DIFFICULTIES ASSOCIATED WITH NON-ORGAN DONATION IN BRAZIL
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10127541
Gabriela Galvão Granja¹
Aléxia Louise Souza Martins¹
Arthur Ferreira Lima¹
Bruna Lima Carvalho¹
Carolina Prudêncio ¹
Ellen Teresa Souza de Medeiros Dantas¹
Emanuela Oliveira Cruz¹
Francisco Erivaldo Furtado Júnior¹
Gabriel Oliveira da Paz de Araujo ¹
Giovanna Ribeiro Rodrigues¹
João Parente de Sá Neto¹
Leonardo Caland de Sousa¹
Mateus Prudêncio Gonzaga¹
Josicleia Oliveira de Souza²
RESUMO
Introdução: No Brasil, os transplantes evoluíram consideravelmente desde os anos 60, passando de uma atividade pouco regulamentada para um programa público de destaque no século 21. Apesar do aumento no número de doadores, a lista de espera por órgãos permanece desproporcionalmente alta, e a recusa familiar continua sendo um desafio. Objetivo: Analisar as dificuldades associadas a não doação de órgãos no Brasil. Metodologia: Tratou-se de um estudo qualitativo por meio de revisão integrativa. A pesquisa envolveu a definição de uma temática de saúde, a formulação da pergunta de pesquisa, a validação de descritores no Decs e buscas em bases de dados. Foram estabelecidos critérios de inclusão (artigos publicados entre 2018 e 2023, Qualis acima de B2, disponíveis em três idiomas) e critérios de exclusão. Resultados: Os melhores resultados na doação de órgãos no Brasil dependem de três fatores: que a população esteja disposta a doar, que os familiares tenham conhecimento do desejo da pessoa falecida em ser doador e que as famílias dos potenciais doadores sejam abordadas corretamente. O estudo evidenciou que o processo doação-transplante está vinculado, mais fortemente, a sentimentos de amor, solidariedade e compaixão. Conclusão: As principais barreiras incluem desproporcionalidade entre espera e doadores, desigualdades na distribuição de centros, aumento da recusa familiar, tabus sociais e falhas na comunicação. A informação com qualidade em saúde é crucial para difundir o conhecimento e influenciar futuros doadores.
Palavras-chave: Obtenção de tecidos e órgãos, Opinião pública, Transplante de órgãos.
ABSTRACT:
Introduction: In Brazil, organ transplants have evolved considerably since the 1960s, transitioning from a loosely regulated activity to a prominent public program in the 21st century. Despite the increase in the number of donors, the waiting list for organs remains disproportionately high, and family refusal continues to be a challenge. Objective: To analyze the difficulties associated with non-organ donation in Brazil. Methodology: This was a qualitative study through integrative review. The research involved defining a health theme, formulating the research question, validating descriptors in DeCS (Health Sciences Descriptors), and conducting searches in databases. Inclusion criteria were established (articles published between 2018 and 2023, Qualis above B2, available in three languages), as well as exclusion criteria. Results: The best outcomes in organ donation in Brazil depend on three factors: the willingness of the population to donate, the awareness of the deceased person’s desire to be a donor by their family, and the proper approach to the families of potential donors. The study highlighted that the donation-transplant process is strongly linked to feelings of love, solidarity, and compassion. Conclusion: The main barriers include a disproportion between the waiting list and donors, inequalities in the distribution of centers, an increase in family refusal, social taboos, and communication failures. Quality health information is crucial for disseminating knowledge and influencing future donors.
Keywords: Procurement of tissues and organs, Public opinion, Organ transplant.
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, os transplantes de órgãos e tecidos tiveram início na década de 1960. De 1968 a 1997, durante quase 30 anos, a atividade de transplante era pouco regulamentada, existiam apenas instituições locorregionais, desenvolvidas com bastante informalidade no que diz respeito à inscrição de receptores, ordem de transplante, retirada de órgãos e nos critérios de distribuição dos órgãos captados (Mattia et al., 2010, p. 67). No início do século 21, o número total de doadores não ultrapassava 700. Já, em 2017, houve quase 11 mil potenciais doadores, 3.415 doadores efetivos e ocorreram aproximadamente 7.500 transplantes de órgãos (Bertasi et al., 2019, p.1). Atualmente no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza o maior programa público de transplantes do mundo com um aumento significativo do número de transplante, embora tendo uma taxa insuficiente, apenas de 5,4 doadores por milhão de habitantes/ano (Mattia et al., 2010, p. 67).
Desde então, novas técnicas estão sendo utilizadas no âmbito de transplantação e drogas imunossupressoras, de modo que, além de usufruir de melhor qualidade de vida, o paciente transplantado também cursa com um excelente prognostico, se comparado com a expectativa de vida sem o procedimento. O avanço tecnológico por sua vez possibilitou a extensão da sobrevida de pacientes graves com danos neurológicos irreversíveis, contribuindo com o aprimoramento do processo de transplante (Dalbem; Caregnato, 2010, p. 729).
Entretanto, apesar do crescente número de doações, a quantidade total da lista de espera nos primeiros meses de 2018, no Brasil, superava 24 mil órgãos (exceto tecido ocular), evidenciando que a desproporção entre doadores e receptores, vem sendo uma problemática, ocasaionando o menor crescimento previsto de doadores efetivos (Bertasi et al., 2019, p.1). O processo de doação e transplante possui um impacto positivo na vida dos beneficiados por, entre outros fatores, se mostrar viável o retorno do paciente as atividades pessoais e profissionais, aumentando sobretudo, efetivamente a taxa de sobrevida (Camargo; Campato, [s.d.], p.131).
O Brasil lidera um dos maiores programas públicos de transplantes do mundo, fundamentado por as Leis n° 9.434/1997 e 10.211/2001, possuindo diretrizes que visam a “gratuidade da doação, a beneficência em relação aos receptores, não maleficência em relação aos doadores vivos”. Subsequente a constatação de Morte Encefálica (ME) é acionada a Central de Notificação captação e distribuição de órgãos (CNCDOs) para emissão da notificação compulsória, esta independe do estado clínico do potencial doador ou desejo familiar. O Decreto n° 9.175/2017 reforçou a incumbência do Consellho Federal de Medicina (CFM), para determinação dos critérios de ME. A partir de então, a “Resolução n° 2.173 do CFM, de 23 de novembro de 2017, definiu a ME como a perda completa e irreversível das funções encefálicas, definidas pela cessação das atividades corticais e do tronco encefálico” (Souza et al., 2021, p.54). A priore o receptor deve estar inscrito no Cadastro Técnico Único (CTU), que tem, por sua vez, diversos critérios que determinarão a classificação dos candidatos na lista, como a urgência do procedimento (Trigueiro et al., 2020, p. 25).
Fora do Brasil, destaca-se o modelo espanhol, que é líder em doação mundial, baseado na coordenação de transplantes em três níveis: nacional, autônomo e hospitalar. Os dois primeiros níveis são de caráter nacional e político. O nível hospitalar, refere-se à coordenação intra-hospitalar, semelhante ao Brasil, tendo a equipe médica realizando a captação de órgãos. Além disso, possuem um sistema de educação social e se beneficia da mídia para divulgação por meio de um canal telefônico aberto, no qual estão disponíveis informações claras e objetivas sobre o processo de doação e transplante de órgãos e tecidos para o público em geral (Coelho; Bonella, 2019, p. 421).
Problematizar a morte na sociedade sempre foi desafiador, e esse tabu se estende à doação de órgãos, que apresenta uma alta taxa de negativa familiar frente à proposta (Soares et al., 2023, p. 4), que pode estar relacionada a diversos fatores: desconhecimento do protocolo e da vontade do potencial doador, dificuldade em aceitar o diagnóstico de ME, subnotificações, falta de competência profissional durante as entrevistas familiares, opinião contrária e equivocadas do profissional sobre a doação, ocasionando a recusa familiar (Souza et al., 2022, p. 2). Sendo assim, verifica-se a necessidade da presente pesquisa que teve o objetivo de analisar as dificuldades associadas a não doação de órgãos e tecidos no Brasil.
2. METODOLOGIA
O presente estudo ancorou-se na abordagem da pesquisa qualitativa a partir da construção de uma revisão integrativa, relacionada às dificuldades associadas à não doação de órgãos e tecidos no Brasil. Segundo Mendes, Silveira e Galvão (2008), a revisão integrativa consiste na síntese de conhecimento, por meio de uma avaliação minuciosa de critérios – de inclusão e exclusão – e métodos de vários estudos publicados anteriormente sobre um delimitado tema a partir de um questionamento ou hipóteses que devem ser respondidas. Dessa forma, o objetivo desse método e por conseguinte desse estudo, é adquirir um maior entendimento de um determinado fenômeno a partir de estudos já realizados, de maneira a permitir ao (a) revisor(a) a identificação e suas características, clareza em relação aos resultados, possibilitando síntese do estudo proposto e conclusões iniciais
Dentro desse contexto, o percurso metodológico teve início com a definição da temática relacionado a área da saúde pela qual os estudantes apresentaram interesse e afinidade. Posteriormente, a definição da temática, foi formulado pelos estudantes, a pergunta de investigação e, por conseguinte, a validação dos descritores realizados no DeCS (descritores em ciências da saúde), vocabulário controlado que usa descritores para a indexação de artigos científicos e outros documentos da área da saúde. A partir da eleição dos descritores (Obtenção de tecidos e órgãos, Opinião pública, Transplante de órgãos), foram realizadas buscas nos sítios eletrônicos em três bases de dados, PubMed, LILACS e Scielo no período compreendido de agosto a setembro de 2023.
Na dinâmica da pesquisa e coleta de dados, iniciou-se com as palavras-chave “obtenção de tecidos e órgãos” AND “opinião pública” AND “transplante de órgãos”. No entanto, nas plataformas PUBMED e LILACS não houve resultados. Porém, na plataforma Scielo foram encontrados dois (02) artigos. Diferente das primeiras buscas, ao pesquisar as palavras-chave “obtenção de tecidos e órgãos” AND “opinião publica” OR “transplante de órgãos” na plataforma PUBMED foram selecionados oitenta e quatro (84) resultados, no LILACS (452) e na plataforma Scielo não foram encontrados resultados. Já ao pesquisar as palavras-chave “obtenção de tecidos e órgãos” OR “transplante de órgãos” OR “opinião pública” no Scielo obteve-se como resultado cinco (05) artigos.
Após a constituição da primeira coleta de dados utilizando-se as palavras chave nos sítios eletrônicos, os critérios de inclusão utilizados desse acervo foram: artigos publicados no período compreendido entre 2018 a 2023, qualis acima de B2, conforme a avaliação realizada e disponibilizada para o ano de 2023 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), artigos disponibilizados concomitantemente nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola. Por sua vez, dentro dessa premissa, os critérios de exclusão foram: artigos que já adotaram uma revisão integrativa relacionados a temática, artigos que abordavam somente aspectos clínicos, fisiológicos ou de técnicas cirúrgicas da doação de tecidos e órgãos, artigos que abordavam a temática em outros países, mas que não traçavam comparação com o processo de doação de órgãos e tecidos no Brasil, artigos que não estivessem completamente disponíveis gratuitamente. Após a dinâmica da coleta desses dados, os estudos que antecederam aos critérios de inclusão e responderam à questão de pesquisa foram selecionados para revisão e subsidiaram a feitura dessa produção escrita.
Os artigos que respeitaram os critérios de inclusão e exclusão do presente estudo foram selecionados e analisados pelos autores de forma que respondesse à pergunta de pesquisa. Destaca-se ainda, que foram assegurados os aspectos éticos da produção respeitando os conceitos e resultados de cada artigo analisado.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Figura 1 – Fluxograma PRISMA de análise e seleção dos artigos da revisão integrativa. Dos autores, 2023.
A partir das buscas supracitadas, 541 artigos foram identificados nas bases de dados utilizadas – LILACS, PUBMED e SCIELO –, sendo 1 deles excluído por duplicação. Dos 540 artigos remanescentes, 479 foram excluídos pelos critérios de inclusão da pesquisa, sendo 436 deles pelo critério “Artigos publicados no período compreendido entre 2018 e 2023” e os 43 restantes, pelo critério “Qualis acima de B2”.
Dessa maneira, 61 estudos foram selecionados para análise. Destes, 48 foram excluídos pelos critérios de exclusão, sendo 25 deles pelo critério “Artigos que abordam somente aspectos clínicos, fisiológicos ou de técnicas cirúrgicas da doação de órgãos e tecidos”, outros 22 pelo critério “Artigos que já sejam revisão integrativa relacionados à temática” e, por fim, 1 pelo critério “Artigos que abordem a temática em outros países, mas que não possuam comparação com o processo de doação de órgãos no Brasil”.
Com isso, 13 estudos foram incluídos na análise final da presente revisão integrativa. Embasando-se na pesquisa descrita, a designação dos artigos incluídos nesta revisão está especificada no quadro de resultados da Tabela 3, estruturados de acordo com o título, os principais resultados encontrados, os autores, o ano de publicação, a revista os quais foram publicados e os seus respectivos qualis. Desse modo, o quadro identifica as dificuldades associadas à não doação de órgãos e tecidos no Brasi
Os estudos incluídos nessa revisão avaliaram as dificuldades no processo de doação de órgãos e tecidos no Brasil.
Um dos principais entraves encontrados foi o tabu social presente nas discussões sobre o tema. Tal imbróglio é apontado em Souza et. al. (2021), Alonso et. al. (2022) e Batista et. al. (2022), os quais revelam que, além de persistentes os tabus acerca da problemática, há uma falha na sua comunicação efetiva.
Para esses autores, as dificuldades estão relacionadas às diferentes religiões e suas doutrinas, bem como à ideia de terem os órgãos doados submetidos a um mercado de tráfico e à possibilidade de ter o corpo desfigurado após o processo de doação. Tais percepções são comumente manifestadas pela população e contribuem ativamente para as atitudes tocantes à não aceitação aos transplantes. É ressaltada, a partir disso, a importância da comunicação familiar sobre a doação de órgãos e tecidos e a indispensabilidade da divulgação da temática.
Moraes et. al. (2009) reforça a existência desses tabus ao trazer que a crença em uma força divina fortalece a esperança de que um milagre possa ocorrer, mostrando que os familiares têm a convicção de que o batimento cardíaco é um sinal de que Deus reverterá a condição de seu parente, fator que dificulta o processo de doação.
Além disso, conforme Riccetto e Boin, (2019), há divulgações de notícias falsas, através dos meios de comunicação, de corrupção associada à doação de órgãos, o que contribui para que os familiares acreditem que o tráfico de órgãos seja uma realidade, visto que, para muitas pessoas, a mídia representa uma fonte importante de informação disponível sobre a doação de órgãos.
Ademais, um montante relevante de autores vincula a ação de doar órgãos a palavras como: amor, recomeço, solidariedade, compaixão e altruísmo, evidenciando uma associação positiva ao ato (DALMORO et. al., 2018; SOUZA et. al., 2021; SANDRI et. al., 2019; FERREIRA et. al., 2021). Este fato corrobora com o pensamento de que o que propicia a recusa feita pelos doadores e/ou por seus porta-vozes não decorre da desaprovaçãodo ato de doar, mas, possivelmente, de aspectos que entravamnesse processo. Alonso et. al. (2022) narra que as famílias afirmam a importância da compreensão sobre sua colaboração ter influência direta na melhoria da saúde de outras pessoas.
Por conseguinte, Victorino et. al. (2019)relata que entre os fatores imprescindíveis para melhores resultados de doação, no Brasil, estão: o conhecimento familiar, no que concerne ao desejo do paciente em ser ou não doador e a forma como a família é abordada pelos profissionais responsáveis. Desse modo, os aspectos que entravam o processo podem estar relacionados à não inclusão da família no processo de decisão de doação, bem como à abordagem incorreta.
A falta de entendimento e de informação por parte dos familiares foi discutida por Victorino et al. (2019), o qual aborda a superficialidade nos debates e pouca discussão a respeito do processo de doação e transplante de órgãos e tecidos no Brasil, sendo esse um fator que pode dificultar a realização deste. Nesse estudo, ainda, foram discutidos a dependência de três fatores para melhores resultados, sendo eles: a disposição no tocante à doação, a comunicação do doador à família sobre o seu desejo e como essas podem ser corretamente comunicadas a respeito.
O conhecimento de tais fatores auxilia na escolha da melhor abordagem aos familiares, sendo a temática abordada de forma mais lúdica e reflexiva, resultando em melhores índices de doação. Souza et al. (2021) relata em seu estudo que a presença de crenças infundadas e inverídicas dos familiares são percepções frequentemente detectadas e que contribuem para as negativas. Essas perspectivas ressaltam a importância da divulgação e da comunicação familiar sobre a doação de órgãos e tecidos.
O suporte socioemocional às famílias após o consentimento e o término do processo de doação, segundo Alonso et al. (2022), tem sua influência dependendo das diferentes perspectivas das famílias, indicando mais uma dificuldade para a doação de órgãos e tecidos no Brasil. O artigo relata que algumas famílias precisam desse apoio e se sentem acolhidas, enquanto outras se sentem incomodadas com o mesmo.
Esse desconforto se dá pela indiferença e desinteresse da equipe e, principalmente, pela demora em liberar o corpo. As situações desagradáveis relatadas, como, por exemplo, comentários insensatos durante a internação por familiares de outros pacientes na UTI, como também por profissionais de saúde, podem ser geradas pela falta de intimidade nesse ambiente.
Logo, se mostra necessário explorar as diferenças no cuidado à família de acordo com o tipo de doador, o contrário pode ser um fator dificultoso para aceitação da doação de órgãos pelos familiares. Sandri e Kuse (2019) corroboram com a importância do suporte familiar, visto que, em seu estudo, trazem como significado importante para a doação, o desejo consciente nos familiares de oferecer a uma pessoa a oportunidade de dar continuidade à vida com sua atitude de consentimento.
Ainda, a compreensão no que diz respeito aos tipos de morte também ocupa um papel preponderante em diversos contextos na decisão das famílias. Embora ambas permitam a doação de órgãos, ao identificar a porcentagem de doação entre morte encefálica (ME) e cardíaca ou circulatória, foi encontrada uma diferença importante no consentimento entre os dois desfechos, sendo o primeiro consentido por 85,4% dos entrevistados e o segundo 18,4% (MARTINO et. al., 2021).
A realidade descrita por Batista et. al. (2022) e Musa et. al. (2020)é a de que, em meio a estudos conduzidos para compreender a expertise de estudantes da área da saúde sobre o assunto, houve resultados que demonstraram francamente a superficialidade na educação desse público, envolvendo desde desconhecimento sobre critérios clínicos de morte encefálica (ME), até lacunas sobre quais órgãos podem ser doados, ou quem pode ser doador. O domínio sobre o tema é de fundamental importância para um desfecho positivo, tendo em vista que esses futuros profissionais terão contato direto com as famílias citadas e muitas vezes saem despreparados para atuação na área (FREIRE et. al., 2014).
Também foi analisado que o tempo de declaração de ME tem importância crucial desde a família doadora, até o receptor. Quanto menor a janela temporal para diagnosticar ME, maiores as chances de os órgãos e tecidos transplantados terem melhor qualidade e chegarem mais rapidamente até o receptor. Por outro lado, quanto mais se espera para declarar ME, maior é a propensão de parada cardíaca – inviabilizando o procedimento – e de aumento na recusa ou desistência familiar (PAIXÃO et. al., 2020).
As alterações fisiológicas decorrentes da ME podem repercutir na quantidade e qualidade de órgãos transplantados, por isso, é imprescindível que haja uma maior agilidade e cuidado no acompanhamento do paciente, além do domínio de equipamentos e ambientes de tratamento e nos cenários de profilaxia e detecção precoce de complicações da ME (FREIRE et. al., 2014).
Concomitantemente, no contexto dos debates sobre a obtenção de órgãos para transplante, a doação após morte circulatória (DMC) destaca-se como uma evolução importante, ressaltando sua relevância, especialmente em países com oferta limitada de órgãos devido à escassez de doadores em morte encefálica. No entanto, é crucial reconhecer que o cenário brasileiro apresenta diferenças significativas, com taxas de morte encefálica consideravelmente mais altas do que em nações mais desenvolvidas, além da não regulamentação da doação a partir da morte circulatória por lei.
Isso levanta questões pertinentes sobre a necessidade de expandir a DMC, expondo o quanto é importante que esse tema seja discutido, uma vez que pode servir como uma introdução a uma análise mais ampla das implicações da DMC na disponibilidade de órgãos para transplante e como ela pode complementar ou até mesmo substituir a doação após morte encefálica, particularmente em nações que enfrentam desafios semelhantes (GARCIA, 2022).
Também, a comparação das taxas de DMC entre diferentes países oferece valiosos insights sobre a disponibilidade global de órgãos e as diversas estratégias adotadas por nações para atender à crescente demanda por órgãos para transplante. Essa discussão pode servir como uma transição para explorar outro artigo relacionado à eficácia dos transplantes de órgãos, abordando suas origens, os resultados pós-transplante e as oportunidades de otimização das estratégias de transplante, com o objetivo de melhor atender às necessidades dos pacientes em lista de espera, independentemente da fonte dos órgãos (GARCIA, 2022)
Considera-se, ainda, a dificuldade relacionada a má distribuição dos centros de doação de órgãos, como é apontado em Soares et. al. (2020), o qual aponta uma predominância de centros de doação no eixo Sul-Sudeste, fator que corrobora com o aumento da fila de espera nos mesmos. Diante disso, Marinho et. al. (2018) ressalta que o Estado de São Paulo apresenta poder econômico e sanitário em relação ao transplante de órgãos e tecidos. Somente no estado de São Paulo, existem dez Organizações de Procura de Órgãos/Córneas (OPO/OPC), cada uma delas responsável por uma região geográfica do estado, o que não acontece nas demais Unidades Federativas do Brasil.
Outrossim, ressalta-se o impacto da COVID-19 na quantidade de doação de transplantes de órgãos, como apontado em Araújo et. al. (2019). Esse estudo realizado no Ceará apontou uma redução de 89,3% no número de doações em 2020 comparado com o período de 2019. Nessa perspectiva, entende-se a problemática do cenário da pandemia para as doações.
Tendo em vista esse aspecto, Adriano et. al. (2022) traz que esse cenário ocorreu por causa do aumento da contraindicação de transplantes, da redução de leitos de unidades de terapia intensiva e de emergência para pacientes com potencial morte encefálica (diante da superlotação dos hospitais com pacientes com COVID-19), do medo das famílias em levarem seus parentes adoecidos e acabarem piorando o seu quadro diante do risco de infecção e da diminuição dos traumatismos cranianos por acidentes de trânsito ou por armas de fogo.
Inúmeras vezes foi questionado a respeito dos critérios adotados para a efetivação do protocolo de doação, a fim de melhorar tal cenário no Brasil. Nos estudos, foram observados características e perfis que possibilitassem um maior entendimento sobre esse aspecto. Riccetto et. al. (2019) afirma que pessoas do sexo feminino se mostram mais favoráveis ao processo, assim como Sandri et. al. (2019), que diz que 58,3% dos autorizadores são mulheres, além de atestar que, nesse mesmo grupo, encontram-se pessoas com faixa etária entre 29 e 38 anos.
Uma análise referente a isso é trazida por Bethany Foster, em entrevista dada para a BBC, em 2018, quando ela afirma que, socialmente, se espera da mulher uma maior doação própria. Isto enfatiza questões de gênero que podem estar conectadas à doação de órgãos.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente revisão trouxe importantes questões a serem discutidas em relação à temática e oportunizou que os autores respondessem à pergunta de investigação. No entanto, é importante aprofundar o estudo, em maior tempo, diante da pequena quantidade de artigos utilizados.
Nessa perspectiva, as principais dificuldades associadas à não doação de órgãos e tecidos no Brasil encontrados nos estudos estão relacionados à desproporcionalidade entre a lista de espera e a de doadores efetivos, tal como às desigualdades na distribuição de centros de doação e transplante no país, ao aumento na recusa familiar à autorização de transplantes, aos tabus sociais existentes e à falha de uma comunicação efetiva no meio social.
Ademais, a pesquisa tangente à doação de órgãos e tecidos no Brasil pôde proporcionar o aprendizado interdisciplinar, relacionando-se às disciplinas de saúde da família, haja vista que esta está atrelada à orientação familiar como atributo da atenção primária, bem como à comunicação e educação em saúde. Ainda, a partir dos conceitos aprendidos sobre morte encefálica através da fisiologia, tal como as clínicas cirúrgica e médica, foi possível proporcionar aos estudantes vivencias e compreensões sobre o contato e os cuidados necessários relativos aos pacientes.
Destarte, a presente revisão integrativa permitiu estudar os desafios implicados na doação de órgãos e tecidos no Brasil e como essa problemática tem consequências coletivas e psicossociais. Devido a isso, faz-se imprescindível a promoção da educação em saúde, por intermédio da concretude do debate acerca dessa tese de maneira mais recorrente e permanente, visando difundir o conhecimento favorável na formação médica, fator o qual pode influenciar positivamente no tocante à adesão dos potenciais futuros doadores.
Esse estudo obteve algumas limitações, sendo elas: a restrição de artigos mais consistentes que considerem a percepção de outros públicos, visto que a maioria destes abordou o entendimento de estudantes e profissionais da área da saúde e não do público em geral. Assim, mostra-se indispensável a importância de que novas pesquisas se debrucem sobre demais núcleos, possibilitando, assim, aos futuros profissionais de saúde e formadores de opinião, o conhecimento mais embasado e informações mais completas.
Em suma, este artigo traz as principais dificuldades para doação de órgãos, com o intuito de que estas possam ser cotidianamente discutidas e enfrentadas, para que a diferença entre a demanda e disponibilidade de doadores seja sanada.
REFERÊNCIAS
ADRIANO, V. V.; WESTIN, L. G.; CASTRO, Y. A.; OLIVEIRA, J. F. P. Impacto da Pandemia de Covid-19 na Doação e nos Transplantes de Órgãos no Hospital de Base e no Estado de São Paulo. BIT, [S.l.], v. 25, n. 3, p. e0822, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.53855/bit.v2513.458_pt. Acesso em: dia mês abreviado ano.
ARAÚJO, A. Y. C. C. DE . et al.. Declínio nas doações e transplantes de órgãos no Ceará durante a pandemia da COVID-19: estudo descritivo, abril a junho de 2020. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 30, n. 1, p. e2020754, 2021.
BERTASI, R. A., et al. Perfil dos potenciais doadores de órgãos e fatores relacionados à doação e a não doação de órgãos de uma organização de procura de órgãos. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, São Paulo, v.46, n. 3, 2019. Disponível em: <https://*Perfil dos potenciais doadores de órgãos.pdf>. Acesso em: 9 out. 2023.
CAMARGO, Mylena Aparecida Silva; CAMPATO, João Adalberto jr. Transplante de órgãos e tecidos no Brasil: desafios e propostas. Revista Multidisciplinar da Faculdade de Presidente Prudente. p. 130-136. Disponível em: >https://*20221017122917.pdf. Acesso em: 9 out. 2023.
CAVALCANTE, L. DE P. et al. Cuidados de enfermagem ao paciente em morte encefálica e potencial doador de órgãos. Acta Paulista de Enfermagem, v. 27, n. 6, p. 567–572, nov. 2014.
COELHO, Gustavo Henrique de Freitas; BONELLA, Alcino Eduardo. Doação de órgãos e tecidos humanos: a transplantação na Espanha e no Brasil. Revista Bioética. Brasília, v.27, n.3, p. 421. Jul.-Set. 2019. Disponível em: https://Doi:10.1590/1983-80422019273325. Acesso em: 9 out. 2023.
DALBEM, Giana Garcia; CAREGNATO, Rita Catalina Aquino. Doação de órgãos e tecidos para transplante: recusa das famílias. Texto Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 19, n. 4, p. 731-738, out.-dez. 2010. Disponível em: https://9kjBqvmcj8jkq9GRj4Hv3YH.pdf. Acesso em: 9 out. 2023.
FERNÁNDEZ-ALONSO, V. et al.. Experiência de famílias de doadores falecidos durante o processo de doação de órgãos: um estudo qualitativo. Acta Paulista de Enfermagem, v. 35, p. eAPE039004334, 2022.
FERREIRA, D. R.; HIGARASHI, I. H.. Representações sociais sobre doação de órgãos e tecidos para transplantes entre adolescentes escolares. Saúde e Sociedade, v. 30, n. 4, p. e201049, 2021.
FREIRE, I. L. S. et al.. Facilitating aspects and barriers in the effectiveness of donation of organs and tissues. Texto & Contexto – Enfermagem, v. 23, n. 4, p. 925–934, out. 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0104-07072014002350013. Acesso em: 25 out 2023.
GARCIA, Valter Duro Garcia et al. A doação após morte circulatória é necessária no Brasil? Em caso afirmativo, quando? J Bras Pneumol, v. 48, n. 2, 2022. Disponível em: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20220050. Acesso em: 25 out. 2023.
GARCIA, V. D.; PESTANA, J. O. M. DE A.; PÊGO-FERNANDES, P. M.. Is donation after circulatory death necessary in Brazil? If so, when?. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 48, n. 2, p. e20220050, 2022.
JULIANA, V.A; ELISANDRA, A.K. O significado do sim para a família no processo de doação de órgãos. Revista Nursing, v. 22 n. 254, 2019. Disponível em: DOI: https://doi.org/10.36489/nursing.2019v22i254p3047. Acesso em: 21, out. 2023
KENDRICK, Molly. Why do more women donate organs than men?: Six in 10 kidney donors are women – but some 6 in 10 recipients are men. This may have health consequences for both genders. BBC, 30 jul. 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/future/article/20180730-why-more-women-donate-organs-than-men. Acesso em: 21 out. 2023.
LIBERATI, A. et al. The PRISMA statement for reporting systematic reviews and meta-analyses of studies that evaluate health care interventions: explanation and elaboration. J Clin Epidemiol, v. 62, n. 10, p. e1-34, out. 2009. DOI: 10.1016/j.jclinepi.2009.06.006.
MARTINO, R. B. DE . et al.. Attitude and knowledge of medical students toward donation after circulatory death. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 67, n. 4, p. 602–606, abr. 2021.
MARINHO, A.; CARDOSO, S. S.; DE ALMEIDA, V. V. Efetividade, produtividade e capacidade de realização de transplantes de órgãos nos estados brasileiros. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 27, n. 8, p. 1560-1568, ago. 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v27n8/11.pdf. DOI: 10.1590/S0102-311X2011000800011. Acesso em: 11 dez. 2019.
MATTIA, A.L, et al. Análise das dificuldades no processo de doação de órgãos: uma revisão integrativa da literatura. Revista Bioethikos. Centro Universitário São Camilo. Vol. 4 n. 1, p.66-74. 2010. Disponível em: >https:// *66a74.pdf>. Acesso em: 9 out. 2023.
MENDES, Karina Dal Sasso; SILVEIRA, Renata Cristina de Campos Pereira; GALVÃO, Cristina Maria. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto e Contexto Enfermagem, v. 17, dez. 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-07072008000400018. Acesso em: 17 out. 2023.
MORAES, E. L. DE .; MASSAROLLO, M. C. K. B.. Recusa de doação de órgãos e tecidos para transplante relatados por familiares de potenciais doadores. Acta Paulista de Enfermagem, v. 22, n. 2, p. 131–135, 2009.
MUSA, G.N. et al. Processo de doação e transplante de órgãos e tecidos: conhecimentos de acadêmicos de enfermagem, psicologia e serviço social. Revista online de pesquisa, cuidado é fundamental, v12.7545,2020. Disponível em: DOI: https:// dx.doi.org/0.9789/2175-5361.rpcfo.v12.7545. Acesso em: 21 out. 2023.
PAIXÃO, J. T. C. et al.. Analysis of brain death declaration process and its impact on organ donation in a reference trauma center. Einstein (São Paulo), v. 18, p. eAO5448, 2020.
PAULI, J.; DALMORO, M.; BASSO, K. A economia de bens simbólicos e a criação de um ambiente favorável à doação: uma análise das campanhas de incentivo à doação de órgãos e tecidos. Revista de Administração Pública, v. 52, n. 3, p. 554–570, maio 2018.
PINTO, Sávia. Transplante de órgãos: dilemas éticos. O mundo da saúde, São Paulo, p. 111 -115, 17 fev. 2012. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/artigos/mundo_saude/transplante_orgaos_dilemas_eticos.pdf. Acesso em: 25 out. 2023.
RICCETTO, E; BOIN ILKA, .F.S. The effectiveness of current informative material in improving awareness and opinion of undergraduate students towards organ donation: a comparative, randomized survey study. Clinics, 2019;74:e743. Disponível em: DOI:10.6061/clinics/2019/e743. Acesso em: 21 out. 2023.
SOARES, E. R. et al. Morte na doação de órgãos e tecidos: discursos dos profissionais de saúde, Revista Uruguaya de Enfermagem, 2023. Disponível em: >https:// Vista de Muerte en la donación de órganos y tejidos: (fenf.edu.uy)>. Acesso em: 9 out. 2023.
SOARES, L. S. DA S. et al.. Transplantes de órgãos sólidos no Brasil: estudo descritivo sobre desigualdades na distribuição e acesso no território brasileiro, 2001-2017. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 29, n. 1, p. e2018512, 2020.
SOUZA, D.H et al. Determinação de morte encefálica, captação e doação de órgãos e tecidos em um hospital de ensino. Cuid. Enfermagem. São Paulo, vol.15 n.1, p. 53-60, jan-jun. 2021. Disponível em:>https:// *determinação de morte encefálica, captação e doação de órgãos e tecidos em um hospital de ensino.pdf>. Acesso em: 9 out.2023.
SOUZA, D.M et al. Opiniões de estudantes de saúde sobre a doação de órgãos e tecidos para transplante. Revista Brasileira de Enfermagem. São Paulo, vol.75 n.3, 2022. Disponível em: DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0001> . Acesso em: 9 out. 2023.
TRIGUEIRO, G. M. et al. Doação e transplante de órgãos: conceito e legislação no âmbito médico. Revista Interação Interdisciplinar, Centro Universitário de Mineiros, v. 04, n. 01, p. 24-35. Jan-Jun., 2020. Disponível em: >https://unifimes.edu.br/ojs/index.php/interacao/article/view/885/857>. Acesso em: 9 out. 2023.
VICTORINO, J. P.; KARSBURG, L. L.; BRITO, E. S.; VENTURA, C. A. A. Evolución de la legislación brasileña sobre donación y trasplante de órganos. Revista Latinoamericana de Bioética, [S.l.], v. 19, n. 36-1, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.18359/rlbi.3551. Acesso em: dia mês (abreviado) ano.
¹ Discente do curso de medicina da faculdade IDOMED/Estácio
² Orientadora do artigo, docente da faculdade IDOMED/Estácio, Mestre em saúde coletiva ISC/UFBA