DIAGNÓSTICO DE ANAPLASMOSE EM FELINO DOMÉSTICO (Felis catus) – RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10419458


Ruimara Dos Santos Alves Gonçalves
Geisiel Vasconcelos Barros
Orientador: Prof. Dr. Márcio Nogueira Rodrigues


RESUMO

A anaplasmose é uma doença causada pela Anaplasma platys, uma bactéria Gram negativa intracelular obrigatória de plaquetas. A infecção do felino ocorre a partir da picada do carrapato Rhipicephalus sanguineus. Essa doença é responsável por causar um quadro de trombocitopenia cíclica e leva o paciente a um quadro de linfoadenomegalia. O objetivo do trabalho foi relatar o caso de um felino diagnosticado com anaplasmose e a evolução clínica do paciente. Deu entrada em um Hospital Veterinário da cidade de Manaus, felino, macho, 6 meses de idade, após suspeitas de hemoparasitose. Foi realizado hemograma que demonstrou anemia, leucocitose e na pesquisa para hematozoários foram visualizadas inclusões nas plaquetas, sugestivas de Anaplasma spp. O animal fez o tratamento com Doxiciclina por 14 dias (12/12h), que é o fármaco mais indicado, por ser um antibiótico de amplo espectro e não causar nefrotoxicidade, ter baixa hepatoxicidade e efeitos colaterais reduzidos. Após o tratamento, o paciente teve uma recuperação satisfatória, e sem demais indícios da doença. No Brasil, os hemoparasitos de gatos são pouco conhecidos, principalmente devido aos sinais clínicos inespecíficos, o que reforça a importância da avaliação microscópica do esfregaço sanguíneo. O presente relato ainda evidencia que são necessários mais estudos relacionados a A. platys em felinos em Manaus, com o intuito de identificar a prevalência e os fatores de risco deste hemoparasito nesta espécie.

Palavras Chave: Bactérias. Gato. Hematozoário.

ABSTRATIC

Anaplasmosis is a disease caused by Anaplasma platys, an obligate intracellular Gram-negative bacterium of platelets. Feline infection occurs from the bite of the Rhipicephalus sanguineus tick. This disease is responsible for causing cyclic thrombocytopenia and leading the patient to lymphadenopathy. The objective of the work was to report the case of a feline diagnosed with anaplasmosis and the patient’s clinical evolution. He was admitted to the Planalto Veterinary Hospital, Floquinho, male, feline species, 6 months old, after suspicions the animal was diagnosed with anaplasmosis, for this, blood count tests and hematozoan research were carried out, where the blood count showed a degree of anemia ( Appendix 1), increased number of leukocytes, and icteric plasma. And in the results of hematozoa research, inclusions were identified in the platelets, suggestive of Anaplasma spp. The animal underwent treatment with Doxycycline for 14 days (12/12h), which is the most recommended drug, as it is a broad-spectrum antibiotic and does not cause nephrotoxicity, has low hepatoxicity and reduced side effects. After treatment, the patient had a satisfactory recovery, without other signs of the disease.

Keywords : Bacteria. Cat. Hematozoan

1. INTRODUÇÃO

Os Felinos são os animais domésticos que mais se adaptam a rotina do ser humano, este pode ser apontado como um dos motivos que o número de felinos por residência vem aumentando a cada ano (PINTO et al., 2018). Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2020 mediu que 19,3% dos domicílios brasileiros possuem ao menos um felino de estimação. Os gatos são menos predisponentes a apresentar carrapatos quando comparados aos cães e existe uma crença que os gatos apresentem uma resistência ao desenvolvimento de doenças que esses carrapatos podem transmitir (CORREA et al., 2011; FERRAZ et al., 2022). Juntamente a essa menor incidência de doenças transmitidas por esses parasitas, os conhecimentos sobre essas doenças são defasados e inferior aos de outras espécies (PINTO et al., 2018).

Dentre as doenças hemolíticas de origem parasitaria em gatos se destaca a anaplasmose, uma doença causada pela bactéria Anaplasma platys que causa um quadro de trombocitopenia cíclica (PERES, 2019). A doença ocorre a partir da picada do carrapato Rhipicephalus sanguineus, e o período de incubação pode variar de 8 a 15 dias (FERRAZ et al., 2022). O felino acometido por essa doença apresenta sinais clínicos inespecíficos ou até mesmo não apresenta sinais clínicos (id.ibid). O diagnostico dessa doença pode ser feito através do esfregaço sanguíneo, testes sorológicos e PCR (PERES, 2019). O tratamento dessa enfermidade é feito com antibiótico de amplo espectro, em muitos casos são escolhidos a Doxiciclina, por não causar nefrotoxicidade nos animais em tratamento (TASKER, 2010).

Com base no que foi descrito anteriormente, o objetivo do trabalho foi descrever a evolução clínica de um paciente felino diagnosticado com anaplasmose e relatar como ocorreu o tratamento do paciente.

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Etiologia

A infecção do felino ocorre a partir da picada do carrapato Rhipicephalus sanguineus, o período de incubação pode variar de 8 a 15 dias, a doença apresenta sinais clínicos inespecíficos e durante a fase aguda, podendo ser observado uma grande quantidade de plaquetas sanguíneas infectadas (FERRAZ et al., 2022). Hoskins (1991) descreve que a Anaplasma. platys só se multiplica nas plaquetas dos felinos. A anaplasmose pode causar danos imperceptíveis até casos graves que podem levar à morte do paciente (CORREA et al., 2011).

Em casos de co-infeção com outros hemoparasitos transmitidos pelo mesmo agente e alguns fatores intrínsecos aos hospedeiros, como idade, condição física, estado imunológico e estresse, podem contribuir para uma forma mais grave da doença (ANTOGNON et al., 2014).

2.2 Anaplasmose

A anaplasmose ou trombocitopenia cíclica como também é conhecida, é uma doença causada pela Anaplasma platys, uma bactéria Gram negativa intracelular obrigatória de plaquetas (PERES, 2019). A primeira descrição dessa doença foi no ano de 1978, onde um cão foi acometido pela doença (HARVEY; SIMPSON; GASKIN, 1978).

Essa doença é responsável por causar um quadro de trombocitopenia cíclica e leva o paciente a um quadro de linfoadenomegalia após o período de incubação da doença (DAWSON et al., 1991). Aguiar (2015) estima que a prevalência de infeção por A. platys no Brasil varie de 10 a 18% e os animais infectados geralmente apresentam sinais clínicos brandos ou são assintomáticos.

O A. platys não é considerado um grave agente patogênico e/ou um grande causador de doenças. Na maioria dos casos as alterações nas plaquetas geralmente são achados acidentais no esfregaço sanguíneos. Os felinos são menos predisponentes a infecções por carrapatos e parasitos que os cães (PERES, 2019).

2.3. Sinais clínicos

Grande parte dos animais acometidos com anaplasmose não apresentam sintomatologia clínica, entretanto quando há sinais clínicos os mesmos são inespecíficos como: anorexia, febre, mucosas pálidas, letargia e aumento dos linfonodos. Raros são os casos de sangramento, mas quando há é a hematoquezia o mais frequente (FERRAZ et al., 2022).

2.4. Diagnóstico  

O diagnóstico da anaplasmose pode ser feito sugestivamente a partir do esfregaço sanguíneo em lâmina de vidro, onde será colocado a amostra sanguínea e feita a coloração da lâmina com Giemsa, Wright ou Panótico rápido (GUIMARÃES, 2013). Esse método permite a visualização da mórula da bactéria de forma rápida e prática, entretanto, nem sempre é possível a visualização da bactéria, o que faz desse método não definitivo para fechar o diagnóstico (INOKUMA et al., 2001).

Existem muitos testes sorológicos disponíveis no mercado para o diagnóstico/detecção dos microrganismos da família Anaplasmataceae como: Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI), Ensaio Imunoenzimático (ELISA), Dot-blot ELISA, Western blot, o teste de fixação de complemento e hemaglutinação indireta (PINTO, 2018). Dentre os testes citados anteriormente o RIFI (Reação de imunofluorescência indireta) é o mais utilizado, pois vai realizar a identificação dos anticorpos séricos (TRAPP et al., 2006; LUCERO CARRERA, 2021).

O PCR que é feito a partir da reação em cadeia pela polimerase, também é uma forma de diagnóstico empregado, e é considerada a de maior sensibilidade para essa doença (LUCERO CARRERA, 2021). Pois auxilia na detecção das cepas e variantes da bactéria e ainda permite um diagnóstico precoce da doença (PERES, 2019).

2.5. Tratamento

Para o tratamento da anaplasmose, os fármacos escolhidos são a classe das tetraciclinas, sendo a doxiciclina, um antibiótico de amplo espectro, empregado com maior frequência, por não causar nefrotoxicidade, apresentar efeitos colaterais reduzidos e baixa hepatotoxicidade em gatos (TASKER, 2010). Ademais a isso, tal fármaco é um bacteriostático lipossolúvel, de rápida absorção, atingindo concentrações séricas e intracelulares satisfatórias (FERRAZ et al., 2022).

O tratamento também pode ser realizado usando a atropina em associação com o dipropionato de imidocarb, pois ambos possuem um amplo espectro para cepas bacterianas, mas geralmente sendo utilizados quando ocorre casos de infecções simultâneas por Babesiose felina (OLIVEIRA, 2023). Também podem ser utilizados fármacos da família fluorquinolonas para o tratamento desta patologia (HARVEY, 2015).

2.6. Prognóstico

Nos casos em que há uma co-infecção associada ao caso de anaplasmose o diagnóstico desse paciente se torna desfavorável (OLIVEIRA, 2023)

3. RELATO DE CASO

Em junho de 2023 foi atendido um macho, espécie felina, 6 meses de idade, que deu entrada em um Hospital Veterinário de Manaus. A tutora relatou que o animal estava apresentando algumas lesões na pele e orelha. O paciente passou por consulta devido a estes sinais, foi medicado e liberado para o tratamento dermatológico em casa.

Poucos dias depois, o animal deu entrada novamente no Hospital Veterinário, onde durante o processo de anamnese a tutora relatou que o animal estava apático, com falta de apetite, e que mesmo com a alimentação forçada o animal não quis se alimentar estando em anorexia. Durante o exame físico foi observado que o paciente apresentava mucosas ictéricas, grau moderado de desidratação e estava com o abdômen levemente abaulado. Na Auscultação cardiopulmonar não foi notado nada digno de nota. Temperatura retal normal e tempo de preenchimento capital de 4segundos. Foram solicitados exames complementares, mas pela condição financeira da tutora foi autorizada apenas a realização de um hemograma com pesquisa de hematozoários. No hemograma foram observadas uma anemia (Anexo 1), leucocitose, e o plasma estava ictérico. Na análise da pesquisa de hematozoário foram identificadas inclusões nas plaquetas, sugestivas de Anaplasma spp (Anexo 2).

A partir desse diagnóstico o animal ficou internado no Hospital Veterinário por um período de 7 dias para receber o tratamento adequado, que consistiu em: Doxitrat 80mg (1/4 comprimido, BID, 14 dias), Omeprazol 0,5 ml (IV, SID, 5 dias), Hidróxido de alumínio 1ml (QID, 5 dias), Salute 7ml (a cada 2h, 5 dias), Tramal 0,14 mg (BID, 3 dias), Ornitil 3 ml (IV, SID, 5 dias), Hep Vita 1 g (SID, 5 dias), Hemocare (2 gotas, BID, 5 dias). Após os 7 dias de internação o animal demostrou expressiva melhora do seu quadro e, após voltar a se alimentar sozinho, o animal recebeu alta para continuar o tratamento em casa.

O animal voltou para o retorno 13 dias depois da alta médica, o mesmo apresentava ganho de peso e mucosas normocoradas. Foram realizados exames de hemograma e pesquisa de hematozoário como forma de controle. No novo hemograma foi possível notar evolução clínica no tratamento instituído com uma melhora significativa nos valores de eritrócitos e leucócitos, e na pesquisa de hematozoário não foi mais identificado mórulas do anaplasma spp. (Anexo 3). No retorno foi realizado aplicação de 0,01ml de atropina 0,5% (SC) e após 15 minutos foi aplicado 0,14ml de imidocarb (SC), o animal foi encaminhado para a internação de felinos e ficou em observação pelo período da manhã após aplicação das medicações, o mesmo foi liberado para casa no período da tarde.

4. DISCUSSÃO

Dentre os resultados observados no presente relato, anemia é uma das alterações pouco observadas em diversos relatos de anaplasmose, assim como é descrito no trabalho de Correa et al., (2011) e Lima et al., (2017) onde os animais não apresentaram quadros de alterações nos eritrócitos e anemia. Em casos em que os animais apresentam um quadro de anemia, são quando ocorrem casos de sangramento, comprometimento do sistema imune ou em casos de infecção avançada. E o esfregaço sanguíneo se torna um grande aliado para a identificação e o diagnóstico de Anaplasma platys, assim como no relato de caso, onde o esfregaço foi a chave principal para o diagnostico final da patologia, o que vai de acordo com Berndt et al. (2019) que afirma que a pesquisa direta por hemoparasitas pode ser considerado um método direto de diagnóstico.

O tratamento preconizado e de eleição para o tratamento da anaplasmose, geralmente é a doxiciclina por 14 dias, por ser um antibiótico de amplo espectro e não causar nefrotoxicidade, baixa hepatoxicidade e efeitos colaterais reduzidos (TASKER, 2010), essas informações vão de acordo com o estudo de Ferraz et al. (2022), também sendo o método de tratamento utilizado no presente relato de caso, onde o animal fez o tratamento com 80mg de doxiciclina (2x ao dia) pelo período de 14 dias, também fazendo um tratamento complementar para as deficiências de vitaminas e dor.

A anaplasmose felina, se torna uma doença grave quando associada a outras coinfeccção (Gonçalves et al., 2021), e no presente trabalho o animal também apresentava lesões no ouvido e pele, podendo ser o motivo do animal chegar em um quadro debilitado no hospital veterinário. Mas após o devido tratamento recebido, o animal apresentou uma recuperação satisfatória, seguido de alta médica.

5. CONCLUSÃO

Este relato de caso foi uma amostra da importância da boa análise do estado geral e físico do animal, bem como da realização de exames laboratoriais para chegar ao diagnóstico de anaplasmose, seguido do melhor tratamento para que o animal se recupere totalmente. Atualmente o animal está em ótimo estado de saúde. Este relato ainda serve para que futuros estudos possam ser realizados com intuito de verificar a incidência da doença em região de Manaus Amazonas, já que, poucos estudos descrevem a ocorrência da doença em gatos domésticos.

6. REFERÊNCIAS

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9. ANEXOS

Anexo 1: Resultado de hemograma do animal, comprovando um quadro de anemia e plasma ictérico.

Anexo 2: Inclusões de Anaplasma spp

Anexo 3: Resultado de hemograma do animal após o final do tratamento, mostrando melhora significativa no quadro de anemia, e total de leucócitos.


Artigo apresentado como trabalho de conclusão de curso de graduação em medicina veterinária do CEUNI – FAMETRO como requisito para obtenção do título de veterinário