DIREITO À INCLUSÃO SOCIAL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA COMO COROLÁRIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

RIGHT TO SOCIAL INCLUSION OF PEOPLE WITH DISABILITIES AS A COROLLARY OF THE DIGNITY OF THE HUMAN PERSON

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7798018


Alessander Moreira Batista1
José Branco Peres Neto2
Marcelo Perez da Cunha Lima3
Márcio Alvarenga Godofredo4


RESUMO

A inclusão social é constatada quando todos os integrantes de uma sociedade, com suas particularidades e subjetividade, encontram-se totalmente integrados no meio social no qual fazem parte.  Com “totalmente integrados” deve se entender não só o respeito à individualidade, mas também a disponibilidade fática de exercer aqueles direitos que compõe o arcabouço da dignidade humana, que são os direitos fundamentais, como o direito de ir e vir, saúde, trabalho, educação, lazer, entre outros. A problemática consiste na seguinte pergunta: em que medida o direito à inclusão social se relaciona com a dignidade da pessoa humana das pessoas com deficiência? A metodologia adotada é a pesquisa qualitativa de natureza bibliográfica. O referido estudo chega a conclusão de que a inclusão social está intimamente relacionada com a dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a exclusão social resulta no afastamento da efetividade dos direitos das pessoas com deficiência. Portanto, garantir a inclusão social é garantir os demais direitos e, assim, proteger a dignidade da pessoa humana das pessoas com deficiência.

Palavras-Chave: Pessoas com Deficiência. Inclusão Social. Dignidade da Pessoa Humana.

ABSTRACT

Social inclusion is verified when all the members of a society, with their particularities and subjectivity, are fully integrated in the social environment in which they are part. With “fully integrated” one should understand not only respect for individuality, but also the factual availability to exercise those rights that make up the framework of human dignity, which are fundamental rights, such as the right to come and go, health, work, education, leisure, among others. The problem consists of the following question: to what extent is the right to social inclusion related to the human dignity of people with disabilities? The adopted methodology is the qualitative research of bibliographical nature. This study comes to the conclusion that social inclusion is closely related to the dignity of the human person, given that social exclusion results in the removal of the effectiveness of the rights of people with disabilities. Therefore, guaranteeing social inclusion means guaranteeing other rights and, thus, protecting the dignity of the human person of people with disabilities.

KEYWORDS: People with Disabilities. Social inclusion. Dignity of human person.

1 INTRODUÇÃO

A inclusão social é constatada quando todos os integrantes de uma sociedade, com suas particularidades e subjetividade, encontram-se totalmente integrados no meio social no qual fazem parte.  Com “totalmente integrados” deve se entender não só o respeito à individualidade, mas também a disponibilidade fática de exercer aqueles direitos que compõe o arcabouço da dignidade humana, que são os direitos fundamentais, como o direito de ir e vir, saúde, trabalho, educação, lazer, entre outros.

Tendo em vista que a exclusão social, por sua vez, equivale a uma verdadeira discriminação, assim como uma violação aos direitos humanos. Sendo que estes vêm sendo consolidados por notória evolução, com um marco especial na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, constituindo uma das principais ferramentas na luta pela aquisição dos direitos das minorias, possibilitando a cobrança de sua efetividade perante os Estados.

Sendo que o reconhecimento da dignidade da pessoa humana deve ser pauta permanente dos sistemas de organização social que pretendem ser uma “real democracia”, devendo haver compromisso com a redução do preconceito e da desigualdade. Além de atuar no sentido de que as minorias obtenham concreta representatividade, no que deve refletir na ativa participação política e social da causa, fazendo com que a sociedade enxergue as pessoas com deficiência.

A problemática consiste na seguinte pergunta: em que medida o direito à inclusão social se relaciona com a dignidade da pessoa humana das pessoas com deficiência? A metodologia adotada é a pesquisa qualitativa de natureza bibliográfica.

Essas são as principais questões que o presente estudo pretende desenvolver, sem prejuízo de outras que, ainda que abordadas de forma ancilar, apresentem-se como elementares à aferição das conclusões aqui pretendidas.

2 O DIREITO À INCLUSÃO SOCIAL

Nestes termos, vale relembrar que é de cunho do filósofo do Direito Norberto Bobbio o termo “democracia real”, assim como o diagnóstico de tempo em que constata a inexistência desta, no que diz haver apenas “democracias degeneradas”.

Apesar de ter chegado a tal resultado que é um tanto quanto desanimador, é, ao mesmo tempo, autor de constatações, como a que se segue, que sintetiza a imbricada inter-relação entre as máximas de direitos do homem, democracia e paz:

direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e efetivamente protegidos não existe democracia, sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos que surgem entre os indivíduos, entre grupos e entre as grandes coletividades tradicionalmente indóceis e tendencialmente autocráticas que são os Estados, apesar de serem democráticas com os próprios cidadãos (BOBBIO, 2004, p. 203).

Neste sentido, é importante que desde já fique claro a diferença entre inclusão social e integração social, que muitas vezes são tomados como sinônimos, tanto pela literatura jurídica, como também nos textos legislativos e na jurisprudência.

Para tal vale ressaltar o que afirmou Romeu Kazumi Sassaki[1]. Conforme este, na integração está contida a ideia de que a pessoa precisa adaptar-se para compor o meio. Por sua vez, na inclusão, o conceito relaciona-se com a modificação do meio, visando à recepção da pessoa com deficiência, além da capacitação desta para assumir sua função na sociedade.

Portanto, a inclusão social implica na alteração da sociedade, acompanhada do tratamento digno ao ser humano. É neste sentido que também se coloca a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, especialmente em seu artigo 3º que dispõe: “o respeito pela dignidade inerente, independência da pessoa, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e autonomia individual”; “a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade”; “o respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade”; “a igualdade de oportunidade”; dentre outros.

Diferentemente da noção de cidadania na Grécia antiga, onde só parte da população podia usufruir dessa condição, ou mesmo na república nascida da Revolução Francesa – em que a cidadania era construída “de cima para baixo”-, a nova cidadania, na sociedade contemporânea, baseia-se na ideia de que cada pessoa é um sujeito de direitos. No caso das pessoas com deficiência, isto significa que o indivíduo não deve ser mais visto como alguém dependente de cuidados ou que precisa permanentemente de assistência, mas como uma pessoa com voz e vontade próprias. Ser sujeito de direitos significa que qualquer um, ou qualquer uma, tem o direito de ter direitos (BASTOS, 2007, pg. 12).

3 A INCLUSÃO SOCIAL E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA ATUAÇÃO ESTATAL

Desta forma, entende-se que as pessoas com deficiência devem gozar das mesmas prerrogativas e responsabilidades que qualquer sujeito tido como normal. De tal forma que o acolhimento na vida social/pública deve ser feita de forma a garantir o usufruto dos direitos inerente à condição humana. Até porque as Convenções e Tratados de direito internacional ratificado, bem como a Constituição Federal do Brasil, promulgada em 1988, já apontam para a impossibilidade de qualquer diferenciação das pessoas com base em qualquer deficiência.

No entanto, cabem algumas ressalvas, como o que se entende do que disse Joaquim Barbosa Gomes[2]. Conforme este, se a diferenciação visar à inclusão social e não tiver caráter compulsório não configura uma descriminação.

Já Celso Antônio Bandeira de Mello[3] é enfático em seu ensinamento a respeito da possibilidade de uma descriminação legítima, deixando claro que tal diferenciação só será legitimada mediante a existência de um nexo plausível entre “o elemento de ‘discrímen’ e os efeitos jurídicos atribuídos a ela”.

Neste sentido, tendo em vista atingir o grau máximo de inclusão social que uma sociedade democrática deve proporcionar a seus integrantes, pois na hipótese de não se dedicar a atingir tal fim estaria traindo sua finalidade, que é proporcionar as situações propícias para que cada integrante possa realizar todas suas potencialidades, o que finalmente o tornaria feliz.

Sendo a inclusão social um direito fundamental que deve ser preservado pelo Estado Democrático de Direito, que se faz necessário que cada sujeito atue na proporção que lhe for devida, segundo suas capacidades, para atingir o objetivo almejado. Com isso se ressalta a necessidade de que cada cidadão se conscientize da existência dos excluídos, e partir de então possa atuar de forma a colaborar com uma plena integração entre as diversidades.

O caminho a ser trilhado e a postura a ser adotada é justamente a que João Baptista Cintra Ribas[4] nos ensina:

Se conseguir fugir dos padrões estéticos de beleza e dos modelos de inteligência, a medicina perceberá que cada pessoa que tem restrição no corpo ou é portadora de deficiência é um ser humano particular, com um corpo e uma inteligência diferenciados dos demais (e não desiguais). É, enfim, um universo único em si mesma (RIBAS, 1995, pg. 43).

Sendo assim, é por meio da compreensão que a humanidade é composta por seres diferenciados, e não segundo padrões estéticos que visam massificar, pensamentos, atitudes e consumos, em benefício de um número reduzido de favorecidos. Deve ficar claro que a diferença não pressupõe uma desigualdade.

Afinal, independente do que for alterado, enquanto ser vivo mantém o ponto mínimo de coerência, que é a condição de pertencente à humanidade.

Conforme nos ensina Luiz Alberto David Araujo[5] ao assinalar a formulação de Kant, na qual a dignidade pode ser apontada como o predicado que faz do ser humano o único ser dotado de valor não relativo. Ao qual explica que, portanto, o ser humano deve ser enfocado como um fim em si, não podendo ter seu valor mitigado diante de nenhuma outra circunstância, bem ou valor. Concluindo então que todos os seres humanos são iguais em dignidade.

Nesse mesmo sentido a autora Amanda Meincke Melo[6], ao analisar a acessibilidade no quotidiano das bibliotecas, como elemento que possibilita a efetivação de uma igualdade de fato, expõe o seguinte ponto de vista:

Para o delineamento de uma sociedade mais inclusiva, que reconhece e valoriza as diferenças entre as pessoas, torna-se cada vez mais importante que propostas para a acessibilidade de pessoas com características específicas estejam articuladas à promoção da qualidade de vida para todos. Assim, pessoas com habilidades, necessidades e interesses variados, sejam ou não em decorrência de envelhecimento ou de deficiências, poderão ser beneficiadas por propostas de ambientes, produtos e serviços acessíveis, que não a discriminam (MELO, 2008, pg. 30).

Mediante ao exposto, se constata que o postulado da igualdade carrega consigo tamanha altivez, que mesmo diante de uma discriminação aparentemente permitida pela constituição, que seria a modificação do meio visando acolher especialmente a pessoa com deficiência, ainda assim é recusado, pois se enquadraria na hipótese de adaptação apenas, não proporcionando a igualdade social que só é possível mediante a integração entre todas as pessoas.

Tal é o ponto que a autora (MELO, 2008), no trecho destacado acima, rejeita a modificação unilateral, pensado apenas para a pessoa com deficiência, pois o que se espera é uma alteração pensada em beneficiar todos os envolvidos. Pois é só por meio da plena integração que serão aperfeiçoados os espaços, visando a melhoria na qualidade de vida de todos.

De forma que já começam a surgir os contornos do plano de fundo necessário para a desenvoltura da acessibilidade, condição necessária para a efetivação da inclusão social, que por sua vez permitirá a efetivação da igualdade.

Este plano de fundo é certamente a interdisciplinaridade, pois para a efetivação da plena acessibilidade, será necessário o envolvimento de toda a sociedade, de todos os profissionais, intercalando conhecimento das mais variadas áreas do saber.

Como elemento representativo do papel salutar que cada profissional, dos mais diversos setores da sociedade, deve adotar para tornar viável a empreitada que é tornar uma sociedade inclusiva, citamos trecho da urbanista e expert em políticas sociais com ênfase na área de acessibilidade Adriana Romeiro de Almeida Prado[7] em trecho que destaca o papel fundamental do arquiteto nesta jornada, em suas palavras:

O papel fundamental do arquiteto é incluir o ser humano na edificação e nos ambientes em que ele vive. Daí a importância desse profissional em assumir o compromisso de garantir que as condições ambientais dos diversos espaços permitam a adaptação de qualquer indivíduo, incluindo aqueles que apresentam perdas funcionais (ALMEIDA PRADO, 2007, p, 646).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O referido estudo chega a conclusão de que a inclusão social está intimamente relacionada com a dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a exclusão social resulta no afastamento da efetividade dos direitos das pessoas com deficiência.

Portanto, garantir a inclusão social é garantir os demais direitos e, assim, proteger a dignidade da pessoa humana das pessoas com deficiência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas com deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Com Deficiência, 1994. P. 21.

ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. São Paulo: Verbatim, 2014, p. 177-178.

GOMES, Joaquim Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade – O direito como instrumento de transformação social, A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 24.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 38.

RIBAS, João Baptista Cintra. Viva a diferença: convivendo com nossas restrições ou deficiências. São Paulo: Moderna, 1995.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997, p. 34


[1] SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997, p. 34.

[2] GOMES, Joaquim Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade – O direito como instrumento de transformação social, A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 24.

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 38.

[4] RIBAS, João Baptista Cintra. Viva a diferença: convivendo com nossas restrições ou deficiências. São Paulo: Moderna, 1995.

[5] ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. São Paulo: Verbatim, 2014, p. 177-178.

[6] MELO, Amanda Meincke. Acessibilidade: discurso e prática no cotidiano das bibliotecas. Campinas, SP: UNICAMP, 2008.

[7] Cf. ALMEIDA PRADO, 2007.


1Professor Universitário na Faculdade de Ciências Humanas de São Paulo – FACIC e Centro Universitário Santa Cecília – UNICEA. Bacharel em Administração, Advogado, Professor Universitário, Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciario, Especialista em Direito Administrativo, Mestrando em Design Tecnologia e Inovação.
2Advogado e Contador. Bacharel em Ciências Contábeis pelo Instituto de Ensino Superior COC – EAD (2011), bacharel em Direito pela Universidade de Araraquara (2005), mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela Universidade de Araraquara (2013), doutorando Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente pela Universidade de Araraquara. Atualmente é professor universitário da Universidade de Araraquara, Centro Universitário Santa Cecília – UNICEA, Faculdade de Ciências Humanas do Estado de São Paulo – FACIC.
3Bacharel, Especialista e Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, atua como Procurador do Município e exerce a docência na FACIC e na FASC.
4Advogado, Diretor Administrativo na Câmara Municipal de Cachoeira Paulista e Professor Universitário na Faculdade de Ciências Humanas de São Paulo – FACIC e Centro Universitário Santa Cecília – UNICEA. Mestre em Direito Sociais, Especialista em Direito Processual Penal, Civil e Trabalhista.