REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6989142
Autor:
Leonardo Ferraz Vieira
leon.vieira3000@gmail.com
Orientador:
Ricardo Ferreira Rezende
FACDO – Faculdade Católica Dom Orione
ricardo@catolicaorione.edu.br
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo trazer à mostra os direitos inerentes à vida do nascituro. Sendo um ser amparado pela lei o nascituro tem garantias e direitos como todos, um desses direitos é a vida que é a base para todos os direitos subsequentes como saúde, assistência médica, alimentação, educação, moradia, entre outros. Este usufrui dos referidos direitos por meio da mãe na forma de consultas pré-natais, assistenciais e condições básicas de sobrevivência para que este tenha o direito de vir a nascer com vida. Sobre essa perspectiva é importante reforçar o entendimento sobre o direito à vida, garantido ao nascituro pelo Código Penal, pela Constituição Federal, pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O direito do nascituro apesar de ser previamente garantido é razão de debates em alguns campos e também por alguns doutrinadores, isto se dá em função do conflito de interesses que há entre os direitos do nascituro e os da mulher. O presente trabalho é um estudo bibliográfico e documental de diplomas legislativos nacionais, internacionais e jurisprudência pátria.
Palavras-chave: Direito à vida. Mulher. Nascituro. Sobrevivência.
ABSTRACT
The present work aims to bring to light the rights inherent to the life of the unborn. Being a being supported by the law, the unborn child has guarantees and rights like everyone else, one of these rights is life, which is the basis for all subsequent rights such as health, medical care, food, education, housing, among others. The latter enjoys the aforementioned rights through the mother in the form of prenatal consultations, assistance and basic conditions of survival so that he has the right to be born alive. From this perspective, it is important to reinforce the understanding of the right to life, guaranteed to the unborn child by the Penal Code, the Federal Constitution, the Civil Code and the Statute of the Child and Adolescent. The right of the unborn child, despite being previously guaranteed, is a reason for debates in some fields and also by some scholars, this is due to the conflict of interests that exists between the rights of the unborn child and those of the woman. The present work is a bibliographic and documentary study of national and international legislation and national jurisprudence.
Keywords: Right to life. Women. Unborn. Survival.
1. INTRODUÇÃO
Direito à vida é a prerrogativa principal para a contextualização de todos os outros direitos como a dignidade, bem-estar, saúde e os demais direitos e garantias. O trabalho tem o objetivo demonstrar o direito do nascituro nos dias atuais e como este entra em debate com direito a dignidade da mulher, devido não ser permitido a prática de aborto a não ser nos casos em que a lei abre exceções para preservar a saúde, tanto física quanto psicológica, bem como a vida da gestante.
Porém, a lei dispõe claramente que o nascituro já é um sujeito de direitos, e pode-se ter a constatação de que sua vida é objeto jurídico de representação, estando no Código Penal protegido pela penalização dos crimes contra a vida.
O aborto não fora sempre um objeto de crime, pois até um certo período da história as leis não o tratavam desta forma, pois o feto era visto como parte do corpo da gestante e não como um ser de diretos, nesse período o aborto provocado pela gestante não causava nenhuma penalidade, pois se tratava da disposição do seu próprio corpo. Com o passar do tempo o aborto começou a ser entendido como lesão ao direito do marido de ter herdeiros.
O Código Penal Imperial Brasileiro de 1830 criminalizava o aborto praticado apenas por terceiro, ou seja, ainda não existia penalidade em relação a gestante, o aborto praticado pela gestante só passou a ser criminalizado no código penal de 1890 e por fim foi tipificado no código penal de 1940, taxado nos crimes contra a vida, trazendo à tona o direito à vida do nascituro como uma garantia. Com o passar dos anos tem sido questionada, e os debates acerca desse direito que demorou décadas para ser aplicado no nosso ordenamento jurídico e nos dias contemporâneos, a sua proteção é colocada como uma ofensa aos direitos das mulheres, entrando assim em um conflito de direitos.
A proteção do direito à vida do nascituro é garantida por lei, e esse direito será apresentado com a aplicação dentro das respectivas áreas e também suas exceções legais, tanto como conflitos de opiniões e decisões jurídicas que abrem espaço para novas decisões legais e acaba por colocar em dúvida a preservação deste direito.
2. CONCEITO DE NASCITURO
De acordo com Chinelato (2014) o termo “Nascituro” se originou a partir do latim nascitūrus que significa “aquele que está por nascer” ou “que deve nascer”. Ou seja, é aquele está em vida intra-uterina, mas não nasceu, não teve início em sua vida como pessoa. Dentro do direito o conceito de nascituro tem sua base no cuidado e no resguardo aos direitos a ele direcionados.
Legalmente, o Código Civil trata do nascituro no artigo 2º: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (BRASIL, 2002). A redação também se aproxima do artigo 4º do mesmo Códex: “A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”.
Os dois dispositivos trazem consigo o conteúdo da personalidade, que são caracteres de uma pessoa. Entretanto, necessário entender que a personalidade e capacidade de direito são coisas distintas. De acordo com Maria Helena Diniz (2012), a personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas a lei dispõe que se inicia desde a concepção os direitos do embrião e do nascituro.
Compreende-se que de maneira básica são todos os direitos apresentados pelo art 5º da CF onde a vida, a liberdade, a educação, a alimentação, a moradia e tantos outros, assim o ser humano tem neste artigo todos os seus direitos assegurados e amparados pela constituição. Para o nascituro não é diferente, pois seu direito na CF está explícito, pois, não há o que se falar em direito à vida se o direito de nascer não for garantido (DINIZ, 2012).
Os entendimentos doutrinários e legislativos são controversos, já que há doutrinadores que compreendem que a personalidade jurídica só incide sob à pessoa no momento de seu nascimento, enquanto a legislação diz ao contrário.
O conceito tradicional de nascituro – ser concebido e ainda não nascido – ampliou-se para além dos limites da concepção in vivo (no ventre feminino), compreendendo também a concepção in vitro (ou crioconservação). Tal ampliação se deu exatamente por causa das inovações biotecnológicas que possibilitam a fertilização fora do corpo humano, de modo que nascituro, agora, permanece sendo o ser concebido embora ainda não nascido, mas sem que faça qualquer diferença o locus da concepção. (HIRONAKA, 2006).
Dessa forma, pode-se afirmar que o conceito de nascituro também se estende para o conceito de embrião. O art. 1.798 do Código Civil admite que estão legitimados a suceder não só os já nascidos, também aquelas concebidas no momento da sucessão, ou seja, mais uma vez, a legislação traz dubiedade sobre a interpretação do nascimento da personalidade.
3. PERSONALIDADE E CAPACIDADE JURÍDICA, DE DIREITO E DE FATO
A personalidade pode ser conceituada como sendo a soma de caracteres corpóreos e incorpóreos da pessoa natural ou jurídica, ou seja, a soma de aptidões da pessoa. Assim, a personalidade pode ser entendida como aquilo que a pessoa é, tanto no plano corpóreo quanto no social. No Brasil, a personalidade jurídica plena inicia-se com o nascimento com vida, ainda que por poucos instantes” (TARTUCE, 2017, p. 102).
A capacidade jurídica não é absoluta, pois enfrenta a questão da relatividade onde pode sofrer restrições no que se refere a determinados casos, pode-se utilizar como exemplo os estrangeiros, estes são dotados de personalidade jurídica pelas leis brasileiras, no entanto a capacidade não é plena, ou seja, a capacidade jurídica ou a capacidade do exercício das atividades civis pode sofrer restrições.
De acordo com Maria Helena Diniz: “A capacidade jurídica da pessoa natural é limitada, pois uma pessoa pode ter o gozo de um direito, sem ter o seu exercício por ser incapaz, logo, seu representante legal é que o exerce em seu nome”.
Já a capacidade de direito é condição do próprio ser humano, onde está é atribuída a todas as pessoas sem distinção alguma. Em sua totalidade aquisição da personalidade jurídica é base para a aquisição dos direitos na vida civil, por esta razão o termo capacidade de direito.
A capacidade de fato é onde a pessoa terá direito de exercer pessoalmente todos os atos no que se refere à vida civil. Essa capacidade é adquirida com a maior idade, podendo tendo algumas exceções a emancipação por meio de: autorização dos pais, o casamento, o exercício de emprego público, colação de grau em ensino superior ou a devida constatação de uma economia própria conforme o art. 5° parágrafo único do Código Civil.
Diferentemente da capacidade de direito, a capacidade de direito, a capacidade de fato pode sofrer restrições no que se refere a condição de o indivíduo exercer seus direitos sem de pleno gozo por se só, mas com o auxílio de um responsável.
3.1 Diferença entre capacidade e legitimação
Como já visto de antemão a capacidade tanto de direito quanto de fato são atribuídas a pessoa no nascimento com vida onde a lei também põe a salvo a questão do nascituro. Dessa maneira apresentando o nascituro como exceção há o que se diz que suas capacidades são aplicadas de maneira formal.
A questão da legitimação é um pouco mais complexa, no ordenamento jurídico é mencionado este termo para o nascituro apenas no art. 1798 Código Civil trata do regime de sucessões onde destaca que o não nascido é legitimado do direito de sucessão no momento de sua abertura, onde será aplicado em sua totalidade o direito quando nascer com vida o herdeiro da sucessão por se encontrar concebido na hora da morte.
Os demais direitos que se aplica em proteção do nascituro são legitimados de maneira subsidiária sendo recebidos pela mãe para que haja uma gestação segura e saudável, onde apenas no direito penal no caso de aborto provocado ou consentido pela gestante o sujeito passivo será unicamente o feto.
“a) no autoaborto ou aborto consentido (CP, art. 124 ): é o feto que é detentor, desde sua concepção, dos chamados “direitos civis do nascituro” (CC, art. 2º). A uma primeira análise tem-se a impressão de que a gestante também seria o sujeito passivo do delito em estudo, contudo não se concebe a possibilidade de alguém ser ao mesmo tempo sujeito ativo e passivo de um crime;” (CAPEZ, 2019 pag. 146)
A distinção entre a capacidade e a legitimidade é que a capacidade sendo ela de direito ou de fato a pessoa poderá ter ela reduzida ou submetida a outrem e na legitimação não pode haver redução, porque a legitimidade é algo concreto, podendo ser amparado por outrem, porém de direito é inteiramente do legitimado.
“Eis por que, modernamente, se distingue a capacidade de gozo da legitimação. Mesmo que o indivíduo tenha capacidade de gozo, pode estar impedido de praticar certo ato jurídico, em razão de sua posição especial em relação a certos bens, pessoas e interesses. Logo, a legitimação consiste em saber se uma pessoa tem ou não competência para estabelecer determinada relação jurídica (…)”(DINIZ, 2012, pag. 169)
4. DIREITO À VIDA E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Para Moraes (2016), o direito à vida é uma garantia constitucional apresentada no Art. 5º da Constituição Federal de 1988 onde é tratada como a base principal para os outros direitos, porque sem a vida não temos o que dizer sobre direitos como a liberdade, à igualdade, à segurança e outros aspectos que trazem à tona as bases de direito do homem.
O art. 5º da Constituição Federal apresenta em seu caput a seguinte redação:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, […].
Compreende-se, portanto, que a vida sendo o pilar do direito, não podendo ser violada, por ser uma garantia constitucional deve-se manter sua integridade, de maneira alguma aceitando que seja lesada por outro, recebendo aparato da lei desde os primórdios do direito.
Conforme Brito e Rosa (2014) para o nascituro não é diferente, seguindo a linha de pesquisa embrionária que apresentada pelos gregos dá importância à vida do nascituro como um direito a ser garantido.
Com os gregos, o nascituro teve o primeiro aparato normativo, onde a personalidade jurídica dele foi bem aceita graças aos estudos sobre embriologia da época que concederam vasta importância ao embrião e o consideravam pessoa.
Pode-se dizer então que a vida como base do direito é a área mais antiga protegida pela lei, onde a sua violação sempre era punida ou retalhada de alguma maneira pelas aplicações das penalidades referentes a restrição da mesma, praticada por outra pessoa, evoluindo assim de maneira a se tornar a base das garantias constitucionais nas leis contemporâneas, onde a vida é colocada como pilar do direito e deve ser protegida (GONÇALVES, 2016).
Onde a existência é garantida a partir de sua concepção até a finalização da vida com os direitos à saúde, educação, liberdade, segurança, escolha, respeito, fé e demais direitos e garantias constitucionais: O direito de ter um atendimento e amparo médico aplicados pelas UBSs (unidades básica de saúde), UPAs (unidades de pronto atendimento) e HRSs (Hospitais Regionais de Saúde); a educação fornecida gratuitamente por meio dos estabelecimentos de ensino (Escolas Públicas); o direito de ir e vir na liberdade de locomoção como a liberdade de expressão que é estabelecida; a segurança fornecida pelo estado; o respeito que se deve a cada indivíduo; sua opção de professar sua fé e religiosidade caso tenha; etc.
A dignidade da pessoa humana é um conceito abstrato e filosófico no que se refere a legislação, tendo sua forma intangível, porém claramente existente, a violação de qualquer dos direitos fundamentais gera uma transgressão no que se refere a esse princípio (TARTUCE, 2012).
No caso do nascituro, como os demais direitos inerentes apresentados ele terá sua dignidade preservada de maneira tanto direta como indireta, onde os auxílios médicos como pré-natal, assistência ambulatorial, e caso necessários tratamento farmacológico durante a gestação para resguardar sua saúde e integridade intrauterina até seu nascimento, fornecido a ele por meio de sua progenitora.
5. DISCUSSÕES ACERCA DO INÍCIO DA PERSONALIDADE DA PESSOA NATURAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A teoria natalista é a teoria que defende a personalidade jurídica com o nascimento com vida. A teoria natalista traz o entendimento de que personalidade ocorre com o nascimento com vida, com isso o nascituro não poderia ser considerado pessoa, pois o Código Civil traz esta regra tratando o nascituro apenas como uma exceção à regra, para a personalidade civil, o nascimento com vida. Assim sendo, o nascituro não teria direitos, mas mera expectativa de direitos (PAGNONCELLI, 2014).
Para Brito e Rosa (2014), essa visão é contraditória cm relação ao direito a vida que é protegido pelo Código Penal que traz o aborto como um crime contra a vida voltando a base de que o nascituro tem o direito de viver resguardado por lei. Como vimos antes a vida do nascituro é preservada pelo direito desde as leis gregas que realizavam estudos sobre a embriogenia, dando tanto uma importância maior como também transformando o nascituro como um sujeito de direitos.
De acordo com Lima e Fermentão (2021) a teoria concepcionista é aquela que sustenta que o nascituro é pessoa humana, tendo direitos resguardados pela lei. Ou seja, seus direitos devem ser preservados e resguardados desde a concepção, devendo ser apresentado de forma integra e garantido todos os requisitos para que seu direito de nascer prossiga e seja concluído com êxito.
A teoria concepcionista que protege o feto ou nascituro que significa nada mais nada menos do que aquele que está por nascer. E essa teoria é defendida pelo Direito Penal Brasileiro onde o crime de aborto está catalogado do artigo 124ª à 128ª. Sendo assim o em um âmbito da Lei Brasileira o nascituro é considerado como um ser de direitos, principalmente direito à vida, direito de nascer, com sua integridade resguardada pela lei que pune os crimes contra a vida.
5.1 A Legislação Protetiva
Para Gagliano (2017), no direito existem várias linhas que mesmo indiretamente apresentam uma certa proteção ao direito que o nascituro tem de nascer mesmo que não seja aparente, essas bases protetivas foram criadas com o intuito de resguardar o direito e a segurança do nascituro aplicando. Esses direitos estão em áreas tanto normativas como compactuadas de decretos e acordos legislativos internacionais.
A Constituição Federal, em seu artigo 227 retrata:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
5.1.1 O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Nascituro
O ECA tem a função de trazer as fundamentações dos direitos da criança e adolescente que tem a função de resguardar o direito à vida e a saúde de uma forma digna e justa de acordo com legislação aplicada.
Em seu artigo 1º e 2º dispõe sobre a proteção integral da criança e do adolescente, onde se considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos. O ECA também concretiza a proteção integral ao direito à liberdade, respeito, dignidade, convivência familiar etc.
A expressão criança deve ter significado especifico, pois taxam o rol de pessoas em até 12 anos de idade incompletos, a lei apenas trouxe a idade máxima da criança, omitindo no tocante à idade mínima, dessa forma, com base em argumentos natalistas e a teoria da personalidade condicional, somente se poderia se considerar criança, aquele já nascido, ou seja, o primeiro dia de vida (PAGNONCELLI, 2014).
No que se refere ao tema aplicado, o art. 7º do ECA traz o seguinte texto.
Art. 7ª ECA – a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Pode-se verificar que a palavra “nascimento” é uma das bases de proteção do direito das crianças, pois, sem o nascimento não há o que se falar sobre desenvolvimento. O direito à vida e a saúde são a apresentadas em destaque no início do artigo pois são as garantias básicas que levam ao desenvolvimento da criança, porém no que se refere a essas garantias sem o direito à vida do nascituro, seu desenvolvimento gestacional até seu nascimento com vida não há o que se falar sobre esses direitos, pois, para que o direito da criança seja aplicado, o direito do nascituro tem de ser resguardado, tratando-se assim de uma cadeia evolutiva.
5.1.2 Convenção dos Direitos da Criança (Decreto 99.710/90)
O conceito de criança tem seus contornos jurídicos mais amplos traçados no artigo 1º da Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, promulgada no Brasil por meio do Decreto 99.710, de 21/11/1990, segundo o qual: “Entende-se por criança todo ser humano menor de 18 anos de idade, salvo se, em conformidade com a lei aplicada à criança, a maioridade seja alcançada antes”.
Importa mencionar que os tratados internacionais, como o acima citado, se incorporam ao ordenamento jurídico brasileiro como atos normativos infraconstitucionais, conforme disposto no artigo 5º, parágrafo 2º da Magna Carta (MORAES, 2012).
Assim, pode-se dizer que o conceito de criança, com finalidade jurídica no Brasil, engloba não só pessoas já nascidas, como todos os seres humanos, sendo irrelevante se estes já são nascidos ou não. Os nascituros são seres humanos, mesmo sendo entes que ainda que tenham vida intrauterina, foram gerados por seres humanos.
5.1.3 Pacto de San José da Costa Rica
O artigo 3º do Pacto de São José da Costa Rica determinam que toda pessoa deve ter reconhecimento de sua personalidade jurídica, a concepção de pessoa para esse pacto está reconhecida no artigo 1º que consta: “Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano”. Assim, para o Pacto, toda pessoa é ser humano que possui direito ao reconhecimento da personalidade jurídica. O artigo 4º também determina que o direito à vida deve ser protegido pela legislação em geral, desde a concepção. Assim, o Pacto assegura que ao nascituro é de direito o reconhecimento de sua personalidade jurídica.
5.1.4 Código Civil e os direitos do nascituro
Conforme citado anteriormente, a situação jurídica do nascituro está respaldada por diversas áreas do direito, mas que seu inicio se dá na área do direito civil, já que ao tratar de nascituro se discute o início da personalidade. O Código Civil traz um tratamento especial quanto aos direitos de personalidade, em seu capítulo intitulado Dos Direitos da Personalidade.
De acordo com Tartuce (2014), a lei traz expressamente que a personalidade civil tem inicio com o nascimento da pessoa com vida, contudo, também salvaguarda os direitos do nascituro. Há o reconhecimento dos direitos da paternidade ainda na vida uterina, onde o nascituro pode ser credor de prestações alimentícias, receber doações e legados e também recolher a título sucessório.
A ele é permitido a inserção na família, presumindo-o sua concepção na constância do casamento, se nascer entre os 180 dias depois de estabelecida a convivência conjugal e 300 dias após à dissolução dessa convivência.
Como já mencionado anteriormente, a teoria concepcionista é adotada pelo artigo 2º do Código Civil: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro”. Assim, se observa que as propriedades da característica humana já estão presentes no embrião, sendo garantindo assim, a tutela do embrião e do nascituro (TARTUCE, 2014).
Com base nessa teoria e partindo de a permissa do embrião ser uma pessoa, o mesmo merece respeito e dignidade da mesma forma que é dado às demais pessoas, inclusive merecendo todo o amparo jurídico.
Os direitos do nascituro são limitados, onde a personalidade jurídica subdivide-se em duas: a formal e a material. Dessa forma, o nascituro possui apenas a personalidade formal, e adquire a segunda apenas após seu nascimento com vida, pois essa está ligada aos direitos patrimoniais.
Ao nascituro também é dado o direito a alimentos provisionais ou definitivos, conforme artigo 7º da Lei nº 8.560/1992, reconhece-se, novamente através da teoria concepcionista, o direito aos alimentos desde a concepção para o desenvolvimento do feto, onde a jurisprudência concede, em sua grande maioria das vezes, o direito provisório de alimentos ao nascituro:
Ação de Indenização – Em podendo a obrigação decorrente do direito a alimentos começar antes do nascimento e depois da concepção, têm os pais, mesmos tratando-se de direito personalíssimo, legitimidade para pleiteá-los pelo nascituro, que será indiretamente beneficiado, enquanto se nutrir do sangue de sua mãe, e diretamente após seu nascimento, pois já que o Código Civil coloca a salvo os direitos do nascituro, e não dispõe este ainda de personalidade civil, os legitimados para representá-lo desde a gestação seriam os pais. Gravidez decorrente de uso de anticoncepcional falso – Alimento – Legitimidade ativa dos pais para pleitear indenização em nome do nascituro (TAMG – AGI. Acórdão 0321247-9, 20-12-2000, 3ª Câmara Cível – Rel. Juiz Duarte de Paula).
Além disso, o nascituro também possui direito a sua representação, de acordo com o artigo 1.779 do Código Civil: “Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar”. Ainda de acordo com o Código Civil, em seu artigo 1.798 traz: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.” (BRASIL, 2002). Mais uma vez, o Código Civil retrata o direito do nascituro ao versar sobre pessoas já concebidas no momento da abertura da sucessão.
6. VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA DO NASCITURO: O CRIME DE ABORTO
A vida humana para o Direito é o primeiro valor, é soberana nas legislações e é fundamental, pois sem a vida não há direito. A dignidade e o direito à vida estão acima de todos os preços. Assim, percebe que sua ocupação está no lugar mais alto do conteúdo jusnatural.
O direito a vida não pode ser atacado, violado ou ferido, deve ser protegido e validado, além disso é condicionante aos demais direitos da personalidade. A primeira função dos direitos fundamentais é a defesa da pessoa humana e sua dignidade diante de todos os poderes do Estado (MORAES, 2016).
Está devidamente assegurado, no artigo 5º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]
Torna-se indiscutível a proteção constitucional da vida do nascituro, já que a lei preza pela igualdade de todos, além de todas as premissas legislativas e tratados internacionais que asseguram ao nascituro seus direitos.
O aborto vem do latim ab ortus, que significa a privação do nascimento, para a embriologia moderna trata-se da expulsão do útero de um embrião ou de um feto antes que este se torne viável. Para a obstetrícia é a interrupção de forma espontânea ou proposital, desde o momento da fecundação do óvulo pelo gameta até a 24ª semana de gestação (MOORE; PERSAUD, 2008).
Capez (2019), o aborto pode ser verificado tanto pela expulsão do feto, pelo processo de mumificação, maceração ou também que seja reabsorvido pelo organismo materno através de autólise, assim, o abordo é uma expressão menos técnica, devendo ser utilizada a expressão abortamento quando se é utilizado meios e manobras que objetivam interromper a gravidez.
Com relação ao tipo de motivação, Mirabete (2007) relata que há duas modalidades: o aborto espontâneo (natural) e o abordo acidental (provocado). O primeiro é decorrente de problemas da gestação, seja pela má formação do feto ou por complicações na saúde da gestante, o segundo decorre de traumas variados que são sofridos pela gestante.
Já Nucci (2006) qualifica aborto em natural, advindo de causas patológicas; aborto acidental, decorrentes de causas exteriores e traumáticas; aborto terapêutico que se subdivide em duas modalidades: o necessário, para salvar a vida da gestante e o abordo para encerrar enfermidade grave da gestante.
O aborto em casos de estupro, o chamado aborto sentimental, é previsto pela lei penal, e é realizado para livrar a mãe de traumas psicológicos advindos do crime. O abordo eugênico é utilizado para eliminar nascituros que possuem enfermidade, deficiência físicas etc.
Com relação a história do aborto, Souza (2011) diz que está diretamente ligada a história dos costumes, do Direito e da ciência. Tal prática nem sempre fora considerada criminosa pelo Estado, com reflexos na religião e na moral. O Código de Hamurabi trazia referências ao aborto, cominando pena à tal conduta. Os assírios, por sua vez, puniam a mulher grávida pelo autoaborto com a empalação.
Antigamente, devido ao grande puder com as partes intimas femininas, eram as mulheres que orientavam a gestação e realizavam os abortos, entre os povos hebreus e gregos era predominante a indiferença do Direito quanto a prática abortiva, já que o feto naquela época era considerado como integrante do orgamisno materno. Os Greco-romanos puniam a mulher que abortava apenas se essa ofendesse aos interesses do marido. Aristóteles, por sua vez, apontava o aborto como forma de controle demográfico (SOUZA, 2011).
Fora através do cristianismo que passaram a afirmar maior valor ao indivíduo, passando o aborto a ser reprovado no meio social. Os imperadores Adriano, Constantino e Teodósio passaram a entender o aborto como a morte de um ser humano, que se equipara ao delito de homicídio. Aqui, se vê a evolução filosófica que buscava valorizar o ser humano.
De acordo com Diniz (2012), o abordo surgiu como crime pela primeira vez na Constitutio Bamberguensis de 1507, e na Criminalis Carolina de 1532. Devido aos avanços na medicina e com a ratificação dos Estados após a Revolução Francesa, passou a se privilegiar a vida do feto, que também teve mais alcance público. Fora com a descoberta do óvulo, no ano de 1827 que a ideia de concepção fora transformada, confirmando o início da vida já na fecundação.
Assim, ao logo do século XIX até a década de 1970, o Estado intensificou a forma fundamental de proteção a vida do feto reprimindo à prática abortiva, onde o nascituro passou a ter visibilidade pelo Estado como futuro cidadão, não sendo mais de propriedade dos genitores, mas da coletividade (DINIZ, 2012).
O Código Penal Brasileiro dispõe sobre o aborto em seus artigos 124 a 128, no Capítulo de Crimes Contra a Vida, com intuito de proteger a vida humana intra-uterina e a vida da mulher gestante. O Código penal traz figuras delitivas do aborto provocado pela gestante ou com o consentimento da mesma para que outrem lhe provoque aborto, aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante e as causas excludentes e qualificadoras de punibilidade.
Para Capez (2019), com finalidade penal, o aborto é a interrupção intencional da gravidez que tem como consequência a destruição do produto da concepção, ou seja, a morte do nascituro. O elemento subjetivo no crime de aborto é o dolo, direto ou eventual, ou seja, consiste na vontade livre e consciente de interromper a gravidez, matando o produto da concepção ou, pelo menos, assumindo o risco de matá-lo, inexiste, assim, a modalidade culposa para o delito de aborto.
Em vista disso, na atual conjuntura, o ataque a vida embrionária acarreta diversas discussões entre pró-aborto, relativistas da inviolabilidade do direito à vida. Afirmam os pró-aborto que a vida da mulher deve ser respeitada e que os abortos clandestinos colocam em risco a vida das mesmas. De acordo com Souza (2011), não se pode afirmar que o delito do aborto deve ser descriminalizado pois coloca em risco a vida de quem a prática, não se deve considerar repressivo um texto legal que pune o assassinato intrauterino.
A Constituição Federal de 1988, por sua vez, reprovou o extermínio do nascituro, através da inviolabilidade do direito à vida, assegurada no caput do artigo 5º, da Constituição Federal/1988, bem como nos artigos 1º, 2º e 4º do Pacto de São José da Costa Rica. Em consonância legal, estão ainda o artigo 2º, do Código Civil, e o artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente, como já explanado anteriormente. Como leciona Diniz (2012) “não é matando crianças inocentes e indefesas que se eliminarão a clandestinidade” (p. 84). Não há qualquer princípio de liberdade que deva se sobrepor a vida humana como valor supremo, já que a proteção do nascituro é a proteção jurídica de vida humana.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como exemplificado nesse artigo, é constatado cientificamente que a vida humana tem início na concepção, a vida é direito inviolável, abarcado pelo ordenamento jurídico brasileiro através da Magna Carta, em seu artigo 5º, bem como os tratados internacionais, como o Pacto de São José da Costa Rica, que assegura que, desde a concepção, o ser humano tem direito à vida.
Mesmo com a contradição civilista do ordenamento jurídico brasileiro com relação ao início da personalidade jurídica da pessoa natural, é certa a posição que dá ao nascituro, desde a sua concepção, a qualidade de sujeito de direito, os assegurando direitos personalíssimos, onde a vida é pressuposta existencial.
Assim, através da presente pesquisa pode-se compreender que o direito à vida é inviolável, e as tentativas de legalização do aborto e de demonstrar que o nascituro não possui condições humanas, buscam apenas atender interesses sociais hedionistas e materialistas, que questionam o valor da vida. Portanto, a vida é absoluta, fundamental, natural e inalienável, não podendo dispor de contraposições ou questionamentos, para tanto, está abarcada por defesas doutrinarias, legislativas, em especial a Constituição Federal e os pactos internacionais, que garantem que o direito à vida é o principio fundamental de qualquer sociedade de direito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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