DIREITO AO ÓCIO CRIATIVO COMO MEDIDA DE PROTEÇÃO DA SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11110540


Dhalisson Baruque Souza Dos Santos1
Laís Barros Pereira2
Luã Barbosa Nunes3
Prof. Orientador: Gesner Lopes Ferraz Silva4


RESUMO

Apesar do desenvolvimento em ferramentas, técnicas e tecnologias que moldaram a maneira como o trabalho é realizado ao longo da história, e apesar da existência de legislações nacionais e internacionais que reconhecem o direito ao “ócio criativo”, o tempo médio dedicado ao trabalho não diminuiu proporcionalmente. Pelo contrário, tem aumentado gradualmente. O objetivo deste estudo é contribuir para a análise da necessidade de proteção do “direito ao ócio criativo” nas relações de trabalho no Brasil atualmente. Utilizando o método dedutivo com uma abordagem crítica e exploratória, esta pesquisa busca avaliar os efeitos da falta de acesso ao “ócio criativo” na saúde mental dos trabalhadores, considerando as pressões e sobrecargas da realidade contemporânea do trabalho. Estes fatores contribuem para uma sociedade caracterizada pelo “cansaço”, na qual as pessoas estão adoecendo devido ao excesso de trabalho. Neste contexto, torna-se fundamental refletir sobre o “ócio criativo” para repensar o papel do trabalho e do tempo livre na vida humana.

Palavras-chave: Trabalho. Excesso.Ócio. Saúde mental

ABSTRACT

Despite the development of tools, techniques and technologies that have shaped how labor is accomplished through history and despite national and international laws that recognize the creative idleness right, the average time working has not decreased in the same proportion. On the contrary, it has increased gradually. The aim of this study is contribute to the analyze of the necessity of creative idleness protection right in labor relationship in Brazil, currently. Applying the deductive method by a critical and exploratory approach, this research intend evaluate the effects of the lack of creative idleness access on workers’ mental health, considering the pressures and overloads of the contemporary reality of work. These factors contribute to a society characterized by tiredness, in which people are falling ill due to excessive work. In this context, it is necessary reasoning on idleness creative to rethink the dynamics of work and free time in human life.

Keywords: labor. Excesso. Idle. mental health.

1. INTRODUÇÃO

O trabalho exacerbado tornou-se uma patologia, uma dependência psíquica do trabalhador que se habitua ao excesso, de tal modo, que fora do trabalho se sente perdido, desorientado e inútil em decorrência do culto à produtividade.

É possível perceber que ao longo da progressão da história humana, o período destinado ao trabalho aumentou em média, fase após fase, revolução após revolução. Esta situação ocorre mesmo com a introdução de técnicas, tecnologia, ferramentas e abordagens laborais que, em teoria, teriam como finalidade proporcionar melhores condições de vida ao ser humano.

Nesta seara, ganha relevância o conceito do direito ao “Ócio Criativo” no trabalho proposto por Domenico De Masi. O debate a respeito do supracitado tema destaca-se tanto no ponto de vista legal, onde se almeja garantir limites à jornada de trabalho e preservar a dignidade humana e a saúde do trabalhador; quanto no ponto de vista filosófico, onde se fundamenta na ideia de encontrar equilíbrio entre a carência e o excesso.

Ademais, ressalta-se que a ociosidade criativa no trabalho almeja superar tanto a completa ausência de ocupação quanto o excesso desgastante de trabalho. Isto decorre do equilíbrio entre a produtividade/eficiência laboral e uma jornada saudável capaz de conferir dignidade aos trabalhadores.

Outrossim, o Direito ao Ócio Criativo ou à Desconexão, embora não seja uma ideia nova, tem sido considerado de fato como um direito fundamental. Tal fato ocorre porque o ócio influencia diretamente no bem-estar dos trabalhadores, e a preservação da saúde é uma garantia fundamental inerente à pessoa.

Deste modo, é coeso afirmar que o direito de se desconectar equivale, precisamente, ao direito de não trabalhar, de repousar, de desfrutar de momentos de lazer e de ficar no ócio. Uma vez que, o trabalho não consiste somente no ato de trabalhar ou vender a força laboral em troca de uma contraprestação remuneratória; mas trata-se, verdadeiramente, de uma “remuneração social e psíquica”.

Sendo assim, o presente trabalho, através da metodologia dedutiva com abordagem crítica exploratória, por meio de pesquisa bibliográfica, com especial marco referencial nas obras de De Masi (2000) e Han (2017), propõe uma reflexão sobre o ócio criativo no contexto social hodierno.

2. A SOCIEDADE E O TRABALHO

A atividade laboral pode ser entendida como a intervenção humana para alterar objetos e procedimentos, direcionando-os para um propósito específico. Essa intervenção ao longo da história passou por diversas mudanças e avanços, chegando atualmente à digitalização e virtualização de muitos desses processos. Contudo, é importante analisar essas mudanças históricas considerando o trabalho e os processos a ele associados como algo fluido, sempre em constante mutação e reinterpretado.

O trabalho desempenha um papel crucial na sociedade humana, sendo uma condição essencial para a existência social, como destacado por Marx (1985a) em “O Capital”:

Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independentemente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, vida humana (Marx, 1985a, p. 50).

Assim, é através do trabalho que o ser humano se diferencia da natureza, tornando-se um ser inserido na sociedade, sujeito a leis de progresso histórico que são completamente diferentes das leis naturais.

 2.1 CONTEXTO HISTÓRICO SOBRE O TRABALHO

As transformações no âmbito laboral, desde o declínio da Idade Média até os tempos modernos, foram vastas. Estas mudanças não apenas influenciaram a percepção e a realização do trabalho, mas também promoveram uma redefinição dos paradigmas sociais dentro da sociedade através da própria atividade laboral.

A respeito desta temática, Albornoz (2006) disserta que:

Na linguagem cotidiana a palavra trabalho tem muitos significados. Embora pareça compreensível como uma das formas elementares de ação dos homens, o seu conteúdo oscila. Às vezes, carregada de emoção, lembra dor, tortura, suor do rosto, fadiga. Noutras, mais que aflição e fardo, designam a operação humana de transformação da matéria natural em objeto de cultura. É o homem em ação para sobreviver e realizar-se, criando instrumentos, e com esses, todo um novo universo cujas vinculações com a natureza, embora inegáveis, se tornam opacas (Albornoz, 2006, p. 8).

Neste contexto, é imperioso destacar que o desenvolvimento do conceito de Trabalho (em lato sensu) e de suas proeminentes transformações decorrem primordialmente das consequências geradas pelas Revoluções Industriais, uma vez que, tais acontecimentos históricos impactaram bruscamente, em um lapso temporal relativamente curto na história, as relações sociais e as estruturas de produção e de distribuição de riquezas.

É coeso ressaltar, que a Primeira Revolução Industrial foi fulcral para consolidação das bases que posteriormente fundamentaram o surgimento do ramo do Direito do Trabalho, visto que, foi neste período que surgiram as primeiras discussões a respeito de normas trabalhistas relacionadas à regulamentação do trabalho subordinado e assalariado (Cosentino Filho, 2017).

Outrossim, em decorrência das evoluções técnico-científicas iniciadas no século XX e da reorganização do processo de Trabalho, em lato sensu, tem-se uma ressignificação do mundo laboral com o propósito de afastar as características trabalhistas clássicas com o intuito de disseminar a flexibilização objetivando um maior desenvolvimento econômico (Arruda e D’angelo, 2020).

Ademais, é imperioso destacar que a nova realidade laboral ressignificou o mundo do trabalho, propiciando o surgimento de uma nova classe de proletariado a qual é denominada por Antunes (2018) como “os infoproletários”, sendo ela:

[…] uma nova condição de assalariamento do setor de serviços, um novo segmento do proletariado da indústria de serviços, sujeito à exploração do seu trabalho, desprovido de controle e da gestão do seu labor e que vem crescendo de maneira exponencial, desde que o capitalismo fez deslanchar a chamada era das mutações tecnológico-informacionais-digitais (Antunes, 2018, p. 79).

Deste modo, tem-se que a contemporânea relação laboral destes trabalhadores não se coaduna com os pressupostos clássicos do Direito do Trabalho, emergindo, assim, uma necessária ressignificação jurídico-laboral. 

Destarte, a partir da terceira revolução industrial, e de modo mais intenso na indústria 4.0, urge um redimensionamento normativo das formas que o Direito do Trabalho é legislado e interpretado, a fim de que as garantias sociais dos trabalhadores sejam harmonizadas com a nova ordem econômica mundial, objetivando atenuar os efeitos negativos do avanço tecnológico sob os infoprolerarios (Souto Maior, 2021).

Por fim, frisa-se que as pedras basilares do labor contemporâneo obtiveram mais respaldo e incorporação com o advento da pandemia do coronavírus, que compeliu milhões de trabalhadores a aderirem o home office e/ou teletrabalho, transferindo seu local de labor para o ambiente doméstico para evitar o contágio da Covid-19 (Durães, Bridi e Dutra, 2021).

2.2 A SOCIEDADE DO CANSAÇO E SUA CONEXÃO COM AS RELAÇÕES LABORAIS

O ambiente laboral hodierno fundamenta-se sob o baluarte do capitalismo cognitivo, referenciando-se por exaustão, precarização e informalidade, contribuindo assim para a descontinuidade da separação entre os ambientes de trabalho e de lazer, deste modo, o mundo laboral contemporâneo baseia-se um esgotamento físico e mental jamais visto. Neste aspecto, cita-se o posicionamento de Antunes (2018):

Estamos, portanto, diante de uma nova fase de desconstrução do trabalho sem precedentes em toda a era moderna, aumentando os diversos modos de ser da informalidade e da precarização. Se no século XX presenciamos a era da degradação do trabalho, na transição para o século XXI passamos a estar diante de novas modalidades e modos de ser da precarização, da qual a terceirização tem sido um dos elementos mais decisivos. (Antunes, 2018, p. 156)

Outrossim, é imperioso destacar que contemporaneamente os ideais capitalistas de autonomia e liberdade emergem por meio de um novo método de exploração, não bastando mais só a mão-de-obra, exigindo-se do trabalhador também a sua individualidade e subjetividade. A paradoxal autonomia atribuída aos trabalhadores aliada à ilusória meritocracia, transformando-os em “chefes de si”, faz com que eles exerçam sobre si uma autocobrança exacerbada, gerando assim uma sociedade do desempenho e da exploração que acaba alicerçando todo o sistema laboral (Antunes, 2018).

Deste modo, conforme os ensinamentos do filósofo Han (2017), a sociedade moderna rompeu com os ideais disciplinares que outrora a orientavam, e passou a se conduzir por convicções baseadas no desempenho. Ademais, os indivíduos abandonam os seus postos de “sujeitos da obediência” e passam ocupar a posição de sujeitos de desempenho e produção, tornando-se “empresários de si”.

Neste diapasão, Han (2017) traz à baila a discussão a respeito das transformações socioculturais e a influência destas nos comportamentos dos sujeitos contemporâneos sob a ótica da “nova paisagem de enfermidade”, englobando-se neste contexto: depressão, o transtorno de déficit de atenção, síndrome de hiperatividade (TDAH), o transtorno de personalidade limítrofe (TPL), a síndrome de burnout (SB), entre outras (Oliveira, 2015).

As supracitadas patologias, são definidas por Han (2017) como resultados de um imperativo de positividade que impera na Sociedade do Cansaço, pois o discurso que reina dentro do ambiente laboral induz o êxito fácil, o benefício instantâneo, idealizando um sujeito ideal, ilustrando o que indivíduo deve almejar ou ser para se tornar “realizado”.

Deste modo, o trabalhador moderno é moldado a partir da simbologia do “empresário de si” sendo o único responsável pelos seus feitos, tais premissas neoliberais possuem como veementes consequências as exaustões decorrentes da superprodutividade, do superdesempenho e da supercomunicação, ocasionando um adoecimento pelo excesso. Desta maneira, a exploração que outrora era causada por outrem (de fácil identificação e com possibilidade de rejeição e repulsa), é hodiernamente feita pelo próprio trabalhador (de forma velada e intrínseca), impossibilitando a percepção direta (Mendes, 2018).

O filósofo Han (2017) destaca ainda que o imperativo positivo contemporâneo é mais eficaz do que a negatividade apregoada pelo dever freudiano, uma vez que, ele é hábil para emergir todo o potencial e eficiência inerentes e adormecidos dentro do indivíduo, mesmo que o resultado de tal extração intrínseca seja a sua autodestruição (Cobarnezi, 2018).

Desta forma, é partindo da premissa da ausência da negatividade que Han (2017) argumenta que a sociedade moderna não é estruturada mais no ideal disciplinar proposto por Foucault, que se baseava em sujeitos da obediência e sociedade do controle, alicerçada em instituições disciplinadoras, que eram responsáveis pela distinção do bem e do mal. O filósofo defende que a teoria foucaultiana não consegue mais descrever as transformações patológicas e as relações subjetivas hodiernas.

Com base nos ensinamentos de Han (2017), a Sociedade do Cansaço quebra o modelo de disciplina que fundamentava a negatividade da proibição e do controle, que gerava, de certo modo, a impossibilidade da produtividade máxima. Pois, o sujeito do desempenho se mantém disciplinado e inconscientemente deseja maximizar a produção, mesmo que isto leva a sua completa exaustão física e psíquica.

Ademais, a positividade excessiva se faz presente também no excedente de estímulos, de informações, impulsos e de sobrecarga de trabalho; fazendo com o sujeito do desempenho não consiga se “desconectar” do ambiente laboral, estando assim, em um constante estado de alerta, impossibilitando-o de repousar, escutar, falar, pensar, escrever e conhecer a si mesmo, inexistindo assim o ócio (Costa; Noyama, 2017).

2.3 TRANSTORNOS MENTAIS OCASIONADOS PELO TRABALHO EM EXCESSO

Conforme ensinamentos de Teixeira (2007), os transtornos mentais e comportamentais ocupam o terceiro lugar entre as causas de afastamento do labor, sendo que o aumento destes índices na última década coincide com a implantação das profundas transformações no ambiente de trabalho.

É crucial trazer à baila que, a restruturação social e produtiva influenciada pelos avanços tecnológicos traz em seu âmago a competitividade e a ansiedade entre os trabalhadores, fazendo emergir um sofrimento psíquico extremo que possui como consequências os problemas de saúde mental, principalmente: Ansiedade, Depressão e Síndrome de Burnout (Teixeira, 2007). 

Ademais, é coeso destacar que, conforme o Ministério da Saúde, o desenvolvimento de transtornos mentais e comportamentais associados ao labor está ligado ao contexto de trabalho e à interação com o corpo e mental dos trabalhadores. Os principais fatores causadores de transtornos mentais laborais são: a ameaça constante de desemprego; os fatores relacionados ao tempo (ritmo, turno de trabalho, jornadas longas); a pressão por produtividade; a intensidade do trabalho executado e a vivência de acidentes laborais traumáticos (Brasil, 2001).

2.3.1 Ansiedade

Na última década houve um aumento significativo nos estudos que versam sobre os efeitos negativos da ansiedade na saúde e no bem-estar dos trabalhadores e seus reflexos no funcionamento organizacional das empresas. Tais consequências derivam do fato de a ansiedade impactar diretamente na produtividade dos trabalhadores, diminuindo seu desempenho, e por ocasionar aumento nos custos das organizações com absenteísmo, com rotatividade e com acidentes no local laboral (Paschoal e Tamayo, 2005).

Estudos sobre a ansiedade elencam como principais sintomas físicos são: taquicardia, tontura, dor de cabeça, dores musculares, insônia, angústia, irritabilidade e tensão (Ferreira et. al.,2009). Os citados sintomas trazem consequências drásticas na vida do trabalhador, interferindo diretamente em sua qualidade de vida, uma vez que, graus elevados de ansiedade ocasionam percepção negativa quanto às habilidades motoras, intelectuais e afetivas do indivíduo (Oliveira, 2006).

É crucial trazer à baila os ensinamentos de Gorenstein e Andrade (2000), que definem a ansiedade como uma condição emocional inerente das expectativas humanas, possuindo componentes fisiológicos e psicológicos que externam situações de medo, insegurança e antecipação, tensão, dor muscular, sensação de bloqueio respiratório, inquietação e outros desconfortos decorrentes de hiperatividade.

Outrossim, é fulcral distinguir a ansiedade normal da patológica: a primeira consiste em uma reação esporádica inerente do organismo, objetivando a proteção fisiológica ou gerar reações de atenção para o corpo; a segunda possui os mesmos sintomas, entretanto, eles acontecem de forma exacerbada e contínua, tornando-se patológica, uma vez que, coloca o ser humano em estado constante de vigília e atenção, prejudicando os aspectos psicológicos, sociais e profissionais do indivíduo (Gorenstein e Andrade,  2000).

2.3.2 Depressão

Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), pode-se definir a depressão como o conglomerado de emoções que induzem o ser humano ao isolamento, pensamentos negativos, desânimo, ansiedade, fadiga, insônia, tristeza, angústia, medo e vontade de chorar (OMS, 2011).

Ressalta-se que, consoante entendimentos da OMS e da Associação Psiquiátrica Americana (APA), a depressão é uma doença de acordo a Classificação Internacional dos Transtornos Mentais e Comportamentais – CID-10 e segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-IV) ela está inserida dentro do rol de transtornos de humor (OMS, 2011).

Outrossim, é coeso ressaltar que, a depressão abrange não só as alterações de humor, como a tristeza, apatia, ausência de prazer, irritabilidade, como também, prejudica as habilidades psicomotoras, cognitivas e vegetativas, a exemplo do sono, apetite, etc. Ademais, ela causa também estresse pós-traumático, demência, esquizofrenia, doenças clínicas e alcoolismo (Baptista, Souza e Alves, 2008).

Neste contexto, a depressão consiste é um instrumento amplificador de problemas que afetam a qualidade de vida do ser humano, causando distúrbios tanto nas suas atividades cotidianas quanto na sua vida laboral. Destaca-se que a depressão relacionada ao trabalho decorre principalmente do excesso de competição, exigências excessivas de desempenho e frustração de aspirações na carreira (Lecrubier, 2000).

2.3.3 Síndrome de Burnout

A Síndrome de Burnout (SB) consiste em uma resposta fisiológica à exposição de fatores exaustivos no ambiente de trabalho, ela se exterioriza por meio de sintomas físicos e comportamentais. O termo Burnout deriva da língua inglesa e refere-se à ausência de energia em decorrência da exaustão física e mental no exercício do labor (Benevides-pereira, 2002).

Outrossim, é imperioso destacar que a Síndrome de Burnout é definida como uma patologia ocasionada pela sobrecarga das organizações, gerada por alto grau de ansiedade e estresse, baixa autonomia, falta de reconhecimento, excesso de cobrança, dentre outros fatores (Areosa e Queirós 2020).

Conforme leciona Guedes (2020), a SB pode ser caracterizada a partir de uma perspectiva tridimensional, exteriorizando-se por meio: Exaustão Emocional, Despersonalização e Reduzida realização pessoal. Tais fatores são ocasionados pelo aumento no ritmo de trabalho, aumento das exigências na execução de atividades laborais, influenciando no estado de vulnerabilidade do trabalhador.

Ademais, consoante os ensinamentos de Sá (2004), a síndrome de burnout exterioriza-se pela presença de manifestações que se distinguem na sua natureza:

Física: liga-se ao estado de fadiga crónica, esgotado, com cefaleias e alterações frequentes do sono e do peso, distúrbios gastrointestinais e agravamento de doenças crónicas já existentes. Ademais, começa a ter comportamentos aditivos (consumo excessivo de café, tabaco, bebidas alcoólicas, tranquilizantes ou drogas ilícitas) para minimizar os sentimentos;

Emocional: liga-se a sentimentos de fracasso, desilusão, falta de esperança e de significado no trabalho, surgimento de sentimentos depressivos;

Atitudinal: liga-se a atitudes de indiferença, com atitudes negativas e de afastamento em relação ao trabalho, a colegas, a supervisores e à própria instituição.

Deste modo, é coeso afirmar que a Síndrome de Burnout tem como um dos seus principais causadores o esgotamento em decorrência da sobrecarga laboral, sendo que, ela possui características singulares em sua sintomatologia, possuindo especificidades que a distingue de outras doenças ocupacionais (Castro e Zanelli, 2007).

3. DIREITO FUNDAMENTAL AO ÓCIO E À DESCONEXÃO

As dinâmicas laborais foram profundamente afetadas e transformadas pelo processo de globalização, especialmente a partir da década de 1980, quando a tecnologia passou a exercer uma influência significativa nos meios de comunicação. A integração definitiva das novas tecnologias nas relações de trabalho resultou em comportamentos inovadores e em novas formas de contratos laborais, como o teletrabalho, que se tornou uma tendência global e quebrando assim os paradigmas tradicionais de jornada, hierarquia e supervisão (Souto Maior, 2003).

De acordo com De Masi (2000), algumas mudanças em nossas vidas são tão profundas e rápidas que passam muitas vezes despercebidas, mesmo para aqueles que as experimentam. Assim como emprego e trabalho representam conceitos distintos, o mesmo ocorre com ócio e ociosidade. O termo “ócio” adquire significado positivo apenas quando o compreendemos dentro do contexto adequado. O ócio mencionado aqui não está relacionado à apatia, à preguiça ou à inatividade. Pelo contrário, ele reflete um compromisso profundo com a reorganização do uso do tempo, da criatividade, do prazer e do propósito na vida.

A abordagem do “Ócio Criativo” proposto por De Masi (2000) destaca a importância do indivíduo se envolver com a arte, a criatividade e a liberdade. Dado que o tempo de lazer é um recurso escasso, ele deve ser gerenciado com habilidade, a fim de contribuir para a melhoria da qualidade de vida e da produtividade, uma vez que estimula a elevação do espírito e a geração de ideias inovadoras. De Masi (2000) argumenta que o ócio desempenha um papel fundamental na promoção da criatividade e na manutenção da saúde mental.

3.1 CENÁRIO BRASILEIRO

O tema do direito ao ócio criativo começou a ser debatido academicamente no Brasil em 2003 pelo Juiz Jorge Souto Maior em sua obra “Do direito à desconexão do trabalho”, sendo que tal produção tornou-se referência pátria sobre a temática. Na citada obra, o autor define que:

Devo esclarecer que quando se fala em direito a se desconectar do trabalho, que pode ser traduzido como direito de não trabalhar, não se está tratando de uma questão meramente filosófica ou ligada à futurologia, como a que nos propõe Domenico de Masi. Não se faia, igualmente, em direito em seu sentido leigo, mas sim numa perspectiva técnico-jurídica, para fins de identificar a existência de um bem da vida, o não-trabalho, cuja preservação possa se dar, em concreto, por uma pretensão que se deduza em juízo. (Souto Maior, 2003, p. 297).

Outrossim, é coeso ressaltar que inexiste no ordenamento jurídico brasileiro instrumentos normativos que versem especificamente do Direito ao Ócio, entretanto, o seu processo de reconhecimento na seara jurídica pátria aplica-se mediante a efetivação de outras garantias semelhantes, como, por exemplo, os direitos ao lazer e ao descanso. Neste contexto:

É importante também ressaltar que no Brasil inexiste positivação ao direito à desconexão, porém, a doutrina integra-o na categoria dos direitos fundamentais inespecíficos dos trabalhadores porque embora não expresso, seu conteúdo guarda espectro aos direitos: ao lazer, à liberdade, à privacidade – todos inerentes à personalidade do trabalhador. (Souto Maior, 2021, p. 72 e 73).

Apesar de ainda não ser regulamentado, o Direito à Desconexão baseia-se em princípios constitucionais, sendo que, já aconteceram no Brasil duas tentativas de regulamentação da temática, foram elas:

I. Projeto de Lei 6038/2016, de autoria da deputada federal Ângela Albino, no qual havia a proposição de inserção do Artigo 72-A da CLT com a seguinte redação:

Art. 72-A. É vedado ao empregador exigir ou incentivar que, fora do período de cumprimento de sua jornada de trabalho, o empregado permaneça conectado a quaisquer instrumentos telemáticos ou informatizados com a finalidade de verificar ou responder a solicitações relacionadas ao trabalho. (BRASIL, 2016).

II. O Projeto de Lei nº 4.044/2020, de autoria do senador Fabiano Contarato, ainda não foi apreciado pelo poder legislativo, estando a discussão parada no Senado Federal, sendo que, desde o dia 28/06/2023 está na Comissão de Comunicação e Direito Digital aguardando designação do relator (última consulta realizada em 26/03/2024).

Diante do exposto, é coerente argumentar que a lacuna legislativa existente aliada a imprecisão etimológica pátria a respeito do conceito de Direito ao Ócio, gera uma insegurança jurídica, uma vez que, inexiste uniformidade jurisprudencial sobre o tema, existindo na maioria das vezes uma confusão referente ao conceito sem a necessária definição do seu sentido e do bem jurídico tutelado (Ponzilacqua e Silva, 2020).

3.2 CONCEITUAÇÃO

Sob a denominação de “direito de não se dedicar ao trabalho,” o conceito de “direito à desconexão” aborda uma perspectiva técnico-jurídica destinada a reconhecer a “existência de um bem da vida, o não trabalho, cuja preservação possa se dar, em concreto, por uma pretensão que se deduza em juízo”. Aqueles que têm esse direito incluem até mesmo as pessoas desempregadas que não conseguem encontrar uma oportunidade devido à sobrecarga de trabalho de outros. (Souto Maior, 2003, p. 02).

Os termos “lazer”, “trabalho mental menos intenso” e “descanso” são usados de maneira intercambiável com “ócio”, e sobre esse conceito, De Masi (2000) oferece uma explicação onde “o ócio é necessário à produção de ideias e as ideias são necessárias ao desenvolvimento da sociedade”. Deste modo, o termo “ócio criativo” representa um estado em que a mente se mantém altamente envolvida, proporcionando sensações de liberdade, alegria e desenvolvimento pessoal. Atividades como assistir a filmes, frequentar o teatro e tirar intervalos ou férias nunca poderão ser consideradas desperdício de tempo, pois elas atuam como fontes de estímulo “para intuir coisas e compreender outras” (De Masi, 2000, p. 241).

Neste contexto, De Masi (2000) argumenta que, além da educação ética já existente, é crucial que a nova geração aprenda sobre como não trabalhar, cultivar, e aproveitar bem o tempo de lazer para viver de maneira satisfatória, sábia e prazerosa. O autor destaca a importância de relacionar o uso inadequado do tempo livre com a violência.

De Masi (2000) ainda sustenta que os frequentes relatos de jovens envolvidos em atos de violência, assaltos e outros comportamentos brutais indicam que esses jovens não foram adequadamente orientados sobre como aproveitar o ócio de forma construtiva. Isto é particularmente relevante, considerando que, atualmente, a sociedade na atualidade dedica muito mais tempo ao lazer do que ao trabalho (Souto Maior, 2003).

É inegável que a palavra “ócio” ainda carrega conotações negativas e depreciativas em nossa sociedade. Comumente, uma pessoa associada ao ócio é rotulada como “vagabunda” ou “indolente”, alguém que parece não ter nenhuma responsabilidade, geralmente em um estado de contemplação. Este estigma foi formado há muitos anos, talvez como uma herança de nossa trajetória industrial, que valorizava mais a força física do que a capacidade mental. Em contrapartida, estar em movimento é considerado um símbolo de energia valorizado pela sociedade, muitas vezes desqualificando-o como ócio (Calvet, 2006).

No contexto do trabalho, é no ócio que as pessoas podem realmente refletir sobre o que aconteceu, planejar e criar. É um momento de qualificação do espaço e da experiência. Sem o ócio, não há a oportunidade nem o tempo necessário para buscar soluções para os desafios do mundo atual. Nada significativo é construído durante a ociosidade; é no ócio que ocorre o verdadeiro desenvolvimento (De Masi, 2000).

Contrariamente à crença comum, o ócio implica em aproveitar pausas para contemplar a vida, organizar pensamentos sobre as experiências diárias e entender melhor a nós mesmos. É um período de reflexão e organização das experiências, que são posteriormente aproveitadas na criação de novos projetos e caminhos (De Masi, 2000).

À medida que as relações de trabalho evoluem, elas se afastam gradualmente das tradicionais relações de emprego regidas pela legislação trabalhista (conforme os artigos 2º e 3º da CLT), com o surgimento de novas formas de trabalho baseadas na individualidade e na ideia de “ser seu próprio chefe”, escapando assim das principais regulamentações que tratam do tempo de descanso (Brasil, 1943).

3.3 O ÓCIO COMO DIREITO HUMANO CONTEMPORÂNEO

Ao tratar sobre o tema de Direitos Humanos, deve-se tratar obrigatoriamente sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), sendo que, em seu corpo legal há previsões trabalhistas específicas que objetivam a proteção do trabalhador e servem de fundamentação para o direito ao ócio criativo. Os artigos 23 e 24 versam que:

Artigo 23

1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo 24

Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas. (ONU, 1948, p. 5 e 6).

Ademais, com base em relatório pela Eurodfound é coeso afirmar que as longas jornadas de trabalho são fatores causadores de problemas de saúde como depressão, ansiedade, distúrbios do sono e doenças coronarianas, fazendo assim, que haja um desequilíbrio entre a vida laboral e os outros aspectos da vida (Eurofound, 2022b).

Deste modo, infere-se que o Direito ao Ócio Criativo se conecta diretamente aos direitos do trabalho e à saúde, consistindo, assim, em um instrumento de efetivação e proteção de garantias fundamentais do ser humano. Neste contexto:

A desconexão passa a ser um instrumento de proteção da saúde pública ao passo que regulamenta e impede a exploração demasiada do trabalhador que labora em um ambiente de insalubridade psíquica, caracterizado pelo excesso de cobrança, metas imbatíveis e a falsa ideia de meritocracia. Com um amplo arsenal de meios tecnológicos à sua disposição, como smartphones, tablets e notebooks (muitos dos quais são também a única forma de lazer do trabalhador no momento), o empregador encontra um canal direto e praticamente instantâneo de acesso ao trabalhador (Arruda e D’Angelo, 2020, p.188).

Outrossim, ressalta-se que a fundamentação da tutela do direito à desconexão perpassa também na garantia dos direitos ao descanso e lazer, observando-se que:

Além disso, o direito (fundamental) de desconexão tem como função preservar o direito ao lazer, isto é, trata-se de uma garantia do trabalhador de laborar menos, de não permanecer à disposição do empregador, através das ferramentas tecnológicas, em seus momentos de folga e descanso, permitindo que o sujeito se desligue totalmente de suas atividades laborais, podendo nesse tempo se divertir, praticar esportes, atividades culturais ou ainda relacionadas a sua formação, participar socialmente da comunidade, desfrutar do convívio da família e de amigos (Goldschmidt e Graminho, 2020, p.148).

Diante o exposto, é coeso ressaltar que o rol de direitos fundamentais não é Numerus Clausus (taxativo) e sim Numerus Apertus (interpretativo), deste modo, é possível a definição de um novo direito, como ao Ócio Criativo, uma vez que, a sociedade possui um caráter volúvel se modificando constantemente. Sobre a temática:

Nesse sentido, pode-se dizer que os direitos fundamentais são fruto das realidades históricas, das lutas e batalhas entabuladas ao longo do tempo em busca da afirmação da dignidade humana. Dessa maneira, fazem parte de uma classe variável, que se modifica e continua a se modificar de acordo com as condições históricas (Bobbio apud Goldschmidt e Graminho, 2020, p. 27).

Sendo assim, infere-se que o direito ora debatido emerge para garantir a devida proteção das garantias dos trabalhadores, devendo ser alçado ao posto de novo direito como sendo fundamental e humano retratando a nova realidade da sociedade global

3.4 LIMITAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ÓCIO

O aumento preocupante das jornadas de trabalho extenuantes passou a ser uma questão relevante à medida que a sociedade progredia em sua busca pelos direitos fundamentais, como a dignidade, liberdade, saúde e vida.

Em escala internacional, a restrição das jornadas de trabalho exaustivas e o reconhecimento do direito ao descanso e lazer começaram a ser incorporados em documentos como a Carta Encíclica Rerum Novarum de 1891. Nesta encíclica, é destacado o descanso divino no sétimo dia após a criação, ressaltando que os dias de repouso deveriam ser dedicados à religião, levando à reflexão sobre os “bens celestes e ao culto devido à Majestade divina”.

Em 1948, após os traumas da Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional, por meio da Organização das Nações Unidas (ONU), adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que no seu artigo 24 estabeleceu que “todo ser humano tem direito a repouso e lazer, incluindo uma limitação razoável das horas de trabalho e férias remuneradas periódicas”, reconhecendo-os como direitos fundamentais essenciais para a realização da dignidade humana e da paz.

Em 1966, durante a XXI Assembleia-Geral da ONU, foi aprovado o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. No Brasil, o Decreto n. º 591 de 6 de julho de 1992 incorporou esse Pacto à legislação nacional, elevando o direito ao descanso, lazer e à limitação da jornada de trabalho a posição de direitos sociais e fundamentais.

Os Estados Partes do supracitado Pacto reconhecem, no artigo 7º, o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente:

[…]
d) O descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feridos (Brasil, 1992).

Na legislação do Brasil, a Constituição de 1988 estipula que a jornada de trabalho não deve ultrapassar 8 horas por dia ou 44 horas por semana (conforme o artigo 7º, inciso XIII da CF/88), além de garantir períodos de descanso (conforme os incisos XV e XVII do mesmo artigo) (Brasil, 1988).

Na legislação complementar, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) reafirma o limite estabelecido na Constituição (artigo 58 da CLT), controla a quantidade de horas extras (artigo 59 da CLT), estipula normas para descanso (Seção III, artigo 66 e seguintes da CLT) e para férias (Capítulo IV, artigo 129 e seguintes da CLT) (Brasil, 1943).

É importante notar que a redução salarial é proibida pela legislação, conforme estabelecido no artigo 7º, inciso VI da Constituição de 1988 e no artigo 468 da CLT. Portanto, qualquer proposta de diminuição da jornada de trabalho deve levar em conta o princípio da manutenção do salário (Brasil, 1943).

Deste modo, faz-se crucial trazer à baila o debate sobre o impulsionamento da hiperconectividade pelo progresso tecnológico, uma vez que, os instrumentos de comunicação como redes sociais (WhatsApp, LinkedIn e Instagram) têm sido utilizados de forma demasiada, possibilitando assim a conexão do trabalhador com o seu trabalho em tempo integral, sendo que esta ausência de desconexão acaba ferindo o direito à limitação da jornada de trabalho e o direito ao ócio.

Ressalta-se neste contexto, os posicionamentos de Souto Maior (2003):

É de trabalhar menos, até o nível necessário a preservação da vida privada e da saúde, considerando-se essencial esta preocupação (de se desligar, concretamente, do trabalho) exatamente por conta das características deste mundo do trabalho marcado pela evolução da tecnologia, pela deificação do mercado e pelo atendimento, em primeiro plano, das exigências do consumo (Souto Maior, 2003, p. 290).

Ao falar da desconexão faz-se um paralelo entre a tecnologia, que é fator determinante da vida moderna, e o trabalho humano, com o objetivo de vislumbrar um direito do homem de não trabalhar ou, como dito, metaforicamente, o direito a se desconectar do trabalho. Mas, esta preocupação é em si mesma um paradoxo, revelando, como dito as contradições que marcam o nosso “mundo do trabalho (Souto Maior, 2003, p. 292).

Sendo assim, a limitação da jornada de trabalho faz-se medida fulcral para combater a conexão excessiva do trabalhador, já que, as empresas estão se valendo das redes de comunicação para estender a jornada de seu empregado ao contatá-lo em seus momentos de ócio. Deste modo, é imperioso o reconhecimento e aplicação do direito à desconexão visando resguardar os direitos à saúde, lazer e descanso do trabalhador (Santos, 2015).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consoante argumentos debatidos no decorrer deste trabalho, as modificações histórico/sociais ocasionadas pelas revoluções industriais promoveram uma ressignificação das condições de labor e auxiliaram para uma redefinição do ambiente de trabalho, redefinido a partir de ideias de exploração laboral exacerbada.

Ressalta-se que o arcabouço jurídico clássico não abarca as situações trabalhistas hodiernas e suas consequências na vida do trabalhador, deste modo, torna-se fulcral uma ressignificação jurídica trabalhista na era contemporânea, inserindo as novas garantias, dentre as quais emerge o Direito ao Ócio Criativo, sendo essa a conclusão obtida através dos conhecimentos colhidos no decorrer deste artigo.

Destaca-se que, diante o novo paradigma trabalhista, os trabalhadores tornam-se cada vez mais hipossuficientes, uma vez que, com a ruptura da dicotomia que outrora existia entre ambiente laboral e ambiente pessoal, os indivíduos não possuem mais tempo para o laser ficando hiperconectados e isto acaba ocasionando adoecimento decorrentes de sobrecargas intelectuais e psicossensoriais, emergindo assim, patologias mentais, a exemplo da ansiedade, depressão, síndrome de burnout etc.

Deste modo, os trabalhadores hipossuficientes e hiperconetados necessitam de uma nova garantia, neste ambiente emerge o Direito ao Ócio, uma vez que, a inexistência de desconexão com o ambiente laboral e jornada de trabalho “ilimitada” prejudicam de forma direta a saúde física e mental dos trabalhadores.

Conforme o exposto, é coeso concluir que a positivação do Direito à Desconexão é medida fulcral no ordenamento jurídico pátrio, uma vez que, a falta de base legal da supracitada garantia põe em risco a efetivação de diversos direitos sociais e fundamentais dos trabalhadores.

Em última análise, é imperioso destacar que o presente trabalho não almeja inibir o desenvolvimento econômico e tecnológico pátrio, sendo que, objetiva-se imperiosamente, como preconizado na Constituição Federal, o desenvolvimento econômico sustentável, primando pelo respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores, que se desdobram nos direitos humanos e nas garantias constitucionais.

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1Graduando do curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR).

2Graduanda do curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR).

3Graduando do curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR).

4Mestre em direito público pela UNASA.