DIREITO DE SUCESSÃO EM CASO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA EFEITOS JURÍDICOS NO AMBITO SUCESSÓRIO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7922621


Bruno Almeida de Sousa¹
Cíntia Pereira Lima²
Genivaldo Pereira de Lima³
Vanessa Barbosa Simplicio Alves4
Dulcineia Bacinello Ramalho5


RESUMO

O direito de sucessão em casos de filiação socioafetiva tem sido objeto de debates e discussões no âmbito jurídico. A filiação socioafetiva ocorre quando existe uma relação de afeto, cuidado e convivência entre uma pessoa e seus pais, mesmo que não exista vínculo biológico ou adoção formal. Nesse contexto, a questão sucessória é relevante, uma vez que os filhos socioafetivos podem ter os mesmos direitos sucessórios que os filhos biológicos ou adotivos. O objetivo deste estudo é identificar a paternidade e maternidade socioafetiva para compreender os efeitos jurídicos decorrentes desse reconhecimento, com ênfase nos direitos sucessórios. A metodologia utilizada é de caráter qualitativo e exploratório, já que a pesquisa exploratória tem como objetivo principal desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, considerando a formulação de problemas mais específicos. Espera-se que este trabalho contribua tanto no âmbito acadêmico quanto no jurídico.

Palavras-chave: filiação socioafetiva. Direito de Sucessão. Multiparentalidade

ABSTRACT

The right of succession in cases of socio-affective filiation has been the subject of debates and discussions in the legal field. Socio-affective filiation occurs when there is a relationship of affection, care, and coexistence between a person and their parents, even if there is no biological or formal adoption link. In this context, the succession issue is relevant, since socio-affective children may have the same succession rights as biological or adopted children. The objective of this study is to identify socio-affective paternity and maternity to understand the legal effects resulting from this recognition, with emphasis on succession rights. The methodology used is qualitative and exploratory, since exploratory research aims to develop, clarify, and modify concepts and ideas, considering the formulation of more specific problems. It is expected that this work will contribute both academically and legally.

Keywords: Socio-affective filiation. Right of succession. Multiparenthood.

1. INTRODUÇÃO

A pesquisa tem como tema o direito de sucessão em caso de filiação afetiva, seguindo com o embasamento mais afundo nas questões jurídicas que as cercam, como os efeitos jurídicos no âmbito sucessório.

Dessa forma é preciso destacar que o parentesco socioafetivo, em regra, acontece após o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, desta forma gerando alguns direitos pessoais e patrimoniais que lhe são cabíveis.

A filiação socioafetiva, já é algo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que caracteriza uma situação totalmente inovadora para o direito de família, pois permite a existência de reconhecimento de dupla maternidade e paternidade na certidão de nascimento, com base no afeto. Pois uma vez que reconhecida a paternidade ou a maternidade ela é irrevogável, conforme diz no Art. 1º da lei 8.560/92.

Mediante isso, o Direito de Sucessão é uma área do Direito que regula a transferência do patrimônio de uma pessoa após a sua morte. No entanto, a questão da filiação socioafetiva vem gerando discussões acerca dos seus efeitos jurídicos no âmbito sucessório.

A filiação socioafetiva se caracteriza quando a relação entre pais e filhos não decorre de laços biológicos ou legais, mas sim de vínculos afetivos estabelecidos ao longo do tempo. Essa relação é reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro desde 2008, pela Lei nº 12.010/2009, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente.

O problema a ser investigado nesta pesquisa diz respeito aos efeitos jurídicos e sucessórios resultantes do reconhecimento da filiação socioafetiva. O objetivo geral é identificar a paternidade e maternidade socioafetiva para compreender os efeitos jurídicos decorrentes desse reconhecimento, com ênfase nos direitos sucessórios. Além disso, os objetivos específicos incluem a análise do conceito de evolução da família e filiação socioafetiva, a compreensão dos efeitos jurídicos decorrentes do reconhecimento da filiação socioafetiva, bem como a investigação do Direito Sucessório e de como se aplica àqueles que são reconhecidos por meio da filiação socioafetiva.

As hipóteses da pesquisa sugerem que as relações de filiação socioafetiva são reconhecidas pelo Estado, e é por meio desse reconhecimento que seus efeitos jurídicos passam a ter validade, visando garantir o bem-estar da criança. O reconhecimento da paternidade ou maternidade afetiva pode gerar consequências pessoais e patrimoniais tanto para os pais quanto para os filhos em questão. No entanto, quando reconhecidos, os filhos estão assegurados do direito ao recebimento de alimentos e à convivência com a base familiar.

Nesse ínterim, a presente pesquisa tem como justificativa a necessidade de se compreender os novos modelos de famílias que vêm surgindo ao longo dos anos, os quais não se enquadram mais no modelo tradicional. É importante destacar que as famílias socioafetivas não buscam apenas aceitação, mas sim o reconhecimento de algo que já é uma realidade em suas vidas. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a ideia de família patriarcal foi encerrada e novas formas de entidades familiares surgiram, em razão da valorização do sentimento de afeto.

Diante desse contexto, é evidente que o tema abordado nesta pesquisa é de extrema relevância para o Direito de Família. Com a criação de novas formas de filiação, foi necessário adaptar a legislação referente aos direitos e garantias do filho socioafetivo, garantindo-lhes tratamento igualitário ao do filho biológico em relação a questões como nome, guarda, alimentos e herança (BRASIL, 2022).

2. METODOLOGIA

O presente estudo partira de uma metodologia de caráter qualitativo e exploratória, visto que, a pesquisa exploratória possui como meta principal desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, considerando a formulação de problemas que sejam mais pontuais. Dessa forma, ressalta-se que é preciso ter planejamento para realizar o estudo (GIL, 1999).

Assim, é preciso destacar também que para os autores Aaker, Kumar & Day (2004), a pesquisa exploratória envolve a abordagem qualitativa, tal como o uso de grupos de discussão; geralmente, caracteriza-se pela ausência de hipóteses, ou hipóteses pouco definidas, como é o caso dessa pesquisa, que ao longo da construção desse projeto buscamos discutir a temática.

Dessa maneira, também trata-se de uma pesquisa bibliográfica, onde será utilizado: livros, artigos, dissertações e teses, a busca será realizada de maneira presencial e pela internet.

Assim, a pesquisa bibliográfica possibilita que o pesquisador esteja em contato direto com o que já foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto. Por isso, durante a pesquisa será seguido um roteiro de leitura, escrita, sistematização dos dados e escrita

3 A ORIGEM E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA

A família é uma instituição que existe desde o início da humanidade e que sempre passou por transformações e evoluções ao longo do tempo. A origem do conceito de família remonta a épocas remotas, quando o homem primitivo vivia em grupos nômades e as relações sociais eram baseadas na cooperação e na divisão de tarefas. Segundo Durkheim (1995, p. 59), a família primitiva era caracterizada pela “relação religiosa, pelo papel da mulher como matriz, pela organização da consanguinidade e pela importância da filiação”.

Com o surgimento da agricultura, há cerca de 10 mil anos, a família passou por mudanças significativas, tornando-se uma instituição mais complexa. A partir de então, a família deixou de ser apenas um grupo de indivíduos que viviam juntos por necessidade de sobrevivência e passou a ter outras funções, como a proteção do patrimônio, a transmissão de valores e a educação dos filhos. Segundo Engels (2010, p. 50), “com o advento da agricultura, os homens começaram a produzir mais do que era necessário para a subsistência imediata, o que permitiu a acumulação de riqueza e o surgimento da propriedade privada”.

Durante a Idade Média, a família era considerada uma instituição sagrada, uma “pequena igreja” governada pelo marido e sustentada pela esposa. O

casamento era indissolúvel e o principal objetivo era a procriação, para garantir a continuidade da linhagem. Com o passar do tempo, a família foi sofrendo modificações devido a diversos fatores, como a Revolução Industrial, que transformou a economia, e a secularização, que reduziu a influência da religião. A família moderna é muito diferente da família medieval, e a tendência é que continue mudando no futuro” (SANTOS, 2018, p. 34).

Atualmente, a família é vista como uma instituição que se adapta às mudanças da sociedade e que pode ser formada por diferentes arranjos familiares, como a família nuclear, a família monoparental, a família recomposta, a família homoafetiva, entre outras. De acordo com Barroso (2019, p. 112), “a família contemporânea é marcada pela diversidade e pela pluralidade, e tem como principais características a afetividade, a solidariedade e a autonomia dos seus membros”.

Desse modo de acordo com Abreu (2018) a origem e evolução da família passou por diversos desafios e processos de alterações, levando em consideração que antigamente o modelo familiar era visto somente de maneira hierarquizada, porém com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ocorreu a consagração concepções que assentem a igualdade e a pluralidade familiar.

O conceito de família disposto na Constituição de 1988 traz consigo diversos valores e princípios mais abrangentes e necessários advindos de muita luta ao longo da história, é o alcance, portanto direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana (artigo 1°, III, da CF), este direito pode ser atrelado a pluralidade da decisão do que é família para cada pessoa, fugindo do padrão normativo e conservador; isonomia, importantíssimo pois, reafirma a igualdade de direitos e deveres do homem e da mulher e o tratamento jurídico igualitário dos filhos (artigo 5°, I da CF), a partir deste direito a mulher pode ter voz e deixar de ser submissa ao marido; a solidariedade social (artigo 3º, I da CF) é a afetividade que, nesse contexto, ganha dimensão jurídica fazendo parte desta referida pesquisa (YASSUE, 2010).

Outro ponto é que de acordo com os autores Bastos e Bonelli (2016) a evolução familiar se deu a partir do decreto lei nº 4.737, de 21 de outubro de 1949, foi visto com um marco, pois, retratou o reconhecimento e a investigação de filhos advindos de adultério ou de incestos, desde que houvesse a separação conjugal pelo pai da criança.

4 A FILIAÇÃO

No passado, os filhos eram classificados de maneira discriminatória com base em sua origem, se gerados dentro ou fora do matrimônio, como forma de preservação do núcleo familiar. A discriminação era tão intensa que a legislação de 1916 proibia expressamente o reconhecimento de filhos incestuosos e adulterinos (VIEIRA, 2015).

No entanto, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a igualdade entre os filhos, independentemente da origem, e proibiu o uso de termos discriminatórios em relação à filiação. Essa mudança na legislação foi baseada no princípio da dignidade da pessoa humana e pôs fim a um longo período de discriminação no Brasil (BRASIL, 1988).

Dessa forma, Tartuce e Simão (2010) afirmam que a filiação é definida como a relação jurídica entre os ascendentes e descendentes de primeiro grau, seja por consanguinidade ou outra origem, conforme Tartuce e Simão (2010, p. 332).

Assim de acordo com os estudos de Denise Tiemi Fugimoto (2014), a filiação é definida como a relação jurídica que existe entre os ascendentes e descendentes de primeiro grau, como pais e filhos, envolvendo uma conexão de parentesco consanguíneo ou não, que une uma pessoa àquelas que a geraram ou que a acolheram em seus lares como se fossem seus próprios filhos.

4.1 O Critério Socioafetivo

Em um primeiro momento é importante abordar que a filiação socioafetiva tem se tornado fundamental no âmbito das relações familiares e de acordo com Frota (2021) ela acontece através do reconhecimento jurídico da paternidade e ou maternidade onde não se há vínculo biológico, retrata o amor e cuidado que foi sendo desenvolvido em uma determinada família e gerou a afetividade.

Entende-se que caracterização de pai/mãe só pode ser reconhecida, efetivamente, quando houver o cuidado real de proteção, companheirismo, desempenho em cumprir o Estatuto da Criança e do adolescente, considerando que não é o vínculo biológico visto como legal que torna alguém legitimamente pai ou mãe, mas assim o cumprimento do dever legal para com aquele que, deverá ser reconhecido como filho legítimo, provocando então a filiação socioafetiva (OLIVEIRA e SANTANA, 2017)

Desse modo, os vínculos de afetividade são a essência no âmbito familiar sendo protegidos pelo Direito, visto que, o afeto é quem define a entidade familiar, ele que evidência se a criança e o adolescente estão sendo bem tratados e protegidos conforme a lei prever, por isso, trata-se de uma questão fundamental no âmbito do Direito (PEREIRA, 2006).

Mediante ao que se expõe, O art. 1593 do Código Civil, preconiza que o parentesco pode acontecer de maneira natural dentro do ambiente familiar ou de forma civil, a natural é a biológica e a civil é a adoção quando se é presente a afetividade. Ocorre que nem sempre a filiação é reconhecida civilmente, ocorrendo pela posse do estado de filho, sendo reconhecida pelo mundo jurídico como filiação socioafetiva, porém, para a questão sucessória esse reconhecimento é fundamental (BASTOS, 2016).

Dessa forma para exemplificar melhor vale apontar um entendimento jurisprudencial da Oitava Câmara Cível Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em que retrata:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR E ADOÇÃO. A entrega da filha pela apelante a desconhecidos e a permissividade dessa situação por longos 09 anos, caracteriza abandono e justifica a destituição do poder familiar. Da mesma forma, a consolidação dos vínculos afetivos entre o casal apelado e a menina, ao longo do tempo, muito bem demonstrado por testemunhas e laudos técnicos, retira qualquer possibilidade de indeferir a adoção pleiteada pelo casal apelado. NEGARAM PROVIMENTO (BRASIL, 2014).

O artigo 1.593 do Código Civil estabelece que o parentesco pode ser natural ou civil, e pode decorrer tanto da consanguinidade quanto de outra origem. Nesse sentido, é possível reconhecer a filiação socioafetiva como modalidade de parentesco civil, tendo em vista que a posse do estado de filho pode criar vínculos jurídicos de parentesco (BRASIL, 2002).

O autor Paulo Lôbo (2010, p. 233), afirma: “a posse do estado de filiação refere à situação fática na qual uma pessoa desfruta do status de filho em relação à outra pessoa, independentemente, dessa situação corresponder à realidade legal”

A filiação socioafetiva ocorre quando uma pessoa é criada e educada por outra, sem vínculo biológico, mas com o qual estabelece vínculos afetivos, de cuidado e responsabilidade. Nesses casos, a pessoa pode se sentir e ser vista como filho(a) e ter uma relação de paternidade ou maternidade socioafetiva.

O reconhecimento da filiação socioafetiva como modalidade de parentesco civil é importante para garantir os direitos e deveres decorrentes dessa relação, como a obrigação de prestar alimentos, herança, entre outros. A Jornada de Direito Civil, por meio do Enunciado 256, reforça essa posição, ao estabelecer que a posse do estado de filho constitui uma modalidade de parentesco civil.

5 O DIREITO DE SUCESSÃO

De acordo com, Maria Helena Diniz, o direito da sucessão é “o conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, em virtude de lei ou de testamento”(DINIZ, 2013, p. 19)

O autor Barrado, em seu estudo sobre Direito das Sucessões afirma:

Direito das Sucessões em sentido objetivo, é o conjunto das normas reguladoras da transmissão de bens e obrigações de um indivíduo em consequência de sua morte. No sentido subjetivo, mais propriamente se diria – direito de suceder, isto é, de receber o acervo hereditário de um defunto. A inquestionável a importância das sucessões no Direito Civil, porque o homem desaparece, mas os bens continuam(BARRADO, 2014)

Dessa maneira, é possível afirmar que o direito das sucessões consiste no campo do Direito Civil onde as normatizações realizam a regulamentação quanto o ato de transferência dos bens do falecido aos seus herdeiros, sendo por força do testamento ou da lei, onde a terminologia suceder remete ao significado de substituir um indivíduo por outro, adquirindo seus direitos e assumindo todas as suas obrigações (ABREU, 2018)

6 A LEGITIMIDADE DA CAPACIDADE SUCESSÓRIA E RECONHECIMENTO SUCESSÓRIO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

Em um primeiro momento a renomada escritora Maria Helena Diniz (2013) dispõe que: “a legitimação ou capacidade sucessória é a aptidão específica da pessoa para receber os bens deixados pelo de cujus, ou melhor, é a qualidade virtual de suceder na herança deixada pelo de cujus”.

Assim, considera-se o princípio da saisine como um importante aspecto do direito sucessório que é estabelecido pelo artigo 1.784 do Código Civil. Ele estabelece que a herança é transmitida aos herdeiros desde o momento da abertura da sucessão, ou seja, no momento da morte do de cujus. Para ser considerado herdeiro, é necessário que a pessoa exista no momento da relação ou que estejam concebidas e que possua capacidade para herdar (FERREIRA, 2017).

A primeira classe de herdeiros na vocação hereditária é a dos descendentes, que são considerados herdeiros necessários e antecedem os ascendentes e os cônjuges. No entanto, os cônjuges e os ascendentes podem concorrer com os descendentes. Essa escolha é baseada em razões de afetividade e na idade dos descendentes no momento da morte do de cujus (FERREIRA, 2017).

A partir desse entendimento, para ter direito a sucessão é preciso se atentar a previsão legal que é expressa no artigo 1.798 do Código Civil Brasileiro, que preconiza: “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” (BRASIL, 2002)

Ainda, dentro do Código Civil o artigo 1.799 rege sobre os indivíduos que também podem ser legitimados para suceder, sendo eles:

Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão; II – as pessoas jurídicas; III – as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação (BRASIL, 2002).

A partir disso, quando pensamos no reconhecimento sucessório através da filiação socioafetiva, entende-se que mesmo com as diferenças entre um filho biológico e parentalidade socioafetiva por outro, é plenamente possível a existência de simultaneamente de reconhecimento sucessório (OLIVEIRA e SANTANA, 2017).

6.1 O reconhecimento da multiparentalidade

O conceito de multiparentalidade refere-se a um arranjo familiar no qual há múltiplos vínculos de filiação, nos quais todos os pais assumem os deveres e direitos decorrentes do poder familiar, permitindo que os filhos usufruam desses direitos e deveres de forma recíproca. Esse conceito foi desenvolvido a partir de uma interpretação abrangente, integrativa e expansiva, tornando possível o reconhecimento de mais de um pai ou mãe para uma mesma pessoa, com a inclusão desses pais ou avós no registro de nascimento, bem como a alteração do nome da criança (RODRIGUES, 2019).

Essa abordagem da multiparentalidade tem origem na jurisprudência e doutrina, surgindo como uma forma de reconhecer as diversas formas de família e de proteger os interesses dos filhos, que podem ter vínculos afetivos com mais de uma pessoa que não necessariamente são biológicos (RODRIGUES, 2019).

Para o autor Paiano (2017) a multiparentalidade é um fenômeno que surge a partir dessa interpretação mais ampla da filiação e que reconhece a possibilidade de estabelecer vínculos afetivos e jurídicos com múltiplos pais e mães.

Para isso vejamos uma apelação em que houve o reconhecimento da multiparentalidade:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. PADRASTO E ENTEADO. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA ADOÇÃO COM A MANUTENÇÃO DO PAI BIOLÓGICO. MULTIPARENTALIDADE. Observada a hipótese da existência de dois vínculos paternos, caracterizada está a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade. Apelo provido (BRASIL, 2015).

Outro caso ocorreu em 2012, o Tribunal de Justiça de São Paulo tomou uma decisão histórica ao permitir que o nome da mãe socioafetiva fosse adicionado à certidão de nascimento de um jovem de 19 anos, sem retirar o nome da mãe biológica falecida. A mãe biológica morreu três dias após o parto e o pai do jovem se casou com outra mulher quando ele tinha dois anos. A madrasta, que sempre foi chamada de mãe, juntamente com o enteado, entrou com a ação para incluir o nome da mãe socioafetiva. O jovem sempre viveu harmoniosamente com o pai, a madrasta, a família da mãe biológica, que nunca foi esquecida (ABREU, 2015)

O resultado é que agora o jovem tem um pai, duas mães e seis avós registrados. A decisão reconheceu a multiparentalidade, que permite a existência de múltiplos vínculos parentais em uma família, considerando o afeto e o convívio familiar como fatores relevantes na formação da filiação (ABREU,2015).

6.1.1 Legitimidade sucessória a partir da multiparentalidade

Ao considerar o termo sucessão em seu sentido mais amplo, pode-se entender que ele está ligado à noção de continuidade, seja total ou parcial, de um terceiro, dos laços jurídicos que foram rompidos pelo seu titular original. No entanto, ao aplicar esse termo ao Direito Sucessório, ele tem uma conotação mais específica, como apontam Monteiro e Pinto (2009, p.1), que se refere à “transferência da herança ou legado após a morte de alguém para o herdeiro ou legatário, seja por força da lei ou em razão de testamento”.

A partir disso, em relação ao direito sucessório, No caso de multiparentalidade, os direitos sucessórios são reconhecidos tanto para os pais biológicos quanto para os pais afetivos, juntamente com seus parentes. A ordem de preferência e vocação hereditária disposta nos artigos 1.829 a 1.847 do Código Civil é observada (BRASIL, 2022).

Em caso de falecimento do pai ou mãe afetivos, o filho teria direito à herança em concorrência com os irmãos, mesmo que sejam unilaterais, e a doutrina e jurisprudência não fazem mais distinção entre irmãos bilaterais e unilaterais. É importante destacar que, se o pai ou mãe biológicos falecer, o filho também será considerado sucessor. Em caso de morte do menor, os pais dividiriam o patrimônio do falecido entre eles (ABREU, 2015).

Segundo o artigo 784 do Código Civil, assim que a sucessão é aberta, a herança é transmitida imediatamente aos herdeiros legítimos e testamentários. Isso implica que a transferência da herança ocorre de forma automática, sem nenhum atraso para os sucessores (BRASIL, 2002).

Entretanto, é importante ressaltar que a transmissão da herança não se restringe apenas à propriedade em si, como afirmado por Diniz (2013), mas abrange também todos os direitos, reivindicações, ações e exceções que o falecido possuía e que possam ser transmitidos. No entanto, devem ser excluídos dessa transmissão os direitos personalíssimos e as obrigações do falecido.

Vale ressaltar que a transferência instantânea da herança, mencionada no artigo 784 do Código Civil, está relacionada ao princípio conhecido como “droit de saisine”, que teve sua origem na França e tem como objetivo evitar que o patrimônio do falecido fique sem titularidade. Consequentemente, devido a essa previsão legal, há uma transmissão automática da propriedade da herança do falecido para seus herdeiros legítimos e testamentários, que antes pertencia ao de cujus. É importante destacar que essa transmissão não se limita apenas à propriedade em si, mas também abrange todos os direitos, pretensões, ações e exceções que o falecido detinha e que sejam transmissíveis, com exceção dos direitos personalíssimos e obrigações. (CHAVES; ROSENVALD, 2015).

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das mudanças ocorridas na estrutura familiar ao longo dos anos, o reconhecimento da filiação socioafetiva tornou-se um tema de grande relevância para o Direito de Família. Com o entendimento de que os laços afetivos são tão importantes quanto os laços biológicos, é necessário que a legislação referente aos direitos e garantias do filho socioafetivo seja adaptada de forma a garantir a igualdade de tratamento em relação ao filho biológico.

No âmbito sucessório, a filiação socioafetiva pode gerar efeitos jurídicos importantes, como a possibilidade de herança, desde que seja comprovado o vínculo afetivo entre o pai ou mãe socioafetivos e o filho. É necessário, portanto, que sejam realizados estudos e debates sobre o tema, de modo a garantir que as transformações sociais sejam refletidas de forma justa e adequada na legislação e jurisprudência.

Em suma, a filiação socioafetiva é um tema importante e atual no direito de família, e sua evolução trouxe consequências jurídicas significativas no âmbito sucessório. O reconhecimento dessa nova forma de filiação é fundamental para garantir os direitos dos filhos e dos pais afetivos, que devem receber tratamento jurídico equivalente ao da filiação biológica.

A legislação brasileira tem avançado para acompanhar essa evolução, especialmente com a aprovação do Estatuto da Família (Lei nº 13.105/2015), que reconhece a família como base da sociedade e amplia o conceito de família para além do casamento heterossexual, incluindo as uniões estáveis, famílias monoparentais e famílias formadas por afinidade ou afetividade.

No âmbito sucessório, é importante ressaltar que os filhos socioafetivos têm os mesmos direitos que os filhos biológicos, inclusive em relação à herança. A jurisprudência tem reconhecido a possibilidade de inclusão dos filhos socioafetivos na sucessão, desde que comprovada a relação de afeto e a intenção dos pais afetivos de estabelecer uma relação paterno-materno-filial duradoura.

Assim, conclui-se que o direito de sucessão em caso de filiação socioafetiva é um tema que requer atenção e estudo aprofundado, de modo a garantir que os direitos dos filhos e dos pais afetivos sejam respeitados e reconhecidos pelo ordenamento jurídico. A evolução do conceito de família e da filiação socioafetiva traz consigo a necessidade de atualização das leis e da jurisprudência, de modo a acompanhar as mudanças sociais e garantir a justiça e a igualdade no âmbito familiar e sucessório.

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RODRIGUES, Lauriani Araujjo Rosa. O DIREITO SUCESSÓRIO NOS CASOS DA MULTIPARENTALIDADE. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito das Faculdades Doctum de Guarapari, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. 21f. Guarapari, 2019. Disponível em: https://dspace.doctum.edu.br/bitstream/123456789/2981/1/O%20DIREITO%20SUCESS%C3%93RIO%20NOS%20CASOS%20DA%20MULTIPARENTALIDADE.pdf. Acesso em: 28 de mar de 2023.

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1 Acadêmico de Direito. Artigo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Uniron) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2023. E-mail: bruno.asousa@hotmail.com
2 Acadêmica de Direito. Artigo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Uniron) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2023. E-mail: cintialima16@outlook.com
3 Acadêmico de Direito. Artigo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Uniron) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2023. E-mail: genivaldodelimaa@gmail.com
4 Acadêmica de Direito. Artigo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Uniron) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2023. E-mail: Vanessasimplicio98@gmail.com
5 Professora orientador. Possui graduação em Direito pela Faculdade de Rondônia (1998). Atualmente é professora de ensino superior na Faculdade de Rondônia, na qual manteve vínculo no periodo de 30/07/2010 a 21/07/2014 e vínculo atual, desde 30 de janeiro de 2018. Mantém ainda vínculo com a UNISAPIEN.Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional e Direito Civil.