REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202507041318
Gabriel Gennari Andrade1
Eduarda Sousa Guimarães de Queiroz1
Maria Eduarda da Conceição Pacífico2
Ana Luísa da Rosa Amaral1
Maria Clara Souza Maia1
Larissa Emanuelle Sestari2
Sara Tavares Fernandes2
Natália Martins de Oliveira3
Cinthya Clara Silva de Sousa 4
RESUMO
A apendicite aguda (AA) exige diagnóstico rápido e manejo eficaz para evitar complicações. Este artigo reúne e analisa evidências atualizadas sobre os principais métodos diagnósticos e terapêuticos utilizados na abordagem da AA, com ênfase em sua aplicabilidade clínica e impacto no Sistema Único de Saúde (SUS). A pesquisa foi conduzida por meio de revisão da literatura nos bancos PubMed, BVS e CAPES, utilizando critérios de inclusão baseados na metodologia PRISMA e no modelo PICO. Os métodos diagnósticos mais discutidos foram a tomografia computadorizada, e ultrassonografia, a ressonância magnética e exames laboratoriais, destacando-se pela acurácia e aplicabilidade em diferentes perfis de pacientes. No campo terapêutico, a apendicectomia videolaparoscópica demonstrou vantagens em termos de recuperação e custo-benefício, embora a via aberta ainda prevaleça em hospitais públicos. A antibioticoterapia surgiu como alternativa viável em contextos específicos, como a pandemia de COVID-19 ou contra indicações cirúrgicas. O estudo reforça a importância de uma abordagem diagnóstica integrada e do investimento em políticas públicas que favoreçam o acesso a tecnologias modernas e minimamente invasivas, promovendo maior eficiência e equidade no cuidado ao paciente com AA.
Palavras-chave: Apendicite Aguda. Diagnóstico. Tomografia. Videolaparoscopia. Antibioticoterapia.
ABSTRACT
Acute appendicitis (AA) requires prompt diagnosis and effective management to prevent complications. This article gathers and analyzes updated evidence on the main diagnostic and therapeutic methods used in the management of AA, emphasizing their clinical applicability and impact on Brazil’s Unified Health System (SUS). The literature review was conducted using the PubMed, BVS, and CAPES databases, following PRISMA methodology and PICO criteria. The most discussed diagnostic methods included computed tomography, ultrasonography, magnetic resonance imaging, and laboratory tests, noted for their accuracy and usefulness across different patient profiles. Regarding treatment, laparoscopic appendectomy demonstrated clear advantages in recovery and cost-effectiveness, despite the continued predominance of open surgery in public hospitals. Antibiotic therapy emerged as a viable alternative in specific contexts, such as during the COVID-19 pandemic or when surgery is contraindicated. This study highlights the importance of an integrated diagnostic approach and investment in public policies that expand access to modern and minimally invasive technologies, aiming to improve efficiency and equity in the care of patients with AA.
Keywords: Acute Appendicitis. Diagnosis. Computed Tomography. Laparoscopy. Antibiotic Therapy.
1. INTRODUÇÃO
A apendicite aguda (AA) constitui uma das causas de abdome agudo inflamatório mais prevalentes no contexto da prática clínica da Cirurgia Geral, o que exige diagnóstico preciso e intervenção terapêutica oportuna para a prevenção de complicações. O diagnóstico envolve a integração entre anamnese, exame físico, exames laboratoriais e de imagem, sendo fundamentais para condução rápida dos casos. As abordagens terapêuticas são variáveis de acordo com cenário clínico, mas a ênfase está na apendicectomia, seja por via aberta seja por videolaparoscopia, por ter um melhor desfecho clínico. Uma alternativa ao tratamento cirúrgico, em alguns contextos específicos, a exemplo da pandemia de COVID-19 ou em casos de contraindicação cirúrgica, se estabelece a antibioticoterapia como alternativa viável, com resultados favoráveis. O presente artigo tem como objetivo analisar os principais métodos diagnósticos e estratégias terapêuticas da AA, considerando sua efetividade clínica, aplicação em diferentes cenários e as repercussões no sistema público de saúde.
Desse modo, dada a elevada incidência da apendicite aguda e sua relevância no contexto da urgência cirúrgica, torna-se essencial compreender a evolução e seu manejo na prática clínica. Nesse contexto, a disponibilidade de recursos, a complexidade dos casos e necessidade de individualização da conduta reforçam a importância de revisões atualizadas sobre o tema, especialmente no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), onde a tomada de decisão clínica deve ser alinhada a eficiência e a equidade do cuidado.
2. METODOLOGIA
2.1 Da seleção de referências
A seleção de referências foi executada e limitadas aos bancos de dados disponíveis nos sites de busca PubMed, Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e Portal de Periódicos da CAPES periódicos por meio do uso dos Descritores em Ciência da Saúde (DeCS), com os seguintes termos em inglês; Abdômen, Dor Abdominal, Doença Aguda, Apendicite, Diagnóstico e Cirurgia Geral em conjunto ao uso dos operadores booleanos AND e OR para melhor delimitação de pesquisa, resultando no comando de busca (“Abdomen” OR “Abdominal Pain”) AND (“Acute Disease”) AND (“Appendicitis”) AND (“Diagnosis”) AND (“General Surgery”). A seguir se encontra a descrição sistematizada do processo de escolha dos artigos que estão dispostas no Fluxograma 01 – Seleção de literatura segundo a metodologia PRISMA, embasado na declaração PRISMA.
2.2 Dos critérios de inclusão e exclusão
Em um primeiro momento, como delimitação e filtros serão utilizados ensaios clínicos randomizados e controlados, meta-análise, revisões sistemática e revisões da literatura publicados nos últimos 05 anos para obtenção de dados atualizados e consonantes com o avanço médico-científico, e que estejam disponíveis nas línguas inglesa ou portuguesa. Identificados os artigos disponíveis serão excluídos aqueles que se encontram em duplicidade nas bases de dados e aqueles que não estiverem disponíveis na íntegra ou constarem dados incompletos.
Ainda sobre a seleção dos artigos, obedecendo aos critérios de inclusão, foi adotado o método de revisão PICO para análise de título e resumo, e posteriormente texto completo, no qual os artigos selecionados deverão atender as especificidades de População: Pacientes com suspeita ou diagnóstico de apendicite aguda, em diferentes faixas etárias (adultos, crianças, gestantes); Intervenção: Métodos diagnósticos e terapêuticos empregados na abordagem da apendicite aguda;
Contexto: Comparação entre diferentes métodos diagnóstico e de tratamento, e Resultados: Melhores desfechos clínicos (menor tempo de internação, menor taxa de complicações, menor dor pós-operatória).
Em um segundo momento, foram selecionadas referências a partir da listagem de referências bibliográficas dos artigos, incluídos no primeiro momento, permitindo a ampliação da abrangência de busca, localizando publicações relevantes que não foram inicialmente encontradas nas bases de dados. A única alteração dos critérios de inclusão, tratou-se da expansão do período de publicação para 10 anos, apenas nesta etapa da seleção.
2.3 Da análise de dados
Para facilitar a referência e o acompanhamento dos dados, as informações selecionadas estão contidas no Quadro 01 – Formulário de extração de dados: Detalhes e características da fonte de evidência. O “softwares” utilizados para gerenciamento dos dados escolhidos foi “My Bib” para o gerenciamento de referências e EXCEL, pela sua capacidade de estruturação de detalhes dos artigos de texto.
A descrição narrativa das fontes incluídas constarão no Fluxograma 01 para melhor detalhamento e compreensão da metodologia.
Fonte: Elaboração própria (2025).
3. RESULTADOS
Atualmente, o diagnóstico da apendicite aguda é feito, principalmente, pela junção da anamnese, do exame físico e dos métodos de imagem. Podem ser utilizados, na avaliação por imagem, a ressonância magnética (RM), a ultrassonografia (USG) e a tomografia computadorizada (TC). Esses exames auxiliam na determinação exata do diagnóstico devido à alta taxa de sensibilidade, que varia de 59% a 78% na USG, sendo ainda maior na TC, com valores entre 87% e 100%. Quando se associam anamnese, exame físico e exame de imagem, a precisão diagnóstica pode alcançar até 80% (AYDEMIR et al., 2021).
Apesar de o diagnóstico ser essencialmente clínico e contar, principalmente, com o auxílio dos exames de imagem, os exames laboratoriais podem ser realizados para auxiliar na conduta, especialmente em pacientes obesos e mulheres, nos quais o diagnóstico pode ser mais desafiador. Assim, os exames laboratoriais fornecem informações adicionais que colaboram para uma conduta adequada (FRANCINO et al., 2019, apud ALMEIDA; LIMA, 2023). Um dos exames que podem sugerir a suspeita de apendicite é o leucograma, no qual pode haver leucocitose. Esse resultado elevado também é observado na PCR, que mostra aumento da proteína C reativa (CARVALHAIS et al., 2024).
Ainda que os exames de imagem e laboratoriais auxiliem no processo diagnóstico, é importante ressaltar que essa conduta deve ser realizada de maneira rápida, para que o paciente tenha o melhor prognóstico. É imprescindível uma boa análise clínica. Ademais, apesar da importância dos exames complementares, deve-se considerar a baixa especificidade encontrada em alguns deles.
A alteração no leucograma apresentou variações na sensibilidade e especificidade em dois estudos distintos, com valores de 28% e 87% em um, e de 59% e 90% em outro, respectivamente (RIOS, 2018). A sensibilidade da proteína C reativa (PCR) está entre 93% e 96,6% para apendicite aguda, sendo importante destacar que um nível normal de PCR apresenta valor preditivo negativo de 97% a 100% em pacientes com sintomas há mais de 24 horas (HALLAM et al., 2021, p. 45).
Entre os estudos analisados, a apendicectomia configurou-se como o principal método de tratamento. Trata-se de um procedimento cirúrgico de emergência, que consiste na retirada do apêndice inflamado, podendo ser realizado por via aberta ou laparoscópica, a depender da experiência do cirurgião e das condições clínicas do paciente. Recomenda-se a administração de antibioticoprofilaxia no período pré-operatório, com o intuito de reduzir o risco de infecção do sítio cirúrgico (SOUSA et al., 2023).
Os estudos revisados indicaram que, nos casos de apendicite aguda em gestantes, a cirurgia videolaparoscópica configura-se como o método de escolha, uma vez que proporciona benefícios no pós-operatório, tais como menor intensidade de dor, redução do tempo de hospitalização e retorno precoce às atividades habituais, vantagens não observadas na cirurgia aberta (ZANUTO et al., 2023).
Foi evidenciado que a cirurgia videolaparoscópica apresenta menor taxa de mortalidade associada ao procedimento, maior tempo médio de execução, melhor evolução pós-operatória e custo de internação mais elevado em comparação à cirurgia aberta. A apendicite aguda revelou-se como uma das principais condições cirúrgicas em que a videolaparoscopia pediátrica proporciona melhores desfechos clínicos em relação à técnica convencional. Ademais, para ambas as abordagens, verificou-se tendência de aumento no número total e no custo médio das internações. Nesse sentido, a apendicectomia videolaparoscópica realizada no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) demonstrou superioridade assistencial e econômica, sugerindo a necessidade de implementação de políticas públicas voltadas ao financiamento e estímulo da adoção dessa técnica (JUREMA et al., 2020; FONSECA et al., 2021; FIGUEIREDO et al., 2021).
A utilização exclusiva de antibioticoterapia como estratégia terapêutica. A combinação de cefoxitina, cefotetano ou cefazolina associada a metronidazol configura-se como um regime comumente utilizado. Um dos estudos destacou o aumento da prevalência do uso de antibióticos como tratamento único no ano de 2020, durante o período mais crítico da pandemia de COVID-19, paralelamente à elevação das taxas de internação em unidades de terapia intensiva, infecções de ferida operatória e realização de hemicolectomias. Ressalta-se que a seleção dos antimicrobianos deve considerar os padrões locais de resistência bacteriana (CIDADE et al., 2021; OLIVEIRA; PEREIRA NETO; NASCIMENTO, 2023).
Em um dos relatos de caso, a realização da cirurgia foi suspensa em razão do diagnóstico de dengue com alto risco de complicações. O tratamento conservador instituído incluiu antibioticoterapia com gentamicina (7 mg/kg/dia) e clindamicina (40 mg/kg/dia), associada a suporte clínico, em um paciente pediátrico de sete anos de idade. Embora a apendicectomia constitua o manejo padrão, a antibioticoterapia desempenha papel relevante tanto no tratamento conservador quanto na profilaxia cirúrgica. No caso em questão, observou-se resposta clínica favorável, mesmo diante da concomitância de dengue e plaquetopenia (COELHO et al., 2022).
4. DISCUSSÃO
O diagnóstico da apendicite aguda permanece um desafio clínico, especialmente em populações como mulheres em idade fértil, crianças, gestantes e pacientes obesos (TIMMERMAN, et al., 2016). A associação entre anamnese, exame físico e exames complementares tem se mostrado a abordagem mais eficaz, como destacado por Aydemir et al. (2021), com precisão diagnóstica podendo atingir até 80%.
O exame clínico ainda é uma ferramenta importante em contextos com recursos limitados. Os sinais clínicos como dor no quadrante inferior direito, sinal de Blumberg e irritação peritoneal são clássicos, mas não exclusivos. Dessa forma, a utilização de exames complementares é imprescindível para maior acurácia diagnóstica. A ultrassonografia (USG), por exemplo, tem se consolidado como o exame de imagem inicial de escolha em crianças e gestantes, por não utilizar radiação ionizante. Contudo, sua sensibilidade é altamente dependente do operador e da condição clínica do paciente. Em estudo realizado por Pedram, Asadian e Roshan (2019), foi observada acurácia significativa da USG no diagnóstico de apendicite aguda em pacientes pediátricos, reforçando sua utilidade como método diagnóstico inicial, ainda que limitado por fatores técnicos e experiência do examinador.
A tomografia computadorizada (TC) tem se mostrado superior à ultrassonografia (USG) em termos de acurácia diagnóstica para a apendicite aguda, especialmente em adultos com apresentações clínicas atípicas. Evidências mais recentes reforçam essa superioridade: uma revisão sistemática e meta-análise conduzida por Arruzza et al. (2022), que incluiu 31 estudos sobre TC e 10 sobre USG, demonstrou que a TC apresenta sensibilidade agrupada de 97,2% e especificidade de 95,6%, enquanto a USG obteve 82,1% de sensibilidade e 85,9% de especificidade. Além disso, a TC com contraste intravenoso e oral mostrou o melhor desempenho diagnóstico, com sensibilidade de 99,2% e especificidade de 97,4%. Até mesmo a TC de baixa dose apresentou resultados comparáveis às modalidades padrão. Esses achados reforçam a TC como o exame de escolha nos casos de suspeita de apendicite aguda com apresentações clínicas atípicas ou diagnóstico incerto.
Apesar disso, a exposição à radiação torna a TC menos indicada para populações mais vulneráveis, como gestantes. Nesses casos, a ressonância magnética (RM) surge como uma alternativa valiosa, por não utilizar radiação ionizante e manter elevada acurácia diagnóstica. Uma meta-análise conduzida por Kave et al. (2019) analisou a eficácia da RM no diagnóstico de apendicite durante a gestação e constatou sensibilidade de 91,8% e especificidade de 97,9%. Os autores destacam que a RM é particularmente útil em situações em que o diagnóstico é desafiador e outros métodos, como a TC e a USG, apresentam limitações decorrentes das alterações anatômicas da gravidez. Dessa forma, a RM se consolida como uma ferramenta segura, eficaz e confiável para o manejo da apendicite aguda em gestantes.
No campo laboratorial, o leucograma continua sendo amplamente utilizado como ferramenta auxiliar no diagnóstico da apendicite aguda. Embora o aumento da contagem de leucócitos e dos níveis de proteína C reativa (PCR) sugira um processo inflamatório, esses marcadores não são específicos para a apendicite (HALLAM et al., 2021). Recentemente, o índice neutrófilo-linfócito (INL) tem se destacado como um possível preditor de apendicite complicada. Um estudo realizado por Shrestha et al. (2023) evidenciou que valores elevados de INL estão significativamente associados a formas mais graves da doença, ressaltando sua utilidade como marcador inflamatório na estratificação da gravidade da apendicite, embora não conclusivo de forma isolada.
Em suma, a combinação racional entre exame clínico e exames complementares é essencial para um diagnóstico mais preciso da apendicite aguda. A rapidez na condução diagnóstica é crucial para evitar complicações como perfuração e peritonite, o que reforça a importância da capacitação médica contínua e do acesso a exames de imagem e laboratoriais adequados.
O tratamento padrão para a apendicite aguda é a apendicectomia. A técnica videolaparoscópica tem apresentado crescimento exponencial, principalmente na última década. Entretanto, no Brasil ainda 90% dos casos são tratados pela via convencional (FAMERP, 2020), devido a questões institucionais nos hospitais públicos, como falta de materiais e recursos financeiros para manter a estrutura das cirurgias videolaparoscópicas.
A videolaparoscopia apresenta vantagens em relação à técnica convencional, fazendo que os cirurgiões a escolha em detrimento da outra. São elas: menos dor pós-operatória, retorno às atividades laborais mais precocemente, menor taxa de infecção do sítio cirúrgico, menor tempo médio de internação e incisões menores (questão estética).
As desvantagens apresentadas pelos estudos na videolaparoscopia, que levantam pontos para a técnica convencional, são: abscesso intra-abdominais, sangramentos intra-abdominais, tempo intra-operatório mais longo e maior custo médio por internação. Deve-se dar atenção aos seguintes tópicos quando se trata dos últimos dois fatores: o tempo cirúrgico leva em conta a preparação do equipamento da videolaparoscopia; e o custo médio por internação não levam em conta gastos à longo prazo e gastos globais, como analgésicos pós-operatórios e maior tempo de internação.
A tabela 1 demonstra essas questões de modo prático:
Tabela 1 – Videolaparoscopia versus método convencional
Técnica/ Comparações | Vantagens | Desvantagens |
Videolaparoscopia | Menor risco de infecção, melhor controle da dor pós-operatória, menor tempo de internação e incisões menores | Maior risco de abscesso intra-abdominais, maior custo médio de internação*, sangramentos intra-operatórios |
Convencional (aberta) | Menos riscos de abscesso e sangramentos e menor tempo cirúrgico* | Maior risco de infecção, maior necessidade de analgésicos pós-operatório e maior tempo de internação. |
Fonte: Elaboração Própria (2025)
Além disso, vale ressaltar que em mulheres, foi preferível o uso de videolaparoscopia em relação a cirurgias abertas, pois a visualização da cavidade abdominal por completo permite a exclusão de outros diagnósticos diferenciais (FAMERP, 2020), como por exemplo a rotura de cisto ovariano roto.
Na pediatria, a apendicectomia é a principal cirurgia em que a videolaparoscopia demonstra melhor recuperação pós-operatória. As complicações são semelhantes às observadas em adultos. Ademais, a resposta inflamatória ao trauma cirúrgico é menos na videolaparoscopia (Figueiredo et.al, 2021). Entretanto, no caso de recém-nascidos não é recomendado a sua realização, devido ao risco de complicações cardíacas no pneumoperitônio.
Em casos de mulheres grávidas, seguem-se as mesmas vantagens da cirurgia por vídeo. Além disso, há benefício para o feto com menores taxas de nascimento pré-termo e etc. Deve-se atentar para o aumento da pressão intra abdominal no pneumoperitônio, que pode levar à diminuição do retorno venoso para a veia cava. Logo, recomenda-se colocar a gestante em decúbito dorsal, rotação de 30 graus à esquerda para a cirurgia.
4.1 Antibioticoterapia
A antibioticoterapia, no contexto da apendicite aguda, tem assumido crescente importância, tanto como adjuvante no perioperatório quanto como alternativa terapêutica em casos selecionados. A apendicectomia continua sendo o padrão-ouro no manejo da apendicite, contudo, o uso de antimicrobianos como conduta conservadora tem sido discutido em contextos específicos, como situações de contraindicação cirúrgica ou em cenários de restrição estrutural, como ocorreu durante a pandemia de COVID-19 (CIDADE et al., 2021; OLIVEIRA; PEREIRA NETO; NASCIMENTO, 2023).
4.1.1 Antibioticoterapia profilática
A antibioticoprofilaxia é considerada prática fundamental na apendicectomia, visando a redução de infecções do sítio cirúrgico. Os regimes mais utilizados incluem cefalosporinas de primeira geração associadas ao metronidazol, como cefazolina + metronidazol, ou monoterapia com cefoxitina ou cefotetano, de acordo com a flora entérica predominante (CIDADE et al., 2021; OLIVEIRA; PEREIRA NETO; NASCIMENTO, 2023).
O emprego adequado desse recurso está diretamente relacionado à diminuição de complicações pós-operatórias, como abscessos e deiscências.
Deve-se considerar os padrões locais de resistência bacteriana ao selecionar o antibiótico mais apropriado. Oliveira, Pereira Neto e Nascimento (2023) aponta que a prevalência de enterobactérias multirresistentes, como Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae, tem se elevado nas infecções pós-apendicectomia, o que revela a necessidade de revisão periódica dos protocolos de antibioticoprofilaxia hospitalar.
4.1.2 Antibioticoterapia como tratamento definitivo (manejo conservador)
A terapia exclusiva com antibióticos como substituição da cirurgia em apendicite não complicada tem sido proposta como alternativa viável, principalmente em pacientes estáveis e com contraindicações à abordagem cirúrgica. No cenário da pandemia de COVID-19, por exemplo, observou-se aumento da utilização dessa conduta, conforme apontado por CIDADE et al., 2021; OLIVEIRA; PEREIRA NETO; NASCIMENTO, (2023), destacando-se o papel da antibioticoterapia como opção segura quando a cirurgia representava maior risco ou indisponibilidade institucional. Coelho et al. (2022), descreve um caso clínico no qual uma criança de sete anos de idade, diagnosticada concomitantemente com apendicite e dengue, evoluiu de forma favorável com antibioticoterapia exclusiva composta de gentamicina (7mg/kg/dia) e clindamicina (40 mg/kg/dia). Neste caso, a plaquetopenia associada à arbovirose, justificou a contraindicação da abordagem cirúrgica e a adoção do tratamento conservador, devido ao alto risco de sangramento intraoperatório.
Apesar de resultados promissores, como descrito no caso, o tratamento conservador ainda levanta controvérsias. A literatura ressalta o risco de recorrência do quadro, necessidade de reintervenção mediante o surgimento de resistência antimicrobiana, além da dificuldade de seguimento ambulatorial, especialmente em regiões com limitação de acesso aos serviços de saúde (COELHO et al., 2022; OLIVEIRA; PEREIRA NETO; NASCIMENTO, 2023).
Com base nos achados dos estudos revisados, o Quadro 02 traz os principais regimes antibióticos utilizados para compor a revisão, suas indicações e respectivas referências, de acordo com as aplicações clínicas.
Quadro 02 – Antibioticoterapia como tratamento definitivo da apendicite em variados contextos clínicos
Contexto Clínico | Indicação da Antibioticoterapia | Regime utilizado | Referência Bibliográfica |
Cirurgia eletiva | Profilaxia operatória | Cefazolina + Metronidazol ou Cefoxitina | Oliveira et al. (2023) |
Apendicite não complicada (tratamento conservador) | Tratamento conservador | Ceftriaxona + Metronidazol | Cidade et al., 2021; Oliveira; Pereira Neto; Nascimento, 2023. |
Contraindicaçã o cirúrgica | Manejo definitivos sob risco de sangramento | Gentamicina + Clindamicina | Coelho et al. (2022) |
Cenário pandêmico (COVID-19) | Redução de cirurgias e superlotação hospitalar | Predominanteme nte cefalosporinas associadas ao metronidazol | Cidade et al., 2021; Oliveira; Pereira Neto; Nascimento, 2023. |
Casos complicados ou sepse | Infecção hospitalar grave | Piperacilina – Tazobactam ou Meropenem | Oliveira et al. (2023) |
Fonte: Própria autoria, 2025.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O diagnóstico da apendicite aguda (AA) envolve uma avaliação integrada, que considera a anamnese, o exame físico e exames complementares. Quando combinados, esses recursos podem alcançar uma precisão diagnóstica de até 80%. Ainda assim, é importante reconhecer que alguns exames complementares apresentam baixa especificidade quando analisados isoladamente, o que reforça a necessidade de uma abordagem clínica criteriosa e ágil. A realização de um exame físico bem conduzido continua sendo essencial, especialmente diante de sinais clássicos como dor no quadrante inferior direito, sinal de Blumberg e irritação peritoneal — embora tais manifestações não sejam exclusivas da AA, justificando o suporte de exames de imagem.
Entre os métodos de imagem disponíveis, a tomografia computadorizada (TC) é amplamente reconhecida por sua elevada sensibilidade (87% a 100%) e especificidade (95,6%), sendo especialmente indicada em adultos com quadros clínicos atípicos. Por outro lado, a ultrassonografia (USG) é frequentemente escolhida como primeira opção em crianças e gestantes, por não utilizar radiação ionizante, embora sua sensibilidade seja inferior (59% a 78%) e o exame dependa da experiência do operador e das condições clínicas do paciente. Nesses grupos, a ressonância magnética (RM) surge como uma alternativa eficaz e segura, oferecendo alta sensibilidade (91,8%) e especificidade (97,9%), sobretudo quando há dificuldade diagnóstica decorrente das alterações anatômicas próprias da gestação.
Os exames laboratoriais, apesar de sua limitação em termos de especificidade, contribuem significativamente em situações desafiadoras, como em pacientes obesos ou do sexo feminino. O leucograma pode indicar leucocitose, com sensibilidade variando entre 28% e 59% e especificidade entre 87% e 90%. Já a proteína C reativa (PCR), com sensibilidade de 93% a 96,6%, apresenta valor preditivo negativo elevado (97% a 100%) em pacientes com sintomas há mais de 24 horas. Além disso, o índice neutrófilo-linfócito (INL) tem se destacado como um possível marcador para formas mais graves da doença, embora ainda não possa ser utilizado isoladamente como critério diagnóstico. A interpretação conjunta dos dados clínicos, laboratoriais e de imagem continua sendo indispensável para uma conduta segura.
No que se refere ao tratamento, a apendicectomia permanece como o padrão-ouro. A técnica videolaparoscópica é atualmente a via preferencial, oferecendo vantagens como menor tempo de recuperação, menos complicações pós-operatórias e melhores resultados clínicos — especialmente em gestantes e pacientes pediátricos. Além disso, essa abordagem apresenta vantagens econômicas e assistenciais relevantes, o que evidencia a urgência de políticas públicas que garantam acesso mais amplo a essa técnica nos hospitais públicos. Ainda que a maioria dos procedimentos no Brasil ainda seja realizada por via aberta, essa realidade está fortemente ligada à escassez de recursos e materiais nas instituições públicas.
A antibioticoprofilaxia, por sua vez, é uma medida indispensável no pré-operatório, visando à prevenção de infecções do sítio cirúrgico. Os esquemas mais utilizados incluem cefalosporinas de primeira geração associadas ao metronidazol, ou a monoterapia com cefoxitina ou cefotetano, de acordo com a flora entérica predominante. Em contextos específicos, como durante a pandemia de COVID-19 ou em pacientes com contraindicação à cirurgia, a antibioticoterapia exclusiva tem sido considerada uma alternativa viável para casos de apendicite não complicada — embora a cirurgia ainda deva ser a abordagem preferencial sempre que possível.
Conclui-se, portanto, que o sucesso no diagnóstico e tratamento da apendicite aguda depende de uma atuação clínica integrada, aliando raciocínio clínico apurado, exames complementares adequados e acesso a intervenções cirúrgicas atualizadas. Investir na qualificação profissional, em infraestrutura e em políticas de saúde que favoreçam o acesso a tecnologias minimamente invasivas é essencial para reduzir complicações e garantir um atendimento mais justo e eficiente para todos os pacientes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1Discente do Curso de Medicina da Universidade Católica de Brasília (UCB).
2Discente do Curso de Medicina do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (UNICEPLAC).
3Discente do Curso de Medicina do Centro Universitário Euro Americano (UNIEURO).
4Cirurgiã Geral do Hospital Regional de Ceilândia.