DIREITO PENAL: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUA APLICABILIDADE PELO DELEGADO DE POLÍCIA NO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10205002


Renato Ribeiro da Silva1
Wanderson Rocha Leite2


RESUMO

O presente estudo visa apresentar uma questão de grande impacto: a aplicação do princípio da insignificância pelo delegado de polícia. Outrossim, é imprescindível destacar os efeitos de sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro e compreender em que circunstâncias essa aplicação é viável nos termos legais. Nesse contexto, o problema a abordado de maneira descritiva será: por qual motivo a aplicação do princípio da insignificância pelo delegado de polícia no Brasil não é, de fato, consolidade na jurisprudência? Nesse âmbito, o objetivo geral deste estudo é analisar e contextualizar a necessidade da aplicação do princípio bagatelar como forma de desobstrução do sistema jurídico. Ademais, são objetivos específicos: compreender como o crime é definido, explicar as atribuições do delegado de polícia no Brasil e, além disso, verificar os obstáculos existentes que impedem a aplicação legal do princípio pela autoridade policial. Nesse segmento, a metodologia utilizada se dará a partir de uma abordagem qualitativa, com pesquisas bibliográficas e documentais para enriquecer os procedimentos e técnicas, incluindo revisão de livros e artigos publicados sobre o tema, bem como uma análise refinada, de caráter descritivo e explanatório, com o fim de transigir uma exploração extensa e consistente da temática do estudo em questão. Perante o exposto, presume-se que este artigoassegure uma ampliação qualitativa ao Sistema Judiciário Brasileiro, uma vez que além de destacar as falhas motivadas pela morosidade do sistema, representa também um mecanismo significativo para agilizar o sistema jurídico, especialmente em casos de baixa relevância, onde a autoridade policial desempenha um papel fundamental na identificação e resolução de casos. Assim, a avaliação copiasa das responsabilidades da autoridade policial e da necessidade da aplicação do princípio como forma de reduzir a morosidade na persecução penal, podem contribuir para redução de despesas estatais e para a adoção de práticas preventivas que mitiguem essa problemática.

Palavras-Chave:Princípio da Insignificância. Tipicidade Material. Delegado de Polícia.

1 INTRODUÇÃO

No cenário jurídico brasileiro, a aplicação do princípio da insignificância tem se mostrado uma temática de considerável relevância, especialmente quando analisada sob a perspectiva do delegado de polícia. Este profissional, detentor de atribuições cruciais na condução das investigações criminais, desempenha um papel central na definição de estratégias e na adoção de medidas que influenciam diretamente o desdobramento dos processos penais. Diante desse contexto, o presente artigo visa analisar e contextualizar a necessidade da aplicação do princípio bagatelar como uma ferramenta eficaz na desobstrução do sistema jurídico brasileiro.

O problema central que motiva esta pesquisa reside na constatação de que, apesar da previsão legal do princípio da insignificância, a sua aplicação pelo delegado de polícia enfrenta resistências e inconsistências no ambiente jurídico brasileiro. A despeito de ser reconhecido como um mecanismo apto a filtrar condutas de ínfima relevância penal, sua implementação, sobretudo nas fases iniciais da persecução penal, carece de consenso e uniformidade na jurisprudência.

O objetivo geral deste estudo consiste, portanto, em analisar e contextualizar a necessidade da aplicação do princípio bagatelar pelo delegado de polícia como uma ferramenta eficaz na desobstrução do sistema jurídico brasileiro. Para alcançar esse propósito, delinearam-se objetivos específicos que compreendem a análise da definição do crime, a explanação e exemplificação das atribuições do delegado de polícia no Brasil, bem como a identificação dos obstáculos que obstam a aplicação legal do princípio pela autoridade policial.

A metodologia empregada nesta pesquisa adota uma abordagem qualitativa, fundamentada em extensas pesquisas bibliográficas e documentais. A revisão de livros e artigos publicados nacionalmente sobre o tema proporciona uma base teórica robusta para análise, enquanto uma abordagem descritiva e explanatória refina a compreensão da complexidade envolvida na aplicação do princípio da insignificância. A ênfase na análise qualitativa busca promover uma exploração extensa e consistente da temática em questão

Neste contexto, destaca-se o foco deste artigo na avaliação cuidadosa das responsabilidades da autoridade policial e na necessidade premente da aplicação do princípio da insignificância. A argumentação visa não apenas oferecer uma compreensão aprofundada das nuances legais, mas também destacar como essa abordagem pode contribuir para a redução da morosidade na persecução penal, promovendo, por conseguinte, a diminuição de despesas estatais e a implementação de práticas preventivas. A pesquisa, assim, busca lançar luz sobre um tema complexo, oferecendo subsídios para reflexões críticas e propondo alternativas que possam fortalecer o papel do delegado de polícia na busca por uma justiça mais eficaz e eficiente.

2 METODOLOGIA

          A metodologia científica é um conjunto de princípios, técnicas e ferramentas utilizados pelos cientistas para realizar pesquisas e investigações de forma sistemática, objetiva e confiável. É um processo que busca entender o mundo natural, formular questões, coletar evidências, analisar dados e chegar a conclusões baseadas em evidências empíricas.

          Segundo os conceitos de Gerhardt (2009 p. 99), os procedimentos metodológicos devem:

[…] Fornecer o detalhamento da pesquisa. Caso o leitor queira reproduzir a pesquisa, ele terá como seguir os passos adotados; esclarecer os caminhos que foram percorridos para chegar aos objetivos propostos; apresentar todas as especificações técnicas materiais e dos equipamentos empregados; indicar como foi selecionada a amostra e qual o seu percentual em relação à população estudada; apontar os instrumentos de pesquisa utilizados (observação, questionário, entrevista, etc.); mostrar como os dados foram tratados e como foram analisados. (GERHARDT, 2009 p. 99).

A investigação científica depende de um “conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos” (Gil, 1999, p.26) de modo que os seus interesses sejam logrados com êxito.

          O presente artigo está sendo realizado por meio de uma pesquisabibliográfica, denominada também como revisão de literatura, definidos por Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos em fundamentos de metodologia cientifica, datado de 2003, como um agrupamento e seleção de documentos e publicações em relação a temática escolhida. Para a revisão de literatura ter um grande embasamento e importante fundamentação teórica, é necessário reunir dados de normas, leis, noticiais, pesquisas, artigos, teses e literaturas jurídicas, por exemplo.           A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza, segundo Severino (2007), a partir do:

[…] Registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc. Utilizam-se dados de categorias teóricas já trabalhadas por outros pesquisadores e devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir de contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos textos. (SEVERINO, 2007, p.122)

Do ponto de vista dos procedimentos técnicos (Gil, 1991), a pesquisa pode ser bibliográfica quando elaborada a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e, atualmente, material disponibilizado na Internet.

          O objetivo artigo é fazer com que o pesquisador entre em contato com vários pensamentos relevantes sobre o tema e compreenda o fenômeno e as abordagens que o envolvem.

3 BREVE CONTEXTO HISTÓRICO MUNDIALDO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

O princípio da insignificância, também conhecido como princípio bagatelar, tem raízes históricas profundas que remontam ao desenvolvimento do direito penal em diferentes contextos jurídicos ao redor do mundo. Embora não seja exclusivo de uma única tradição legal, sua evolução e aceitação variaram significativamente ao longo da história.

No contexto histórico mundial, é possível identificar influências desse princípio em diferentes sistemas jurídicos, cada um moldado por suas próprias tradições, valores e necessidades sociais. A ideia subjacente ao princípio da insignificância é a de que o sistema jurídico não deve se ocupar com condutas de mínima relevância, focando seus recursos e esforços em questões mais substanciais e impactantes para a sociedade. No direito romano, por exemplo, observamos uma premissa semelhante na noção de “minimis non curat praetor” (o pretor não se preocupa com coisas mínimas). Nesse contexto, a justiça romana estava ciente da necessidade de evitar uma excessiva intervenção do Estado em assuntos triviais. Essa abordagem reflete uma preocupação com a proporcionalidade e a racionalidade na aplicação do direito penal. Dessa forma, o moderador do direito ACKEL FILHO salienta que:

Não se pode negar que o princípio já vigorava no Direito Romano, onde o pretor não cuidava de modo geral de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima contida do brocardo minimis no curat praetor. De lá para cá, o princípio substituiu, embora sem que lhe tivesse sido dado o merecido destaque, o que só agora vem acontecendo, a partir de seu moderno enfoque dado por inúmeros juristas europeus. (FILHO, 1988, p. 72-77).

Na tradição do direito continental europeu, o princípio da insignificância foi gradualmente desenvolvido, principalmente através da contribuição de juristas e decisões judiciais. No início do século XX, o jurista alemão Franz von Liszt defendia a ideia de que o direito penal deveria se concentrar nas condutas socialmente perigosas, excluindo aquelas de mínima importância. Essa perspectiva foi um precursor do que mais tarde seria reconhecido como o princípio da insignificância. Não obstante, a linha de pensamento contemporânea aplicada pela maioria dos pensadores do direito versa que a origem do princípio da insignificância é a idealizada pelo jurista alemão Claus Roxin de 1964, em sua obra “Política Criminal y Sistema Del Derecho Penal”, citando o sistema penal alemão:

O aspecto histórico recente do Princípio da Insignificância é indiscutivelmente atribuído a Claus Roxin, que o formulou no ano de 1964 como fundamento de validade geral para a determinação do injusto, baseando-se em reflexões sobre o princípio da mínima intervenção do Estado. (SANGUINÉ, 199, p.39).

Os alemães nomearam o princípio da insignificância de criminalidade de bagatela – “Bagatelledelikte”. Sua origem de fato ocorreu durante a 1° Guerra Mundial, pois o período de guerras acarretou uma crise social e isso desencadeou a ampliação de crimes patrimoniais, logo estes delitos foram chamados de crimes de bagatela, “Significado de Bagatela; substantivo feminino; Coisa sem importância, serventia nem utilidade; inutilidade, futilidade. [Popular] pouco valor de dinheiro; ninharia: paguei uma bagatela por tudo.” (DICIONÁRIO ELETRÔNICO AURÉLIO, 1999). A consolidação do princípio da insignificância também pode ser percebida em sistemas jurídicos de common law. No sistema jurídico inglês, o conceito de de minimis non curat lex (a lei não se preocupa com coisas mínimas) ecoa a ideia de que certas ofensas triviais devem ser desconsideradas pelo sistema legal. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte, em casos como United States v. Rifen, reconheceu a importância de evitar a criminalização de condutas mínimas que não apresentam ameaça significativa à ordem social.

Mais recentemente, esse princípio foi desenvolvido pela doutrina penal alemã, a partir do início do século XX, principalmente por conta das nefastas consequências causadas pelas duas guerras mundiais, que assolaram a Alemanha de maneira peculiar, fazendo proliferar na sociedade da época, devido à miséria de grande parte da população, uma gama de pequenos furtos, no mais das vezes tendo por objeto alimentos e gêneros de primeira necessidade. (ANDREUCCI, Ricardo. 2021, p. 47).

A globalização e a interconexão entre os sistemas jurídicos têm contribuído para uma disseminação mais ampla do princípio da insignificância. Hoje, vários ordenamentos jurídicos em todo o mundo incorporaram, de alguma forma, essa abordagem, refletindo um reconhecimento comum da necessidade de racionalizar o direito penal e direcionar seus recursos para questões mais prementes.

Entretanto, apesar da evolução positiva em direção à aceitação global do princípio da insignificância, existem variações consideráveis na sua aplicação e interpretação, influenciadas por fatores culturais, sociais e jurídicos específicos de cada país. Essa diversidade destaca a complexidade do princípio e a importância de considerar o contexto histórico e cultural ao analisar sua aplicação em diferentes sistemas jurídicos ao redor do mundo.

3.1 CONTEXTO HISTÓRICO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO BRASIL                     Em território nacional, o princípio da insignificância surge no ordenamento jurídico, contudo somente foi citado pela primeira vez durante um julgamento tramitado no Supremo Tribunal Federal (STF), impetrado pelo advogado Dr. Walter Borges Carneiro, através do Habeas Corpus nº 66.869-1/PR, em 06.12.1988. Neste ato, foi solicitado o trancamento da ação penal que tramitava em desfavor da sua cliente, mediante alegações de que ela estaria sofrendo por constrangimentos ilegais, haja vista inexistência de justa causa para persecução penal, em virtude de que o laudo pericial correlatado ao processo versava uma lesão de natureza levíssima e insignificante.

Em casos de acidente de trânsito em que ocorra lesão corporal mínima, conforme evidenciado pelos elementos presentes nos autos e considerando que não há possibilidade de produção de provas adicionais posteriormente, é necessário evitar a instauração de uma ação penal que não levaria a qualquer resultado, apenas sobrecarregando desnecessariamente os tribunais criminais, que já se encontram frequentemente congestionados.(STF – RHC: 66869 PR, Relator: ALDIR PASSARINHO, Data de Julgamento: 06/12/1988, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: abril de 1989 PP-06295 EMENT VOL-01539-02 PP-00187).

Portanto, mesmo que exista divergência a respeito da criação e difusão do termo no cenário mundial, é imprescindível que o delegado de polícia, no uso de seus poderes e atribuições, sendo este identificado como Autoridade Policial competente, utilize da sua incumbência para aplicar de forma adequada, precisa e quando for necessário o princípio da insignificância, dispensando assim eventuais trâmites judiciários para com o Estado na utilização da máquina estatal em situações nas quais a celeridade, economia processual e demais princípios não serão dispensado, desobstruindo assim o Poder Judiciário nacional.

3.2 CONCEITODO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

          A conceituação de princípio da insignificância é compreendida de diferentes formas, uma vez que não possui sua essência expressamente formulada na legislação, se tratando assim, de uma norma infraconstitucional, pois apesar de não ser previamente definida na Constituição, possui seus embasamentos presentes em diferentes tipos de doutrinas e jurisprudências.

          É importante salientar que o princípio da insignificância atua diretamente no crime e a definição estabelecida pela doutrina majoritáriaconceitua que o crime é um fato típico, ilícito ou antijurídico e culpável. Essa definição versa sobre a visão do conceito analítico, pela teria tripartite. A teoria tripartite entende os elementos da seguinte maneira: 1- fato típico (conduta, resultado, nexo causal e tipicidade); 2-ilicitude/antijuridicidade (normas permissivas, excludentes gerais); e 3- a culpabilidade, sendo este um elemento de base para a conceituação de crime, pois na ausência do fato culpável, não existe crime.           O princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, incide sobre determinadas condutas que apesar de ilícitas, devem ser desconsideradas, pois são consideradas insignificantes, haja vista que o bem jurídico tutelado no fato não sofre nenhum tipo de lesão significativa, para tanto, o fato deixa de ser típico pela ausência da tipicidade material da ação.

Rogério Sanches expõe acerca do tema:

Não se configura a aplicação do direito penal devido à insignificância da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido. A quantia em questão é tão pequena que o interesse protegido pela lei não sofreu nenhum dano significativo ou ameaça relevante. Embora a conduta se enquadre formalmente na tipificação criminal, ela é materialmente atípica. Portanto, não pode ser considerada criminosa, não havendo justificativa para a aplicação do direito penal. Isso ocorre, por exemplo, quando alguém subtrai um frasco de shampoo de uma grande rede de farmácias. Embora seja formalmente tipificado como furto pelo artigo 155 do Código Penal, a conduta é atípica do ponto de vista material, uma vez que não causa uma ofensa relevante ou ameaça intolerável ao bem jurídico. (CUNHA, 2015).

Rogério Greco, apud Assis Toledo, em sua obra: Curso de Direito Penal, Parte Geral, explica que:De acordo com o princípio da insignificância, que é autoexplicativo em sua denominação, o direito penal, por sua essência fragmentária, somente deve intervir quando necessário para proteger o bem jurídico. Assim, não deve se ocupar de questões insignificantes ou bagatelas.(Greco, 2012, p. 65).

Seguindo o presente assunto abordado, temos:

O princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, consiste em um critério que permite afastar a tipicidade de condutas que, devido à sua irrelevância social, são consideradas ações insignificantes, desprovidas de reprovabilidade, de modo a não serem merecedoras de aplicação da norma penal, configurando-se como fatos irrelevantes. (FILHO, 1998, p. 52).

Além de ter também:

A concepção material do tipo, é o caminho cientificamente correto para que se possa obter a necessária descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não são mais objeto de reprovação social, nem produzem danos significativos aos bens jurídicos protegidos pelo direito penal. (MAÑAS, 1994, p.53-54).

A tipicidade sobre a qual atua o princípio da insignificância é elemento da teoria tripartite, sendo esta subdividida conforme os elementos de: a) conduta (dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva); b) resultado; c) nexo de causalidade (ligação direta e determinante entre a conduta e o resultado); d) tipicidade (formal e conglobante/material).           A tipicidade formal nada mais é que os encaixes perfeitos da conduta realizada pelo agente ao tipo penal previsto na legislação, massificando isso, têm que

É a adequação de um fato cometido à descrição que dele se faz na lei pena. Por imperativo do princípio da legalidade, em sua vertente do nullum crimen sine lege, só os fatos tipificados na lei penal como delitos podem ser considerados como tal. (GRECO, 2012, p. 156).

Por sua vez, a tipicidade conglobante, também chamada de tipicidade material, é definida como a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado. Sendo definida por Zaffaronicomo:

A tipicidade conglobante desempenha um papel corretivo em relação à tipicidade legal, pois pode excluir do âmbito típico aquelas condutas que apenas aparentam estar proibidas, como no exemplo do oficial de justiça mencionado, que se enquadra ao subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel (conforme o artigo 155, caput, do Código Penal), mas que não é abrangido pela proibição do “não furtarás”. (ZAFFARONI, 2015).

Nessa perspectiva, o princípio da insignificância, também conhecido como princípio de bagatela, surge como um elemento fundamental do Direito Penal, desempenhando o papel de desqualificar condutas criminosas por meio de uma análise criteriosa de diferentes elementos.

A mínima ofensividade da conduta constitui o primeiro critério a ser considerado. Isso diz respeito à gravidade do ato praticado, exigindo que a lesão provocada seja mínima, de baixa intensidade. Por exemplo, no contexto de um furto, o valor do objeto subtraído pode influenciar na avaliação desse critério. De acordo com Carlos Vico, tem-se que:

Outro fundamento do princípio da insignificância reside na ideia da proporcionalidade que a pena deve guardar em relação à gravidade do crime. Nos casos de ínfima afetação do bem jurídico, o conteúdo do injusto é tão pequeno que não subsiste qualquer razão para a imposição da reprimenda. Ainda a mínima pena aplicada seria desproporcional à significação do fato. (MAÑAS, Carlos Vico, 1994, p. 58.)

Sob esse viés, o segundo elemento a ser analisado é a ausência de periculosidade social, pois refere-se à capacidade da conduta de representar um risco significativo para a ordem social. Caso a conduta não apresente uma ameaça relevante à segurança ou ao bem-estar da coletividade, ela pode ser considerada insignificante. Um exemplo disso seria uma infração de trânsito de baixa gravidade que não coloca em perigo a vida de terceiros. Segundo o Supremo Tribunal Federal:

Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. (STF, 2019)

De acordo com o Supremo Tribunal Federal, tem-se que:

A admissão da ocorrência de um crime de bagatela reflete o entendimento de que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasione lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem. (STF, 2019)

Por fim, a inexpressividade da lesão jurídica refere-se à falta de impacto relevante da conduta sobre os bens jurídicos tutelados. Se a lesão for de natureza ínfima, seja em termos patrimoniais ou extrapatrimoniais, isso pode ser interpretado como um indicativo de insignificância.

Entretanto, no contexto do cotidiano, persistem divergências quanto à aplicação imparcial do princípio da insignificância, especialmente quando se trata da sua aplicação pelos Delegados de Polícia. No cenário brasileiro atual, observa-se que os Tribunais Superiores predominantemente aplicam esse princípio em casos que envolvem condutas formalmente típicas e causam danos irrelevantes, geralmente em crimes desprovidos de violência ou grave ameaça. Luiz Flávio Gomes, em seus estudos, afirma que:

O furto de uma garrafa d’água, em princípio, é absolutamente insignificante. Mas para quem está no deserto do Saara não o é. Como se vê, ser insignificante ou não, o fato depende de cada situação concreta. Uma bicicleta para um grande empresário é absolutamente insignificante. A mesma bicicleta para quem ganha R$ 200,00 por mês pode não ser. Cada caso é um caso. Não existem critérios apriorísticos concretos que definem o que é insignificante: tudo depende do caso real, da vítima concreta, das circunstâncias, do local, do momento etc. (GOMES, 2013. p. 23).

É crucial salientar que o princípio da insignificância não deve ser confundido com o princípio da irrelevância penal do fato. Enquanto o princípio bagatelar está diretamente relacionado a uma “bagatela própria”, indicando a ausência de tipicidade material do fato e, consequentemente, a não criação da ação penal diante de uma ofensa ínfima ao bem jurídico penalmente tutelado, o princípio da irrelevância penal do fato incide sobre um crime já formulado, buscando evitar a aplicação da pena após a satisfação de todos os requisitos materiais, formais, ilícitos e culpáveis para a formulação do delito.

3.3 EXPLORAÇÃO DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELO DELEGADO DE POLÍCIA

          O delegado de polícia é a autoridade policial que preside as atividades exercidas pelas policiais judiciárias no Brasil, sendo este o responsável pelo início da persecução criminal, através do instrumento preparatório da ação penal, o qual denomina-se como Inquérito Policial, sendo este utilizado como base para apuração da ocorrência dos fatos. O Inquérito Policial é o instrumento que o delegado de polícia, no uso dos poderes de sua atribuição, utilizará para filtrar os fatos apurados no caso concreto, a fim de que seja desvelado a autoria e materialidade da ação delituosa.           Dentro desta seara, é de extrema importância expor que a Policia Civil do Estado de São Paulo (SP), impôs em seu território estadual, através da portaria administrativa Portaria DGP 18, de 25 de novembro de 1998:

Art. 2º A autoridade policial não instaurará inquérito quando os fatos levados à sua consideração não configurarem, manifestamente, qualquer ilícito penal. § 1º Igual procedimento adotará, em face de qualquer hipótese determinante de falta de justa causa para a deflagração da investigação criminal, devendo, em ato fundamentado, indicar as razões jurídicas e fáticas de seu convencimento. (LAVOURA, 2009, p. 2).

Em relação a esta portaria citada, vale salientar que nestes casos, o delegado de polícia não será obrigado a proceder a instauração do inquérito policial, caso estejam presentes os elementos citados.

Em resumo, a sequência da persecução penal na Justiça Comum segue a seguinte linhagem: 1ºA noção da existência de determinado delito pela autoridade policial (notitia criminis); 2º instauração do inquérito policial; 3º envio dos autos elaborados juntamente com o relatório do caso produzido pela autoridade policial, remetendoestes ao Juiz competente, que abre vistas ao Ministério Público para manifestação; 4ºResposta do Ministério Público ofertando ou não denuncia; 5º Daí então, caso o Juiz acolha a denúncia,inicia-se a ação penal. Nesse contexto, de acordo com Mirabete:

Com as cautelas necessárias, reconhecendo caber induvidosamente na hipótese examinada o princípio da insignificância, não deve o delegado instaurar o inquérito policial, o promotor de justiça oferecer denúncia, o juiz recebê-la ou, após a instrução, condenar o acusado. Há no caso exclusão da tipicidade do fato e, portanto, não há crime a ser apurado. (MIRABETE, 2001, p. 118-119)

A probabilidade de aplicação do princípio da insignificância pelo Delegado de Polícia evitaria todo este funcionamento e desgasteda máquina estatal na condução de um fato insignificante, obstruindo assim, o caminho do ordenamento jurídico nacional com causas de potencial ofensivo ínfimo.

4 ENCARGOS CONTITUCIONAIS DO DELEGADO DE POLÍCIA E INQUERITO POLICIAL

O delegado de polícia, no âmbito de suas atribuições, tem a responsabilidade de conduzir investigações criminais. Isso inclui a coleta de evidências, ouvir testemunhas, elaborar relatórios e tomar decisões sobre o encaminhamento do caso ao Ministério Público. A sua atuação deve ser pautada pela imparcialidade e objetividade nos casos que possam ser enquadrados nesse princípio, garantindo que os recursos do sistema sejam direcionados para casos de maior relevância, de acordo com critérios estabelecidos pela jurisprudência, além disso, ainda é responsável pela investigação criminal conduzida por toda polícia a partir do inquérito policial. O inquérito policial é o procedimento administrativo realizado pela polícia para apurar a ocorrência de um crime, reunir elementos de prova e identificar os possíveis autores. Tem como objetivo subsidiar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário na persecução criminal. Segundo o manual do processo penal, de Renato Brasileiro de Lima, o inquérito policial se conceitua da seguinte forma:

Procedimento administrativo inquisitório e preparatório, presidido pela autoridade policial, o inquérito policial consiste em um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa objetivando a identificação das fontes de prova 1 e a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade da infração penal, a fim de possibilitar que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. De seu caráter instrumental sobressai sua dupla função: a) preservadora: a existência prévia de um inquérito policial inibe a instauração de um processo penal infundado, temerário, resguardando a liberdade do inocente e evitando custos desnecessários para o Estado; b) preparatória: fornece elementos de informação para que o titular da ação penal ingresse em juízo, além de acautelar meios de prova que poderiam desaparecer com o decurso do tempo (MANUAL DO PROCESSO PENAL, 2021).

Corroborando o conceito de Renato Brasileiro, o autor do livro de direito processual penal, Paulo Rangel, descreve o inquérito como:

Inquérito policial, assim, é um conjunto de atos praticados pela função executiva do Estado com o escopo de apurar a autoria e materialidade (nos crimes que deixam vestígios – delicta facti permanentis) de uma infração penal, dando ao Ministério Público elementos necessários que viabilizem o exercício da ação penal.

Com base nas informações apresentadas pelos autores mencionados anteriormente, é possível inferir que o inquérito policial é um procedimento administrativo investigativo e pré-processual, destinado a reunir evidências sobre a autoria e a materialidade de crimes. Seu propósito principal é fornecer informações ao titular da ação penal, que pode ser o Ministério Público ou o ofendido no caso de ação penal privada, permitindo-lhes solicitar a aplicação do direito penal ao caso em questão perante o tribunal. Quanto à sua natureza jurídica, o inquérito policial é considerado um procedimento administrativo de natureza persecutória. Portanto, argumenta-se que os princípios do contraditório e da ampla defesa não são integralmente aplicáveis a esse processo. Isso levou à compreensão de que as informações obtidas no inquérito policial têm valor probatório limitado, não podendo, por si só, servir como base para uma condenação pelo julgador. No contexto dos encargos constitucionais do delegado de polícia e do inquérito policial, a interação com o princípio da insignificância se manifesta de maneira específica e crucial.

O inquerido policial trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial. Tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129, I), e o ofendido, titular da ação penal privada (CPP, art. 30); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para a formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas cautelares. (CAPEZ, 2016 ,p. 148)

Ao conduzir a investigação de um crime, o delegado de polícia desempenha um papel fundamental na análise dos elementos coletados, buscando determinar se tais elementos indicam a ocorrência de um delito que justifique a instauração de um processo criminal. Nesse contexto, a aplicação do princípio da insignificância surge como uma ferramenta que permite ao delegado exercer seu discernimento para avaliar a relevância do fato em questão. Caso durante a investigação se constate que o crime é de mínima relevância, o delegado tem a prerrogativa de aplicar o princípio da insignificância e, consequentemente, decidir por não prosseguir com a investigação, alinhando-se assim com a premissa de que o sistema penal deve concentrar seus recursos em questões de maior gravidade e impacto social.

Para que se tipifique algum crime, em sentido material, é indispensável que haja, pelo menos, um perigo concreto, real e efetivo de dano a um bem jurídico penalmente protegido. Somente se justifica a intervenção estatal em termos de repressão penal se houver efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente relevante, que represente, no mínimo, perigo concreto ao bem jurídico tutelado. (BITENCOURT, 2018, p.85)

Essa tomada de decisão, contudo, não é arbitrária. A aplicação do princípio da insignificância demanda uma análise cuidadosa de critérios objetivos e indispensáveis, incluindo a conduta do agente, o valor do dano causado, a ausência de periculosidade social, entre outros. O delegado, ao exercer sua autonomia funcional, deve levar em consideração esses critérios como elementos essenciais para embasar sua decisão.

A aplicação do princípio da insignificância há de ser criteriosa, cautelosa e casuística. Devem estar presentes em cada caso, cumulativamente, requisitos de ordem objetiva: ofensividade mínima da conduta do agente, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente e inexpressividade da lesão ao bem juridicamente tutelado. (STF. HC: 92743/RS. Relator: Min. Eros Grau. Segunda Turma. Julgamento: 19/08/2008. DJe: 14/11/2008)

Dessa forma, a relação entre o delegado de polícia, o inquérito policial e o princípio da insignificância se configura como uma interseção crucial no âmbito da administração da justiça. O delegado, como autoridade responsável pela condução das investigações, desempenha um papel de destaque na aplicação do princípio, exercendo sua prerrogativa com base em critérios objetivos que visam assegurar a proporcionalidade e a eficácia do sistema penal brasileiro. Essa abordagem, ao mesmo tempo em que confere ao delegado a responsabilidade de decidir sobre a relevância do fato investigado, ressalta a necessidade de uma análise fundamentada e pautada em critérios claros, evitando decisões arbitrárias e garantindo a efetividade da justiça criminal.

5 DA PERSECUÇÃO CRIMINAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

No ordenamento jurídico nacional, a persecução criminal é exercida através de um conjunto de ações e mecanismos ordenados pelo Estado, com finalidade em identificar, processar e julgar determinado sujeito que figura no polo passivo da ação (investigado), sendo este suspeito de ter cometido um delito. Segundo Edilson Bonfim, persecução penal se define da seguinte maneira:

É o caminho percorrido pelo Estado-Administração para que seja aplicada uma pena ou medida de segurança àquele que cometeu uma infração penal, consubstanciando-se em três fases: Investigação preliminar – ação penal e execução penal. (BONFIM, p.99)

Ainda concordante com esse conceito e pensamento, Júlio Fabbrini Mirabete explica que:

Á soma dessas atividades investigatórias com a ação penal promovida pelo Ministério Público ou ofendido se dá o nome de Persecução Penal (persecutio criminis). Com ela se procura tornar efetivo o jus puniendi resultante da prática do crime a fim de se impor a seu autor a sanção penal cabível. Persecução penal significa, portanto, a ação de perseguir o crime (MIRABETE, 2006, p. 56)

A persecução penal inicia-se através da “notitia criminis”, ou seja, mediante a ciência por parte da autoridade policial sobre a ocorrência de determinado delito. Após isso, ocorre a investigação preliminar do fato delituoso, acarretando na coleta de provas e elementos necessários a identificação da autoria e materialidade do crime. A cooperação entre as autoridades policiais, o Ministério Público e o Poder Judiciário resultam na criação de um sistema unificado para a prevenção e combate de delitos, conforme indicado por Mirabete:

A polícia tem como função primordial impedir a prática dos ilícitos penais e descobrir a ocorrência desses ilícitos e a autoria deles. O Ministério Público representa o interesse do Estado na imposição da sanção aos delinquentes, procurando assegurar a imparcialidade do órgão jurisdicional. A imposição da pena e sua posterior execução exige a imparcialidade daquele que vai exercer a função decisória, ou seja, se o acusado é culpado ou inocente; é a atividade do Juiz (MIRABETE, 2006, p. 8).

Mediante analise técnico jurídico dos elementos colhidos, o delegado de polícia no uso dos seus poderes e de suas atribuições, decide por instaurar ou não o procedimento administrativo inquisitório e preparatório da ação penal, cujo denomina-se Inquérito Policial. Após a conclusão do Inquérito Policial, a autoridade policial mediante análise técnico jurídica dos fatos, decide por indiciar ou não o acusado, remetendo os autos ao juízo competente, bem como ao Ministério Público. Em posse do Inquérito, o Ministério Público pode oferecer ou não denúncia em face do investigado, ou até mesmo solicitar o arquivamento da ação penal. Em sequência a esta etapa, em caso do oferecimento de denúncia, esta é recebida pelo Poder Judiciário, iniciando assim a fase do processo penal.

A próxima etapa é de ampla relevância, haja vista que com o real início do processo a partir deste marco, ocorre a Instrução Processual, período em que são realizadas audiências e diligências, a fim de apurar as circunstâncias, para que o magistrado possa proferir a sua sentença do caso julgado. É importante salientar que durante todo o processo são passíveis aplicações de recursos de ambas as partes do processo (autor e réu).

6 DA MOROSIDADE NA APLICAÇÃO DA LEI PENAL

Conforme relatado no tópico anterior, é nítido que a persecução criminal em nosso território possui diversas áreas de procedimentos, bem como é notório que o ordenamento jurídico brasileiro sofre com a lentidão do movimento da máquina estatal neste quesito, obstruindo a eficácia do sistema de justiça e trazendo impactos negativos para a sociedade como um todo. Uma das principais causas deste travamento é a enorme quantidade de processos inertes em todo o Brasil, seja por falta de estrutura, recursos e até mesmo por falha das partes competentes ao seu tramitar. Cabe ressaltar que a preocupação em relação a agilizada e duração que o processo penal deveria, em tese, ter, surgiu a partir das declarações dos direitos humanos e foi corroborada pelo artigo 8º do decreto 678, promulgada em novembro de 1992 onde trata das garantias judiciais direcionadas a todo ser humano. Dispõe das seguintes condições:

Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. (DECRETO 678)

Toda essa morosidade no tramite processual acarreta uma série de consequências ao Estado e sua sociedade, uma vez que são originadas desconfianças do sistema por parte da população que deixam de acreditar na eficácia da justiça, enfraquecendo a credibilidade judicial. A demora na aplicação e cumprimento da lei faz com que muitas das vezes os infratores deixem de cumprir suas penas, haja vista o atraso na resolução dos seus casos, fortalecendo assim, a impunidade. Para ratificar esse aspecto negativo, Luiz Guilherme Marinoni estimula que:

Se o tempo do processo, por si só, configura um prejuízo à parte que tem razão, é certo que o quanto mais demorado for o processo civil mais ele prejudicará alguns e interessará a outros. Seria ingenuidade inadmissível imaginar que a demora do processo não beneficia justamente aqueles que não têm interesse no cumprimento das normas legais. (MARINONI, 2003)

Outros sim, ao movimentar toda a máquina estatal durante o processo penal, faz com que os tenhamos muitos custos econômicos, não só para as partes, mas para toda a sociedade. Ademais, a morosidade pode resultar em prisões preventivas extensas e consequentemente uma superlotação carcerária, isto é, segundo Gilmar Mendes:

A duração ilimitada do processo judicial afeta não apenas e de forma direta a proteção judicial efetiva, como compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos processos estatais. (MENDES, 2009)

Além disso, toda demora faz com que as vítimas deixem denunciar os fatos, pois a frustação com a demora é altamente impactante. Segundo Aury Lopes Jr, a parque que necessita do amparo judicial é diretamente lesada por causa do tempo que o processo demora a ser tramitado, isto é:

Para além do limite legal, é fundamental que a Administração da Justiça, na medida em que invocou para si o monopólio da   jurisdição, atue   num   prazo   razoável   também   para   o   jurisdicionado, pois não podemos continuar desprezando o eterno problema entre o tempo objetivo (absoluto), em que se estrutura o Direito, e o tempo subjetivo daquele que sofre a incidência ou que necessita do amparo do sistema jurídico. (LOPES, 2011)

Na busca de uma solução para reduzir a morosidade na aplicação da lei no Brasil, é indispensável que ocorra uma reforma estrutural do sistema judiciário. A aplicação do princípio da insignificância pelo delegado de polícia em nosso ordenamento traz este benefício, uma vez que inúmeros processos não precisariam passar por toda cadeia de atos a fim de que seja definitivamente arquivado, haja vista ausência de tipicidade material na ação. 

7 LEGALIDADE E FINALIDADE DA APLICAÇÃO

A aplicação do princípio da insignificância pelo delegado de polícia é de suma importância e relevância no âmbito do Direito Penal e por esse motivo, deve ser fundamentada na legalidade e com a finalidade de garantir justiça e desobstruir o sistema jurídico, além de garantir a eficiência do mesmo. Os aspectos que permeiam a legalidade e finalidade são, de maneira geral, essenciais para garantir que a aplicação do princípio pelo delegado de polícia aconteça de forma fluída e ágil. O princípio da legalidade é um pilar fundamental do Direito Penal. Estabelece, basicamente, que ninguém pode ser punido senão nos estritos termos da lei. Portanto, a aplicação do princípio da insignificância pelo delegado deve ser embasada na legislação vigente e nas decisões judiciais, que estabelecem critérios objetivos para determinar a sua pertinência. Como Prestes define:

O Princípio da Insignificância relaciona-se intimamente com o princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade. Assim, o Direito Penal é a última ratio, atuando somente em última instância, indo apenas aonde os outros ramos jurídicos não lograram êxito. Portanto, o Direito Penal caracteriza-se por seu caráter subsidiário, criminalizam-se apenas as condutas que não puderam ser solucionadas pelos outros Estatutos Jurídicos. Ao elaborarem as leis, o Legislador deve se ater ao princípio da intervenção mínima. (PRESTES, 2003, p.25)

O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da sua jurisprudência, tem estabelecido parâmetros para a aplicação do princípio da insignificância, os quais incluem a análise da conduta do agente, o valor do dano causado, a ausência de periculosidade social e outros critérios específicos. Por esse motivo, o delegado deve se basear nessas orientações legais ao decidir se um caso se enquadra ou não no princípio da insignificância. Ademais, a finalidade da aplicação desse princípio pelo delegado é garantir que o sistema de justiça criminal seja eficiente e voltado aos casos de maior relevância, fazendo com que o sistema judicial desobstrua, ganhe agilidade e praticidade, além de outros benefícios como a economia de recursos, uma vez quecasos de mínima relevância, nos quais a conduta do agente não causa danos significativos nem apresenta periculosidade social, podem ser encerrados precocemente para evitar gastos desnecessários. Segundo Adriano costa e Inacio, partimos do pressuposto que:

Nesse contexto, se o intento do princípio da insignificância é evitar a punição excessiva de fatos inexpressivos, não parece aceitável que o delegado de polícia prenda em flagrante quem tenha praticado um fato desse quilate. Exigir a prática de tal ato administrativo encarcerador é desarrazoado. Se o fato narrado é desprovido de tipicidade, não há razão para qualquer lavratura flagrancial. Ou a tipicidade (formal e material) está presente desde a captura em flagrante do indivíduo, protraindo-se até sua condenação final, ou não esteve presente em momento algum. (COSTA; INACIO, 2014, p.23)

Além disso, da eficiência na redução orçamentária, garante também a proteção dos princípios fundamentais com o devido processo legal e a proporcionalidade das penas, visto que impede que indivíduos sejam submetidos a processos penais excessivamente onerosos e punitivos por atos de pouca relevância.Ainda, ao aplicar o princípio da insignificância, o delegado contribui para que o sistema de justiça concentre seus esforços na prevenção e repressão de crimes mais graves, fortalecendo a segurança pública. Diante do exposto, urge que a aplicação do princípio da insignificância pelo delegado de polícia não é arbitrária, mas sim respaldada pela legalidade e orientada pela finalidade de tornar o sistema de justiça mais eficiente e justo. É um instrumento que visa equilibrar a necessidade de punir condutas criminosas com a proteção dos direitos fundamentais e a gestão eficiente dos recursos estatais.

8 CONCLUSÃO

O princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, é uma construção jurisprudencial que tem evoluído ao longo do tempo e desempenhado um papel significativo na aplicação da lei penal em todo o mundo, incluindo o Brasil. Este princípio se baseia na ideia de que o sistema de justiça criminal deve se concentrar em questões mais relevantes, deixando de lado a criminalização de condutas de menor gravidade que não representam uma ameaça significativa à sociedade.

Historicamente, o princípio da insignificância tem suas raízes no Direito Penal alemão e ganhou destaque no cenário mundial ao longo do século XX. No Brasil, a aplicação desse princípio foi inicialmente discreta, mas com o tempo, a jurisprudência e a doutrina nacional passaram a reconhecer a sua importância como um instrumento de controle da legalidade e da proporcionalidade na atuação do sistema de justiça.

O conceito do princípio da insignificância baseia-se na ideia de que a intervenção do direito penal deve ser a última medida a ser aplicada e, portanto, deve ser reservada para casos de gravidade. Em outras palavras, delitos de menor relevância, que não causam danos significativos à sociedade, não devem ser objeto de perseguição penal.

No contexto da aplicação do princípio da insignificância pelo delegado de polícia, é importante destacar que o delegado desempenha um papel crucial na fase inicial do processo penal. Sua decisão de instaurar ou não um inquérito policial é fundamental para a persecução criminal. Nesse sentido, o delegado deve avaliar a materialidade e a autoria do delito, bem como considerar se a conduta se enquadra nos critérios estabelecidos para a aplicação do princípio da insignificância.

No entanto, o delegado de polícia não atua de forma isolada. Sua atuação está inserida em um contexto jurídico mais amplo, que envolve a Constituição Federal, o Código de Processo Penal e demais leis e regulamentos. O inquérito policial desempenha um papel fundamental na colheita de provas e na investigação de crimes, sendo o primeiro passo na persecução criminal. Portanto, é crucial que o delegado de polícia exerça sua função com responsabilidade e observando os princípios do devido processo legal e da proporcionalidade.

Um dos principais desafios enfrentados no contexto da aplicação do princípio da insignificância e em todo o sistema de justiça penal brasileiro é a morosidade na aplicação da lei penal. A demora na conclusão de processos criminais é um problema crônico que afeta a eficácia do sistema e a garantia de direitos fundamentais. A aplicação criteriosa do princípio da insignificância pode contribuir para reduzir a carga de processos de menor relevância, permitindo que o sistema se concentre em casos mais complexos e impactantes.

Dessa forma, a legalidade e a finalidade da aplicação do princípio da insignificância são fundamentais para garantir que essa ferramenta seja utilizada de forma justa e equilibrada. A aplicação do princípio deve ser guiada pela busca da justiça, da proporcionalidade e da eficiência na persecução criminal. O delegado de polícia, juntamente com os demais atores do sistema de justiça, tem a responsabilidade de assegurar que a lei penal seja aplicada de maneira coerente e que o princípio da insignificância seja utilizado como um instrumento de justiça, não como um meio de impunidade.

Portanto, a aplicação do princípio da insignificância pelo delegado de polícia é uma questão complexa que envolve considerações históricas, legais e éticas. É essencial que o delegado exerça seu papel com responsabilidade, buscando equilibrar a necessidade de proteção da sociedade com o respeito aos direitos individuais e a eficiência do sistema de justiça criminal. A correta aplicação desse princípio pode contribuir para um sistema de justiça mais eficaz, justo e proporcional.

9 REFERÊNCIAS

ANDREUCCI, Ricardo. A. Manual de Direito Penal. Editora Saraiva, 2021. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555598377/. Acesso em: 02 nov. 2023.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 24°. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Manuais de Legislação Atlas. 29º ed. São Paulo: Atlas, 2008.

BRASIL. Decreto n° 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Brasília, DF: Presidência da República, 1992b.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Diário Oficial da União: seção 1, Rio de Janeiro, RJ, ano 74, n. 8, p. 1-74, 08dezembro de1940.

BRASIL. Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 151, 21 de junho de 2013.

CAPEZ, F. Curso de Processo Penal. 23°. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

COSTA, Adriano Souza; DA SILVA, Laudelina Inácio. Prática Policial Sistematizada. Niterói: Editora Impetus, 2014.

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. v.1. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. Imprenta: Salvador, JusPodivm, 2021.

LOPES JR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. V. I. 7.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

LOPES JR, Aury. Processual penal e sua conformidade. 2014.

MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994.

MARINONI, Luiz Gulherme. O custo e o tempo do processo civil brasileiro. Revista da Academia Paranaense de Letras Jurídicas, Curitiba, n.2, p. 139-168, 2003, p. 140.

MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de Direito Constitucional.  4.  ed., São Paulo:  Saraiva, 2009, p. 545.

MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato. Manual de Direito Penal: Parte geral. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral, parte especial. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Imprenta: São Paulo, Atlas, 2020. Descrição Física: xlv, 1004 p.

ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte General. Tomo I. Fundamentos. La Estructura De La Teoria Del Delito. Madrid: Civitas, 1997.

SANTOS, Paula Fernanda Neves. A aplicação do princípio da insignificância pelo delegado de polícia no Brasil. Paripiranga, 2021. Trabalho não publicado.

STJ, 5ª Turma, AgRg no HC 480.413/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 21/02/2019, publicado 01/03/2019

OLIMPIO, Mateus Evangelista Soares. A aplicação do princípio da insignificância pelo delegado de polícia. Goiás, 2021, p. 6-9. Trabalho não publicado. ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro – parte geral.5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.


Renato Ribeiro da Silva – Graduando em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas1
Wanderson Rocha Leite – Professor-orientador. Possui graduação em DIREITO pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicada (2006). Advogado inscrito na OAB/BA n.o 24.648; Vereador Câmara Municipal de Prado/BA; Ex- Assessor do Dep Federal Neto Carletto; Assessor do Diretório Estadual do Partido Avante/BA; Ex Assessor Jurídico da Câmara de Alcobaça/Ba; Ex Assessor Jurídico do Município de Itabela/Ba; Ex-Assessor do Dep Federal Ronaldo Carletto; Ex Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Eunápolis/BA, Professor Universitário FACISA/Itamaraju/Ba – Direito Processo Penal; Direito Municipal e Urbanístico, Direito Eleitoral; Ex-Assessor Jurídico da Câmara de Vereadores de Itamaraju/Ba; Especialista em Direito Público Municipal pela Universidade Católica do Salvador; Ex Assessor Jurídico do Município de Prado/Ba desde 2013-2020; Ex assessor jurídico da Câmara de Vereadores do Prado/Ba; Ex assessor Jurídico da Câmara de Vereadores de Jucuruçu/Ba; Ex Diretor Tesoureiro da OAB/BA Subseção de Itamaraju/BA; Ex coordenador do curso de direito e professor de Direito Penal Econômico, Direito Penal III e IV, Direito das Sucessões, Introdução ao Estudo do Direito, Direito Humanos e Estágio Supervisionado II na FACISA; Sócio-administrador do escritório Rocha Leite & Madeiro Advocacia Consultoria Jurídica; Ex professor do curso de Direito da Unesul-Bahia em Eunápolis/Ba, Ex aluno especial do curso de Mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória FDV; ex Assessor do Secretario Estadual de Desenvolvimento e Integração Regional do Estado da Bahia Wilson Alves de Brito Filho; Agraciado com o Título de Cidadão Pradense, Alcobacense e Itamarajuense aprovado por unanimidade pelas respectivas Câmara de Vereadores; Professor homenageado DIREITO-FACISA – FORMADOS 2011-1; 2011-2; 2012-2; 2013-1; 2013-2 e 2014-22