DIÁLOGO PROFÍCUO ENTRE NEUROCIÊNCIA E ESPIRITUALIDADE: DESVENDADO O “PONTO DE DEUS”

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411081053


Rosa Maria Braga Lopes de Moura
Ari Carrasco Silveira
Cristiane Rodrigues da Silva
Erani Xavier
 Graça Vignolo de Siqueira
Jeanini Almeida Lopes
Jucira Helena Molina Ximendes
Liziane Monhsam
Lúcio Aldeia dos Santos
Mágda Dornelles Gomes
Marcelo Lima dos Santos
Marco Aurélio Veríssimo
Mauro Ribeiro Schinestsck
Mônica Ferreira Rêgo
Rosangela Izaguirres
Simone Molina Ximendes
Teresa Fonseca


RESUMO

Inúmeros estudos revelaram que regiões e sistemas cerebrais medeiam os diferentes aspectos da experiência espiritual descartando, assim, a teoria “Ponto de Deus”, que postulava um local no cérebro como responsável pela experiência com o “criador”.  Desse modo,  as experiências espirituais são complexas e multidimensionais na medida em que envolvem alterações na percepção, cognição e emoção. Devido a incongruência e divergência de alguns autores sobre a área cerebral correlacionada com o “Ponto de Deus”, o presente estudo investigou os correlatos neurais da transcendência sob o viés das neurociências com importante implicação neuroética. Sendo assim,   propomos uma promissora nova linha de pesquisa para avançar a compreensão consensual a respeito da espiritualidade e sua correlação com os circuitos neurobiológicos  que moldam essas experiências. Para tanto, a metodologia de investigação  foi uma revisão bibliográfica de cunho qualitativo de caráter analítico em uma abordagem integrativa com os descritores “Point of God”; “Neuroscience of Transcendence” e  “Neuroethics” nas bases de dados Scielo, Bireme, Google Acadêmico, Lilacs e PubMed.

Palavras-chave: Espiritualidade, Neurociência, Transcendência.  

INTRODUÇÃO

A organização mundial da saúde (OMS) define espiritualidade no sentido laico como o conjunto de todas as emoções e convicções de natureza não material que pressupõem que há mais no viver do que pode ser percebido por nossos sentidos ou plenamente compreendido, remetendo o indivíduo a questões como o significado e o sentido da vida, não necessariamente a partir de uma crença ou prática religiosa.

A  palavra ‘espiritualidade’ deriva do latim ‘spirare’ e significa ‘respirar/alma’ (breath/soul). Logo, a sua expressão semântica carrega consigo os conceitos e preconceitos sobre este assunto, inspirados pelas experiências de vida de cada sujeito e pela sua visão sobre os temas referentes à fé, religião e mundo espiritual (KWON, 2008). 

Atualmente, as questões que não conseguem ser respondidas completamente pela ciência ou que podem ser melhor tratadas pela espiritualidade, permitem o diálogo e a integração de ambos os campos de conhecimento buscando compreender de forma equilibrada a relação entre as funções cerebrais e a espiritualidade (NEWBERG, 2016). Desse modo, os conceitos relacionados à espiritualidade são integradas aos conhecimentos neurocientíficos, possibilitando uma compreensão mais completa do indivíduo.

Camon et al. (2002) analisaram que o conceito de espiritualidade é complexo e abrangente e, devido aos seus vários desdobramentos, gera distorções relevantes ao tema. Os autores esclarecem que espiritualidade tem pouco a ver com as questões místico-religiosas: não que uma pessoa não possa desenvolver sua espiritualidade praticando alguma religião, mas trata-se de algo que vai além. O conceito abrange os determinantes que levam uma pessoa a evoluir em sua condição humana, tratando-se de uma capacidade de transcendência por meio da qual o homem busca desenvolver sua subjetividade, isto é, sua vivência interior. Desse modo, o termo transcendência é utilizado no sentido de buscar compreender seus limites pessoais, uma forma de se comportar perante os acontecimentos da vida, sendo uma atitude interpretativa a respeito do sentido da vida.

A espiritualidade tem sido uma busca constante dos seres humanos ao longo da história, motivada pelas incertezas da vida e pela necessidade de significado e conexão com algo maior. A religião, como uma das formas de vivenciar a espiritualidade, estabelece padrões de comportamento para uma conexão mais profunda com o transcendental. Por outro viés,  a neurociência revela que diferentes práticas espirituais ativam diversas áreas cerebrais, proporcionando benefícios mentais e físicos a longo prazo (AMARAL, 2021).

O lobo temporal – área cerebral descrita como “Ponto de Deus” por Zohar e Marshall (2012), desempenham um papel importante no armazenamento de aspectos fundamentais das crenças e comportamentos de cunho espiritual. Em contrapartida, inúmeros estudos revelaram que regiões e sistemas cerebrais medeiam os diferentes aspectos da experiência espiritual descartando, assim, a teoria “Ponto de Deus”, que postulava um local no cérebro como responsável pela experiência com o “criador”.  Portanto,  as experiências espirituais são complexas e multidimensionais na medida em que envolvem alterações na percepção, cognição e emoção.

Tendo em vista essas considerações,  o presente estudo investigou os correlatos neurais do intitulado “Ponto de Deus” desvendando as bases neurobiológicas da transcendência sob o viés das neurociências com importante implicação neuroética como a incerteza acerca da objetividade e acurácia das tecnologias de neuroimagem bem como as pesquisas que envolvem o entendimento de como os comportamentos  são influenciados por nossas especificidades neurofisiológicas. 

GLÂNDULA PINEAL: INTERFACE ENTRE CIÊNCIA E TRANSCENDÊNCIA

De acordo com Oliveira (2000) a glândula pineal funcionaria como um sensor capaz de perceber o mundo espiritual e de coligá-lo com a estrutura biológica, chegando a afirmar que os mecanismos físicos envolvidos no funcionamento dessa glândula são excelentes modelos experimentais para o estudo da relação do mundo espiritual com o mundo material. Portanto, o autor propõe a hipótese de que essa glândula poderia agir como um transdutor psiconeuroendócrino, captando energias sutis que, além de trabalhar com a captação de campos magnéticos, se ligaria à função tempo dentro de seus mecanismos cronobiológicos.

Na obra intitulada “Evolução em Dois Mundos”, a glândula pineal é um fulcro de energia de sensações sutis traduzindo e selecionando os estados mentais diversos, prenunciando as operações da mediunidade, de forma consciente ou inconsciente, nas quais os espíritos encarnados e desencarnados se consorciam uns com os outros na mesma faixa vibratória. Na  descrição de Xavier (2017), “É nela, na epífise, que reside o sentido novo dos homens; entretanto, na grande maioria deles, a potência divina dorme embrionária”.

A melatonina é a molécula chave secretada pela glândula pineal que controla o ciclo circadiano sendo que na espécie humana, a maior concentração de melatonina ocorre durante a infância, caindo rapidamente antes do início da puberdade e sofrendo nova queda acentuada durante a senectude (MAGANHIN, 2008).

A melatonina é um hormônio derivado do aminoácido triptofano, secretada principalmente pela glândula pineal, localizada no núcleo supraquiasmático do hipotálamo. Além da glândula pineal, outros órgãos e tecidos podem sintetizá-la, incluindo o trato gastrointestinal, epitélio das vias respiratórias, pâncreas, glândulas suprarrenais, glândula tireóide, timo e trato urogenital. A secreção de melatonina pelo organismo saudável ocorre principalmente durante a noite, apresentando níveis noturnos elevados e diurnos reduzidos. Entretanto, no envelhecimento e em doenças neurodegenerativas, vários precursores da melatonina encontram-se reduzidos, incluindo a serotonina e o triptofano, diminuindo assim a capacidade de síntese. Com isso, pacientes com doenças neurodegenerativas apresentam transtornos do sono. Desta forma, a melatonina tem um papel fundamental na regulação do sono e sua suplementação tem sido utilizada como tratamento nessas condições (CHEN et al. 2016).

Para Oliveira (2000) a glândula pineal funcionaria como um sensor capaz de perceber o mundo espiritual e de coligá-lo com a estrutura biológica, chegando a afirmar que o estudo dos mecanismos físicos envolvidos no funcionamento dessa glândula são excelentes modelos experimentais para o estudo da relação do mundo espiritual com o mundo material.

Semm et al (1980) sugerem que a glândula pineal é a estrutura ideal para detectar os campos magnéticos que influenciam os sistemas biológicos, tanto do homem, quanto de outros vertebrados. Essa função seria possível devido ao fato de ser ela um órgão de cronometragem sensível à luz. 

O pesquisador supracitado apresenta a hipótese de que essa glândula poderia agir como um transdutor psiconeuroendócrino, captando energias sutis que, além de trabalhar com a captação de campos magnéticos, se ligaria à função tempo dentro de seus mecanismos cronobiológicos.

André Luiz observou as modificações no cérebro e admirou-se com a luz crescente que percebia descrevendo que “A glândula minúscula transformara-se em núcleo radiante e, em derredor, seus raios formavam um lótus de pétalas sublimes.” (XAVIER, 2015, p. 19).

No entendimento de Xavier (2015), a glândula pineal reajusta-se ao concerto orgânico e reabre seus mundos maravilhosos de sensações e impressões na esfera emocional. Entregasse a criatura à recapitulação da sexualidade, examina o inventário de suas paixões vividas em outra época, que reaparecem sob fortes impulsos.

Na obra intitulada “Nos Domínios da Mediunidade”, André Luiz visualizou células especializadas, com funções diversificadas, funcionando como detectores e estimulantes, transformadores e amplificadores da sensação e da ideia, semelhante a raios luminosos.

 Em “Evolução em Dois Mundos”, André Luiz apresenta a glândula pineal como um fulcro de energia de sensações sutis. Ela traduz e seleciona os estados mentais diversos, prenunciando as operações da mediunidade, de forma consciente ou inconsciente, nas quais os espíritos encarnados e desencarnados se consorciam uns com os outros na mesma faixa vibratória (XAVIER, 2017a). 

NEUROCIÊNCIA DA TRANSCENDÊNCIA: IMPLICAÇÃO NEUROÉTICA E SEUS DESDOBRAMENTOS

A neurociência da transcendência é um campo emergente, que busca entender como as práticas espirituais impactam positivamente o desenvolvimento cognitivo e emocional do indivíduo, contribuindo para a formação de comunidades mais tolerantes e receptivas. Logo, as implicações éticas dessas pesquisas ressaltam a importância de abordar temas espirituais com respeito e empatia e a diversidade de crenças.

Estudos têm investigado os efeitos da oração no cérebro, revelando padrões de atividade neural específicos. Do ponto de vista neurocientífico, estudos têm demonstrado que essas práticas podem ter efeitos mensuráveis no cérebro.

Newberg e colaboradores (2009) investigaram a oração contemplativa em monges budistas tibetanos experientes. Os resultados mostraram que a oração estava associada a um aumento da atividade na região frontal do cérebro, envolvida no processamento da atenção e da intenção. Além disso, a oração também mostrou influenciar a atividade do sistema límbico, promovendo um estado de calma e relaxamento.

Em estudo posterior, Newberg e colaboradores (2010) utilizaram a técnica de imagem cerebral, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e também fMRI, avaliaram que a oração e a meditação estão associadas a mudanças na atividade cerebral. Portanto, essas práticas podem ativar regiões cerebrais relacionadas à regulação emocional, como o córtex pré-frontal e o sistema límbico, resultando em uma redução do estresse e melhora do bem-estar emocional.

 As alterações na atividade cerebral durante a oração pode estar relacionada a uma série de benefícios para a experiência  espiritual. A oração bem como a meditação, se associa a maior capacidade de autorregulação emocional, redução do estresse, melhora da atenção e bem-estar psicológico (TANG et al., 2015).

A oração tem sido relacionada a um senso de conexão com o divino, fortalecimento da fé, aumento da gratidão e um sentido de propósito e significado na vida (KOENIG et al., 2012).

Brewer e colaboradores (2011) revelaram que a meditação mindfulness está relacionada a uma redução da ativação da rede de modo padrão, envolvida no processamento de pensamentos autocentrados. Essa redução na ativação pode estar ligada a um maior senso de conexão com o presente e com os outros, aspectos fundamentais da experiência espiritual. Estudos têm investigado os efeitos da oração no cérebro, revelando padrões de atividade neural específicos.

Newberg et al., (2009) investigaram a oração contemplativa em monges budistas tibetanos experientes. Os resultados mostraram que a oração estava associada a um aumento da atividade na região frontal do cérebro, envolvida no processamento da atenção e da intenção. Além disso, a oração também mostrou influenciar a atividade do sistema límbico, promovendo um estado de calma e relaxamento.

Tang (2015) assevera que  as alterações de atividade cerebral durante a meditação e a oração estão associadas a uma maior capacidade de autorregulação emocional, redução do estresse, melhora da atenção e bem-estar psicológico que por sua vez, tem sido relacionada a conexão com o divino em um sentido de propósito e significado na vida.  Desse modo, a prática espiritual está relacionada à redução do estresse, aumento do bem-estar subjetivo e resiliência emocional.

Newberg et al., (2010) utilizaram a técnica de imagem cerebral, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e também fMRI, mostraram que a oração e a meditação estão associadas a mudanças na atividade cerebral. Portanto, essas práticas podem ativar regiões cerebrais relacionadas à regulação emocional, como o córtex pré-frontal e o sistema límbico, resultando em uma redução do estresse e melhora do bem-estar emocional.

Os estudos neurofuncionais tendem a sugerir maior atividade do córtex frontal e pré-frontal durante experiências espirituais. Outras semelhanças entre os achados incluem um aumento da atividade nas redes atencionais relacionadas ao pensamento reflexivo durante tais experiências (AZARI, 2001; BEAUREGARD, 2012; NEWBERG, 2001).

A substância cinzenta periaquedutal (SCP), associada a funções como condicionamento do medo, modulação da dor, altruísmo e amor incondicional. Essa estrutura evolucionária preservada também está ligada à oração e ao desejo por respostas, mostrando como o cérebro coordena os pensamentos, memórias e funções corporais (MENDONÇA, 2022).

As redes de cognição social, como regiões de teoria da mente e regulação emocional, contribuem para a racionalização das intenções e emoções atribuídas a Deus. O córtex pré-frontal dorsolateral, por sua vez, auxilia na regulação de interpretações mágicas de experiências religiosas. Adicionalmente, o processamento de crenças religiosas envolve regiões relacionadas a recompensa e avaliação (GRAFMAN et al., 2020).

Kong et al., (2012) sugerem que a espiritualidade está associada a menor prevalência de transtornos de ansiedade e depressão, maior satisfação com a vida e maior capacidade de lidar com adversidades.

Koenig e colaboradores (2012) examinaram a relação entre espiritualidade e saúde mental em diversas populações. Os resultados sugerem que a espiritualidade está associada a uma melhor saúde mental. Ainda, inclui menor prevalência de transtornos de ansiedade e depressão, maior satisfação com a vida e maior capacidade de lidar com adversidades. Esses benefícios podem ser atribuídos a fatores psicossociais, como suporte social, senso de significado e propósito na vida, além de práticas de autocuidado, como a meditação e a oração já aqui exploradas. Do ponto de vista neurocientífico, estudos têm mostrado que essas práticas podem ter efeitos mensuráveis no cérebro.

Os avanços em Neuroteologia apontam que estados profundos de silêncio têm um impacto benéfico no corpo humano, e mostram que a meditação e a oração explora as energias e estruturas profundas da mente, efetuando uma liberação de componentes que  promovem e potencializam a saúde mental (KOURIE, 2015). Além disso, constatou-se que os seres humanos estão programados para a espiritualidade (KYRIACOU, 2018).

A  preocupação com questões éticas na neurociência remonta às tradições filosóficas e científicas que originalmente tinham procurado compreender a relação entre cérebro e comportamento. Recentemente, o campo da neuroética – estudo dos avanços éticos, legais e sociais em neurociência –  surgiu no contexto do debate público e acadêmico sobre os efeitos dos avanços decorrentes da neurociência.   

A neuroética pode ser mais  aplicada ao campo de conhecimento que recorre aos resultados das investigações neurocientíficas para equacionar filosoficamente questões do comportamento humano, como as que dizem respeito aos nossos processos de tomada de decisão e à formação dos julgamentos sociais. Por outro lado, a expressão mais apropriada para designar a área de investigação é dedicada às implicações éticas suscitadas pela pesquisa neurocientífica e pelas neurotecnologias.

Trata-se  da  preocupação que ultrapassa o âmbito da privacidade para se estender a preocupações acerca da possibilidade de leituras equivocadas quanto ao real conteúdo qualitativo dos nossos estados mentais. Diante dessas considerações, o desenvolvimento do que temos em relação às técnicas e tecnologias pode ser usada, para o bem e para o mal, no âmbito das esferas pessoal, jurídica e profissional (DUMIT, 2004; MCCABE, 2007; RACINE,  2005; ROSKIES, 2006). 

INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL:  PRECEITOS E ATRIBUIÇÕES

A inteligência espiritual é a capacidade de todo ser humano de questionar o sentido da vida e de se relacionar com o mundo em que vive permitindo as adaptações necessárias para lidar com os aspectos imateriais como valores, propósito e consciência social.  Segundo Wolman (2002, p.111).

“A inteligência espiritual é a capacidade humana de formular as perguntas fundamentais sobre o significado da vida e simultaneamente experimentar a conexão perfeita entre cada um de nós e o mundo em que vivemos”. 

Conforme Wolman (2002, p.147) 

“A Inteligência espiritual é claramente muito mais do que um conjunto de habilidades sofisticadas de solução de problemas. Combina habilidades, talentos, dons e uma interconexão transcendente do espírito humano individual com um universo maior, luminoso, que é a fonte do nosso ser. A inteligência espiritual sugere a capacidade de pensar com a alma, um fenômeno integral que pode ser visto como o relacionamento humano com a experiência do sagrado, englobando o conhecimento da espiritualidade através da mente assim como através do coração e da alma”.

A amplitude do campo elétrico medida em um eletrocardiograma (ECG) é aproximadamente 60 vezes maior que a amplitude das ondas cerebrais registradas em um eletroencefalograma (EEG). O campo bioeletromagnético do coração é aproximadamente 5.000 vezes mais forte que o campo gerado pelo cérebro e pode ser medido a vários metros de distância do corpo com magnetômetros baseados na tecnologia SQUID (Superconducting Quantum Interference Device). Dessa forma, uma mudança na atividade elétrica do cérebro pode ser observada quando a onda de pressão arterial atinge o cérebro cerca de 240 milissegundos após a sístole. Inúmeros estudos demonstraram que os padrões de entrada neurológica aferente cardíaca para o cérebro não apenas afetam os centros reguladores autônomos, mas também influenciam os centros cerebrais superiores envolvidos na percepção e no processamento emocional (ARMOUR, 1994; FRYSINGER, 1990; SANDMAN 1982).

Uma das principais maneiras pelas quais os sinais e mensagens são codificados e transmitidos nos sistemas fisiológicos é a linguagem dos padrões do campo bioeletromagnético tendo em vista que a díade cérebro-coração estão conectados por uma emaranhada rede de nervos e neurotransmissores comprovado pela nova área da fisiologia humana, a  neurocardiologia.

Richard Griffiths fundador do “3Q Institute for Education and Training in Secular Spiritualit”, define a inteligência espiritual como a dimensão mais complexa de inteligência que ativa as qualidades e capacidades do verdadeiro ‘self’, na forma de sabedoria, compaixão, integridade, alegria, amor, criatividade e paz. É um senso de significado e propósito, que pode ser combinado com o desenvolvimento de habilidades pessoais e profissionais https://sqi.co/spiritual-intelligence-and-creativity/.  

Na percepção de  Griffiths, há  3 tipos de inteligência:

– Inteligência racional: refere-se à capacidade de resolução de problemas e ao pensamento lógico. Representada pelo Quociente de Inteligência.

– Inteligência emocional: capacidade de reconhecer e lidar com as próprias emoções, além de responder adequadamente às emoções das outras pessoas. Representada pelo Quociente Emocional.

– Inteligência espiritual: capacidade de dar propósito às ações e dar significado à vida. Representada pelo Quociente Espiritual.

Para Wolman (2002), o Quociente Espiritual corresponde a “Capacidade do indivíduo de atingir um objetivo social ou psicológico por meio da espiritualidade”.

O termo “spiritual intelligence” foi cunhado pela filósofa, física e professora de Oxford Danah Zohar, no livro “ReWiring the Corporate Brain”. A cientista    descobriu que temos um “Ponto de Deus” no cérebro, uma área no lobo temporal que nos faz buscar um significado e valores para nossas vidas. É uma área ligada à experiência espiritual (ZOHAR, 1997).

Em estudo posterior, Zohar e Marshall (2000)  descrevem os princípios para desenvolver a Inteligência Espiritual:

– Autoconsciência: saber com o que se importa, pelo que vive e pelo que morreria,

– Espontaneidade: deixar de lado preconceitos, expectativas e problemas de infância para agir no momento presente – e se responsabilizar por essas ações;

– Visão baseada em valores e propósito: agir e viver de acordo com os próprios princípios e crenças;

– Holismo: enxergar a conexão entre pessoas e coisas, além de sentir que faz parte daquele grupo;

– Compaixão: não basta aceitar os sentimentos dos outros, é preciso compreendê-los;

– Diversidade: valorizar as pessoas pelas suas diferenças;

– Independência de campo:  confiar mais nas percepções internas do que nas externas. Formar uma opinião de acordo com os seus valores e depois de ouvir a dos demais, mesmo que isso signifique perder popularidade;

– Humildade: assumir que a opinião que você tinha sobre um tópico estava errada. Considerada o outro lado da independência de campo;

– Perguntar “por quê”: questionar o porquê das coisas, mesmo que as respostas não sejam fáceis;

– Capacidade de reformulação: conseguir dar alguns passos para trás e tentar enxergar o todo, sem reagir imediatamente a uma situação;

– Fazer uso positivo da adversidade: aprender e amadurecer a partir de erros, imprevistos e sofrimentos;

– Senso de vocação: sentir a necessidade de retribuir à sociedade.

Zohar (2012) identificou dez qualidades comuns às pessoas espiritualmente inteligentes. Segundo os autores:

– Praticam e estimulam o autoconhecimento profundo;

– São conduzidas por valores humanos. São idealistas e creem na vida;

– Têm capacidade de encarar desafios e utilizar a adversidade a seu favor;

– São holísticas – têm a visão do todo integrado e a percepção da unidade;

– Celebram a diversidade como fonte de beleza e aprendizado.

– Têm independência de pensamento e comportamento. Perguntam sempre “por quê?” e “para que”. São agentes de transformações;

– Têm capacidade de colocar as coisas e os temas num contexto mais amplo;

– Têm espontaneidade de gestos e atitudes, e são equilibradas emocionalmente;

– São sensíveis, fraternas e compassivas.

Os caminhos mais comumente escolhidos para conceituar o constructo “Inteligência Espiritual” tendem a referir-se aos princípios que expressam a ideia de que o ser humano possui uma consciência profunda e ampliada da realidade. Essa consciência o conduz para a busca de sentido e significado na própria vida e na vida de todos os seres do planeta. As ideias estão associadas ao desenvolvimento ou ao reconhecimento das dimensões transcendentais e imateriais da existência, aos valores mais elevados e à relação com um ser divino, que é nomeado de muitas formas (DEIN et al., 2012). 

Outra característica conferida à inteligência espiritual, enquanto habilidade cognitiva, é assumir a influência da espiritualidade na resolução de problemas. A inteligência espiritual enquadrada como pertencente ao campo da inteligência humana traz como fator de impacto a inclusão do tema da espiritualidade como matéria científica (EMMONS, 2000; ZOHAR, 2000).

Nos trabalhos acadêmicos que envolvem a inteligência espiritual os dois posicionamentos (domínio e inteligência) são amplamente encontrados, conduzindo a pontos de vista divergentes sobre o mesmo assunto (CHAN, 2016; HANEFAR et al., 2016; HYDE, 2004; ZOHAR, 2000).

Portanto,  as experiências espirituais são complexas e multidimensionais na medida em que envolvem alterações na percepção, cognição e emoção (ZOHAR,  2012; ZOHAR, 2000; ZOHAR,  1997).

A espiritualidade, como ciência, associou-se a alguns campos de investigação como o campo da saúde. Daí,  a importância de definir a espiritualidade como um tipo de inteligência está em retirá-la do campo do domínio, elevando-a ao patamar de ciência (EMMONS, 2000a).

Desta forma, a inteligência espiritual passa a ser discutida como um potencial biológico e uma capacidade humana de pensar o mundo e resolver problemas, e não apenas como uma área de conhecimento intelectual (ZOHAR, 2000).

Ser considerada como um potencial biológico confere à inteligência espiritual um predicado fisiológico significando que a inteligência espiritual faz parte da natureza física humana, mesmo quando se manifesta em níveis inexpressivos. Diante do exposto, a hipótese de Zohar (2000) abarca esta característica, apresentando pesquisas no campo da neurologia para determinar o “Ponto de Deus” no cérebro humano. 

Por fim, o lobo temporal desempenha um papel importante no armazenamento de aspectos fundamentais das crenças e comportamentos de cunho espiritual, afetando interpretações sobrenaturais. Em contrapartida, outros estudos – citados no item 4 do presente artigo – sugerem que regiões e sistemas cerebrais medeiam os diferentes aspectos da experiência espiritual tentando, assim, refutar a hipótese do “Ponto de Deus”, que postula um local no cérebro como responsável pela experiência com o “criador”.  

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A espiritualidade tem sido uma busca constante dos seres humanos ao longo da história, motivada pelas incertezas da vida e pela necessidade de significado e conexão com algo maior ao estabelecer padrões de comportamento para uma conexão mais profunda com o transcendental. Por outro viés,  a neurociência revela que diferentes práticas espirituais ativam diversas áreas cerebrais, proporcionando benefícios mentais e físicos a longo prazo. Independentemente da forma escolhida, a espiritualidade desempenha um papel essencial na vida das pessoas, merecendo respeito e consideração (AMARAL, 2021).

O significado de ‘transcendência’ está imune a dúvidas e ambivalências, pois é certo que os posicionamentos mais divergentes podem ser encontrados na fundamentação dos temas em questão.  Segundo Heidegger (2006) intenta, de fato, uma destruição da história da ontologia com subversão e ressignificação para  compreender o sentido mais profundo e estrutural da transcendência.

Alguns estudos sugerem que as experiências espirituais transcendem completamente os processos cerebrais e não podem ser totalmente compreendidas através da neurociência. Por outro lado, a abordagem neurocientífica oferece um caminho fascinante para desenvolver a “Inteligência Espiritual”.  Em contrapartida, a neuroética procura definir a relação entre cérebro e comportamento surgindo no contexto do debate público e acadêmico sobre os efeitos dos avanços decorrentes da neurociência da transcendência.   

Nossos resultados preliminares sugerem a extensão da pesquisa tendo em vista a compreensão de correlatos neurais envolvidos na espiritualidade que demandam futuras replicações e hipóteses explanatórias. Assim, a nova linha de pesquisa precisa aperfeiçoar a compreensão sobre as bases neurobiológicas implicadas nas experiências espirituais sob a égide da neurociência da transcendência  para compreender como as práticas espirituais impactam positivamente o desenvolvimento cognitivo e emocional do indivíduo, contribuindo para a formação de indivíduos mais tolerantes e receptivos com respeito e empatia bem como a diversidade de crenças.

REFERÊNCIAS

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