DIREITO DOS ANIMAIS: CONCEITO E ANÁLISE ACERCA DA EVOLUÇÃO NO ÂMBITO JURÍDICO BRASILEIRO

ANIMAL RIGHT: CONCEPT AND ANALYSIS ABOUT EVOLUTION IN THE BRAZILIAN LEGAL SCOPE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10277004


Mateus de Sousa Ferreira Silva[1]


RESUMO: A Constituição Federal de 1988 reconhece a proteção ao meio ambiente, o que inclui a proteção aos animais. O direito dos animais no Brasil está em constante evolução. Além disso, em 2010, foi promulgada a Lei Federal nº 11.794, que estabelece procedimentos para a prática de experimentação animal. O Código Civil Brasileiro também aborda questões relacionadas à proteção dos animais, especialmente no que diz respeito à crueldade. No entanto, a legislação e a conscientização em torno dos direitos dos animais continuam a evoluir no país. Se os animais tivessem direitos e posição legal independente de seus donos, o sistema jurídico seria mais equitativo e justo na proteção do bem-estar dos animais e evitaria a crueldade contra eles. À vista disso, os animais teriam o reconhecimento de seu valor intrínseco, além de seu valor econômico como propriedade, gerando maiores responsabilidades aos humanos, com consequências legais para aqueles que os prejudicam ou exploram os animais.

PALAVRAS-CHAVE: direito dos animais; animais como bens semoventes; maus-tratos aos animais; Proteção jurídica dos animais;

ABSTRACT: The 1988 Federal Constitution authorizes the protection of the environment, which includes the protection of animals. Animal rights in Brazil are constantly evolving. Furthermore, in 2010, Federal Law No. 11,794 was enacted, which establishes procedures for the practice of animal experimentation. The Brazilian Civil Code also addresses issues related to the protection of animals, especially with regard to cruelty. However, legislation and awareness surrounding animal rights continues to evolve in the country. If animals have rights and legal status independent of their owners, the legal system would be more equitable and fair in protecting the welfare of animals and preventing cruelty against them. In view of this, animals provide recognition of their intrinsic value, in addition to their economic value as property, generating greater responsibilities for humans, with legal consequences for those who harm them or exploit animals.

KEYWORDS: animal rights; animals as moving goods; animal abuse; Legal protection of animals;

1 INTRODUÇÃO

Além de não terem seus direitos reconhecidos e sequer disporem de capacidade de se defenderem, os animais também são explorados, maltratados e até mesmo abusados. No contexto atual, os animais ainda são muito usados como forma de se obter renda, sem receberem o mínimo de cuidado, alimentação e outras condições dignas de sobrevivência. Suas necessidades, seus interesses e sentimentos não são valorizados pelos seres humanos, sequer analisados, em muitos casos.

Destarte, é deplorável saber que no século atual os animais ainda são considerados como objetos/coisas/bens, pois apesar de a Constituição Federal estabelecer a proteção a todas as espécies, percebe-se que as demais legislações infraconstitucionais ainda são vulneráveis e rasas em seus textos, deixando brechas acerca de suas aplicações.

O artigo 225 da Constituição Federal estabelece a proteção ao meio ambiente, incluindo a fauna, o que proporciona, ou seja, recepciona a base legal para a proteção dos animais no país.

Ademais, a Lei Federal nº 11.794/2008 — conhecida como Lei Arouca em homenagem ao falecido Médico Sérgio Arouca, que foi um dos maiores defensores da universalidade de acesso à saúde e também elaborou a Reforma Sanitária — define normas sobre a utilização de animais em pesquisas científicas para que não padecem nenhum mal. A referida lei criou o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) que tem o encargo de fiscalizar, credenciar e monitorar instituições que solicitem o uso, a criação e a utilização de animais para esses fins científicos, garantindo o bem-estar dos animais envolvidos em experimentos e pesquisas.

Assim, o Código Civil Brasileiro contém disposições que proíbem atos de crueldade contra os animais. Ainda, as normas de responsabilidade civil também podem ser aplicadas em casos de danos causados por animais de estimação.

Além das leis federais, muitos estados e municípios têm leis específicas que regulamentam a proteção e o bem-estar dos animais, incluindo a proibição de maus-tratos e a promoção da adoção responsável. Muitas campanhas de esterilização, combate ao abandono de animais e promoção da adoção são algumas das iniciativas que ganharam destaque nos últimos anos. Tem-se percebido que organizações e ativistas pelos direitos dos animais desempenham um papel fundamental na conscientização e defesa desses direitos.

Infelizmente, nosso ordenamento jurídico tem sido considerado ineficaz em relação à tutela dos direitos dos animais, uma vez que não fornece o devido tratamento cível ou penal. O direito dos animais no Brasil continua a ser um tópico de discussão e evolução, com uma crescente conscientização sobre a importância da proteção e do bem-estar dos animais em todo país.

Portanto este trabalho abordará a temática dos animais como parte processual, como seres sencientes que merecem respeito e proteção jurídica, para que ao final seja exposta a temática principal sobre o local onde os animais se encaixam juridicamente e, as atualizações jurisprudenciais sobre o tema.

2   OS LIMITES PARA O RECONHECIMENTO DOS ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITO

Alguns autores, como Edna Assis e Garça José de Santana Gordilho, questionam a visão tradicional em que os animais são considerados apenas como propriedades. Neste diapasão, atualmente os animais têm sido reconhecidos como sujeitos de direito despersonificados, percebe-se assim, que, cada vez mais essa é uma realidade, ao passo que as jurisprudências atuais também têm seguido nesta direção, bem como, o Senado Federal se posicionou em 2019 ao aprovar o PLC 27/2018 para que os animais deixassem de ser apenas objetos/coisas/bens (de propriedade do ser humano) e passassem a ter natureza jurídica sui generis, como sujeitos de direitos despersonificados.

Assim, os animais devem ser reconhecidos como sujeitos de direitos, considerando-se as leis que os protegem, pois apesar de serem incapazes de se apresentarem em juízo, o poder público e seus tutores podem receber autorização constitucional para tanto, sob o fundamento de que já existem projetos de lei para o devido reconhecimento dos animais como seres sencientes, passíveis de emoções e sentimentos e também serem reconhecidos como sujeitos de direitos, bem como, salienta-se que a jurisprudência tem seguido esse entendimento, conforme supramencionado.

Atualmente já é comum, por exemplo, a discussão de quem ficará com a guarda dos animais em processos de divórcio, ao passo que o Ministro Marco Aurélio Bellizze se pronunciou no REsp 1.944.228, Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, 07 nov. 2023, senão vejamos:

Eventual impasse sobre quem deve ficar com o animal de estimação adquirido durante a união estável, por evidente, não poderia ser resolvido simplesmente por meio da determinação da venda do pet e posterior partilha, como se dá usualmente com outros bens móveis, já que não se pode ignorar o afeto humano para com os animais de estimação, tampouco a sua natureza de ser dotado de sensibilidade.

Ou seja, é crível que o direito brasileiro possui um direito animal já positivo, definido como um conjunto de regras e princípios que estabelecem os direitos fundamentais dos animais não humanos, pois além dos animais serem injustamente maltratados e explorados, todo o meio ambiente é atingido, considerando-se que as práticas humanas com relação aos animais prejudica todos os ecossistemas.

No entanto, existem desafios significativos e obstáculos para considerar os animais como sujeitos de direito. Alguns desses desafios incluem a visão antropocêntrica, que se refere a uma abordagem que coloca os interesses humanos no centro, considerando o ser humano como o principal ponto de referência e valorizando suas necessidades, desejos e objetivos acima de outras formas de vida e do ambiente pois, os sistemas legais ainda são centrados no ser humano, considerando seus interesses como primordiais. Dessa forma, a visão antropocêntrica resulta no excesso de exploração dos recursos naturais (fauna e flora), pois esses recursos são continuadas vezes vistos como meios para atender às necessidades humanas, sem a devida atenção aos impactos sobre todos os ecossistemas. Então, essa perspectiva resulta nos desafios relacionados à sustentabilidade, ao bem-estar animal e à conservação da biodiversidade.

Baseado no Projeto de Lei da Câmara n° 27, de 2018, na CF/88 ao dispor sobre a proteção ao meio ambiente, de forma abrangente à fauna, na Conferência de Biodiversidade das Nações Unidas (COP15, 2022) e nas legislações brasileiras sobre a proteção e reconhecimento dos direitos dos animais, como exemplo: lei 11.794/2008 e lei 9.605/98, existem pontos pelos quais os animais devem ter seus direitos jurídicos reconhecidos, como razões fundamentais:

  1. serem ser sencientes, pois são capazes de sentir dor, prazer, emoções e têm uma consciência de si mesmos e do ambiente;
  2. a necessidade de proteção contra práticas cruéis, abuso e maus-tratos,incluindo a proibição de práticas como a experimentação animal excessiva, caça ilegal, criação em condições deploráveis e outras formas de exploração;
  3. a garantia de condições de vida adequadas e respeito ao seu bem-estar,proporcionando ambientes adequados, acesso a alimentação e cuidados veterinários;
  4. a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas, uma vez que inúmeras espécies desempenham papéis cruciais nos ecossistemas, e seu declínio pode ter impactos negativos em cascata;
  5. a necessidade de maior responsabilização dos seres humanos para com outros seres sencientes.

Consoante ao entendimento da autora Edna Assis:

O animal como sujeito de direitos já é concebido por grande parte de doutrinadores jurídicos de todo o mundo. Um dos argumentos mais comuns para a defesa desta concepção é o de que, assim como as pessoas jurídicas ou morais possuem direitos de personalidade reconhecidos desde o momento em que registram seus atos constitutivos em órgão competente, e podem comparecer em Juízo para pleitear esses direitos, também os animais tornam-se sujeitos de direitos subjetivos por força das leis que os protegem. Embora não tenham capacidade de comparecer em Juízo para pleiteá-los, o Poder Público e a coletividade receberam a incumbência constitucional de sua proteção. O Ministério Público recebeu a competência legal expressa para representá-los em Juízo, quando as leis que os protegem forem violadas. Daí, pode-se concluir com clareza que os animais são sujeitos de direitos, embora esses tenham que ser pleiteados por representatividade, da mesma forma que ocorre com os seres relativamente incapazes ou os incapazes, que, entretanto, são reconhecidos como pessoas. (DIAS, 2005, p. 120).

A mudança para uma perspectiva que leve em consideração os interesses intrínsecos dos animais é um desafio cultural e legal.

2.1 Animais sobre a perspectiva da Constituição Federal de 1988

Apesar de CF/88 não tratar de forma evidente dos direitos dos animais e também não defini-los de forma expressa como sujeitos de direito, a legislação infraconstitucional e demais dispositivos em nosso ordenamento jurídico brasileiro transparecem a preocupação com a proteção do meio ambiente, incluindo os animais (a fauna).

Nesta seara, como já mencionado neste trabalho, o artigo 225 da CF/88 dispõe sobre a proteção ao meio ambiente, abrangendo a fauna, então, entende-se que essa é a base legal para a proteção dos direitos dos animais, ao estabelecer que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.”[2]. Isto é, considera-se um dever do Poder Público e de toda população, a proteção ao meio ambiente, preocupando-se não somente com os animais, por consectário lógico, tal como, com a preservação da biodiversidade.

A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) complementa a Constituição ao estabelecer punições para práticas que causem maus-tratos a animais. Este arcabouço legal reflete a crescente consciência da sociedade e dos legisladores sobre a necessidade de proteger os animais contra crueldade e exploração.

Embora a CF/88 não conceda explicitamente direitos individuais aos animais, o maior desafio reside em conciliar a classificação dos animais como bens com a necessidade de garantir sua proteção efetiva contra maus-tratos e exploração, refletindo uma sociedade que reconhece cada vez mais a importância do respeito aos direitos dos animais.[3] (CARNEIRO, 2023)

2.2 Os animais como bens semoventes no Código Civil brasileiro e nas leis esparsas do ordenamento jurídico brasileiro

Em consonância com o Código Civil (Lei nº. 10.406/2002), os animais são considerados bens semoventes. Desta feita, o artigo 82 do Código supracitado estipula que:

“Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.”

Os bens móveis incluem os bens semoventes, que são aqueles que têm movimento próprio, como os animais. Portanto, de acordo com a legislação, os animais são categorizados como bens móveis e, mais especificamente, como bens semoventes. Embora o Código Civil[4]trate os animais como bens semoventes, há outras legislações que visam proteger os animais contra maus-tratos e crueldade.

A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), estipula penas para quem praticar maus-tratos ou abuso contra animais, expressando a preocupação com o bem-estar animal além da infeliz categorização patrimonial. O artigo 32 da desta Lei, trata especificamente dos maus-tratos, estabelecendo pena de detenção e multa para quem praticar atos de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos, nativos ou exóticos.

Destarte, a Lei nº. 13.426/2017, também conhecida como Lei Sansão, alterou a Lei de Crimes Ambientais e aumentou a pena para casos de maus-tratos a cães e gatos. O nome da referida lei é uma homenagem a um cão que foi vítima de agressão.

Ademais, cabe salientar sobre o Decreto Federal nº.24.645/1934[5], embora seja bastante antigo, esse instrumento normativo ainda é referenciado em contextos relacionados à proteção dos animais, pois estabelece medidas de proteção animal e define condutas consideradas como maus-tratos.

Assim, essas leis refletem o compromisso legal em proteger os animais de práticas cruéis e garantir seu bem-estar.

2.3 A necessidade de aplicação do Princípio da Prevenção aos Direitos dos animais e a importância da proteção da biodiversidade;

Em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, consagrou a chamada “Declaração do Rio de Janeiro” com 27 princípios, sendo um deles o princípio da precaução, conhecido como o Princípio da Precaução está disposto no princípio 15 [quinze], senão vejamos:

“Princípio 15 – Com a finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para que seja adiada a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação ambiental.”[6]

Dessa forma, o princípio é direcionado a proteção da fauna, prevenindo prejuízos ambientais, nos casos de incerteza ou ignorância referente à natureza, podendo ser ampliado aos animais no termo de degradação ambiental, já que fazem parte da fauna, evitando ameaças de danos sérios ou irreversíveis para a saúde e vida desses seres.

O Princípio 15 (quinze) da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento é de suma importância para os animais por várias razões relacionadas à proteção do meio ambiente e à consideração dos impactos das atividades humanas sobre a fauna. Alguns dos pontos importantes são:

  1. a adoção de medidas preventivas diante de situações em que há riscos significativos de danos graves ou irreversíveis ao meio ambiente, incluindo ecossistemas nos quais os animais vivem;
  2. promoção de uma abordagem consciente sobre como as ações humanas podem afetar não apenas o meio ambiente, mas também os animais de todas as espécies;
  3. aplicação de abordagens pragmáticas para lidar com riscos desconhecidos nos casos de incerteza científica em relação à interação entre atividades humanas e fauna, considerando-se o surgimento de novas tecnologias, substâncias químicas ou práticas que podem ter efeitos adversos sobre os animais;
  4. contribuição para a prevenção da extinção de espécies e a perda de biodiversidade, sendo uma questão vital para manter ecossistemas saudáveis e sustentáveis;
  5. a promoção do desenvolvimento sustentável, adotando medidas e buscando o equilíbrio às necessidades humanas, com a preservação do meio ambiente e animais.

Logo, o Princípio da Precaução é uma ferramenta imprescindível para minimizar os riscos ambientais desconhecidos ou mal compreendidos que podem afetar os animais e seus habitats. Sua aplicação contribui para a promoção de práticas sustentáveis e a preservação da biodiversidade, beneficiando diretamente as populações animais.

Ademais, no ano de 2022, ocorreu a Conferência de Biodiversidade das Nações Unidas, a COP15. O encontro de diversos países resultou no comum acordo da preservação de um terço da natureza do planeta até o ano de 2030.

A cooperação nacional reconheceu a necessidade de preservação da natureza e assim estabeleceram metas estruturadas na conservação da diversidade biológica, o uso sustentável da biodiversidade e a repartição justa e equitativa dos benefícios provenientes da utilização dos recursos genéticos.

Salienta-se que, dentre os pontos estabelecidos, foi definida a necessidade de atenção e proteção ao bem-estar animal, resguardando a saúde física e mental e qualidade de vida de todas as espécies, principalmente das espécies que geram a produção de alimentos e quaisquer produtos de origem animal, de forma que, a sustentabilidade animal é imprescindível, pois os animais devem ser tratados com dignidade e respeito.

Inclusive, além de proteger os animais de maus-tratos e demais condutas reprováveis realizadas por muitas indústrias e produtores, as práticas adequadas ocasionam menos impactos em todo o meio ambiente.

3 TRATAMENTO DOS DIREITOS DOS ANIMAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: ÂMBITOS CIVIL E PENAL

Em relação à legislação infraconstitucional, o Código Civil, divide de forma clara o regime jurídico dispensado às pessoas e o dispensado aos bens, em seu Livro II-Dos bens, o código trata das diferentes formas de aquisição da propriedade. No que diz respeito aos animais, eles participam no capítulo I, Seção II- Dos Bens Imóveis. Em específico, o artigo 82 trata dos “bens móveis por natureza” e, portanto, inclui os animais, ao dispor que:

Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.

Assim, entende-se que, para o Direito Civil brasileiro, os animais, por não se encaixarem na categoria de sujeitos de direitos portadores de personalidade (pessoas), perfazem à categoria dos bens, sendo considerados apenas bens/coisas/objetos do direito.

Destarte, o Código Civil, infortunadamente possui dispositivos que associam os animais à bens/coisas de valor comercial, outrossim, a Constituição Federal de 1988 estabelece que os demais seres vivos são bens fundamentais e devem ser protegidos.

O Código Penal, lastimavelmente, segue a mesma ideia e “interpretação” do Código Civil, ao passo que, também trata o animal como uma propriedade dos seres humanos.

Presentemente, tramita no Senado Federal o projeto de Lei n°236/2012 para a mudança do Código Penal, com a finalidade de unificar as matérias penais espalhadas nas legislações. Neste projeto, existe uma seção dedicada à proteção da fauna, dentro do Capítulo I (Crimes contra o meio ambiente), que criminaliza as práticas de crueldade ou abandono contra animais, o que seria uma grande vitória na busca da proteção dos Direitos dos animais, entretanto, a mudança no Código tramita desde o ano de 2010, sem muitos avanços… Contudo, a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), que trata de crimes contra os animais, é considerada a legislação especial mais importante, pois estabelece sanções penais e administrativas para condutas lesivas ao meio ambiente e aos animais ela é bastante específica em relação aos crimes contra estes.

Logo, os dispositivos legais supracitados estabelecem previsões para aqueles que praticam atos de abuso, maus-tratos, fere ou mutila animais, bem como para outras condutas agressivas à fauna e ao meio ambiente. Além disso, as legislações também regulamentam questões como caça, pesca proibida e tráfico de animais silvestres para proteger a fauna e promover o bem-estar animal.

À vista disso, o ordenamento jurídico brasileiro define o animal apenas como um bem, uma propriedade do ser humano, considerando-se que a tutela ao ser humano é “soberana e egoísta”. Dessa maneira, não há como estabelecer eficácia aos poucos meios de proteção disponíveis na atualidade, deixando brechas para abusos e injustiças que possam ser causados a todas espécies de animais.

4 A EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA NO SENTIDO DO RECONHECIMENTO DOS ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITO

A jurisprudência brasileira está em processo de evolução em relação ao reconhecimento dos animais como sujeitos de direito. A mudança de perspectiva em relação aos animais reflete diversas transformações que têm ocorrido nas últimas décadas.

Em seus julgamentos o Supremo Tribunal Federal (STF) têm garantido os direitos dos animais, como expresso na ADI 4983, vejamos:

PROCESSO OBJETIVO – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. Consoante dispõe a norma imperativa do § 3º do artigo 103 do Diploma Maior, incumbe ao Advogado-Geral da União a defesa do ato ou texto impugnado na ação direta de inconstitucionalidade, não lhe cabendo emissão de simples parecer, a ponto de vir a concluir pela pecha de inconstitucionalidade. VAQUEJADA – MANIFESTAÇÃO CULTURAL –ANIMAIS – CRUELDADE MANIFESTA – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – INCONSTITUCIONALIDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Discrepa da norma constitucional a denominada vaquejada (ADI 4983, Relator(a):
MARCO    AURÉLIO,   Tribunal   Pleno,   julgado   em   06-10-2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-087 DIVULG 26-04-2017 PUBLIC 27-04-2017)

O fundamento comum das decisões é o artigo 225 da Constituição Federal. A Corte já declarou a inconstitucionalidade de interpretações de dispositivos da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998) e do Decreto 6.514/2008 (infrações e sanções administrativas ao meio ambiente) e das demais normas infraconstitucionais que autorizem o abate de animais, validou dispositivos de lei do Estado do Rio de Janeiro que proíbem a utilização de animais para desenvolvimento, experimentos e testes de produtos cosméticos, de higiene pessoal, perfumes e de limpeza, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5995, e também derrubou normas de alguns estados que regulamentavam brigas de galo, considerando que a prática é cruel com as aves.

Nesse sentido, O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também rejeitou o tratamento jurídico dos animais, discordando do conceito civilista que define os animais como coisa, no julgamento do REsp 1.944.228 (Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, 07 nov. 2023), considerando-se que os animais são seres dotados de sensibilidade.

Os animais são sujeitos de direitos fundamentais, uma vez que a CF/88 entabula em seu artigo 225, parágrafo 1º e incisos o reconhecimento de sua dignidade, senão vejamos:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

  1. – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
  2. – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
  3. – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
  4. – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
  5. – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
  6. – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
  7. – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
  8. – manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis destinados ao consumo final, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir diferencial competitivo em relação a estes, especialmente em relação às contribuições de que tratam a alínea “b” do inciso I e o inciso IV do caput do art. 195 e o art. 239 e ao imposto a que se refere o inciso II do caput do art. 155 desta Constituição.

Em muitas das decisões de 1º e 2º Grau dos Tribunais de Justiça do País, têm-se notado alguns pontos notáveis em relação à tutela dos direitos dos animais, como exemplo: (I) a concessão de Habeas Corpus; e (II) a sensibilidade crescente para questões éticas e de bem-estar animal, considerando as mudanças de valores na sociedade em relação ao tratamento dos animais.

Portanto, na atualidade da jurisprudência brasileira, tem-se visto avanços e tendências em direção ao reconhecimento dos animais como sujeitos de direito.

5 CONCLUSÃO

Tem-se por objetivo analisar e conceituar os Direitos dos animais com sua evolução no âmbito jurídico brasileiro, bem como, dar ênfase na importância de proteção dos animais de todas as espécies.

De forma panorâmica, foram explicados, sucintamente, sobre notória incongruência entre o tratamento dispensado aos animais no texto constitucional e nos Códigos Civil e Penal brasileiros, ao passo que os animais ainda são considerados como bens/coisas/objetos, permitindo que a humanidade os categorizam como patrimônios ou meras mercadorias.

Ainda, sintetizadamente foram abordadas algumas das demais legislações especiais em defesa dos animais e do meio ambiente, apesar de serem consideradas rasas e sucintas em seus textos, e talvez até pouco efetivas.

Destarte, fora imprescindível enfatizar sobre a necessidade de proteção dos animais, uma vez que, como seres sencientes merecem respeito e proteção jurídica, além da importância que eles têm como “bens fundamentais” para a proteção das futuras gerações humanas.

Logo, o artigo se propôs a refletir sobre os interesses intrínsecos dos animais, pois são um desafio cultural e legal.

Portanto, o presente artigo defende a necessidade de tutela dos animais, buscando formas de garantir a proteção destes seres, bem como o devido reconhecimento da qualidade de sujeitos de direitos e titulares de dignidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[2] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 02 nov. 2023.

[3] CARNEIRO, Manoel Franklin Fonseca. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Artigos. A dignidade do animal na Constituição.https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/202 0/a-dignidade-do-animal-na-constituicao. Acesso em 20 nov. 2023.

[4] BRASIL. Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 6 nov. 2023.

[5] BRASIL. Decreto nº. 24.645, de 10 de julho de 1934. Medidas de proteção aos animais. Diário Oficial da União, Brasília, 10 jul. 1934. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d24645.htm. Acesso em: 13 nov. 2023.

[6] CARTA, do Rio. Conferência Geral das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento.IPHAN. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20do%20Rio%201992.pdf.Acesso em: 17, nov. 2023


[1] Bacharel   em Direito do CentroUniversitário UNA.RA 32218901. E-mail: Mateusdesousaferreirasilva@gmail.com