REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8215613
Rildo Alves Santos¹
Leonardo Diego Lins²
RESUMO
O objetivo deste estudo, é comparar como o direito fundamental à água é aceito pelo constitucionalismo, que se inspiram na ética do Buen Vivir e que apresentam a água em uma perspectiva biocêntrica, negando qualquer parte dos bens e enfatizando o vínculo entre homem e natureza. Utilizou-se do levante bibliográfico como metodologia. Concluindo, destaca que a garantia da água como direito fundamental envolve profundo respeito à sustentabilidade e ao meio ambiente em plena consideração. É importante destacar que a aceitação e garantia do direito à água devem ser destacadas acima das atuais ameaças de retrocesso e a necessidade de buscar alternativas para esta questão.
Palavras-chave: Direito das águas. Ambientalismo. Constitucionalismo.
ABSTRACT
The aim of this study is to compare how the fundamental right to water is accepted by constitutionalism, which are inspired by the ethics of Buen Vivir and which present water in a biocentric perspective, denying any part of goods and emphasizing the link between man and nature. The bibliographic survey was used as a methodology. In conclusion, it emphasizes that the guarantee of water as a fundamental right involves deep respect for sustainability and the environment in full consideration. It is important to emphasize that the acceptance and guarantee of the right to water must be highlighted above the current threats of regression and the need to seek alternatives to this issue.
Keywords: Water law. Environmentalism. Constitutionalism.
1. INTRODUÇÃO
Os direitos da água, como os direitos da Mãe Terra em geral, devem ter precedência sobre quaisquer outros direitos sociais e humanos. O seu reconhecimento e declaração é, portanto, mais do que uma exigência legal, é um ajustamento existencial. Pela necessidade de expressar (ou reduzir) nos ordenamentos jurídicos (expectativas normativas) o que se entende como ordem de conhecimento, expectativas cognitivas, considerações e apropriações no âmbito do aprofundamento e conhecimento científico sobre o elemento “água” em todas as suas formas e dimensões, é necessário na mesma medida traduzir em termos legislativos e legais compreensíveis, que tenham também em conta a sua prioridade existencial e fundamentalidade ecossistémica. Há certa ambivalência nos ordenamentos jurídicos que, embora reconheça e assegure a importância da água como elemento essencial para a sobrevivência e reprodução dos seres humanos e demais seres, nem sempre a eleva a um nível privilegiado de reconhecimento que pudesse fornecer políticas públicas.
A realidade física da água transcende as fronteiras humanas e os códigos normativos estatais, além disso, ela confronta as soberanias nacionais e, portanto, deve primeiro ser considerada em sua complexidade. As frequentes crises hídricas que assolaram várias partes do mundo nas últimas décadas trouxeram para o centro das discussões ambientais a importância fundamental da proteção da água como meio de sustentação da vida, seja humana, animal ou vegetal, em detrimento do outrora dominante visão dos economistas sobre a água como um recurso.
Sua posição como elemento essencial da maior parte da composição física dos seres vivos o torna indispensável para a preservação da vida. Reconhecer e enfatizar isso não significa ignorar que a água tem múltiplos usos no processo de desenvolvimento socioeconômico, atendendo desde as necessidades vitais até o consumo industrial e agrícola.
Essa mudança de postura decorreu da constatação de que a demanda por água não é totalmente atendida pelo ciclo hidrológico e, portanto, não é um bem infinito como se pensava anteriormente. Isso se deve a diversos fatores, como a alta demanda, afinal, mais de 7 bilhões de pessoas vivem no planeta, sem incluir animais e plantas; o desmatamento, que impacta nos chamados rios voadores e no assoreamento dos rios; poluição de afluentes e lençóis freáticos, entre outros.
Nesse cenário, o Brasil exemplifica essa má distribuição de água em relação à densidade populacional do país, pois embora possua aproximadamente 12% da água doce superficial global, 78% desse volume está localizado na região amazônica, 6% na região Sudeste, e apenas 3% está disponível para a região Nordeste, que tem os maiores conflitos hídricos, devido à irregularidade fluvial histórica. (OLIVEIRA, MARQUES, 2018).
Diante do exposto, surge o seguinte questionamento: os brasileiros gozam plenamente do direito fundamental à água? Isso justifica o estudo dado o aumento do debate sobre a privatização dos serviços de água, tendo em vista que o Congresso Nacional aprovou um novo marco legal para o saneamento básico que facilita a privatização de empresas estatais do setor, resultando na extinção do modelo contratual existente entre os municípios e as empresas estatais de água e esgoto. Pelas regras atuais, devem ser estabelecidos critérios de oferta e precificação sem concorrência. A nova estrutura permite que os contratos existentes sejam convertidos em concessões com empresas privadas entrando para assumir o controle de empresas estatais. E seu objetivo é entender o direito à água e ao meio ambiente.
2. MATERIAL E MÉTODO
Este estudo é uma revisão da literatura com o objetivo de sintetizar os resultados dos estudos publicados sobre o tema e contribuir para o acesso dos profissionais ao conhecimento científico e à tomada de decisão baseada em evidências científicas (PEREIRA et al., 2018). Para isso, foram seguidas as seguintes fases: elaboração de questões norteadoras, buscas em bases de dados, coleta de dados, análise crítica dos estudos incluídos, discussão dos resultados e apresentação de uma revisão integrativa (PEREIRA et al., 2018).
A investigação pode ser dividida em três áreas: em termos de objetivos, em termos de resolução de problemas e em termos de procedimentos. Quanto aos seus objetivos, a pesquisa que deu origem a este trabalho é descrita como de natureza exploratória e descritiva. Os estudos exploratórios visam “[…] revelar mais contexto para um problema, tornando-o mais explícito ou estabelecendo hipóteses, por isso o principal objetivo desses estudos é melhorar as ideias.” (GIL, 2018, p. 45).
Considerando a classificação proposta por Gil (2018, p. 5), pode-se dizer que “essa recomendação é melhor representada pela pesquisa exploratória, que visa fornecer mais conhecimento sobre o problema a fim de esclarecer ou auxiliar na formulação de hipóteses”. Segundo os autores, o principal objetivo desse tipo de pesquisa pode ser refinar ideias e descobrir a intuição, o que a torna uma opção bastante flexível, resultando em estudos bibliográficos ou estudos de caso na maioria dos casos.
A pesquisa pode ser classificada sob três aspectos: quanto aos objetivos, quanto à abordagem do problema e quanto aos procedimentos. No tocante aos seus objetivos, a pesquisa que gerou este trabalho caracterizou-se como sendo de natureza exploratória e descritiva. As pesquisas exploratórias têm por fim “[…] mostrar mais contexto com o problema, tornando o assim mais explícito ou construindo hipóteses, sendo assim estas pesquisas têm como o grande objetivo aprimorar as ideias.” (GIL, 2018 p. 45)
As buscas dos artigos foram realizadas no ano de 2023, utilizando as seguintes bases de dados indexados: LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde); ScientificElectronic Library Online (SciELO), e Google acadêmico, com uso dos Descritores em Ciência da Saúde (DeCS).
Após a busca identificou-se como universo da pesquisa a quantidade de 215 publicações encontradas nas bases de dados online citadas acima. A partir dessa quantidade foram escolhidas para leitura e análise aprofundada 20 das publicações, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. Os artigos seguiram a amostra aleatória, sendo analisados aqueles que obtiveram maior relevância de acordo com o tema, sendo tratados com maiores detalhes através do referencial teórico.
Os critérios de inclusão definidos para a seleção dos artigos foram: artigos publicados em português, inglês e espanhol. Artigos na íntegra que retratassem a temática referente à revisão integrativa e artigos publicados e indexados nos referidos bancos de dados. Foram excluídos os artigos que não estavam no período proposto, aqueles que não trataram da temática específica, como também os que estavam em outra língua que não fosse português, inglês ou espanhol.
Os dados foram escolhidos a partir das plataformas online, de disposição gratuita, em que se aplicaram as palavras-chaves retiradas dos Descritores em Ciências da Saúde (DECs), também inserindo os operadores Booleanos no formato “AND”, “OR”, “NOT”, para maior associação dos dados.
Primeiro os artigos foram escolhidos pelos títulos, depois seguindo a leitura e extração dos princípios e objetivos estabelecidos da presente pesquisa. Em seguida, foram realizados fichamentos dos artigos escolhidos para melhor compreensão da temática. A análise do conteúdo seguiu os passos da análise temática, ordenação do material, classificação e análise. A análise final dos dados enfatizará principalmente o encontro da especificidade do objeto com a diversidade de pensamentos dos autores, que estavam apresentadas nas minuciosidades dos fragmentos dos textos bibliográficos pesquisados, revelando a totalidade parcial e de suas descobertas particulares por meio da análise do objeto de estudo.
3. RECURSOS HÍDRICOS E O CONSTITUCIONALISMO
O Sistema Nacional de Gestão de Recursos Hídricos (SINGREH) é um conjunto de órgãos e entidades que atuam no campo da gestão de recursos hídricos no Brasil (Machado, 2018, p. 589).
De acordo com a Lei 9.433/97, o SINGREH tem os seguintes objetivos (art. 32):
• coordenar a gestão integrada da água;
• resolver administrativamente os conflitos relativos aos recursos hídricos;
• implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos;
• planejar, regular e controlar o uso, proteção e recuperação dos recursos hídricos;
• apoiar a cobrança pelo uso dos recursos hídricos.
A coordenação da gestão integrada da água consiste em apoiar a articulação institucional entre as autoridades e entidades competentes em bacias hidrográficas compostas por recursos hídricos com diferentes áreas. É o caso, por exemplo, da bacia do Rio Doce, na qual, além da União, estão envolvidos órgãos e entidades de dois estados: Minas Gerais e Espírito Santo.
A competência para decisão administrativa de conflitos relacionados a recursos hídricos ainda não foi plenamente implementada, não tendo sido ajustada norma específica que regule os procedimentos necessários para a instauração de processos administrativos visando à resolução de conflitos.
A função de planejar, regular e controlar o uso, proteção e recuperação dos recursos hídricos é entendida como a aplicação dos instrumentos de gestão estabelecidos em lei, incluindo os Planos de Recursos Hídricos, a classificação dos corpos d’água em classes de uso predominante, a outorga de o direito de uso dos recursos hídricos e a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, sempre com base no Sistema de Informação sobre os recursos hídricos (GRANZIERA, 2017. S. 125).
Para cumprir esses objetivos, foram criados no SINGREH órgãos da administração pública e entidades com hierarquias e atribuições específicas (art. 33). Esses órgãos são divididos em três categorias de acordo com sua natureza e atuação (GRANZIERA, 2018, p. 125):
• Órgãos colegiados: Conselho Nacional de Recursos Hídricos; Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal e Comitês de Bacias Hidrográficas;
• Órgãos e entidades de gestão e controle: Agência Nacional de Gestão das Águas, Agências de Gestão das Águas, órgãos e entidades dos órgãos públicos federais, estaduais, do distrito federal e municipais cujas competências se relacionem com a gestão e controle dos recursos hídricos;
• Organizações civis de recursos hídricos: (a) consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas; b) associações regionais, locais ou setoriais de usuários de recursos hídricos; c) organizações de ensino técnico e de pesquisa interessadas na área de recursos hídricos; d) organizações não governamentais com o objetivo de defender os interesses dispersos e coletivos da sociedade; e) outras organizações reconhecidas pelo Conselho Nacional ou pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos.
A Lei das Águas estabeleceu como base da Política Nacional de Recursos Hídricos que a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, usuários e comunidades (art. 1º, VI). O objetivo da descentralização é facilitar a comunicação local e priorizar as decisões tomadas dentro da própria bacia hidrográfica. No entanto, isso não pode significar qualquer antagonismo ou falta de coordenação (MACHADO, 2018, p. 591).
O entendimento de descentralização na interpretação da Lei 9.433/97 pode ser visto de duas maneiras. Por um lado, do ponto de vista da participação da sociedade, como uma das características da administração pública contemporânea, na tomada de decisões. A tendência moderna na administração pública consiste na participação da sociedade nas tomadas de decisões antes exclusivas do poder público (MACHADO, 2018, p. 153).
A segunda forma de descentralização, de natureza geográfica, ocorre na gestão baseada em bacias hidrográficas. Nos comitês são tomadas decisões que comprometem atos administrativos de competência do poder público. Um exemplo é a outorga do direito de gestão da água, cujas prioridades para a bacia devem constar do respectivo Plano aprovado pelo Comitê, que obriga a outorga do direito de gestão dos recursos hídricos (art. 13).
O funcionamento do Sistema Nacional de Recursos Hídricos depende, portanto, da colaboração dos órgãos e entidades da administração pública federal e estadual, bem como da sociedade civil – por meio de organizações civis. A ação articulada e efetiva exigirá esforços sustentados de todos os membros do SINGREH, pois enfrenta as desigualdades de desenvolvimento regional e o controle duplicado das águas (MACHADO, 2018, p. 590).
O abastecimento de grandes volumes de água só é possível por meio do exercício do poder, regulação do território, priorizando as formas mais modernas de produção. A estrutura hierárquica e organizacional da política de gestão de recursos hídricos garante o controle sobre a água e sobre os hidrossistemas naturais ou engenheirados. É por meio de práticas espaciais que o grupo social associado ao espaço a ser desterritorializado promove a restrição de acesso e movimento, manipula as marcas expressas na paisagem, remarca lugares, ajusta fronteiras e instrumentaliza e modifica o território (SOUZA, 2020) .
É neste contexto que o conflito pela água encontra as condições objetivas para o seu surgimento. Além disso, cada tipo de uso tem potenciais impactos qualitativos, causando poluição e muitas vezes contaminação dos recursos hídricos, o que pode comprometer as condições de uso para outros requisitos.
É preciso deixar claro que o conflito aqui revelado é inerente à estrutura e à dinâmica social devido aos seus vínculos políticos, dadas as relações de poder criadas entre os grupos sociais, como expressam Ribeiro et al.
O conflito social tem origem na estrutura e integra a dinâmica das sociedades. Está intimamente relacionada com a estrutura das relações de poder, a sua legitimação e as posições resultantes consoante o contexto em que se insere, legitima-se através do reconhecimento e visibilidade pública dos atores sociais (2019, p. 1022).
Nesse sentido, ele observa que o conflito é uma oposição ou choque entre diferentes forças e interesses, o que sugere que os atores sociais estão em disputa por um objetivo: o controle de um território, de uma população, de um recurso natural. Como resultado da imagem resultante, o território se transforma como produto das relações de poder em jogo a partir da ação de grupos sociais. Nesse contexto, por exemplo em situações de crise hídrica, a correlação de forças entre esses atores sociais pode definir uma conjuntura que conduza a condições mais simétricas ou assimétricas. Neste último caso, haveria maior controle e centralização dos recursos hídricos, fato que contribui para a desterritorialização das comunidades dependentes desse recurso.
Em consonância com a crise ecológica como produto da relação da sociedade com a natureza, a teoria social contemporânea se propõe a reavaliar não apenas essa relação, mas também os determinantes estruturais da distribuição dos danos causados pela modernidade reflexiva. Tal abordagem considera os conflitos como imanentes à chamada “sociedade de risco”.
O conflito que mais visivelmente define a questão da água no Brasil é a luta do povo de Correntina, no oeste da Bahia, onde em novembro de 2017 alguns de seus moradores, prejudicados pela privatização da água em seus rios, entraram em ação direta e destruíram maquinários em fazendas agrícolas, e poucos dias depois recebeu o apoio de parte significativa da população do vilarejo, que saiu às ruas para manifestar sua insatisfação com a situação de escassez local e reivindicar o direito à água.
Para reverter a crescente distopia instaurada e exacerbada pela hegemonia do mercado de água, a luta de Correntina pela água de seus rios é a mesma dos que mais sofrem com os conflitos hídricos em todas as partes do país, principalmente os povos e comunidades representadas. grupos tradicionais: pescadores, ribeirinhos, pequenos proprietários, quilombolas, indígenas, geraizeiros, assentados e atingidos por barragens, entre outros.
Segundo Paul Robbins (2017), apesar dessa diversidade, as preocupações e questões centrais da ecologia política continuam girando em torno de algumas ferramentas e processos conceituais comuns. Portanto, é tentador imaginar que a ecologia política seja um tipo de teoria ou conjunto de teorias.
No entanto, como geralmente praticado, o ecletismo da explicação política ecológica desafia qualquer tentativa de representá-lo como algo semelhante a uma única teoria ou conjunto de teorias. A ecologia política, portanto, faz uso enorme e encoraja a construção de teoria, mas seria muito enganoso chamá-la de corpo de teoria. (ROBBINS, 2017).
Percebe-se que o surgimento de uma ampla gama de conceitos teóricos fundamentais nas últimas décadas – algo da teoria da propriedade comum, materialismo verde, estudos camponeses, desenvolvimento feminista e seus estudos, teoria do discurso, história ambiental crítica, pós-colonial e teoria da rede de atores – representa um novo e robusto conjunto de ferramentas para abordar diretamente essas questões. Juntos, eles formam um conjunto eclético de ecologia política. (ROBBINS, 2017).
Embora haja claramente uma diferença no entendimento de que a ecologia política estuda “conflitos ecológicos distributivos” ou “conflitos socioambientais”, o fato é que esses dois conceitos são muito semelhantes e acabam por convergir para o mesmo resultado, pois ambos falam de, “conflitos” temporais e sociais sobre acesso, uso, apropriação e degradação de recursos naturais e serviços ambientais entre diferentes atores ou entidades, tanto em escala local, nacional e (ou) global.
Portanto, a utilização dos conceitos de conflitos ecológicos distributivos ou conflitos socioambientais é convergente e adequada para o desenvolvimento de estudos sob o ponto de vista da ecologia política, sem nenhum tipo de divergência ou mesmo conflito teórico-conceitual, deixando livre e aberto a escolha dos atores/sujeitos sociais relevantes que consideram mais adequados.
Segundo Bordal, Ferreira e Silva (2017), esta situação de “estado de guerra” coaduna-se com o conceito de hidroterritório, que surge como uma possibilidade de problematizar os conflitos relacionados com a água. Esses conflitos são caracterizados pela não maximização do uso da água, que é definido como “problemas que determinada atividade pode causar em outros usos, às vezes até impossibilitando-os”, mas não apenas pela escassez quantitativa, mas também pela escassez e qualidade da água. Isso significa que um tipo de uso pode inviabilizar outro porque consome água de forma não otimizada, de modo que não está disponível o suficiente para todas as atividades, e da mesma forma, quando uma determinada atividade polui o fluxo de água de tal forma que para outras atividades que exijam água de qualidade adequada como requisito básico, é inutilizável.
Para a Comissão Pastoral da Terra (2018), os conflitos são ações de resistência e enfrentamento que acontecem em diferentes contextos sociais no meio rural e incluem lutas por terra, água, direitos e trabalho ou meios de produção. Esses conflitos ocorrem entre classes sociais, entre trabalhadores ou pela ausência ou má gestão de políticas públicas.
Assim, o conflito é também uma clara manifestação de oposição, divergência ou embate entre diferentes forças e interesses manifestados por diferentes atores, com suas necessidades, interesses, desejos, valores e modos de vida antagônicos de acesso, uso, apropriação e controle naturais e culturais em diferentes escalas.
Diante do exposto, ficou mais fácil entender e compreender as diversas formas de conflito pelo uso da água. Sejam eles em escala local, regional ou global. A água como recurso hídrico tem sido um dos recursos naturais mais procurados e disputados neste século XXI entre pessoas, comunidades rurais e urbanas, grupos empresariais, instituições governamentais e não governamentais e até mesmo entre países como “Ouro Azul”.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra – CPT, os conflitos pela água são ações de resistência, geralmente coletivas, para garantir o uso e a conservação da água e lutar contra a construção de barragens e açudes, contra a apropriação privada dos recursos hídricos e a cobrança pelo uso. Águas rurais em termos de ribeirinhos, atingidos por barragens e pescadores. (CHAGAS, 2018).
Ao organizar as análises por séries, é possível perceber que os registros apresentam crescimento variável entre 2002 e 2011 e a partir deste ano um aumento constante com pico em 2018. Os números mostram que nos 16 anos de registro ocorreram 1.626 conflitos envolvendo 551.204 famílias, considerando a média brasileira de cinco pessoas por família, são aproximadamente 2.756.020 pessoas envolvidas. (CHAGAS, 2018).
Para este autor, a apropriação privada ocorre quando um proprietário represa um recurso ou promove o desvio de um curso de água, limitando ou impedindo o acesso de terceiros à água.
Os conflitos por barragens e barragens são causados por empreendimentos hidrelétricos (grandes, médios ou pequenos) ou outros empreendimentos que não cumprem os devidos trâmites legais, ou quando desapropriam famílias de pequenos proprietários, posseiros, ribeirinhos, indígenas, quilombolas, pescadores. Ou quando esses projetos não cumprem as políticas de reassentamento ou realizam reassentamentos inadequados ou simplesmente se recusam a reassentar famílias.
Os conflitos relacionados ao uso e conservação da água são aqueles relacionados à destruição das matas ciliares, que levam ao esgotamento dos recursos ou a outras formas de destruição dos recursos, à poluição das águas por diversas atividades (entre elas destaca-se a mineração), agrotóxicos, pesca predatória, cobrança pelo uso da água.
4. DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO E ÁGUA COMO DIREITO HUMANO
A água faz parte, portanto, do macroambiente e porque possui natureza jurídica difusa. Este conceito parece estar mais de acordo com a ideia da fundamentalidade ecossistêmica da água.
No regime constitucional, destaca-se ainda a distribuição dos poderes sobre a água e matérias correlatas. A competência legislativa difere da competência administrativa: a primeira refere-se à competência dos entes federados (União, estados, distrito federal e municípios) para regulamentar normas legais que regem determinadas atividades; em segundo lugar, o poder da União, dos estados e do Distrito Federal (uma vez que os municípios não têm controle sobre a água) para regulamentar as normas administrativas que permitem a gestão da água e seu uso socioeconômico. (PERET, 2019)
A competência legislativa refere-se à criação e alteração dos direitos sobre a água, especialmente aqueles contidos na lei civil. O Código Civil de 2002 possui uma seção especial sobre água no direito de propriedade, inserida no capítulo sobre direito de vizinhança. A seção geralmente estabelece as normas que regem as relações entre proprietários ou ocupantes de edifícios altos e baixos em relação ao fluxo e refluxo das águas e seu uso. Não concede e não pode conceder direitos especiais sobre a água. Ou seja: trata dos cursos de água, estabelece regras sobre o seu escoamento caso interfira na propriedade, não trata da água em si.
Por sua vez, a competência administrativa está relacionada à gestão da água de acordo com a área dos corpos d’água. É implementado por meio de políticas públicas, planos e programas de gestão de recursos hídricos. A CF determina que compete à União “estabelecer um sistema nacional de gestão dos recursos hídricos e definir critérios para outorga de outorgas de uso” (artigo 21, inciso XIX), o que foi regulamentado pela Lei das Águas (Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997) e abriu caminho para que os estados organizassem seus sistemas de governança estadual a partir da promulgação da constituição estadual. (PERET, 2019)
Na Lei nº 9.433/1997, a água é definida como um bem público e como um recurso natural limitado com valor econômico. O manejo deve ser direcionado para proporcionar usos múltiplos, mas decide-se que em situações de escassez o uso prioritário seja para consumo humano e alimentação animal. Além disso, define-se a gestão descentralizada e participativa, ou seja, a bacia hidrográfica é considerada como unidade territorial para a aplicação da política, e a gestão passa a contar com a participação do poder público, dos usuários de água e da sociedade civil. O enfoque da gestão descentralizada e participativa se dá nos comitês de bacias hidrográficas, considerados “parlamentos” hídricos que possibilitam o envolvimento de todos os interessados na gestão conjunta do bem. Eles têm funções consultivas e de design.
A referida lei descreve e delineia a política hídrica no Brasil: na verdade, ela estabelece um sistema de gestão, definindo agentes, objetivos e instrumentos para a implementação da política, voltada para o uso socioeconômico do recurso. É uma lei de planejamento do uso de recursos: cria-se uma metodologia com a formulação de princípios gerais e meios para atingir os objetivos propostos. Na verdade, é uma lei de gestão de recursos que claramente não leva em consideração os aspectos ambientais/ecossistêmicos. Aponta-se, por exemplo, que com a adoção da Lei nº 9.433/1997, as águas passaram da condição de elementos fora do mercado para a condição de mercadorias, sem levar em conta as funções do meio ambiente. (PERET, 2019)
Existem contra-argumentos. Alguns dos instrumentos da política hídrica, como a classificação dos corpos d’água em classes de uso predominante, outorga e cobrança pelo uso, possuem algumas exigências de natureza ambiental em seus procedimentos administrativos. Além disso, o art. 3º, da Lei nº 9.433/1997, define que a integração da gestão das águas à gestão ambiental é uma diretriz geral para a atuação da política nacional.
O item nem era necessário; tendo em conta a fundamentalidade ecossistémica da água e o seu carácter vital, é necessário reconhecer que a gestão ambiental que proteja e promova a qualidade dos ecossistemas é necessária para a implementação da política hídrica, ainda que do ponto de vista utilitário, porque a falta de água em boas condições qualitativas e quantitativas impedem o desenvolvimento de qualquer atividade humana.
“Não deixe ninguém para trás.” Este é o tema central da edição de 2019 do Relatório Mundial de Desenvolvimento da Água da ONU (WWAP, 2019). Para todos também podem contribuir significativamente para o alcance de um amplo conjunto de metas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Neste relatório, a ONU reforça o entendimento de que o acesso à água potável e ao saneamento é reconhecido como um direito humano básico para preservar a saúde e a dignidade de todos os seres humanos. Portanto, deve-se tomar cuidado para estabelecer uma distinção clara entre o “direito à água”, que é temporário e sujeito à aprovação do estado, e os direitos humanos à água e ao saneamento, que não são temporários nem sujeitos à aprovação do estado e não podem ser removidos, priorizando as populações mais pobres e carentes, que são as mais vulneráveis.
No entanto, embora a ONU tenha endossado o reconhecimento do acesso à água potável e saneamento como um direito humano básico (Resolução 64/292/2010), bem como o ODS 6, para garantir a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos, ainda há acesso à água potável, o que se chama de “milhares de água excluídas” e como isso pode desencadear a crise hídrica.
Diante desses problemas, já mencionados, o desmatamento, a poluição e a distribuição natural desproporcional da água pelo mundo, e sobretudo a ausência de políticas públicas que afetem fundamentalmente o direito fundamental de acesso à água. Este último e decisivo fator pode ser facilmente verificado ao se observar o país de Israel, pois mesmo sendo um pequeno país cercado por desertos montanhosos e tendo cerca de metade de sua área semi-árida, com clima predominantemente quente, com muito sol , este país é uma das maiores potências hídricas do mundo. Israel consegue garantir a estabilidade hídrica para seus habitantes graças a grandes investimentos em tecnologias de manejo da seca e ao desenvolvimento de produtos agrícolas por meio da biotecnologia que requerem pouca água para produção (SZKLARZ, 2019, Online).
Na legislação brasileira, a gestão das águas continentais tem uma lógica de gestão tripartite (Poder público, usuário e comunidades) dentro da bacia hidrográfica como unidade de gestão territorial, e no plano de recursos hídricos tem sua ferramenta gestora-guia.
O plano de águas surge como uma ferramenta essencial porque acolhe o consenso do diálogo colaborativo entre os vários intervenientes na gestão da água, define os objetivos a atingir, os mecanismos de controlo e monitorização da água mínima necessária, define as funções e responsabilidades em relação direta com os diagnósticos constantes das áreas hidrográficas definidas.
A lógica do direito à água é a mesma lógica do direito utilitarista, que, segundo os teóricos utilitaristas ingleses, identifica interesses materiais a fim de encontrar meios específicos para satisfazê-los.
Um plano de água deve apoiar resultados como a gestão eficiente da água, mas os meios para alcançá-lo dependem do critério do pacto da água que será criado quando for elaborado. Portanto, atribuímos a natureza jurídica do contrato ao plano de água. As regiões hidrográficas regem-se pela lógica do direito convencional (mas não exclusivamente), decorrente do regime jurídico do diálogo, que tem efeito vinculante. Neste contexto, o Estado de direito é o Estado-providência, que confirmará o diálogo jurídico tripartido e colaborativo que o plano contratual deve assegurar. (DISEP, 2018)
Refira-se que, do ponto de vista do direito das águas, prevê-se a pluralidade normativa e institucional, que através do diálogo formará acordos sobre a água que se concretizam, sobretudo quando se trata de águas doces continentais transfronteiriças, cursos de água, águas internacionais de recursos, que são recursos naturais compartilhados.
O regime jurídico da gestão compartilhada das águas doces continentais regionais varia de acordo com o grau de maturidade e cooperação alcançado no campo do direito de integração. Ou seja, pode ocorrer na lógica do caráter jurídico do condomínio, como no Mercosul, onde prevalecem os interesses das partes, ou na lógica da copropriedade, como na União Européia, onde o todo prevalece sobre o dano das peças, ou seja, o tratamento é uniforme.
A gênese do movimento Water Stewardship se destaca na conquista do direito à água. A água como direito gera o direito à informação e a obrigação de participar da gestão, o que contribuirá para a reflexão de novos parâmetros de comportamento que devem ser observados no que diz respeito à promoção da resiliência hidroambiental.
Nessa perspectiva, enfoca-se a lógica do direito justo, que pretende construir os parâmetros da liberdade hídrica, o que se reconhece na padronização dos parâmetros da responsabilidade hídrica. Liberdade e responsabilidade são duas faces da mesma moeda porque se legitimam mutuamente.
A ação judicial de um particular em relação à água consubstancia-se no dever geral de prevenção, responsabilidade atribuída ao titular do benefício comum da água (responsabilidade-obrigação/obrigação-responsabilidade); e uma obrigação especial de reparar os danos causados (responsabilidade civil). São institutos jurídicos expressivos que formam um sistema de gestão das águas que coopera na gestão das águas.
A gestão jurídica do regime de gestão das águas é pautada pelos princípios da informação, participação, prevenção, poluidor-pagador e desenvolvimento sustentável aplicados à lógica da gestão das águas na perspectiva da interpretação dos direitos de primeira geração, em que o tom das relações é linear e os componentes das relações jurídicas são mais claramente identificados. Nesse sentido, foi uma expressão explícita de dispositivos regulatórios como os da Conferência Internacional sobre Água e Meio Ambiente, em Dublin, em 1992, que afirmou em seu Princípio 3 que “[…] proteção da água.” (DISEP, 2018)
É o que se denomina direito digno, que considera a simbiose do direito justo e do direito útil e que, por meio de um retorno aos sentimentos (característico do direito pós-moderno) e tendo como vetor o princípio da dignidade humana e a complexa metodologia de pensamento de Edgar Morin, se propõe a construir as bases de uma lei para as águas.
O direito à água tem seu aspecto objetivo-instrumental ilustrado no Instituto da Sinergia e seu aspecto subjetivo-material na prática empresarial dos obrigados. A Comunidade deve, portanto, comprometer-se a apoiar conjuntamente a governança global da água.
Assim, evoca-se o princípio ético-humano da benevolência do cuidado e voltamos ao lugar de origem para fechar o ciclo e retornar segundo a perspectiva kantiana ao ser humano, no chamado direito das gentes, em que um regime jurídico internacional será alcançado no que diz respeito à garantia da dignidade humana. (DISEP, 2018)
Em última análise, o indivíduo deve responder, os Estados soberanos e as uniões regionais devem agir, e a comunidade internacional deve silenciar para ouvir/escutar os apelos das águas que clamam por proteção, ponderar de forma benevolente e criativa e, finalmente, apoiar a validação dos fundamentos do sistema de gestão da água. (DISEP, 2018)
A lei certamente adotará e legitimará as iniciativas globais de governança da água, confirmará o mandato regulatório para construir uma Ordem Hidrojurídica Universal, porque esta é a “Força de Lei”.
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
O direito humano básico ao acesso à água, sistema de lutas seculares e rol de reivindicações diversas, repete a retórica de um forte equilíbrio: transita entre fortes afirmações, como tem feito a renovada onda de constitucionalismo na América Latina, (muitas vezes uma antecâmara de destruição animal) como se vê na arquitetura institucional brasileira.
Assim, depois de concluída a abordagem teórica descrita neste artigo, importa reconhecer o profundo impacto das diferentes ideias que residem, a aceitação do povo brasileiro, embora estabelecida e inserida na onda de reestruturação constitucional que varreu todo o continente, não garante e protege o direito ao uso da água nem os novos cuidados inscritos na ética do Buen Vivi, como temos visto, qualquer parte da propriedade e enfatizando a ligação entre o homem e a natureza. A forte natureza da diversidade de princípios é hoje transformada e reforçada pela ideia de “governança” neoliberal cujo sistema promove o renascimento de ideais idealistas e consumistas.
Aprofundar as obrigações de apropriação, venda e destruição, que prejudicam todo o ecossistema, assume aspectos ainda mais dolorosos quando se trata do direito básico e humano de acesso à água. Conforme observado quando essas linhas de teste foram abertas, esta é uma emergência que não desaparecerá rapidamente.
Quando uma mercadoria comum é usada para venda, reconhece-se que nem todas as pessoas terão acesso a ela. Tais cercas favorecem a propagação da desigualdade, pois limitam cada vez mais o acesso dos mais pobres aos direitos básicos necessários à sua sobrevivência. A água é um direito de todos e não é um bem valioso que deve estar nas mãos de poucos. Precisamos repensar a forma como usamos os recursos naturais, incluindo sua proteção, onde importantes ciclos ecológicos precisam ser preservados. Além disso, é preciso pensar na população mais carente de recursos, que possui direitos básicos consagrados em textos constitucionais, que não podem ser apenas uma folha de papel, mas devem ser traduzidos em sua concretude.
Quanto às causas dos conflitos, é possível identificar que existem dois blocos cujas tipologias representam formas distintas de territorialização das atividades produtivas. Os conflitos causados por questões de qualidade da água (uso e conservação) são mais comuns no setor leste do país. Na verdade, é a parte mais industrializada do país devido à expansão das relações capitalistas que resultaram no crescimento urbano e na metropolitanização, o que criou um maior potencial de poluição e contaminação das águas.
Outro bloco que pode ser dividido corresponde ao setor Norte do país, incluindo os estados fronteiriços entre as regiões Norte e Nordeste, onde há uma expansão significativa do agronegócio nos estados de Mato Grosso, Pará e nos estados que fazem parte do o projeto MATOPIBA, que abrange uma área do tamanho da Alemanha, inserido nos estados do Maranhão e Tocantins.
Piauí e oeste da Bahia. Segundo a EMBRAPA (2021), a topografia plana e o baixo custo da terra em comparação com áreas consolidadas na região Centro-Sul levaram os empresários a investir e chegar ao Bioma Cerrado por meio de uma forte agricultura mecanizada, especialmente para a produção de grãos, especialmente soja, milho e algodão .
Outro fenômeno conflituoso foi a expansão das hidrelétricas, que ocorre de forma muito intensa na região norte do país. Assim, embora a construção de barragens e açudes represente cerca de 29% das causas de conflito, no Amapá, Pará, Tocantins, Mato Grosso e Rondônia foi a principal causa de conflito, especialmente em Rondônia e Pará, onde a construção de barragens causa cerca de 100% e 80% dos conflitos. (BORDALO, FERREIRA, 2017)
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da lei da água inclui considerações globais e locais. As abordagens acima mencionadas demonstram a complexidade do tema e, ao mesmo tempo, a persuasão de fazer conexões que avaliam o direito internacional e o direito nacional a partir de uma perspectiva comum, em um plano dialógico.
A fragmentação dos ecossistemas naturais das bacias hidrográficas e a continuidade das águas superficiais transcendem os limites humanos com uma configuração artificial acentuada, embora esses limites tenham sido muitas vezes traçados em riachos e fontes de água primordiais que foram e ainda são usados pela população local. O direito das águas é essencialmente metanormativo, ou seja, envolve considerações existenciais como direitos fundamentais e preexistentes a toda e qualquer ordem humana, inclusive em seu sentido jurídico, e por isso são direitos de toda vida de acordo com o que hoje se reivindica para a Terra em geral – os direitos da Mãe Terra.
Ao mesmo tempo, o regime jurídico das águas é a base para a sustentação das políticas públicas, sejam elas quais forem, dado o seu caráter essencial para os serviços humanos e para o desenvolvimento.
Neste ponto, é necessário olhar para o direito das águas tanto no plano nacional quanto no internacional e considerar as interligações entre ambos, à luz das possibilidades jurídicas e políticas que ele traz. Em nível global, o princípio da cooperação deve emergir como base das relações nas questões relacionadas à água, às pessoas e aos Estados. Além disso, existem fundamentos jurídicos suficientes para que a jurisprudência internacional cultive um ambiente decisório que privilegie a água como um direito humano, o que pode exigir certa coragem para enfrentar os interesses econômicos.
Após esta análise do contexto histórico de degradação e consumo predatório das massas de água, intensificado desde a revolução industrial até a atualidade, no que diz respeito ao direito fundamental de acesso à água, assim reconhecido por diversos tratados internacionais, muitos dos quais o Brasil é signatário (tratado da bacia de prata, tratado para aproveitar recursos hídricos do rio Paraná, etc) procuramos entender o porquê da falta de constitucionalidade explícita do reconhecimento desse direito, bem como o contexto atual em que os brasileiros o usufruem.
Os brasileiros não gozam plenamente do direito fundamental de acesso à água. Ao contrário, convivem diariamente com a falta de água e o racionamento. Essa situação é resultado, principalmente, do desinteresse social pelo abastecimento de água das atuais e futuras gerações, aliado à ineficácia das políticas públicas e ao relaxamento da sociedade em não exigir seus direitos.
O resultado final desta situação é que uma parte da população não usufrui plenamente dos direitos que têm um impacto direto na sua saúde, trabalho, vida e dignidade. A não utilização do direito à água implica agressão a diversos outros direitos humanos e fundamentais, interferindo na dignidade da pessoa humana, fundamento do ordenamento jurídico-constitucional de 1988
REFERÊNCIAS
BORDALO, Carlos; FERREIRA, Diego; SILVA, Flávia. Conflitos socioambientais pelo uso da água em comunidades ribeirinhas no nordeste paraense: o caso das bacias hidrográficas dos Rios Murucupi e Dendê no Município de Barcarena-PA. In: PEREZ FILHO, Arquimedes; AMORIM, Rau. (Org). Os desafios da Geografia Física na fronteira do conhecimento. Anais do XVII Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada e I Congresso Nacional de Geografia Física. Vol 1. Campinas, 2017.
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¹ Mestrando do PPGEcoH – UNEB. E-mail: prof.rildonsantos@gmail.com
² Professor Doutor do PPGEcoH – UNEB. E-mail: Idlins@uneb.br