato de estar no rol dos direitos e deveres do art. 5º que tem menos validade. É basilar justamente porque está dentre os princípios fundamentais (inciso III) art. 1º que tem força normativa.
O princípio da dignidade da pessoa aparece como listado no art. 1º como um dos fundamentos da República Federal do Brasil. Alguns críticos entendem que por não estar inserido no art. 5º, seria motivo, da existência de alguns casos em que a dignidade pessoal ainda está sendo violada, por exemplo, em relação à qualidade de vida de seres não humanos ou à implementação de medidas como a tortura (Tavares, 2012).
O respeito à dignidade humana é um dos parâmetros para avaliar a legalidade da ordem jurídica, além de proteger fundamentalmente os direitos da personalidade, diretamente relacionados ao reconhecimento da autonomia. Indivíduos-indivíduos têm o direito de decidir suas vidas, planos de sobrevivência e desejos. Portanto, se os direitos humanos não são respeitados e garantidos, é impossível respeitar a dignidade humana. Os indivíduos podem não ser mais sujeitos de direitos, mas apenas objetos injustos (Lopes; Lima; Santoro, 2018).
Por outro lado, o direito à vida é considerado o recurso mais alto, inviolável e básico e é necessário para que outros direitos sejam exercidos. É o que diz Moraes (2015, p. 34) “O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, porque é uma condição para a existência e o exercício de todos os outros direitos”. A vida recebe proteção não apenas na CF, mas também da Declaração de Direitos Humanos de 1948, ratificada pelo Brasil: “Todo mundo tem direito à vida, liberdade e segurança da pessoa”. Um indivíduo não pode se desfazer de sua vida ou confiar essa tarefa a terceiros, ele só tem a capacidade de gerenciar sua vida e se proteger contra agressões. É o que diz Canotilho (2000, apud Roberto, 2004, p. 4) “o direito à vida é um direito, mas não uma liberdade”.
Retomando a ideia de dignidade humana, que há muito tempo é usada sob nomes como Cícero e Immanuel Kant, a mesma está intimamente ligada ao conceito de homem como centro e ao valor e capacidade de cada pessoa de fazer suas próprias escolhas, bem como de determinar seu próprio caminho. Kant ensina que tudo tem seu preço ou dignidade. Coisas que podem ser facilmente substituídas por outras pessoas do mesmo valor têm um preço, e aquelas que não podem ser substituídas têm dignidade. Portanto, as pessoas não têm preço, mas dignidade.
Portanto, é um fim em si mesmo, e não apenas um meio para o uso perverso e irrestrito de outros. Um conceito muito completo de dignidade humana é formulado por Sarlet (2007, p. 383):
A dignidade humana possui qualidades inerentes e únicas que todos reconhecem e devem ser igualmente respeitadas e consideradas em termos de país e comunidade, o que significa que, em certo sentido, garantir que os direitos e obrigações básicos sejam complexo. Opõem-se a toda e qualquer natureza degradante e comportamento desumano, pois garantirão as condições mínimas de vida que proporcionam uma vida saudável e também proporcionam e promovem sua participação ativa e conjunta responsável em sua própria sobrevivência e vida com outras pessoas (SARLET, 2007).
Não obstante, a autonomia seja parte integrante da dignidade humana e parte ética de sua dignidade, segundo Barroso (2014, p. 71), “autonomia é a qualidade do livre arbítrio”. Autonomia enseja que uma pessoa está associada apenas aos seus próprios desejos e não aos desejos dos outros. Esta é a base para que todos façam suas próprias escolhas para ter uma vida satisfatória e boa. No entanto, a autonomia exige que três condições sejam atendidas, como disse Barroso (2014, pág. 81-82), causa que é a capacidade mental de tomar decisões informadas); a independência que é vista como ausência de coerção, falta de manipulação e privação básica.
Quando se fala em vida digna pode-se também entender e estender o conceito para os momentos que antecedem o fim dessa vida, pois não haveria razão em buscar, ter, alcançar uma dignidade em todas as fases, para quando, ao fim viver com sofrimento e angústia quando acometido de grave enfermidade sem qualquer reversão.
Nesse sentido, as pessoas são céticas em relação ao aumento do respeito ao direito à vida; portanto, mesmo diante de situações nocivas, como doenças terminais, os titulares são proibidos por exemplo, de abrir mão do direito à vida, o que prejudica a dignidade e a autonomia dessas pessoas. Brito e Rijo (2000, p. 129-130, apud Felix, 2006, p. 70):
Hoje, as pessoas entendem por unanimidade que a vida é um direito indisponível, portanto, o direito à autodeterminação de pacientes que desejam condicionar um sofrimento inútil entra em conflito com interesses públicos e valores sociais, sendo até proibido em pacientes terminais.
E a adotada por Sandra Campi (2004, p. 95 apud Nóbrega Filho, 2010, p.223)
Se pudermos ter certeza de que tentamos o melhor para viver da melhor maneira, também procuraremos e teremos o direito de morrer com o mesmo bem e dignidade. O respeito à autonomia humana deve garantir que os pacientes que fazem todos os esforços para sobreviver não causem a morte, mas também devem permitir que qualquer pessoa que esteja zangada com suas condições de vida e que sofra dores físicas e emocionais decida por si própria.
Por outro lado, deve-se também enfatizar que, embora a vida seja um direito fundamental, não é um direito absoluto, porque o próprio STF está ciente desse fato, segundo Moraes (2015, p.34), “considerando as características não absolutas da vida.
De acordo com o inciso XLVII do art.5º da Constituição Federal, nosso próprio decreto estipula as circunstâncias em que a vida possa ser relativizada, bem como de acordo com o disposto no inciso II do srt. 128 da Lei Penal, no caso de abortos por estupro.
Embora o direito à vida configure direito fundamental mais elevado, indisponível e inalienável, ele poder ser relativizado assim, como outros direitos. Em alguns casos, se o direito à vida for colocado em uma posição superior, sempre ocorrerão conflitos, o que prejudicará outros direitos e princípios, inclusive a dignidade humana.
Referida relativização se justifica, pois há vezes em que seja necessário considerar circunstâncias específicas ao aplicar os princípios do direito à vida e à dignidade humana, para que um venha a abolir o outro. Assim, necessário destacar claramente que a CF não apenas garante o direito à vida, mas também protege do direito uma vida com dignidade (Wendt, 2001).
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DO DIREITO À MORTE DIGNA
O conceito de dignidade é polissêmico, ou seja, tem diferentes significados, todos com valores éticos imbuídos. Por ser polissêmico, é utilizado na defesa de valores antagônicos como por exemplo o de caso específico de eutanásia, em que serve tanto para argumentar a favor de sua aprovação como contra a sua proibição. A dignidade humana é algo inerente a todos os seres humanos. Como prescreve o preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, O respeito pela dignidade inerente e pelos direitos inalienáveis de todos os membros da família humana é a base da liberdade, da justiça e da paz mundial.”. (Pessini, op. cit., 2008). Entretanto, quanto à ortotanásia na hora da morte e do prolongamento da angústia de um indivíduo, o que ocorre é que parece haver desejo em não se respeitar a mesma dignidade garantida nos procedimentos da vida.
Os documentos mais recentes da Unesco, relacionados ao desenvolvimento da tecnociência, da genômica e da pesquisa em seres humanos, utilizam o conceito de “dignidade humana” como fundamento da reflexão ética. Assim, a “Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos”, de 2005, cita, entre seus objetivos, “promover o respeito pela dignidade humana e proteger os direitos humanos, assegurando o respeito pela vida dos seres humanos e pelas liberdades fundamentais” (Pessini, L. op. cit., 2008). Entre os princípios fundamentais a serem respeitados, o art. 3º fala da dignidade humana e dos direitos humanos: “A dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser respeitados em sua totalidade”. (Pessini, op. cit., 2008)
Ainda segundo o padre Leo Pessini (op. cit., 2008):
Triste futuro nos aguarda se esquecermos a verdade de que as coisas têm preço, mas não as pessoas, a dignidade, e se não formos sábios no criar um mundo de dignidade humana que nos proteja há a ameaça de sermos degradados a meras cobaias ou seres instrumentais.
O ser humano, com base na defesa do direito da dignidade da pessoa humana, defendido pela própria Constituição, pode ter o direito de escolher e manter sua dignidade na hora da morte, para tanto, o sistema jurídico brasileiro deveria dar suporte à escolha da pessoa nestas situações. A concepção de dignidade da pessoa humana está ligada à possibilidade de ela conduzir sua vida e realizar sua personalidade conforme sua própria consciência, desde que não sejam afetados direitos de terceiros. Esse poder de autonomia também alcança, pelo menos em teoria, os momentos finais da vida. (Borges, 2005)
Há situações em que os tratamentos médicos se tornam um fim em si mesmos e o ser humano passa a estar em segundo plano. A atenção tem seu foco no procedimento, na tecnologia e não na pessoa que padece. Nesta situação, o paciente sempre está em risco de sofrer medidas desproporcionais, pois os interesses da tecnologia deixam de estar subordinados aos interesses do ser humano.
Neste momento,
[…] em uma época consciente, mais que nunca, dos limites do científico e das ameaças de atentado à dignidade humana, a obstinação terapêutica surge como um ato profundamente anti-humano e atentatório à dignidade da pessoa e a seus direitos mais fundamentais”. (BORGES, 2005).
Hoje, reivindica-se a reapropriação da morte pelo próprio doente. Há preocupação sobre a salvaguarda da qualidade de vida da pessoa, mesmo na hora da morte. Reivindica-se uma morte digna, o que significa: “A rejeição de se submeter a intervenções tecnológicas que apenas prolongam o sofrimento. Trata-se de um clamor pelo direito de viver uma morte digna e humana […] expressa o desejo de retomar o controle sobre sua própria morte, não como um objeto da ciência, mas como uma parte essencial da existência” (Borges, 2005).
Por isso, a base legal e ética do direito a uma morte digna é a dignidade da pessoa humana. A prolongação artificial do processo de morte é alienante, priva a pessoa de sua subjetividade e viola sua dignidade como sujeito de direitos.
Indagações polêmicas e profundas têm norteado as discussões quanto até que ponto a dignidade da pessoa é respeitada em situações limítrofes, levando a questionar como “se o prolongamento artificial da vida apenas vegetativa não representa uma manipulação que viola a dignidade humana e se certos tratamentos coativos e não necessários não ultrajam a dignidade da pessoa” (Borges, 2005).
Assim:
Se a condenação do paciente é certa, se a morte é inevitável, está sendo protegida a vida? Não, o que há é postergação da morte com sofrimento e indignidade […] se vida e morte são indissociáveis, e sendo esta última um dos mais elevados momentos da vida, não caberá ao ser humano dispor sobre ela, assim como dispõe sobre a sua vida? (Pessini, 2008).
A intervenção terapêutica contra a vontade do paciente é um atentado contra sua dignidade. A pessoa tem a proteção jurídica de sua dignidade e, para isso, é fundamental o exercício do direito de liberdade, o direito de exercer sua autonomia e de decidir sobre os últimos momentos de sua vida. Esta decisão precisa ser respeitada. Estando informado sobre o diagnóstico e o prognóstico, o paciente decide se vai se submeter ou se vai continuar se submetendo a tratamento. Ele pode decidir pelo não tratamento, desde o início, e pode também decidir pela interrupção do tratamento que ele considera inútil.
Respeitar a dignidade da vida implica reconhecer que “tratamentos” desnecessários ou ineficazes apenas prolongam a “vida biológica”, sem proporcionar nenhum outro benefício. (Borges, 2005).
A intervenção, se desejada pelo paciente, não seria uma forma de eutanásia, com provocação da morte ou aceleração desta; é o reconhecimento da morte como elemento da vida humana, já que é da condição humana ser mortal e é humano deixar que a morte ocorra sem o recurso de meios artificiais que prolonguem inutilmente a agonia.
A definição dos vocábulos inicia o entendimento sobre a diferença conceitual e prática entre eutanásia, distanásia e ortotanásia. Aliás, conceituar eutanásia torna possível entender melhor o porquê de tanta polêmica.
Para Diniz (2001), o termo tem sentido mais amplo, abrangendo outras modalidades:
O termo Eutanásia, hodiernamente passou a ser utilizado para designar a morte deliberada de uma pessoa que sofre de enfermidade incurável ou muito penosa, sendo vista como meio para suprir a agonia demasiadamente longa e dolorosa do, então chamado, paciente terminal. Porém, seu sentido ampliou-se passando a abranger o suicídio, a ajuda em nome do Bom Morrer, ou Homicídio Piedoso.
Já distanásia significa o emprego de todos os meios terapêuticos possíveis, ministrados ao paciente que sofra doença incurável e terrível agonia, de modo que tais providências possam prolongar-lhe a existência, sem a mínima certeza de sua eficácia, nem da reversibilidade do quadro, pois o fim da vida segue seu curso natural. (Dodge, 2008).
Distanásia significa prolongamento exagerado da morte de um paciente. A este respeito, o professor Leo Pessini (2008) faz a seguinte explanação:
[…] o termo também pode ser empregado como sinônimo de tratamento inútil. Trata- se da atitude médica que, visando a salvar a vida do paciente terminal, submete-o a grande sofrimento. Nesta conduta não se prolonga a vida propriamente dita, mas o processo de morrer. No mundo europeu, fala-se de “obstinação terapêutica”, nos Estados Unidos de “futilidade médica” (medical futility). Em termos mais populares a questão seria colocada da seguinte forma: até que ponto se deve prolongar o processo do morrer quando não há mais esperança de reverter o quadro? Manter a pessoa “morta-viva” interessa a quem?
Chama-se distanásia o prolongamento artificial do processo de morte, com sofrimento do doente. É uma ocasião em que se prolonga a agonia, artificialmente, mesmo que os conhecimentos médicos, no momento, não prevejam possibilidade de cura ou de melhora. É expressão da obstinação terapêutica pelo tratamento e pela tecnologia, sem a devida atenção ao ser humano. Conforme os ensinamentos de Maria Helena Diniz (2001, p. 316), “trata-se do prolongamento exagerado da morte de um paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa a prolongar a vida, mas sim ao processo de morte”.
Em oposição à distanásia, surge o conceito de ortotanásia que, etimologicamente, significa morte correta: orto = certo e thanatos = morte; significa o não-prolongamento artificial do processo de morte, além do que seria o processo natural. Conhecida também como eutanásia por omissão, indica a omissão voluntária, pelo médico, dos meios terapêuticos, visando a deixar o paciente que sofre doença incurável e terrível agonia encontrar a morte. Note-se que as três hipóteses se referem à situação em que há doença incurável e sofrimento físico insuportável, e distinguem-se uma das outras pela intenção de quem produz ou omite prevenir a morte (intenção do agente); pelo modo e pelo meio empregado, ainda que seja sempre indolor.
Os estudos e discussões que vêm sendo feitos permitem afirmar que a ortotanásia, diferentemente da eutanásia, é sensível ao processo de humanização da morte e alívio das dores e não incorre em prolongamentos abusivos com a aplicação de meios desproporcionados que imporiam sofrimentos adicionais (Pessini, op. cit.,2008). Essa discussão cresceu muito nas áreas médica e jurídica.
Para o jurista Ives Gandra Martins:
[…] o homem não tem o direito de tirar a vida do seu semelhante, mas desligar aparelhos não é matar. Não há polêmica porque não há choque nenhum com o direito canônico ou o direito natural. O direito à vida é se manter vivo com os próprios meios. (apud PESSINI, op. cit., 2008).
Na situação em que ocorre a ortotanásia, o doente já se encontra em processo natural de morte, processo este que recebe contribuição do médico no sentido de deixar que esse estado se desenvolva em seu curso natural. Apenas o médico pode realizar a ortotanásia. Entende-se que o médico não está obrigado a prolongar o processo de morte do paciente, por meios artificiais, sem que este tenha requerido que o médico assim agisse.
O médico não é obrigado a prolongar a vida do paciente contra a vontade deste. A ortotanásia é conduta atípica frente ao Código Penal, pois não é causa de morte da pessoa, visto que o processo de morte já está instalado e serviria, então, para evitar a distanásia, principalmente porque a morte é inevitável; quanto a ela, a única questão a ser colocada é “quando” e “como”, e não “se” vamos morrer.
Segundo Horta (1992, p. 220):
A medicina e a sociedade brasileira têm hoje diante de si um desafio ético, ao qual é mister responder com urgência – o de humanizar a vida no seu ocaso, devolvendo-lhe a dignidade perdida. Centenas ou talvez milhares de doentes estão hoje jogados a um sofrimento sem perspectivas em hospitais, sobretudo nas suas UTIs e emergências. Não raramente, acham-se submetidos a uma parafernália tecnológica, que não só não consegue minorar-lhes a dor e o sofrer, como ainda os prolonga e os acrescenta inutilmente. Quando a vida física é considerada o bem supremo e absoluto, acima da liberdade e da dignidade, o amor natural pela vida se transforma em idolatria. A medicina promove implicitamente esse culto idólatra da vida, organizando a fase terminal como uma luta a todo custo contra a morte.
A alta tecnologia da medicina, ao contrário do que se pode supor, tem também um outro lado, o lado Lilith, como seria possível dizer: além dos benefícios trazidos à saúde, pode acabar afetando a dignidade da pessoa humana no que se refere ao controle da morte, já que, biologicamente, o corpo humano pode ser mantido, de forma artificial, mesmo sem nenhuma perspectiva de cura ou de melhora.
Alguns procedimentos médicos, em vez de curar ou de propiciar benefícios para o doente apenas prolongam o processo de morte. Há situações em que os tratamentos se tornam um fim em si mesmos e o ser humano é simplesmente ignorado. (Borges, 2005). As discussões caminham para a apropriação da morte pelo próprio doente, com preocupação constante sobre a salvaguarda da qualidade de vida da pessoa, mesmo na hora da morte. Reivindica-se uma morte digna, o que significa:
[…] a recusa de se submeter a manobras tecnológicas que só fazem prolongar a agonia. É um apelo ao direito de viver uma morte de feição humana […] significa o desejo de reapropriação de sua própria morte, não objeto da ciência, mas sujeito da existência. (BORGES, 2005)
Apesar do conhecimento muito mais amplo do que aquele que o ser humano tinha anteriormente, a morte não se tornou um evento mais digno, já que a ampliação do conhecimento biológico e a tecnologia têm servido para tornar o morrer mais problemático; mais difícil de prever, mais difícil ainda de lidar, fonte de complicados dilemas éticos e escolhas dificílimas, geradoras de angústia, ambivalência e incertezas e que nem sempre garantem o morrer em paz. (Pessini, op. cit., 2008)
O prolongamento da vida não traz, necessariamente, imbuído em si, a qualidade de vida durante esse período, ao contrário fere justamente a dignidade da pessoa que ainda vive de forma precária. Cada vez mais se discute sobre o direito de o ser humano escolher se deseja ou não prolongar sua vida, sem ter garantias de que ela tenha qualidade. A questão que se coloca em discussão quando o assunto eutanásia é abordado é justamente a indisponibilidade da vida humana, o que ainda será assunto de calorosas controvérsias, por muito tempo. As teorias acerca da autonomia concordam quanto à essência que envolve um conceito de liberdade aliado ao de volitividade. Liberdade no sentido de isenção de qualquer influência na tomada de decisão e volitividade no sentido de capacidade de agir intencionalmente.
No Preâmbulo, o legislador da Constituição Federal, conhecida como Constituição cidadã, instituiu como objetivos primordiais da promulgação da Lei Magna assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos da sociedade brasileira: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (caput art. 5ºCF)
É indiferente para a qualificação jurídica desta conduta e para a correspondente responsabilidade civil e penal que o paciente tenha dado seu consentimento, ou mesmo implorado pela medida. O consentimento é irrelevante, juridicamente, para descaracterizar a conduta como crime. O Código Penal brasileiro não fala em eutanásia explicitamente, mas em “homicídio privilegiado”.
O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E AS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE.
Como já discorrido anteriormente, e acordo com o art.5º da CF o direito à vida é a principal condição dos direitos básicos, afinal, nenhum outro direito não pode ser considerado sem a vida. A Constituição protege toda a vida fora e dentro do útero, mas vale ressaltar que esse direito não se limita à pura sobrevivência física. Mas também a Constituição prescreve a dignidade humana como escopo para os demais direitos, ainda é óbvio que os direitos básicos envolvidos incluem o direito digno à sobrevivência em termos espirituais e materiais, isto é, o respeito por uma vida digna inclui o direito básico à sobrevivência. E direitos relacionados ao bem-estar psicológico e social (Paulo; Alexandrino, 2015).
A Constituição Federal brasileira protege a vida como um direito básico, mas as medidas de proteção previstas poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo de acordo com a necessidade ou especificardes que venha a ser tratada. Por exemplo, podemos mencionar legislação criminal que normalmente é um crime de vida, enquanto autorizamos a exclusão de causas ilegais. Nesse sentido, Lopez, Lima e San Toro (2018, pg. 47-48) enfatizaram que a própria legislação infraconstitucional prova direitos fundamentais, quando por exemplo, no caso de um conflito real, ela pode ser restringida. A única razão para comportamentos ilegais, como defesa legal e status de demanda. Isso pode ser visto a partir do princípio da coexistência da liberdade pública, ou seja, “quando entra em conflito com outros bens que também são protegidos pela Constituição, nem sempre uma boa vida humana prevalece”, mesmo que esses bens sejam isolados e em circunstâncias excepcionais.
Em uma breve análise do direito à vida, pode-se notar que esse é o princípio norteador de todos os outros direitos, que geralmente prevê a proteção da vida contra a gravidez, mas há exceções, como permitir o aborto perceptivo. Isso acontece quando a mulher engravida devido a um estupro. Em outras palavras, a própria legislação infralegal relativiza o direito à vida, o que se concluiu que esse direito não é absoluto.
Através da análise do direito à vida e do direito à liberdade, pode-se entender que o homem tem autonomia na vontade, porque, de acordo com seu próprio entendimento, ele tem a capacidade de experimentar da maneira que melhor lhe convier. A partir do direito à liberdade, é possível perceber que ela é extensa, incluindo liberdade física, liberdade de movimento e liberdade de crença, expressão de ideias etc. (Paulo; Alexandrino, 2015).
Em outras palavras, autonomia é a expressão da liberdade jurídica individual e da possibilidade de agir ou não, com o objetivo de estabelecer, modificar ou eliminar relações jurídicas (Sá; Moureira, 2012).
Mestre Dias (2012, pg.135) enfatizou, portanto, que os indivíduos “podem agir livremente sem serem prejudicados por outros” e aqueles que “têm autonomia no âmbito de estabelecer regras para si mesmos” Da mesma maneira, governe seus interesses. Esse um também é direito garantido nos artigos 1ª e 5º da Constituição Federal.
Com os avanços na área biomédica, biociência e tecnológica são desafios para as leis existentes, pois os aspectos em relação à fase terminal da vida, à sua extensão a todo custo e sem consideração pela história e experiências individuais devem ser examinados. Às vezes, ao buscar prolongar a vida, a dignidade é sacrificada e, pior ainda, a capacidade da pessoa de tomar decisões e exercer sua autonomia é minada, o que não está em linha com o propósito da dignidade humana (Affonso, 2023). O respeito à autonomia do paciente é um dos pilares da bioética e para tanto surgiram as DAVs que têm justamente a intenção de promover tratamentos alinhados com os valores da pessoa quando esta estiver impossibilitada de se manifestar em fim de vida. O enfermo, que deve ser o centro do cuidado em saúde e do ordenamento jurídico, tem o direito de receber informações sobre diagnósticos, conhecer o prognóstico e participar das estratégias de tratamento e, ainda, ter seus valores pessoais incluídos nos cuidados.
O art. 1º da Resolução nº 1995/2012 do CFM, define as diretivas antecipadas como: “o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade” (Pattela et al., 2014). Para o ordenamento jurídico a Resolução não tem força de lei, por isso é necessário que haja uma regulação via legislação, para conferir segurança jurídica sobre o tema. No Brasil, a compreensão dos profissionais sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade é um conceito que ainda não foi amplamente divulgado e permanece pouco esclarecido, já que há escassez de pesquisas sobre esse tema (Hassegawa, et al., 2019)
É possível respaldar tal entendimento com base na Constituição Federal do Brasil, que não possui vedação para a prática da autonomia da vontade quanto a disposição para tratamento e morte, mas sim o princípio fundamental da dignidade da pessoa que pode ser estendido também para morte. Trata-se de um entendimento sobre o Direito a vida, porém com a evolução da sociedade, é um tema que precisa ser revisto como já mencionado nesse estudo.
Alguns países se preocupam com a Dignidade da pessoa humana e em fornecer um bom fim a pessoas que sejam acometidos por doenças em que a Medicina ainda não encontrou uma cura ou solução para seu sofrimento. A Espanha e Austrália, em uma pesquisa realizada entre profissionais das áreas médica, advogados e estudantes, apontou que 50% deles tinham conhecimento sobre Testamento Vital, sendo favoráveis (Hassegawa et al., 2019).
De acordo com a Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM), o registro da Diretiva Antecipada de Vontade pode ser realizado pelo médico assistente na ficha médica ou no prontuário do paciente, desde que autorizado expressamente por ele. Alternativamente, isso pode ser feito por meio de um documento chamado Testamento Vital, que é a documentação das Diretivas Antecipadas de Vontade. Nesse documento, o paciente especifica os cuidados e tratamentos aos quais deseja ou não ser submetido em caso de uma doença ameaçadora à vida. É importante destacar que essas diretivas se referem à dispensa de procedimentos meramente terapêuticos ou que prolonguem o sofrimento, e não a intervenções curativas, caso o paciente não consiga expressar suas vontades. (Barbosa, 2019).
O testamento vital pode ser elaborado em qualquer cartório de notas do país e pode ser feito online. Se optar por realizar o testamento pela internet, uma videoconferência com um tabelião será agendada, e a chamada ficará gravada para o caso de algum herdeiro contestar a vontade da pessoa falecida. Em alguns casos, o paciente também pode nomear procuradores para representá-lo nesses momentos finais por meio de documentos como procurações.
Segue abaixo algumas formas de Testamento Vital, cujo documentos devem ter seu registro junto ao tabelionato de títulos e documentos.
Mandato Duradouro – Usado para designar uma pessoa de confiança do outorgante, que deverá ser consultada pelos médicos quando for necessário tomar decisões sobre os cuidados médicos ou esclarecer dúvidas sobre o testamento vital, caso o outorgante não possa mais expressar sua vontade. (Arantes Junior. 2020, p. 23-62).
Ordens de Não Reanimação – Consiste na decisão de não realizar tentativas de reanimação cardiopulmonar em pacientes em fase terminal, com perda irreversível de consciência ou que possam sofrer uma parada cardíaca que não pode ser tratada. (Bandeira, 2014.)
O principal marco normativo do qual se pode extrair a fundamentação do testamento vital é o art. 15 do Código Civil: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica”. Como se vê, o marco normativo não é expresso com relação ao testamento vital ou a documento que indique de antemão a quais tratamentos a pessoa aceita se submeter.
Assim, o testamento vital, apesar do nome, não está diretamente relacionado ao Direito das Sucessões. Enquanto o direito sucessório é de natureza patrimonial e não se refere diretamente aos direitos da personalidade em sentido estrito, o termo “testamento” é amplamente utilizado na literatura especializada sobre o assunto. Esse nome é apropriado no sentido de que o testamento vital visa garantir a expressão da vontade de uma pessoa em um momento em que ela não possa mais expressá-la devido a falecimento. No caso do testamento vital, essa incapacidade pode resultar de condições biomédicas que impossibilitem a manifestação clara da vontade. (Borges 2007, p.240)
A validade jurídica do testamento vital tem sido reconhecida por meio de atos que não possuem caráter normativo-jurídico explícito. Por exemplo, o Conselho da Justiça Federal aprovou o Enunciado nº 528 da V Jornada de Direito Civil, que afirma: “É válida a declaração de vontade, expressa em documento autêntico, também chamado de ‘testamento vital’, em que a pessoa estabelece disposições sobre o tipo de tratamento de saúde, ou a ausência de tratamento, que deseja no caso de se encontrar incapaz de expressar sua vontade”. Na justificativa para a aprovação do Enunciado, é explicado que a expressão da vontade pode ser formalizada por meio de um testamento ou qualquer outro documento autêntico.
A Resolução nº 2.217/2018 do Conselho Federal de Medicina (Código de Ética Médica) afirma expressamente, em seu art. 41, que é vedado ao médico abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Porém, o parágrafo único do mesmo dispositivo estabelece regra de exceção, nos seguintes termos:
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal (Código de Ética Médica – Res. (1931/2009))
O texto não menciona o testamento vital. Porém, a redação parece clara no sentido de apontar que a vontade do paciente, no exercício da sua autodeterminação, deve ser levada em conta nas hipóteses de doença incurável e terminal. Ademais, cabe destacar que o dispositivo está inserido no texto sob a forma de parágrafo único, de modo que possui correlação com o “caput” do art. 41. Ora, o “caput” do art. 41 da Resolução CFM nº 2.217/2018 trata da abreviação da vida paciente, ainda que a pedido. Interpretando-se sistematicamente o art. 41 do Código de Ética Médica, pode-se concluir que a abreviação da vida do paciente, apesar de vedada, é possível em casos de doença incurável ou terminal, sempre considerando à vontade expressa do paciente, respeitando assim seu Direito constitucional a Manifestação da Autonomia da Vontade.
Em 2012, o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução nº 1.995, que trata mais expressamente das diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Para a Resolução, as
diretivas constituem o “conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamento que quer, ou não receber no momento em que estiver incapacitado de expressar livre e com autonomia, sua vontade”. O texto dispõe como regra o dever do médico de respeitar as diretivas de vontade que o paciente houver indicado, afirmando, inclusive, que essas diretivas se sobrepõem até mesmo ao desejo dos familiares.
Alguns Tribunais têm reconhecido o direito de autodeterminação em relação à própria vida, por meio do testamento vital, mencionando a expressamente a Resolução CFM nº 1.995/2012. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE. ORTOTANÁSIA. Pretensão de estabelecer limites à atuação médica no caso de situação futura de grave e irreversível enfermidade, visando o emprego de mecanismos artificiais que prologuem o sofrimento da paciente. Sentença de extinção do processo por falta de interesse de agir. Manifestação de vontade na elaboração de testamento vital gera efeitos independentemente da chancela judicial. Jurisdição voluntária com função integrativa da vontade do interessado cabível apenas aos casos previstos em Lei. Manifestação que pode ser feita por meio de cartório extrajudicial. Desnecessidade de movimentar o Judiciário apenas para atestar sua sanidade no momento da declaração de vontade. Cartório Extrajudicial pode atestar a livre e consciente manifestação de vontade e, caso queira cautela adicional, a autora poderá se valer de testemunhas e atestados médicos. Declaração do direito à ortotanásia. Autora que não sofre de qualquer doença.
Observa-se, portanto, o testamento vital não foi introduzido no direito brasileiro por meio de vias legislativas tradicionais, mas por mecanismos de normatização mais periféricos (soft law), que não possuem a coercitividade esperada dos textos normativos em geral. Até o momento, o testamento vital tem sido aceito por jurisprudências esparsas, baseando-se em normativos que não possuem ampla generalidade (como as resoluções do Conselho Federal de Medicina, que criam regras mais direcionadas aos médicos) ou em interpretações do Código Civil e da teoria dos direitos da personalidade, sem um marco normativo expresso.
Embora não previstas no ordenamento jurídico brasileiro, as Diretivas Antecipadas e Vontade também não possuem vedação (Angeluci, 2019), por sua vez, o que ocorre é a judicialização dos casos, ou seja, é preciso levar ao judiciário para que se possa decidir sobre o assunto, justamente pela falta de previsão no ordenamento jurídico. No atual estágio do ordenamento jurídico brasileiro não tem legislação específica sobre Diretivas Antecipadas de Vontade e o assunto é discutido de modo contido (Carvalho; Resquetti, 2023).
Na prática, ao tratar do assunto, o que se tem por exemplo são Leis Estaduais e Resoluções que acabam por abordar o assunto, tais como a Lei 10.245/1999 (SP); Resolução no 41/1995 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), vinculado ao Ministério da Justiça; Resolução CFM 1.995/2012 (Pittelli et al., 2020).
No Congresso Nacional existem tramitando Projetos de Lei que versam sobre o tema, quais sejam:
O Projeto de Lei 6.715/2009 que visa regulamentar a aplicação da ortotanásia e prevê alterar o Código Penal (CP) para excluir de ilicitude deste tratamento:
passa a vigorar acrescido do seguinte art. 136-A:
“Art. 136-A. Não constitui crime, no âmbito dos cuidados paliativos aplicados a paciente terminal, deixar de fazer uso de meios desproporcionais e extraordinários, em situação de morte iminente e inevitável, desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão.
§ 1º A situação de morte iminente e inevitável deve ser previamente atestada por 2 (dois) médicos.
§ 2º A exclusão de ilicitude prevista neste artigo não se aplica em caso de omissão de uso dos meios terapêuticos ordinários e proporcionais devidos a paciente terminal.” (Coordenação de Comissões Permanentes – DECOM – P_5369 confere com o original autenticado PL-6715/2009)
Também, o Projeto de Lei do Senado nº 149/2018, o qual dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade sobre tratamentos de saúde; Projeto de Lei do Senado nº 267/201, que dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade acerca de cuidados médicos a serem submetidos os pacientes nas situações especificadas.; Projeto de Lei nº 352/2019, dispondo sobre o consentimento informado e instruções prévias de vontade sobre tratamento de enfermidade em fase terminal de vida, (Hassegawa, et al., 2019).
Atualmente, estamos vivenciando um aumento grande na expectativa de vida da população brasileira, por conta da baixa mortalidade geral, diminuição da fecundidade e natalidade, com o envelhecimento da população (Pattela; Alves; Loch, 2014). Contudo, isso não implica necessariamente em uma boa qualidade de vida. Os hospitais estão frequentemente ocupados por pessoas que sobrevivem apenas com o suporte de equipamentos médicos, permanecendo nessas condições por longos períodos. Em um momento em que a longevidade parece ser garantida, surge a preocupação com a qualidade de vida, ao invés da simples quantidade de anos vividos.
Também está havendo avanços constantes da ciência com as biotecnologias que têm impactado significativamente a vida humana, permitindo ao homem ter mais controle sobre a sua vida, com isso a Bioética cuida justamente desse assunto (Carvalho; Resquetti, 2023). A medicina evoluiu muito e é possível manter uma pessoa ligada a máquinas e equipamentos em estado de coma por longos períodos, passando antes deste estado de coma por dor, angústia e sofrimento e, será mantida neste estado de coma para que possa suportar a dor, até que a morte ocorra de modo natural, a isso é conhecido como distanásia (Hassegawa, et al.,2019)
No Brasil ainda é pouco explorado e esclarecido sobre a temática das Diretivas Antecipadas de Vontade com um pouco número de trabalhos. Os valores pessoais, sociais e morais mudaram ao longo do tempo, inclusive em relação ao pensamento quanto a morte, muito decorrente também do desenvolvimento da Bioética (Hassegawa et al., 2019.) A decisão de não aceitar tratamentos que mantenham a vida não deve ser interpretada como uma forma de tentativa de tirar a própria vida ou como eutanásia, mas sim um direito à morte digna.
Um estudo feito pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) mostrou que, de um total de mais de 8 mil hospitais no Brasil (8.870 de acordo com o CONASS Conselho Nacional de Secretariados de Saúde), menos de 10% disponibilizam especialistas Cuidados Paliativos, existindo apenas 177 equipes no país. Dentre estes, mais de 50% destes especialistas estão concentradas na Região Sudeste do pais e, somente 10% (cerca de 13 equipes) estão alocados nas regiões Norte e Nordeste. Além disso, segundo o ranking “Quality of Death Index”, publicado pela revista The Economist em 2015, o Brasil é considerado um dos piores países do mundo para morrer. Isso se deve ao baixo acesso a atendimento de cuidados paliativos de qualidade e ao de medicamentos para o tratamento adequado da dor.
De acordo com um estudo de 2019 que analisou várias bases de dados, a estimativa mínima de pacientes que precisarão de cuidados paliativos em 2040 será de aproximadamente 1,2 milhão de pessoas no país. Em comparação, em 2000, esse número era de 662 mil. Isso indica que, a cada ano, mais pessoas passam a necessitar de cuidados paliativos. Em maio de 2024, os dados do Ministério da Saúde mostravam que, no Brasil, havia cerca de 625 mil pessoas precisando desses cuidados naquele período.
Em termos gerais, isso representa uma queda em comparação com o ano 2000. No entanto, não podemos esquecer que a população está envelhecendo, o que levará ao aumento de pessoas necessitando desses cuidados. Isso destaca a urgência de ajustar a legislação brasileira para que essa evolução ocorra dentro do ordenamento jurídico nacional, garantindo segurança jurídica e direitos assegurados. Dessa forma, evitaremos a necessidade de judicialização de ações que só sobrecarregam ainda mais o sistema jurídico.
Com todo o exposto, a evolução legislativa é necessária para as adequações das necessidades da sociedade nos tempos atuais, pois é no meio social, como alude Hermes Lima, que “o direito surge e desenvolve-se” para consecução dos objetivos buscados pela sociedade, como, por exemplo, a manutenção da paz, a ordem, a segurança e o bem-estar comum; de modo, a tornar possível a convivência e o progresso social. Assim, o direito é fruto de uma realidade social (Freitas Bastos, 1989. p. 23). O direito, decorrente da criação humana, é direcionado de acordo com os interesses impostos pela sociedade. Tal fato torna-o dinâmico, exigindo que ele, à cada época, acompanhe os anseios e interesses da sociedade para qual foi criado.
Deste modo, verifica-se, concretamente, constante mutação dos significados dos institutos jurídicos, como manifesta Paulo Nader:
“As instituições jurídicas são inventos humanos, que sofrem variações no tempo e no espaço. Como processo de adaptação social, o direito deve estar sempre se refazendo, em face da mobilidade social. A necessidade de ordem, paz, segurança, justiça, que o direito visa a atender, exige procedimentos sempre novos. Se o direito se envelhecer, deixa de ser um processo de adaptação, pois passa a não exercer a função para qual foi criado. Não basta, portanto, o ser do direito na sociedade, é indispensável o ser atuante, o ser atualizado. Os processos de adaptação devem-se renovar, pois somente assim o direito será um instrumento eficaz na garantia do equilíbrio e harmonia socia. (Forense, 1987. p. 23)
É preciso reconhecer, porém, que, mesmo não sendo as Resoluções do Conselho Federal de Medicina normas jurídicas com força de lei, esses atos normativos têm contribuído muito para a introdução do instituto do testamento vital no direito brasileiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito do paciente de não se submeter ao tratamento ou de interrompê-lo é consequência da garantia constitucional de sua liberdade, de sua autonomia jurídica, da inviolabilidade de sua vida privada e de sua intimidade e, principalmente da dignidade da pessoa, erigida a fundamento da República Federativa do Brasil, no art. 1º da Constituição Federal. O inciso XXXV do art. 5º garante, inclusive, o direito de o paciente recorrer ao Judiciário para impedir qualquer intervenção ilícita em seu corpo contra sua vontade. A inviolabilidade à segurança envolve a inviolabilidade à integridade física e mental e, sem dúvida, isso leva à proibição, por exemplo, de intervenções não admitidas pelo paciente em sua saúde física ou mental (ou mesmo na ausência de saúde completa).
O sistema jurídico brasileiro é orientado por princípios fundamentais que expressam os valores acolhidos pela sociedade. A presença destes valores é mais evidente para a população em geral nas situações que envolvem bens jurídicos de maior relevância, como a vida. A eutanásia sempre foi considerada conduta ilícita no Direito brasileiro. É crime e, por isso, o consentimento do paciente para a prática da eutanásia ou a motivação piedosa não retiram a ilicitude do ato, nem exoneram de culpa quem a prática.
É necessário refletir sobre o grau de autonomia jurídica que a pessoa tem quanto ao processo de morte. Afastando-se a eutanásia (como ideia de facilitação da morte ou de supressão da vida), a ideia de morte digna permite à pessoa a autodeterminação e o respeito aos últimos momentos de sua vida. O reconhecimento da autonomia nesses momentos é imprescindível para a garantia da dignidade da pessoa humana. Deve-se compreender que a dignidade da pessoa humana não é um conceito objetivo, absoluto, geral, possível de ser abstraído em padrões morais de conduta e de serem impostos a todas as pessoas.
Muito há a se discutir sobre a questão do “morrer com dignidade” e este pequeno ensaio apenas a introduz. Nesse campo, há mais perguntas que respostas, quer a respeito do que se entende por “dignidade”, quer a respeito do próprio “processo do morrer”. A preocupação com o respeito à vontade individual de como encarar e passar pelo processo inevitável, que é a morte, é assunto atual e personalíssimo, embora ao se falar em vida e morte, esbarre-se sempre nos preceitos religiosos (a vida é um empréstimo que Deus faz ao ser humano) e jurídico (a vida, pertence, em análise, ao Estado), mas em momento algum se pode esquecer que a defesa da dignidade do ser humano está presente tantos nos preceitos religiosos quanto nos jurídicos.
Assim, discutir é descobrir quais direitos o ser humano tem em optar pela dignidade também na hora da morte e perpetuar o direito que este mesmo ser humano tem de exigir e lutar por dignidade durante toda a sua vida. É necessário refletir sobre o grau de autonomia jurídica que a pessoa tem quanto ao processo de morte, principalmente porque eutanásia é um assunto complexo e nem todas as questões podem ser respondidas.
Longe de emitir opinião definitiva sobre o instituto em questão, as argumentações expostas objetivam conduzir à minuciosa análise, visando à possível tomada de posição, sendo certo que a discussão ainda está em seu início. A cultura brasileira não é mais avançada do que aquelas que ainda não ousaram legalizar a eutanásia, por motivos diversos: desde incompatibilidades religiosas, até receios de utilização por motivos egoístas, com base em aproveitamento econômico (o que lucrar com a morte de alguém ou o que deixar de gastar, sem contar com o fato de se ver liberado de cuidar de alguém que “está à espera da morte”).
REFERÊNCIAS
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