DIREITO DO TRABALHO: DESVALORIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOMÉSTICO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202504161933


João Henrique Povinelli Ribeiro


RESUMO

O artigo possui o escopo de apresentar reflexões a respeito de pesquisas científicas acerca do aumento da desvalorização e precarização das empregadas domésticas no período de pandemia da COVID-19. Para isso, apresenta alguns resultados obtidos através de pesquisas científicas, visando entender os princípios do direito do trabalho, pautando as relações de trabalho no Brasil em meio ao Coronavírus. Também discute o direito das empregadas domésticas, apresentando seu histórico de lutas; uma vez que este tripé está estritamente interligado. Outrossim, demonstra o aumento da desvalorização e precarização das empregadas domésticas no período de pandemia da Covid-19. Além disso, em seu contorno, frisa as peculiaridades do ambiente doméstico e dificuldade de produção probatória. A pesquisa delimita-se no foco de discutir como a pandemia da Covid-19 destacou as vulnerabilidades enfrentadas por mulheres trabalhadoras na categoria de trabalho doméstico, a maioria composta por uma classe social e econômica desfavorecidas. Para dar maior sustento ao estudo, utiliza-se da pesquisa bibliográfica por meio do estudo narrativo, com abordagem qualitativa, em que o procedimento é descritivo explicativo na busca de responder a problemática do estudo: Como a pandemia tem contribuído para essa precarização e desvalorização do trabalho das empregadas domésticas? Como análise contextual, verifica-se a crise sanitária de Covid-19 aumentou os níveis de precarização da profissão, analisando os efeitos da pandemia na vida e nas relações de trabalho da categoria, notou-se que o isolamento social se destaca como o direito mais violado neste período. Mediante a baixa fiscalização e ineficientes políticas públicas voltadas à proteção da categoria, as incertezas acerca do futuro resumem a busca pelo sustento familiar a uma constante exposição na rotina de trabalho, fruto da desvalorização da vida destas trabalhadoras pelos empregadores (e pela sociedade em geral). 

Palavras-chave: Direito do Trabalho; Pandemia Covid-19; Empregadas Domésticas; Desvalorização; Precarização.

1. INTRODUÇÃO

A sociedade está em constante evolução, de modo que o direito deve sempre estar acompanhando suas transformações para melhor se moldar a ela. A pandemia que afeta o mundo trouxe consequências a todos os setores, onde em alguns países, mediante o contexto do mesmo, foram mais graves. O objetivo principal da pesquisa consiste em refletir acerca do aumento da desvalorização e precarização das empregadas domésticas no período de pandemia da COVID-19. Os objetivos específicos consistem em entender os princípios do direito do trabalho, pautado as relações de trabalho no Brasil em meio ao Coronavírus; discutir o direito das empregadas domésticas, apresentando seu histórico de lutas; e demonstrar os motivos pelo qual houve o aumento da desvalorização e precarização das empregadas domésticas no período de pandemia da Covid-19. 

A pesquisa delimita-se no foco de discutir como a pandemia da Covid-19 destacou as vulnerabilidades enfrentadas por mulheres trabalhadoras na categoria de trabalho doméstico, a maioria composta por uma classe social e econômica desfavorecidas. A problemática do estudo consiste em: Como a pandemia tem contribuído para essa precarização e desvalorização do trabalho das empregadas domésticas? Buscou-se responder a problemática por meio de uma revisão de literatura como análise contextual, verificando que a crise sanitária de Covid-19 aumentou os níveis de precarização da profissão, analisando os efeitos da pandemia na vida e nas relações de trabalho da categoria, notou-se que o isolamento social se destaca como o direito mais violado neste período. Mediante a baixa fiscalização e ineficientes políticas públicas voltadas à proteção da categoria, as incertezas acerca do futuro resumem a busca pelo sustento familiar a uma constante exposição na rotina de trabalho, fruto da desvalorização da vida destas trabalhadoras pelos empregadores (e pela sociedade em geral). 

2. PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO 

O direito do trabalho, como ramo autônomo da ciência jurídica, remonta ao contexto da revolução industrial inglesa do século XVIII. No entanto, como esforço para cumprir tarefas economicamente apreciáveis, tem origem longínqua na história da humanidade, passando pela Antiguidade clássica, Idade Média e Idade Moderna (DELGADO, 2016). Na antiguidade clássica, no mundo greco-romano, o trabalho, assim como aqueles que o realizavam, ficavam reduzido a coisas que serviam de base para o estabelecimento do regime escravista. O escravo era encarregado do trabalho material, enquanto o trabalho intelectual era tarefa dos homens livres. No registro desse tipo de relação, o escravo perdia a posse do próprio corpo e não era considerado ser humano nem possuía direitos. Além disso, em Roma era possível vislumbrar um regime de trabalho livre, destinado a escravos libertos e aos pobres (MACHADO, 2017).

No início da Idade Média, o trabalho escravo sofreu um declínio significativo e o trabalho material passou a ser executado pelo servo, na instituição da servidão. Do ponto de vista material, as condições do trabalho escravo e as da instituição da servidão dificilmente diferiam, exceto pela questão da liberdade que assistia o servo (DELGADO, 2016). Por fim, a revolução industrial inglesa, como já foi referido, originou o direito do trabalho pelo fato de que neste período surgirem péssimas condições de trabalho, juntamente com a excessiva jornada de trabalho, a exploração da mão-de-obra feminina e de menores, em busca do lucro e como consequência dos excessos da autonomia liberal. Nesse cenário foi necessário buscar melhorias nas condições de trabalho e assim nasceram os primeiros sindicatos, que, com a pressão por eles exercida, influenciados pelos ideais de justiça social da Igreja Católica, o Estado começou a intervir na economia e a legislar sobre medidas de proteção contra abusos do empregador, surgindo, posteriormente, os princípios do direito do Trabalho (DELGADO, 2016).

No que tange aos princípios do direito do Trabalho, os mesmos são preceitos que orientam determinado domínio, jurídico ou não. Tais princípios são essenciais para o desenvolvimento do trabalho (DELGADO, 2016). Serão abordados nesta sessão os seguintes: Princípio da Proteção, Princípio da Irrenunciabilidade, Princípio da Primazia da Realidade e o Princípio da Continuidade da relação de emprego. A frente explica-se cada um, com base em documentos oficiais. De início, pontua-se o Princípio da Proteção, que constitui a própria essência do direito do trabalho e visa proteger a parte insuficiente da relação jurídica de trabalho, buscando nesta relação o equilíbrio e a satisfação de igualdade substancial. Ademais, tal princípio possui amparo legal no artigo 5 da Constituição Federal, do qual dispõe o seguinte:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (BRASIL, 1988).

Deste princípio fluem três subprincípios, segundo Delgado (2016), o In dúbio pró operário que traz que quando uma regra sugere interpretações diferentes que questionam o aplicador sobre qual delas deve ser aplicada, o trabalhador deve sempre beneficiar delas; a Aplicação da norma mais favorável, onde se houver, perante o aplicador da lei, várias regras que possam ser utilizadas no mesmo caso, o aplicador deve utilizar aquela que for mais favorável ao trabalhador; e a Condição mais benéfica, que ocorre em caso de modificação posterior do contrato de trabalho, fica garantida a manutenção dos direitos mais vantajosos para o trabalhador.

O Princípio da Irrenunciabilidade afirma que normas trabalhistas são de ordem pública e têm caráter obrigatório, não podendo as partes derrogá-las conforme sua vontade (BOMFIM, 2018). Este princípio tem amparo legal no artigo 444 da Consolidação das Leis trabalhistas, do qual dispõe que:

Art. 444 – As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (BRASIL, 1943).

Sendo assim, conforme o entendimento de que a regulamentação do trabalho visa garantir a proteção do trabalhador, ela não pode ser deixada à autonomia da vontade, ou seja, visa, por exemplo, impedir que o empregador peça ao trabalhador a renúncia de certos direitos, para que ele possa obter trabalho. (DELGADO, 2016). O Princípio da Primazia da Realidade, pontua que o que se busca na apuração da relação jurídica de trabalho é a real verdade dos fatos, de modo que não importa como um fato foi construído, mas sim como ele realmente ocorreu. Tal princípio é amparado pelo nº 6º da Constituição Federal. Ademais, portanto, esse princípio orienta, por exemplo, as questões relativas à existência de vínculo empregatício. Nestes casos, o contrato-realidade está em vigor desde que siga os requisitos do art. 2ª e 3ª CLT. (DELGADO, 2016). E por fim, o Princípio da Continuidade da relação de emprego objetiva preservar o contrato de trabalho, já que assegura, por exemplo, a segurança do trabalhador, tanto do ponto de vista econômico como de outros direitos sociais (DELGADO, 2016).

De forma geral, é importante ressaltar que todos esses princípios de trabalho citados anteriormente acabam por conduzir a dois dos alicerces sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito no Brasil, que é a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, respectivamente prevista nos capítulos III e IV do artigo 1º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Ainda neste tópico é importante pontuar acerca da liberdade sindical no brasil e a convenção de 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), visto que, com a promulgação, em 1988, da atual Constituição Federal, a sociedade brasileira entrou em uma nova era, emergindo, segundo Delgado (2016), neste momento a ruptura do regime ilegítimo imposto em 1964, surgindo um novo estado, fundado em valores democráticos norteados pela dignidade da pessoa humana, principal alicerce da República do Brasil e princípio primordial do constitucionalismo dos dias atuais

A nível trabalhista e sindical ocorreram inovações e melhorias, mas, a par dos avanços, persistem retrocessos significativos, especialmente no domínio sindical, isto é, ainda vigorava o cerne do autoritarismo corporativo de 1937, adotado pela própria constituição. Assim, o regime sindical brasileiro se baseava em um tripé: competência regulatória da justiça do trabalho (enfraquecida pela emenda constitucional 45/2004, que exigia um “acordo comum”); contribuição sindical obrigatória (extinta pela lei 13.467 / 2017) e unicidade sindical (BARROS, 2016). O sistema sindical do Brasil não obedecia ao princípio da liberdade sindical, expressamente defendido pela OIT. Segundo Brito Filho (2018, p. 79), a liberdade sindical é um dos postulados fundamentais e essenciais da OIT, sendo que:

[…] consiste no direito de trabalhadores (em sentido genérico) e empregadores de constituir as organizações sindicais que reputarem convenientes, na forma que desejarem, ditando suas regras de funcionamento e ações que devam ser empreendidas, podendo nelas ingressar ou não, permanecendo enquanto for sua vontade.

Para um melhor entendimento, a liberdade sindical é fragmentada em duas vertentes, a individual e a coletiva. A primeira é alcançada por meio das ações de liberdades sindicais individuais de filiação, não filiação e desfiliação; o segundo em liberdades sindicais coletivas de administração, organização e exercício de funções (GARCIA, 2018; BRITO FILHO, 2018). Ademais, como princípio primordial do direito sindicalistas, a liberdade sindical acaba por ser uma verdadeira unanimidade não só para a OIT, mas, sobretudo, para grande parte do sistema jurídico (BRITO FILHO, 2018).

Garcia (2018) destaca que a liberdade sindical é de suma importância para o direito do trabalho e, ao lado da livre comparação entre trabalho e capital, constitui um verdadeiro alicerce da democracia, pois não há necessidade de se falar em democracia sem mencionar liberdade sindical. Apesar do seguimento de sucessos em diversos campos do direito, Constituição Federal de 1988 perdeu a oportunidade de incluir o Brasil na lista dos países que adotam o sindicalismo com modelo de liberdade efetiva.

A Constituição de 1988 instituiu em seu artigo 8º, capítulo II, a unidade sindical, inserindo-a no capítulo II do Título II, tornando-a, desta maneira, uma categoria de Cláusula Pétrea, sendo, portanto, rígida e permanente, conforme o artigo 60, §4ºda constituição (BRASIL, 1988). A OIT estabeleceu, no dia 9 de julho de 1948, a Convenção 87, da qual estabelecia as linhas de ensino de liberdade sindical e a proteção dos direitos sindicalistas. Dessa forma, dispôs no artigo 2º desta convenção que os trabalhadores e empregadores, têm o direito de fundar, as organizações de sua escolha, bem como também, podem aderir a essas organizações, conforme seus estatutos (GARCIA, 2018). Outrossim, no o artigo 3º, foi estabelecido que as organizações de trabalhadores e empregadores possuirão o direito de elaborar seus próprios estatutos administrativos, eleger de forma livre seus representantes, organizar sua gestão e atividades e formular seu próprio programa de ação (GARCIA, 2018).

E, finalmente, o Artigo 8 indica que, na prática de seus direitos reconhecidos pela Convenção, os trabalhadores, patrões e suas respectivas instituições devem, como outras pessoas ou instituições, respeitar a lei, sendo que esta não pode prejudicar ou ser aplicada em forma que prejudique as garantias estabelecidas nesta Convenção (GARCIA, 2018). Entende-se, portanto, que a OIT difundiu a liberdade sindical por meio da afirmação do princípio internacional da liberdade dos sindicatos como vetor orientador para a melhoria das condições de trabalho, a garantia da paz e a sanção da liberdade fundamental da pessoa humana.

A unicidade sindical, disposta na Constituição Federal de 1988 é um mecanismo contrastante com a total liberdade sindical proposta pela Convenção da OIT 87/48, em especial porque autoriza o uso do sistema de pluralidade da União. Enquanto a unidade sindical restringe a liberdade de constituir e participar livremente em sindicatos, o modelo da pluralidade sindical, permite a criação, no mesmo local, de diversos sindicatos representativos de trabalhadores ou empresários da mesma área (BRITO FILHO, 2018).

Ademais, com base no que foi explanado, é notório que a liberdade sindical só poderá ser adotada quando houver pluralidade sindical, para possibilitar a adesão conforme a vontade de trabalhadores e empregadores. Outrossim, a unicidade sindical que é empregada no Brasil não assegura, desta forma, a liberdade sindical, pois não há direito de filiação sindical do trabalhador e do empregador, uma vez que a filiação diz respeito a apenas a uma única organização. 

2.1 AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL EM MEIO AO CORONAVÍRUS

A covid-19 teve muitos impactos nas relações de trabalho. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) (2020), estudiosos de todo o mundo questionam se as nações proporcionaram respostas precisas ao impacto da crise e se as pessoas mais vulneráveis estão devidamente apoiadas. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) (2020), os impactos causados não são apenas uma crise global de saúde, como muitos argumentam, mas também uma severa crise do mercado de trabalho e econômica, da qual impactou principalmente as pessoas mais vulneráveis. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) (2020, p. 01), “cerca de 25 milhões de empregos podem ser perdidos em todo o mundo devido ao coronavírus”. Daí a necessidade de as nações agirem rapidamente para que esta crise provocada não assumisse maiores proporções, como a adoção do teletrabalho.

Mudanças da crise produzida pela Covid-19, que já ocorreram, que ocorrem e ocorrerão no futuro, estão em todas os âmbitos e níveis sociais, na indústria, na produção, em recursos humanos (empresas públicas e privadas) nas atividades profissionais, formais e informais, que constituem uma atmosfera de ansiedade e incerteza de todos e em relacionamentos interpessoais profissionais, sociais e familiares (BRASIL, 2020). Ademais, um dos principais efeitos causado pela pandemia no mundo do trabalho é a questão das relações de trabalho, pois as medidas para conter a disseminação da Covid-19 incluíram o isolamento e o distanciamento social, com o consequente fechamento temporário de empresas (BOMFIM, 2020).

Segundo Cavalcante et al. (2020), com o aumento dos casos de covid-19 no Brasil, inúmeros decretos foram emitidos pelo governo federal, estadual e municipal para estabelecer a suspensão temporária de atividades não essenciais, porém, de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), seu art. 486 tem a seguinte disposição legal:

Art. 486 – No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável (BRASIL, 1943).

Isso significa que se os empregadores sofrerem perdas resultantes do estado de paralisação de atividades não essenciais, eles podem buscar reparação do governo responsável, mas os governos podem invocar casos de força maior. portanto, apesar do estado de isolamento social ser extremamente importante durante uma pandemia, ele acaba sendo um pouco complicado de aplicar devido às “lacunas” que existem na legislação. neste contexto confuso, determinados tipos de trabalho, que antes ocupavam um lugar secundário na sociedade, surgiram, portanto, como solução para diversos problemas. é o que se nota ao observar o teletrabalho, o home office e a prestação de serviços através de plataformas digitais (CAVALCANTE et al., 2020).

Dessa forma, portanto, segundo Bolduan (2020), o momento presente possui características únicas, diferente de todos os períodos anteriores, ou seja, nunca houveram tantas mudanças e, sobretudo, tão rapidamente, em um curto período de tempo. tal ocorrência da sociedade contemporânea reflete-se nos seus mais diversos aspectos, isto é, mesmo as instituições mais sólidas acabam por ceder, ainda que minimamente, ao ritmo da modernidade.

3. DESVALORIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DAS EMPREGADAS DOMÉSTICAS NO PERÍODO DE PANDEMIA DA COVID-19

A definição do trabalhador doméstico não é um consenso de um ponto de vista legal. Sendo assim, as divergências giram em torno, primordialmente, no critério de continuidade do trabalho. Assim, discute-se, por exemplo, se o diarista é trabalhador doméstico ou não. A divergência deve-se à interpretação do termo “natureza continuae” que figura na definição de empregado doméstico a que se refere o artigo 3º do decreto-lei 71.885/1973, que define que: “considera empregado doméstico aquele que presta serviço de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas” (BERNARDINO-COSTA, 2007, p. 19). Culturalmente, o trabalho doméstico é considerado um lugar feminino. Apesar do crescimento recente de homens nessas atividades, mais de 90% do contingente ​são mulheres, segundo Oliveira (2013). Dessa forma, é a principal atividade que atinge ​mulheres brasileiras, o que representa um quinto do total de mulheres trabalhadoras.

A Pesquisa Nacional Continuada por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2019, indicou que ​6,23 milhões de brasileiros pertencem à categoria de serviços domésticos, dos quais 92,7% são mulheres, sendo mais de 6 milhões de trabalhadores. Ao comparar os dados apresentados pela pesquisa com a realidade da sociedade brasileira vigente, é perceptível que o trabalho doméstico é de grande importância para ​mulheres, que representam 15 % das trabalhadoras assalariadas (PINHEIRO; TOKARSKI; VASCONCELOS, 2020). Sendo assim, os números indicam uma forte diferença de gênero dentro da categoria de trabalho. 

Pertencente a uma sociedade capitalista e patriarcal, o trabalho de cuidado permanece ​ininterrupto da responsabilidade das mulheres, permitindo, através da externalização do trabalho doméstico,​os homens continuarem a não assumir a sua função nas funções domésticas (PINHEIRO; TOKARSKI; VASCONCELOS, 2020). A pandemia da Covid-19 destacou as vulnerabilidades enfrentadas por mulheres trabalhadoras na categoria de trabalho doméstico, a maioria composta por uma classe social e econômica desfavorecidas.

A padronização do conceito ​de “parte da família”, criado pelos empregadores para diminuir a necessidade de respeitar a lei e os direitos dos ​trabalhadores e, assim, justificar os abusos que cometem com seus funcionários e isto é ainda mais recorrente neste período pandêmico. De acordo com a Federação Nacional de Trabalhadores Domésticos (Fenatrad), o instituto registrou aumento de 60% nas reclamações de mulheres forçadas a prestar serviços domésticos perante ​ameaças de demissão ou congelamento de salários (MASSUELLA, 2020). Sendo assim, a taxa elevada de contaminação no transporte ​para ir ao trabalho permitiu com que trabalhadoras pernoitem nos domicílios onde trabalham, e muitas vezes essas mulheres que passam a morar com​empregadores tornam-se reféns, trabalhando durante toda sua permanência na residência sem o devido aumento salarial proporcional.

Em 2015, após muita persistência na categoria, o trabalho doméstico foi regulamentado ​pela PEC 72/05. No esforço de igualar e estabelecer a igualdade entre os diferentes grupos de trabalho, a lei garante uma série de direitos trabalhistas básicos, ​como a definição de jornada de trabalho e teto salarial para todas as​trabalhadoras domésticas que trabalham para o mesmo empregador mais de​duas vezes por semana (MASSUELLA, 2020). Outrossim, o que caracteriza o trabalho doméstico é a atribuição de uma atividade sem fins lucrativos e que a legislação trabalhista seja utilizada a favor da pessoa ou da família. Sob este viés, foi definido pela 3ª Região do Tribunal Regional do Trabalho:

[…]  RELAÇÃO  DE  EMPREGO  DOMÉSTICO.  A  Lei  Complementar  150/2015 conceitua o empregado doméstico como aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana […] ((TRT da 3.ª Região;PJe:0010604-88.2019.5.03.0052 (RO); Disponibilização:10/06/2020, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 551; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator:Adriana Goulart de Sena Orsini, grifo acrescido).

Portanto, em termos gerais, lucro pode ser entendido como a exploração da mão de obra com o objetivo de obter ganhos econômicos com a obra executada. Os empregadores, mesmo em tempos normais, tendem a burlar a lei ao não assinar a carteira de trabalho ​e, portanto, deixar de garantir os direitos sindicais de seus empregados.​Atualmente, no Brasil, apenas 28% dos trabalhadores domésticos​possuem carteira de trabalho formal, resultando em uma constante falta de estabilidade econômica para a maioria​dos 5,7 milhões de brasileiros nesta situação (MASSUELLA, 2020).

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a categoria de ​trabalhadores domésticos têm sido intensamente influenciada pela crise covid-19 atingindo o número dos quase 2. milhões de trabalhadores que perderam seus empregos (PINHEIRO; TOKARSKI; VASCONCELOS, 2020). Com a oferta massiva de mão-de-obra decorrente das demissões geradas pela crise, aumenta ​o desinteresse em garantir os direitos por parte dos empregadores. Por motivos de necessidades, como o sustento da família, os trabalhadores domésticos tendem a aceitar a ilegalidade e a submeter-se às condições de trabalho próximo à escravidão. Sendo assim, trabalhadoras domésticas não regulamentadas estão trabalhando sem o uso devido máscaras, luvas ou álcool gel, haja vista que não são fornecidos pelo empregador, e tais itens são ​alicerces para garantir a saúde de dos empregados domésticos em meio à pandemia (MASSUELLA, 2020).

A categoria de domésticas diaristas, aquelas que prestam serviços ocasionais a mais de um ​empregador, atendendo ao limite de uma ou duas vezes por semana no mesmo domicílio, é a mais atingida entre o grupo das empregadas domésticas (MASSUELLA, 2020). Diante das mesmas condições precárias de prevenção para a Covid-19, as diaristas tendem a ter contato intenso com um número maior de indivíduos.  Sem supervisão adequada, essas mulheres se encontram em risco em meio à maior crise de saúde do século (MASSUELLA, 2020). Sendo assim, a partir do momento em que seus serviços são extremamente desvalorizados, o isolamento social causa, para aqueles que ainda mantêm seus empregos, um aumento considerável na demanda por mão de obra sem um aumento proporcional dos salários.

Após noções relacionadas à atividade doméstica, este tema passa a compreender as peculiaridades desse ambiente de trabalho e sua correlação com a dificuldade de fiscalização diante da pandemia da Covid-19 (OLIVEIRA, 2020). O primeiro ponto a ser discutido diz respeito ao ambiente de trabalho doméstico, que se caracteriza pelo ambiente familiar de seu empregador, o que dificulta o controle da atividade urbana e levanta o seguinte questionamento: como saber quais serão os empregadores que respeitarão o isolamento social para assegurar a saúde de seu trabalhador?

Quanto à dificuldade de fiscalização do ambiente laboral doméstico, Marques (2018, p. 33) reflete que “[…]a fiscalização pelos órgãos competentes não pode e não deve estender seus limites às residências, ou seja, não vai ocorrer qualquer tipo de fiscalização, o que se reverterá em inúmeras ações judiciais trabalhistas. […]”e, além disso, o Ministério do Trabalho e Emprego, em agosto de 2014, emitiu a Instrução Normativa nº110, da qual regulamentou os procedimentos para a fiscalização a respeito da proteção do trabalhador doméstico. Portanto, a instrução regulamentar em questão determina como deve ser realizada a fiscalização do meio ambiente laboral pelos órgãos competentes.

Ademais, o fundamento da obrigação do empregador de garantir a integridade psicofísica e material do trabalhador ​está previsto na CLT , em seu art. 157 (OLIVEIRA, 2018). No caso citado anteriormente – óbito de empregada doméstica após contaminação de ​por COVID19, o empregador, já ciente do risco de ter sido contaminado e, conforme relatado, já aguardando o resultado do exame médico, é necessário de falar da culpa do empregador. Consequentemente, ele não deveria ter colocado sua funcionária em risco de ser contaminada. Neste caso, mesmo que existam as causas contributivas, o empregador ​deve responder pelo falecimento do trabalhador.

A contaminação pela COVID-19 foi causa direta e imediata do desfecho do óbito. Nesse sentido, a multiplicidade de causalidade deve ser resolvida pela teoria da causalidade direta e imediata aceita pelo ordenamento jurídico brasileiro através do artigo 403 do Código Civil, conforme diz que:

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual (BRASIL, 2002).

Portanto, se vários fatores têm contribuído para a produção do dano, então não se deve entender todos os como a causa, mas apenas aqueles que estão relacionados com o dano em uma relação de necessidade. Assim, levando em consideração a contaminação do trabalhador doméstico em seu ambiente de trabalho ​e a contribuição do empregador doméstico para esse resultado, mesmo que tenha causas contribuintes, o empregador deve ser responsável pelo acidente de trabalho aplicando a teoria​de direito direto e imediato ao dano.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Ao final deste estudo, ao observar os objetivos: Geral e Específicos, conforme descritos nas revisões literárias, verifica-se que o estudo constatou que a Covid-19 é uma emergência de saúde de classe mundial que está causando um verdadeiro colapso, não apenas na saúde, mas também na economia e, em muitos outros setores, mudando a vida de milhões de pessoas em todo o mundo. Além disso, as mudanças nas relações de trabalho provocaram e ainda têm provocado diversas mudanças, conferindo ao empregador maior responsabilidade civil frente à nova crise do coronavírus e levando-o a adaptar o ambiente de trabalho. É perceptível que as medidas trouxeram a face da legislação trabalhista junto com a inclusão de ações previstas pelas duas medidas provisórias editadas pelo governo como resposta à ameaça do desemprego. 

O método utilizado demonstrou que os riscos para a classe são evidentes, uma vez que não se foi respeitado sequer o isolamento social das empregadas domésticas. A partir do momento em que o trabalho doméstico põe em risco a vida, tanto do trabalhador e de sua família, este não é essencial. Ao buscar responder a problemática do estudo: Como a pandemia tem contribuído para essa precarização e desvalorização do trabalho das empregadas domésticas? Verificou-se por meio de subsídios das pesquisas que a pandemia iniciada em 2019 que afeta o mundo as domésticas tiveram um aumento na precarização e desvalorização de seus serviços, sendo um dos principais fatores a vulnerabilidade econômica. Além disso, o desrespeito ao direito das trabalhadoras domésticas surgiu mediante a necessidade de cumprirem o isolamento social e tentarem se proteger a si e aos seus do vírus, havendo em casos, obrigatoriedade de trabalho, pontuando que a precarização aumentou o risco de contágio de patrão para empregada.

REFERÊNCIAS

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito trabalhista. 10 ed. São Paulo, 2016.

BERNARDINO-COSTA, J. Sindicato das trabalhadoras domésticas no Brasil: teorias da descolonização e saberes subalternos. 2007. 287 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2007.

BOMFIM, Vólia. Coronavírus: medidas que podem ser tomadas pelos empresários. GenJurídico São paulo, 16 de março de 2020. 

BOMFIM, Vólia. Direito do Trabalho mediante Reforma Trabalhista. 16ª ed. São Paulo: Método,2018.

BOMFIM, Vólia Cassar. Direito do Trabalho, 8.ed.São Paulo:Método, 2013.

BOLDUAN, Fábio Miguel. MP 927 e MP 936: novas regras trabalhistas para superar a crise. Santa Catarina, 2020. 

BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas. 1943. 

BRASIL. LEI Nº 13.467, DE 13 DE JULHO DE 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. DIÁRIO OFICIAL DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, Poder Executivo, Brasília, DF, 14.7.2017. 

BRASIL. Medida Provisória 927, de 22 de março de 2020. Dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), e dá outras providências. DIÁRIO OFICIAL DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, Edição Extra – L, Brasília, DF, 22 Mar 2020. 

BRASIL. Medida Provisória 936, de 01 de abril de 2020. Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dá outras providências. DIÁRIO OFICIAL DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL,Edição extra – D, Brasília, DF, 01 Abril 2020. 

_________. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 

_________. Lei Complementar n.º 150, de 01 de junho de 2015. Dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Distrito Federal: Brasília, 01 jun. 2015.

_________. Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Recurso Ordinário 0000252- 22.2014.5.01.0531/RJ. Relator: Des. Enoque Ribeiro dos Santos. Diário do Judiciário Eletrônico, Rio de Janeiro/RJ, 27 jun. 2017. 

_________. Código Civil. 2002. 

BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Direito sindical. 7. ed. – São Paulo: LTr, 2018.

CAVALCANTE, J. Q. P.; JORGE NETO, F.F.; WENZEL, L. C. M. CORONAVÍRUS: uma pandemia decretada e seus reflexos no contrato de trabalho. São Paulo, 2020. 

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15 ed. São Paulo, 2016.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 12. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.

MACHADO, Edinilson Donisete; NOMIZO, Sílvia Leiko. A fundamentalidade do direito ao acesso à justiça. 2015. 

MACHADO, José Lourran. A importância da negociação coletiva para a solução de conflitos na seara trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22 n. 5195, 21 set. 2017. 

MASSUELLA, Luana. Mulheres pretas são as mais responsáveis por afazeres domésticos, segundo IBGE. 2020, São Paulo. 

OIT. Organização Internacional do Trabalho.2020. 

OLIVEIRA, R. B. A cidadania a partir de 1930 e sua relação com as categorias profissionais: uma leitura sobre o emprego doméstico. Revista Espaço de Diálogo e Desconexão, v. 2, n. 1, p. 1-22, 2013.

OLIVEIRA, Ariete Pontes de Oliveira. Responsabilidade objetiva do empregador. Programa de Pós-Graduação em Direito. 2017.

OLIVEIRA, Ariete Pontes de Oliveira. Responsabilidade objetiva do empregador por acidente do trabalho. Tese Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. 2020.

OMS. COVID-19 no Brasil. Organização Mundial da Saúde

PINHEIRO, L.; TOKARSKI, C.; VASCONCELOS, M. Vulnerabilidades das trabalhadoras domésticas no contexto da pandemia de Covid-19 no Brasil. 2020.