DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL PARA OS SUBTIPOS DE LEUCEMIA MIELOIDE AGUDA

DIFFERENTIAL DIAGNOSIS FOR ACUTE MYELOID LEUKEMIA SUBTYPES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8319670


Yasmin Ferrare Pendloski Vieira1
Orientadora: Prof.ª Alessandra Barone1


Resumo

A Leucemia Mieloide Aguda (LMA) é uma neoplasia hematológica que afeta as células da linhagem mieloide na medula óssea que se proliferam de maneira descontrolada e não concluem o processo de maturação para desempenhar suas funções biológicas. No Brasil, a faixa etária mais afetada é entre 60 e 72 anos, apresentando-se mais no sexo masculino. Os mecanismos que envolvem o desenvolvimento das alterações hematológicas ainda não foi totalmente esclarecido, porém, sabe-se que fatores genéticos, fatores ambientais e algumas substâncias tóxicas são fundamentais para a instalação da neoplasia na medula óssea. A leucemia mieloide aguda pode ser classificada em oito subtipos de acordo com a classificação do Grupo Franco Americano Britânico (FAB), sendo eles M0, M1, M2, M3, M4, M5, M6 e M7. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) elas são classificadas de acordo com as alterações cromossômicas. Os diferentes subtipos são inicialmente diagnosticados através de exames de triagem como hemograma e provas citoquímicas, além de exames confirmatórios como citogenético e imunofenotipagem. A citogenética e a imunofenotipagem são de fundamental importância, já que avaliam translocações, deleções e inversões cromossômicas além dos marcadores de membrana expressos em células imaturas de diversas linhagens. Cada uma dessas formas de diagnósticos auxiliarão na identificação de tipo e subtipo de leucemia além da escolha terapêutica ideal para o tratamento do paciente. 

Palavras – chaves: Leucemia mieloide aguda, diagnóstico.

Abstract

Acute Myeloid Leukemia (AML) is a hematological neoplasm that affects cells of the myeloid lineage in the bone marrow that proliferate uncontrollably and do not complete the maturation process to perform their biological functions. In Brazil, the age group most affected is between 60 and 72 years old, and it is more common in males. The mechanisms involved in the development of hematological alterations have not yet been fully clarified, but it is known that genetic factors, environmental factors and some toxic substances are fundamental to the onset of neoplasia in the bone marrow. Acute myeloid leukemia can be classified into eight subtypes according to the classification of the French American British Group (FAB), which are M0, M1, M2, M3, M4, M5, M6 and M7. For the World Health Organization (WHO) they are classified according to chromosomal alterations. The different subtypes are initially diagnosed through screening tests such as blood count and cytochemical tests, as well as confirmatory tests such as cytogenetics and immunophenotyping. Cytogenetics and immunophenotyping are of fundamental importance, as they assess chromosomal translocations, deletions and inversions, as well as membrane markers expressed in immature cells of various lineages. Each of these forms of diagnosis will help to identify the type and subtype of leukemia, as well as the ideal therapeutic choice for treating the patient.

Keywords: Acute myeloid leukemia, diagnosis.

Introdução

A hematopoese é o processo de produção, maturação e diferenciação das células sanguíneas que ocorre na medula óssea. Todo esse processo começa na célula hematopoiética pluripotente que sofrerá estímulo dos fatores de crescimento que atuam na sua diferenciação e maturação para eritrócitos, leucócitos e plaquetas para desempenharem suas funções. (1)

A leucemia é uma neoplasia hematológica que acomete principalmente os leucócitos na medula óssea. A proliferação descontrolada de células imaturas da linhagem linfoide ou mieloide na medula óssea, interrompe o funcionamento normal do tecido hematopoiético e dificulta a produção de outros componentes celulares. O grau de evolução pode ser caracterizado como agudo, onde o mioblasto neoplásico se desenvolve de maneira rápida e agressiva, ou evolução crônica e desenvolvimento mais lento, com presença de células maduras que possuem alta taxa de proliferação e diferenciação morfológica. (1,2)

No Brasil, a cada 10.554 casos de LMA, 5.476 são do sexo masculino e 5.078 do sexo feminino. A faixa etária de maior índice é em idosos entre 60 e 72 anos, com predomínio no sexo masculino. A etnia mais afetada é a branca com 32,3% dos casos. Seu aparecimento também pode ocorrer em crianças (5). Em um estudo feito no Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG), Florianópolis, SC, apresentou 51 casos de pacientes, 28 pacientes (55%) pertenciam ao sexo masculino e 23 (45%) ao sexo feminina. A etnia branca foi predominante com 84%, seguido de 16 % pardas e negras. A faixa etária média foi de 7,3 anos e mediana de 9 anos. Os subtipos de LMA mais presentes nesse estudo, na classificação da FAB, foram M2 e M3, ambas com 27% dos casos. Sintomas mais comuns entre as crianças foram palidez (25,40%), manifestações hemorrágicas (27,40%), febre (41,10%), astenia/ inapetência (35,20%) e dor óssea (21,50%). (3)

Em alguns casos fora do Brasil, como na Nova Zelândia, em um estudo utilizando o banco de dados da New Zealand Cancer Registry (NZCR), foi observado que os 2876 casos de LMA, 53% eram homens, e a idade média de diagnóstico foi de 67 anos. Nos dados etiológicos 77% dos casos eram de descendência europeia. (4)

Os dados de relatórios laboratoriais, geralmente, são acompanhados de neutropenia, anemia e plaquetopenia. (5) De acordo com o estudo realizado no Extremo Sul catarinense, entre os anos de 2010 e 2020, dos 47 pacientes estudados a comorbidade de maior prevalência foi a hipertensão arterial sistêmica com 23,4%, seguido de diabetes mellitus 10,6%. O tempo mediano para aparecimento dos sintomas foi de 20 dias e dentre esses sintomas pode-se listar os mais presentes: 61,7% astenia, 38,3% febre, 29,8% sangramento e 21,3% fadiga. Nesse estudo os subtipos mais relatados foram 23,4% subtipo M2 e 23,4% também para M4. Os registros de óbitos foram de 87,2%. A causa do óbito deve-se a infecção relatada em 78% dos casos, seguido de hemorragia com 17,1%. A idade dos pacientes que evoluíram a óbito era maior que 52 anos. (6)

Fatores moleculares que participam do desenvolvimento da neoplasia no organismo ainda não são entendidos. Muitos estudos apontam que exposição à radiação ionizante, benzenos, inibidores de topo isomerase II, antraciclinas e até mesmo o uso de imunossupressores podem estar associados ao desenvolvimento da doença. Artigos apresentam que com a sensibilização de oncogenes podemos ter o desenvolvimento da doença na medula óssea, porém não é conhecido os mecanismos ou em que fase da maturação das células elas tem mais chance de desenvolver essa mutação maligna. (7)

No seguinte artigo de revisão serão apresentados dados na tentativa de esclarecer como é realizada o diagnóstico da doença através análises moleculares dos diversos subtipos de LMA e como essas análises estão relacionadas com o prognóstico e escolha de tratamento para o paciente.

Justificativa

Esclarecimento dos métodos de análise para diagnóstico dos subtipos da LMA e que como as bases moleculares analisadas podem classificar a saúde do paciente de acordo com mutações genéticas e cromossômicas. 

Métodos

O presente estudo foi uma revisão da literatura realizada por meio de busca on-line de artigos científicos a partir das principais bases de dados bibliográficos em: Scielo (Scientific Eletronic Library Online), Google Acadêmico, Pubmed (US National libray of medicine), Biblioteca Virtual em Saúde Ministério da saúde (BVSMS), livros e sites científicos, dentre os materiais coletados foram utilizados artigos de revistas, dissertações e teses. Os conteúdos foram selecionados a partir de artigos publicados em sua maioria entre os anos de 2013 e 2023.

Leucemia Mieloide Aguda

A leucemia mieloide aguda é uma neoplasia heterogênea que acomete as células da linhagem mieloide na medula óssea. A célula-tronco mieloide irá se diferenciar e gerar os precursores de células como os eritrócitos, plaquetas, eosinófilos, neutrófilos, basófilos e monócitos, células precursoras dos macrófagos teciduais. Com a proliferação descontrolada de células neoplásicas, a medula óssea fica saturada de células leucêmicas, interferindo na produção de componentes normais. Essas células migram precocemente para o sangue periférico, e desta forma podemos visualizá-las em leitura de lâmina. A presença de mais de 20% de blastos já indica um possível diagnóstico para leucemia aguda. 

A LMA é classificada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e pelo Grupo FAB (Franco Americano Britânico) em vários subtipos. A OMS revisa sua tabela de classificação a cada oito anos, e leva em consideração anomalias cromossômicas e mutações genéticas. O grupo FAB não leva esses fatores em consideração, baseando-se apenas na morfologia e citoquímica para identificação dos mieloblastos dividindo-os de acordo com conformação da célula. O mieloblasto tipo I não apresenta maturação e granulação; mieloblasto tipo II possui pouca diferenciação no citoplasma com poucos grânulos (inferior a 20%) e mieloblasto tipo III possui citoplasma granular (superior a 20%) com núcleo central e a zona de golgi está evidente. (1,8)

Classificação da FAB (1):

– M0 – Leucemia mieloblástica aguda indiferenciada

– M1 – Leucemia mieloblástica aguda com maturação celular mínima

– M2 – Leucemia mieloblástica aguda com maturação

– M3 – Leucemia promielocítica aguda (conhecida também por LPA)

– M4 – Leucemia mielomonocítica aguda (conhecida também por LMMA)

– M4 – Leucemia mielomonocítica aguda com eosinofilia

– M5 – Leucemia monocítica aguda

– M6 – Leucemia eritroide aguda

– M7 – Leucemia megacarioblástica aguda

Tabela 1 – Classificação da LMA segundo a OMS (8):

Tratamento

O tratamento das leucemias tem como objetivo a remissão completa da doença e normalmente ocorre em duas fases: fase de indução que tem por objetivo eliminar todas as células leucêmicas do paciente e fase de pós-remissão que procura destruir as células leucêmicas remanescentes. A remissão completa do paciente é identificada quando ocorre o desaparecimento de sinais e sintomas e diminuição de 5% dos blastos na medula óssea. Na escolha dos tratamentos são considerados fatores como idade, comorbidades e análise citogenéticas dos pacientes. 

O transplante de medula óssea é uma etapa do tratamento muito utilizada e considerada pela equipe médica. De acordo com um estudo que reuniu análises de 16 centros de transplante de medula óssea no Brasil, foram analisados 731 pacientes, que foram separados em dois grupos para cada tipo de transplante: Transplante de medula óssea autólogo,  que consiste na retirada de células tronco-hematopoiéticas do paciente antes de ser administrada a quimioterapia, para depois serem infundidas no paciente e transplante de medula óssea alogênico, onde as células tronco-hematopoiéticas tem origem de um doador e serão infundidas no paciente. Dos 731 pacientes, 205 com idade média de 27 anos foram submetidos ao transplante autólogo enquanto 526 pacientes, com idade média de 25,6 anos foram submetidos ao transplante alogênico. O aspecto citogenético presente nos pacientes de transplante autólogo apresentava uma condição de sucesso favorável em 22% dos casos, desfavorável para 16% e intermediária para 53%. A principal causa de morte foi a recidiva da doença tomando 60% dos casos. Até o tempo do estudo do artigo, 43% dos pacientes evoluíram a óbito. Para os pacientes que receberam transplante alogênico, a citogenética apresentava uma condição de sucesso favorável para 17%, desfavorável para 32% e 48% intermediária. Nesse caso, a doença do enxerto versus o hospedeiro agudo grau III e IV comprometeu 10% dos pacientes no estudo. (9)

A intensidade do tratamento é definida a partir das condições de saúde do indivíduo e sua idade. Os medicamentos utilizados na quimioterapia são Citarabina (ara-C), conhecida como citosina arabinosídeo é indicada para induzir a remissão da leucemia em adultos ou crianças associada a antraciclina, um antibiótico que danifica as enzimas que ajudam na replicação de células tumorais. Um terceiro medicamento pode ser adicionado no tratamento, sendo aplicado de acordo com a mutação ocorrida e análise da leucemia. No caso de mutação no gene FLT3 é adicionado a midostaurina. Se o paciente apresenta o marcador CD13 em um exame de imunofenotipagem é administrado o gemtuzumabe ozogamicina. (10)

O tratamento pode ser dificultado devido ao desenvolvimento de resistência aos quimioterápicos sendo que na leucemia mieloide aguda estão relacionados com a doença residual mínima. Alguns fatores que contribuem com o desenvolvimento dessas células resistentes aos quimioterápicos são os níveis de oxigênio, células tumorais que acumulam poucas quantidades do medicamento, alterações genéticas como aumento da plasticidade de células cancerígenas, envolvimento de genes como RUNX expresso junto com FLT3-ITD que aumenta resistência a citarabina (Ara-C), mutações no gene KIT etc.  (11)

Genética da LMA

Alterações citogenéticas e idade são analisadas para a determinação do prognóstico do paciente. A idade está relacionada com o grau de evolução do câncer, junto com as comorbidades e resultados citogenéticos. (12,13) 

Pode-se observar esses dados no estudo feito no Hospital São Paulo, UNIFESP- EPM entre janeiro de 2000 e maio de 2001. Aqui foram avaliados 30 pacientes com diagnóstico de LMA, realizados através de imunofenotipagem e contagem de células blásticas em lâminas de esfregaço de medula óssea. Entre eles havia 16 homens e 14 mulheres, com idade mediana de 50 anos, variando de 19 a 84 anos. A divisão dos pacientes foi feita de acordo com idade e resultado do cariótipo resultando em 25 pacientes sendo que cinco pacientes não obtiveram metáfases. O cariótipo é um exame que fornece informações sobre o prognóstico de cada paciente, baseando-se nas mutações cromossômicas analisadas. Nesse estudo os pacientes foram separados em 4 grupos de acordo com seus resultados: favoráveis, desfavoráveis, intermediários. Os pacientes classificados com prognóstico favorável apresentaram  t (8;21), t (15;17); pacientes classificados com prognóstico intermediário apresentaram +8 (trissomia do cromossomo 8), t (1;2), del (18q) e para um prognóstico desfavorável apresentaram  del(5q) / -5, del(7q) / -7, abn (3q), +11q, t (9;22).  Foi visto que a idade dos pacientes com cariótipo favorável era menor em relação aos que tinham diagnóstico desfavorável, mostrando também que as translocações com bom prognóstico são mais frequentes em jovens t (8;21, t (15;17) e inv (16). (13)

Sabemos quais mutações genéticas acometem os pacientes que desenvolvem LMA, porém não sabemos como esses mecanismos ocorrem. Em um estudo publicado na Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, foram analisadas a importância das mutações nos genes FLT3 e NPM1 para a LMA. O gene FLT3 tem como função a regulação da diferenciação e de proliferação dos componentes hematopoiéticos. A transcrição do gene FLT3 gera uma proteína monomérica que tem domínio extracelular, região transmembrana, justa membrana (JM) e dois domínios tirosina-quinase intracelulares. Sua mutação altera um dos domínios de ativação de vias de transdução que fica permanentemente ativado, ocorrendo proliferação exagerada de células. As alterações ocorridas nesse gene podem ser classificadas de duas maneiras: duplicações internas em tandem ou mutações pontuais. (14) 

O gene NPM1 é uma fosfoproteína que interage com diversas proteínas durante o ciclo celular devido a condição de sinalização entre o núcleo e o citoplasma. Entre algumas de suas funções estão a regulação da transcrição de eventos de condensação e descondensação da cromatina, a manutenção da estabilidade genômica, respostas a estímulos de estresse, processamento de RNA ribossômico etc. As mutações nesse gene são classificadas de A a F, de acordo com a inserção ou deleção de pares de bases. Suas mutações também podem ser detectadas através da proteína anormal NPM1 (14). A mutação no gene tradutor dessa proteína exerce influência no progresso da leucemogênese e a presença da mutação do gene NPM1 sozinho é um prognóstico, porém, quando associada a alterações no gene FLT3, os pacientes apresentam prognóstico intermediário. (11)

A metilação do DNA é a chave para o desenvolvimento de LMA. Isso pode ser explicado devido a mutação no gene DNMT3A que codifica uma das enzimas responsáveis pela metilação do DNA. Suas mutações são frequentemente encontradas no início da doença e mesmo sendo raras podem ocorrer simultaneamente com outros genes, como os descritos acima. Quando essas mutações ocorrem juntas, o prognóstico do paciente não é favorável estando associada a diminuição de leucócitos e plaquetas. (11)

As translocações e mutações gênicas dificultam o funcionamento da hematopoiese, pois algumas translocações podem afetar cromossomos que irão alterar os genes que possuem funções importantes para atividade celular no organismo, como, por exemplo, a mutação no gene TP53 afeta a proteína p53 que está presente em mecanismos de regulação e apoptose. Mutações do tipo de deleção no cromossomo 17 afetam essa proteína que está envolvida em média de 12% dos pacientes com LMA. Essa mutação, geralmente, não está associada a outras mutações, porém possui um cariótipo complexo, predizendo uma sobrevida desfavorável. (11)

A CEBPA é um gene responsável pela codificação da proteína de mesmo nome CEBPA, que irá participar como fator de transcrição no processo de diferenciação e maturação de granulócitos. Sua mutação pode ser dupla (biCEBPAMUT) ou mutação única (moCEBPAMUT), sendo encontradas em sua maioria em pacientes com risco intermediário e início da fase de leucemogênese. 

O receptor KIT é um receptor mutado do tipo tirosina quinase e participa do mecanismo de proliferação e diferenciação das células hematopoiéticas. Geralmente são tidas como prognóstico ruim, além de maior quantidade de leucócitos associada a chances de doença extramedular em leucemia mieloide tipo t (8;21) ao invés de inv (16). Porém, em casos de inv (16) as chances de recidiva da doença aumentam e diminuem a taxa de sobrevida, como mostrado em estudos. (11)

Outro gene associado a transcrição é o gene RUNX, receptor que codifica as subunidades alfa do fator de ligação do núcleo. As mutações RUNX1 podem ocorrer devido a terapia de LMA ou podem ser herdadas, associadas a pacientes com anemia Fanconi congênita.  Geralmente é um dos primeiros genes a serem identificados na fase inicial da doença, promovendo um quadro pré-leucêmico e leucêmico. Cerca de 5-18% dos pacientes apresentam mutação RUNX1 e sua identificação classifica o prognóstico como ruim. (11)

Diagnóstico da LMA

O diagnóstico começa com a descrição de sinais e sintomas apresentados pelo paciente e, em conjunto com essas informações são avaliadas a celularidade de sangue periférico e medula óssea. A análise de esfregaço de medula óssea é um exame de rotina e importante para a análise de células leucêmicas já presentes na medula óssea. 

De acordo com a classificação FAB, na medula óssea deve ser encontrado mais de 30% de blastos presentes para o diagnóstico de LMA. Na classificação da OMS o diagnóstico pode ser dado com a presença de mais de 20% de blastos na medula óssea. Técnicas adicionais de diagnósticos são obrigatórias para a análise do caso, auxiliando na definição do tipo celular presente na leucemogênese, o tipo de terapêutica a ser aplicada e o prognóstico da doença. (5)

As características clínicas presentes no hemograma que são analisadas como indicativos de LMA são contagem de plaquetas e hemoglobinas baixas, contagem de leucócitos que pode variar de < 1.000/µl a 200.000/µl, leucócitos anormais com neutropenia e presença de blastos, anemias normocrômica e normocítica e trombocitopenia. A análise de lâminas de esfregaço sanguíneo na rotina do laboratório auxilia na identificação dessas células, pois através de sua morfologia podemos suspeitar de uma leucemia, direcionando o paciente para a realização do mielograma. Através de uma punção de lombar, é retirado uma parte do material da medula óssea que será analisado para definir o diagnóstico. (5,15)

As técnicas solicitadas variam de acordo com suas finalidades. As colorações cito químicas, atualmente substituídas pela imunofenotipagem, são utilizadas em sangue periférico e medula óssea para a identificação da origem celular da leucemia. Alguns exemplos dessas colorações são a fosfatase alcalina; Sudão negro B (sudan black B [SBB]); naftol AS-D; mieloperoxidase (MPO); cloroacetato esterase (CAE); esterases inespecíficas, como alfa-naftil acetato esterase (ANAE); reação do ácido para amino salicílico (ácido periódico de Schiff [PAS]) e fosfatase ácida (15,16)

A imunofenotipagem é uma técnica usada para identificar e quantificar as células que estão presente no material a ser analisado, nesse caso de estudo pode ser sangue extraído de medula óssea e/ou sangue periférico. Esse exame pode ser aplicado na citometria de fluxo, tendo a separação dessas células de acordo com marcadores de membrana, tamanho, estruturas internas, fenótipo e conteúdo do DNA. Podemos usar essa técnica na imuno-histoquímica, aplicando um método semelhante ao do sistema imunológico no organismo, com a marcação das células com anticorpos dirigidos que irão detectar alvos moleculares e irão demarcar esses alvos para sua quantificação. Esses anticorpos serão conjugados com enzimas ou fluóforos que imitiram um sinal fluorescente podendo ser detectado. (16,17)

Os marcadores de imunofenotipagem determinam o nível de maturidade das células e o seu subtipo. Os blastos expressam marcadores de imaturidade sendo esses, CD117 e CD34, tendo ausência de marcadores de maturidade como o CD11b, CD15 e CD16. Cada linhagem de célula também expressa um marcador e para a linhagem mieloide é observada a expressão do antígeno CD15. A FAB recomenda que ao classificar o subtipo de LMA devemos incluir a avaliação de seus marcados. Na classificação dos subtipos, cada um irá expressar um antígeno diferente, específico de sua linhagem celular, auxiliando no prognóstico, diagnóstico e a opção de terapia. (18,19)

Utilizando a classificação FAB, podemos separar os marcados para cada subtipo, do subtipo M0 a M5, sendo eles: LMA – M0: CD33, CD13 e/ou CD11b; LMA – M1: CD13, CD33, CD34, CD7, CD4, CD11b e o HLA-DR; LMA – M2: CD19 ou associados a CD33 e CD34;  LMA – M3: CD13 e CD33 positivos, CD34, HLADR, CD14 negativos; LMA-M4: CD13 e CD33+CD14 CD15 e CD11b; LMA – M5: relação  FSC x SSC maior que em M0 e LMA-M6: geralmente CD45 negativa, CD 71 e glicoforina positiva; LMA – M7: CD13, CD22+CD14, CD42 ou CD61 positivos. 

Em uma pesquisa feita em 2011, no Centro de Referência em Oncologia em São Luiz (MA), foram avaliados 73 adultos e crianças diagnosticados entre os anos 2008 e 2011, e os dados apontaram que o subtipo mais frequente em crianças foi, na classificação de FAB, a LMA – M4 com 33, 4% dos casos enquanto o subtipo predominante nos adultos foi LMA – M0 com 29,4% dos casos. Os marcadores de células imaturas com taxas positivas foram CD34 (69,2%), HLA-DR (63%) e CD117 (100%) (18,19)

Na imunofenotipagem classificamos o subtipo a partir do marcador apresentado pela célula leucêmica, porém, podemos classificar os subtipos de LMA a partir das anormalidades cromossômicas ou genética. Como, por exemplo, a mutação t (8;21(q22; q22) faz com que ocorra a fusão de genes AMLI-ETO, resultando no subtipo M2/M1, já a mutação inv (16) (p13.1; q22) ou t (16,6) (p13.1; q22), temos a fusão dos genes CBFB-MYH11, resultando no subtipo M4. Segue tabela apresentando os subtipos e suas classificações de acordo com a sua genética. (19)

AnormalidadesFusão de GenesSubtipo 
t (8;21) (q22; q22)AML-ETOM1/M2
inv (16) (p13 1; q22) ou t (16;6) (p13.1; q22)CBFB-MYH11M4
t (15;17) (q22; q21)PML-RARA
t (9;11) (p22; q23)MLL-AF9M5a
t (3;21) (q26; q22)AMLI-EAP/EVII
t (6;9) (p23; q34)DEK-CANM1/M2
inv (3) (q21; q26.2) ou t (3;3) (q21; q26.2)EVII
(1;22) (p13; q13)OTT-MALM7
Trissomia do 8
Trissomia do 11M1/M2
Fonte: adaptação de Silva, Grazielle C. (5)

As anormalidades genéticas são classificadas em duas categorias: anormalidades cromossômicas que apresentam translocação, deleção e inversão de uma região do cromossomo e as anormalidades genéticas que apresentam alteração na expressão gênica da proteína. O exame de citogenética tem como papel análise de cromossomos e identificação de anormalidades presentes. O exame de citogenética molecular, conhecido como FISH (Hibridização Fluorescente in vitro) detectará, através de componentes fluorescentes que geram um sinal no núcleo da célula em metáfase e interfase, sequências especificas de DNA ou RNA nos cromossomos das células. Esse exame é utilizado para detecção de deleção e amplificação de genes específicos na análise, conseguindo identificar anormalidades cromossômicas sutis ou quando o esfregaço em metáfase não está adequado para estudo morfológico. (5,15)

Para analisar a clonalidade de células leucêmicas, identificar as mutações gênicas, quantificar genes e identificar os genes que estão envolvidos com as translocações, utilizamos os métodos de biologia molecular como PCR (reação em cadeia da polimerase), RT-PCR e PCR em tempo real. Através de alguns estudos foi possível observar também a sua importância para avaliar a Doença Residual Mínima (DRM), ou seja, com a utilização destes testes podemos acompanhar e apontar os pacientes que tem maiores chances de recidiva da doença. Outra vantagem desse teste é que em pouco tempo podemos obter os resultados do exame, não havendo necessidade de indução de divisão celular para sua análise. (5,17)

Utilizando o sequenciamento de nova geração (SNG ou em inglês NGS – Next Generation Sequencing) podemos entender melhor a patogênese da LMA, pois através dela podemos analisar múltiplos genes, genomas e exomas obtendo uma análise completa. Através dela podemos obter informações mais detalhadas sobre os genes sequenciados e saber sobre como cada um deles, iniciando desta forma o melhor tratamento. Mesmo pacientes com cariótipos normais o SNG pode analisar mais detalhadamente esses casos de mutações genéticas que não possuem cariótipo normal. (20,21,22)

Os microRNAs são pequenas moléculas de RNAs que conseguem regular a expressão gênica das células. Como essas moléculas são expressas por todas as células do corpo. os microRNAs acabam sendo classificados como biomarcadores. É importante para o estudo da patogênese da LMA, pois conseguem participar desse processo através de 5 passos: alteração do número de cópias, mudança na proximidade com a região genômica oncogênica devido à translocação cromossômica, alterações epigenéticas, alterações direcionadas para regiões promotoras de miRNA por fatores de transcrição alterados ou oncoproteínas e, finalmente, processamento alterado de miRNAs. Os microRNAs são moléculas de 22 nucleotídeos, sua sequência de nucleotídeos é conservada com detecção fácil, estável e sensível, sendo única para o diagnóstico de cada subtipo da LMA, pois cada uma expressa um microRNAs diferente. (23)

Considerações finais

A evolução da tecnologia trouxe para o mundo novas formas de diagnosticar doenças de maneira mais rápida e assertiva. O diagnóstico preciso do subtipo de leucemia que ocorre desde a avaliação citomorfológica de sangue periférico e medula óssea até análises de fragmentos cromossômicos e alterações genéticas tem muita importância para a avaliação do prognostico da doença e seleção de tratamento mais adequado, já que atualmente é conhecido que determinadas alterações cromossômicas estão envolvidas com resistência quimioterápica.

A medicina laboratorial está presente tanto no diagnóstico quanto no monitoramento do tratamento da LMA e o desenvolvimento tecnológico que ocorreu ao longo dos anos permitiu um diagnóstico mais rápido, aumentado a taxa de sobrevida desses pacientes. 

Referências bibliográficas

‌1. Puggina D. UM PANORAMA GERAL SOBRE AS LEUCEMIAS. Pós-Graduanda em Hematologia no Instituto Naoum de Hematologia, São José do Rio Preto-SP, Brasil. Site: https://www.ciencianews.com.br/…/leucemias/72.pdf

2. Souza W, Camplesi M, Marques M, Passos X, Silva L. Artigos. Com | ISSN 2596-0253. Vol. 34. Etiologia e esquemas terapêuticos para Leucemia Mieloide Aguda: uma revisão narrativa. Publicado: 3/2022. Vol. 34 | e 9927. Página 1 de 7.  

3. Salvaro MM, Frassetto MD, Just MS, Furtado J, Macarini VH, Schuck FW, et al, LEUCEMIA MIELOIDE AGUDA: PERFIL CLÍINICO-EPIDEMIOLOGICO NO BRASIL ENTRE: 2009 E 2019. Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Santa Cruz do Sul, RS, Brasil Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Criciuma, SC, Brasil. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil. Hematol transfus cell ther. 2021;43(S1):S1−S546.

4. Chan H, Cavadino A, Lewis C. Epidemiology of Acute Myeloid Leukaemia in NewZealand: A National Cancer Registry Analysis. Chan H, editor. American Society of Hematology. 2020 Nov 5;136 (Supplement 1) (613.ACUTE MYELOID LEUKEMIA: CLINICAL STUDIES):33–7.

5. Silva GC da Pilger DA, Castro SM de, Wagner SC. Diagnóstico laboratorial das leucemias mielóides agudas. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial [Internet]. 2006 Apr 1 [cited 2020 Nov 17];42(2):77–84. Available from: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-24442006000200004

6. F. De Luca M, V. Nuernberg P, Vieira Niero C. PERFIL CLÍNICO E EPIDEMIOLÓGICO DE PACIENTES COM LEUCEMIA MIELOIDE AGUDA ATENDIDOS ENTRE OS ANOS DE 2010 E 2020 NO EXTREMO SUL CATARINENSE. Curso de Medicina da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) – Trabalho de Conclusão de Curso – TCC. 2021 Dec;

7. Cirolini oliveira C. Perfil epidemiológico de pacientes com leucemia mieloide aguda: Uma revisão integrativa. Saúde (Santa Maria). 2021 May 12;47(1).

8. Zerbini MC, Soares FA, Velloso DE, Chaufaille ML, Paes RP. Classificação da Organização Mundial da Saúde para os tumores dos tecidos hematopoético e linfoide, 4a edição, 2008 – principais modificações introduzidas em relação à 3a edição, 2001. Revista da Associação Médica Brasileira. 2011 Jan;57(1):66–73.

9. Hamerschlak N, Barton D, Pasquini R, Sarquis YN, Ferreira E, Moreira FR, et al. Estudo retrospectivo do tratamento de leucemia mielóide aguda com o transplante de medula óssea –A experiência brasileira. Rev. bras. hematol. hemoter. 2006;28(1):11-18

10. Lopes LP, Santos CS, Severino G de S, Freitas TR, Caetano I de M, Varotti F de P, et al. Abordagens do tratamento da leucemia mieloide aguda: revisão integrativa / Approaches to treatment of acute myeloid leukemia: integrative review. Brazilian Journal of Development. 2022 Feb 7;8(2):9586–601.

11. De Souza CCEL.  Marcadores biomoleculares no manejo clínico de pacientes com leucemia mieloide aguda. Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – UNICEPLAC Curso de Medicina Trabalho de Conclusão de Curso. Gama- DF. 2021

12. Shinzato A, Silva LP, Oliveira VRS, Alves A, Sekiya EJ. CARACTERIZAÇÃO DAS ALTERAÇÕES CITOGENÉTICAS E CLASSIFICAÇÃO DE RISCO DAS LEUCEMIAS MIELOIDES AGUDAS / CHARACTERIZATION OF CYTOOGENETIC CHANGES AND RISK CLASSIFICATION OF ACUTE MYELOID LEUKEMIA. Brazilian Journal of Development. 2020;6(9):65122–35.

‌13. Pelloso et al, Chauffaille ML, Ghaname FS, Yamamoto M, Bahia DM, Kerbauy J. CARIOTIPO EM LEUCEMIA MIELOIDE AGUDA: IMPORTANCIA E TIPO DE ALTERAÇÃO EM 30 PACIENTES ACIENTES AO DIAGNOSTICO. Trabalho realizado na Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – EPM, São Paulo, SP. Rev Assoc Med Bras 2003; 49(2): 150

14. Licínio MA, Silva MCS da. Importância da detecção das mutações no gene FLT3 e no gene NPM1 na leucemia mieloide aguda – Classificação da Organização Mundial de Saúde 2008. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. 2010;32(6):476–81.

15. Farias CC, Santos PS, Gomes BS. LEUCEMIA MIELÓIDE AGUDA E O TESTES UTILIZADOS PARA CONCLUSÃO DO DIAGNÓSTICO: REVISÃO DE LITERATURA. VIII Congresso Interdisciplinar da Fasete – CONINFA – Faculdade de Ciências Médicas/Universidade de Pernambuco, Recife, Brasil.

16. Tresso M. METODOS DIAGNOSTICOS DA LEUCEMIA MIELOIDE AGUDA. Graduanda do curso de pós-graduação “lato sensu” em hematologia e banco de sangue pela Academia de Ciências e Tecnologia – São José do Rio Preto – SP, 2015.

‌17. Silva FM da, Conceição RR. Avanços e perspectivas no diagnóstico molecular da leucemia mieloide aguda: revisão sistemática. Revista Brasileira de Análises Clínicas. 2022;53(3).

18. Vasconcelos RC. Avaliação dos marcadores celulares por citometria de fluxo em pacientes com leucemia mieloide aguda. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. 2010;32(3):275–6

19. Santos G, Cordeiro N.  A IMUNOFENOTIPAGEM NO DIAGNÓSTICO DA LEUCEMIA. Brasileira de Biomedicina – RBB v.1, n.1, jun/dez/ 2021. 2

20. Haferlach T. Advancing leukemia diagnostics: Role of Next Generation Sequencing (NGS) in acute myeloid leukemia. Hematology Reports. 2020 Sep 21;12(s1).

21. Noronha TR. Arranjos De Polimorfismos De Nucleotídeo Único (Snp Array) E Sequenciamento De Nova Geração (Ngs) Na Avaliação E Detecção De Anormalidades Genético-Moleculares Na Leucemia Mieloide Aguda (Lma. 2017 Oct 4;

22. Leisch M, Jansko B, Zaborsky N, Greil R, Pleyer L. Next Generation Sequencing in AML—On the Way to Becoming a New Standard for Treatment Initiation and/or Modulation? Cancers [Internet]. 2019 Feb 21;11(2). Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6406956/

23. Jorge AL, Pereira ER, Oliveira CS, Ferreira ED, Menon ET, Diniz SN, et al. MicroRNAs: understanding their role in gene expression and cancer. Einstein (Sao Paulo, Brazil), v. 19, p. eRB5996, 2021.


1Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU