DIABETES E PANDEMIA: NÚMEROS GOIANOS E O PAPEL DA ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE

DIABETES AND THE PANDEMIC: NUMBERS OF GOIÁS AND THE ROLE OF PRIMMARY HEALTHCARE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8189424


¹Lídia Tocchio Melo Monteiro
²Thaynara Ludvig


RESUMO

A diabetes mellitus (DM) é uma doença crônica de elevada prevalência em todo o mundo, com potencial de complicações graves e redução da qualidade de vida. Seus números atuais, e as projeções em relação aos números futuros, indicam que vivemos verdadeira pandemia de DM, principalmente a classicamente denominada diabetes tipo 2 (DM2) – a qual responde por 90% dos casos. A essa pandemia já antiga, somou-se, recentemente, a pandemia do novo-Coronavírus, a qual impactou não somente com o adoecimento direto pelo vírus – com importante morbimortalidade por si só, mas também pela medidas restritivas impostas durante a pandemia, com repercussões em várias doenças crônicas, dentre as quais a própria DM2. Com isso em mente, o objetivo do presente trabalho é verificar o impacto da pandemia do SARS-COV-2 no número de internações e na taxa de mortalidade por DM2, no estado de Goiás, ressaltando a importância da APS e estabelecendo um comparativo com a literatura mundial a respeito do assunto. Para tanto, foi realizado um trabalho observacional e retrospectivo com base nos dados disponíveis na plataforma DATASUS, bem como através de buscas na literatura científica mais atual. Percebeu-se uma redução no número de internações durante a pandemia, mas um aumento na mortalidade no referido estado, o que segue o padrão percebido nacional e internacionalmente. Tal fato pode ter relação com a pandemia e as medidas acima referidas e devem ser considerados em contextos semelhantes. A Atenção Primária em Saúde (APS), como porta de entrada para o SUS – Sistema Único de Saúde, teve principalmente, durante a pandemia, o papel de reestruturar as suas modalidades de atendimento, de forma a manter o seguimento dos pacientes com doenças crônicas da melhor maneira possível, o que foi conseguido principalmente através das tecnologias da telessaúde. Mais estudos, no entanto, são necessários para estabelecer mais claramente as associações e relações aqui indicadas.

Palavras-chave: Diabetes. COVID-19. Atenção Primária.

ABSTRACT

Diabetes mellitus (DM) is a chronic disease with high prevalence worldwide, with the potential for serious complications and reduced quality of life. Its current numbers, and projections in relation to future numbers, indicate that we are experiencing a true DM pandemic, mainly the classically named type 2 diabetes (DM2) – which accounts for 90% of cases. To this already old pandemic, the new-Coronavirus pandemic was recently added, which impacted not only with the direct illness caused by the virus – with significant morbidity and mortality in itself, but also due to the restrictive measures imposed during the pandemic, with repercussions in several chronic diseases, among which DM2 itself. With that in mind, the objective of the present work is to verify the impact of the SARS-COV-2 pandemic on the number of hospitalizations and on the DM2 mortality rate in the state of Goiás, emphasizing the importance of PHC and establishing a comparison with the world literature on the subject. For that, an observational and retrospective study was carried out based on the data available on the DATASUS platform, as well as through searches in the most current scientific literature. There was a reduction in the number of hospitalizations during the pandemic, but an increase in mortality in that state, which follows the pattern perceived nationally and internationally. This fact may be related to the pandemic and the measures mentioned above and should be considered in similar contexts. Primary Health Care (PHC), as a gateway to the SUS – Unified Health System, had mainly, during the pandemic, the role of restructuring its care modalities, in order to maintain the follow-up of patients with chronic diseases in the best possible way, which was achieved mainly through telehealth technologies. More studies, however, are needed to establish more clearly the associations and relationships indicated here.

Keywords: Diabetes. COVID-19. Primmary Healthcare.

INTRODUÇÃO

A diabetes é uma doença metabólica crônica caracterizada pela deficiência na produção da insulina – um hormônio responsável, dentre outros, pela absorção celular de glicose, ou pela resistência das células à sua ação, com hiperglicemia persistente. Classicamente, é dividida em tipo 1 (DM1), a qual acomete indivíduos mais jovens, geralmente por autoimunidade contra células pancreáticas, o que leva à deficiência progressiva do hormônio em questão, ou do tipo 2 (DM2), quando acomete pessoas mais velhas e se caracteriza principalmente pela resistência à ação da insulina, cuja produção excessiva compensatória exaure a capacidade pancreática, mais especificamente de suas células beta (SAPRA; BANDHARI, 2022). De forma geral, o perfil metabólico dos pacientes com DM1 e DM2 também é distinto, bem como seus fatores de risco. Estima-se que 90% dos casos de diabetes em todo o mundo sejam DM2 (GALICIA-GARCIA et al., 2020). De todo modo, tanto a deficiência ou completa ausência de insulina quanto a resistência à sua ação levam à hiperglicemia, a qual, por sua vez, é deletéria ao funcionamento normal do organismo.  No presente trabalho, o assunto é a diabetes tipo 2, uma das doenças mais prevalentes na atenção primária em saúde (FINLEY et al., 2018).

Apesar dos muitos avanços no conhecimento da DM2, sua fisiopatologia ainda não é totalmente compreendida. Por vários mecanismos, o corpo se torna cada vez menos capaz de responder à insulina, a qual se eleva através de mecanismos compensatórios. Com o tempo, a secreção de insulina estabiliza e começa a decrescer – indicando a falência das células beta pancreáticas, gerando hiperglicemia. A elevação dos níveis séricos da glicose associada à resistência celular ao seu aproveitamento ocasiona danos em vários sistemas corporais, com destaque para os sistemas micro e macrovascular, bem como o sistema nervoso (CHOCKALINGAM et al., 2023). Do ponto de vista microvascular, a glicemia elevada pode ocasionar principalmente retinopatia e nefropatia diabéticas. Do ponto de vista macrovascular, há um aumento de 2 a 4 vezes nas chances de doenças cardiovasculares, em comparação com a população não diabética (GOYAL et al., 2016). Na parte neurológica, não é incomum o aparecimento da neuropatia diabética, com perda de sensibilidade de extremidades, alodínia e outras manifestações.

Os principais fatores de risco para o desenvolvimento da DM2 são: sobrepeso e obesidade, histórico familiar de diabetes, história pessoal de doença cardiovascular ou hipertensão, dislipidemia e sedentarismo (KOLB; MARTIN, 2017).  Do ponto de vista semiológico, o período prodrômico da DM2 costuma ser silencioso, com muitos pacientes apresentando-se assintomáticos, mesmo com hiperglicemia importante. Quando há sintomas, pode haver polidipsia, polifagia, poliúria, polaciúria, astenia e fadiga. Podem, também, aparecer sintomas genitourinários, com maior propensão, entre os diabéticos, a infecções do trato urinário, principalmente no sexo feminino (SAEEDI et al., 2019).

Os números atuais da DM2 indicam que vivemos uma verdadeira epidemia. Segundo a Federação Internacional de Diabetes (IDF), em todo o mundo cerca de 415 milhões de adultos, com idade entre 20 e 79 anos, apresentavam DM2 em 2015. No mesmo sentido, projeções estatísticas indicam que, no ano de 2040, mais 200 milhões de indivíduos serão acometidos pela DM (ZHENG; LEY; HU., 2018).  Outra estimativa indica, mais recente, indica que meio bilhão de pessoas em todo o mundo são portadoras da DM2, com aumento de 25% em 2030 e de 51% em 2045 (SAEEDI et al., 2019).

Recentemente, um outro elemento complicador veio adicionar-se ao manejo da diabetes. Trata-se da pandemia do novo-Coronavírus, iniciada no ano de 2020, a qual vitimou milhões de indivíduos em todo o mundo. Além dos problemas relacionados ao adoecimento pelo vírus – com potencial de comprometimento grave do sistema respiratório e maior taxa de mortalidade entre doentes crônicos – inclusive diabéticos (DERAVI et al., 2020), a pandemia também impactou em vários aspectos da vida do homem moderno, com alterações importantes – temporárias ou permanentes, nas relações sociais, na organização dos sistemas de saúde, nas relações de trabalho e muitas outras (CAETANO et al., 2020). Medidas nunca vistas no presente século foram tomadas como forma de coibir a disseminação do vírus, tais como restrição de circulação de pessoas, isolamento social e lockdown, interrupção das atividades laborais e de atividades de lazer. O impacto dessas alterações não foi o mesmo nos diferentes grupos sociais, com prejuízo ainda maior para indivíduos de menor poder aquisitivo, socialmente marginalizados, idosos e portadores de doenças crônicas (WACHTLER et al., 2020; IRIZAR et al., 2023), dentre os quais indivíduos com DM2 (HU et al., 2023)

Com isso em mente, o objetivo do presente trabalho é verificar, através dos dados disponíveis no DATASUS, o impacto da pandemia do SARS-COV-2 no número de internações e na taxa de mortalidade por DM2, no estado de Goiás, ressaltando a importância da APS e estabelecendo um comparativo com a literatura mundial a respeito do assunto.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo observacional e retrospectivo, com dados obtidos. na plataforma TABNET-DATASUS, na aba de morbidade hospitalar por local de internação, com filtro para internações, óbitos e taxa de mortalidade segundo a região, bem como com seleção para “diabetes mellitus” na lista de morbidades da CID-10. Os anos representativos do período anterior à pandemia foram 2018 e 2019. Já os representativos da pandemia, 2020 e 2021.

Foram, também, realizadas buscas nos bancos de artigos cientificamente validados, como SCIELO e PUBMED, utilizando-se as palavras-chave “Diabetes”, “pandemia” e “COVID-19”, bem como suas variantes em língua inglesa, de modo a construir um comparativo dos dados goianos com o indicado na literatura mundial.

RESULTADOS

Nos anos anteriores à pandemia, 2018 e 2019, houve 6.519 internações por diabetes no estado de Goiás, com 227 óbitos no total, uma taxa de mortalidade de 3,48%. No período da pandemia, 2020 e 2021, foram 6.480 casos, com 282 óbitos e taxa de mortalidade de 4,35%. Ou seja, houve uma redução no número de internações, mas um aumento na taxa de mortalidade em indivíduos portadores de DM2 (tabela 1 e tabela 2).

Tabela 1. Quantidade de internações, óbitos e taxa de mortalidade por Diabetes Mellitus no Estado de Goiás, antes e durante a pandemia do novo-Coronavírus, separadas por ano.

AnoInternaçõesÓbitosTaxa de Mortalidade
20183.1761003,15%
20193.3431723,80%
20203.2751484,52%
20213.2051344,18%

Tabela 2. Quantidade de internações, óbitos e taxa de mortalidade por Diabetes Mellitus em indivíduos maiores de 50 anos no Estado de Goiás, antes e durante a pandemia do novo-Coronavírus.

Antes da pandemia – 2018 a 2019Durante a pandemia – 2020 a 2021
InternaçõesÓbitosTaxa de MortalidadeInternaçõesÓbitosTaxa de Mortalidade
6.5192273,48%6.4802824,35%

Nos diferentes grupos populacionais, observandos conforme o sexo, a idade e a raça, também houve diferenças entre os referidos períodos. Nos indivíduos do sexo feminino, houve 3.296 casos no período anterior à pandemia, com taxa de mortalidade de 3,22%. Já no período da pandemia, a maior parte dos casos de internação se deu em indivíduos do sexo masculino (3.406 contra 3.074). A taxa de mortalidade masculina manteve-se maior em ambos os períodos (3,75% antes da pandemia e 4,37% durante sua vigência).

Considerando os números, observa-se que, no Brasil, antes da pandemia, houve 269.901 internações por DM, com 11.445 óbitos e taxa de mortalidade geral de 4,24%. Já no período da pandemia, houve 252.734 internações, 11.908 óbitos e taxa de mortalidade de 4,71%.  Ou seja, os números goianos seguem o padrão nacional de diminuição do número de internações, mas aumento na taxa de mortalidade (tabela 3).

Tabela 3. Quantidade de internações, óbitos e taxa de mortalidade por Diabetes Mellitus no Brasil, antes e durante a pandemia do novo-Coronavírus.

Antes da pandemia – 2018 a 2019Durante a pandemia – 2020 a 2021  
InternaçõesÓbitosTaxa de MortalidadeInternaçõesÓbitosTaxa de Mortalidade
269.90111.4454,24%252.73411.9084,71%

DISCUSSÃO

As alterações glicêmicas, e seus sintomas, são uma uma das principais causas de procura por atendimento na APS (BIGIO et al., 2022; GALICIA-GARCIA et al., 2020).  Como visto nos dados acima, durante a pandemia, houve aumento da mortalidade dos indivíduos com diabetes no estado de Goiás, embora o número de internações não tenha variado significativamente.

A pandemia do novo-Coronavírus afetou, de modo temporário e até permanentemente, vários aspectos da vida do homem moderno (CORRAO et al., 2021; EBERLE; STICHLING, 2021; HU et al., 2021). Durante sua vigência, além da elevada morbimortalidade associada ao próprio vírus, viu-se também uma elevação da prevalência das chamadas DCNTs – doenças crônicas não transmissíveis (HACKER et al., 2021). Tal fenômeno pode ser chamado de “sindemia”, isto é, o efeito combinado de duas ou mais doenças é maior do que cada uma isoladamente (HORTON, 2020). Teoriza-se que tal aumento, dentre outros fatores, tenha se dado também em razão das várias medidas tomadas para conter o espalhamento do vírus e diminuir a lotação dos leitos hospitalares, com impacto tanto na dinâmica intra-hospitalar quanto no manejo dos pacientes portadores de DM2 na atenção primária em saúde (KHALIL-KHAN; KHAN, 2023). Além disso, também há evidências de que os pacientes portadores de DCNT, dentre as quais a DM2, tenham maior risco de complicações e mortalidade diante infecção pelo SARS-COV-2 (GUEDES et al., 2021). Em metanálise do ano de 2020, evidenciou-se que a COVID-19 severa tem associação significativa com a elevação dos níveis séricos de glicose (MP 2,21; 95% IC, 1,30-3,13, p< 0,001) (CHEN et al., 2020).

Dentre essas medidas, a restrição da circulação de pessoas, o distanciamento social, os lockdowns e várias outras medidas semelhantes impactaram principalmente indivíduos necessitados da atenção básica (PEYROTEO et al., 2021). Durante os períodos mais agudos da pandemia, nos quais essas medidas foram implementadas, houve necessidade de reorganização de vários sistemas da atenção básica  (OLIVEIRA et al., 2021), inclusive com remanejamento de pacientes adscritos a uma unidade para outras, em razão da necessidade de priorizar atendimentos de indivíduos com suspeita de infecção pelo novo-Coronavírus (HARZHEIM et al., 2020). Do mesmo modo, há vários relatos de que os pacientes portadores de DM2, dentre outras doenças crônicas, deixaram de atender às consultas, por temor de se infectarem no trajeto entre suas casas e a unidade de saúde. Num estudo ecológico retrospectivo, encontrou-se evidências de redução significativa no número de consultas, no Brasil, por pacientes com DM2 durante os períodos mais agudos da pandemia (CHISINI et al., 2021). Houve uma tendência, nesse grupo populacional, de procurar atendimento apenas quando a sintomatologia e os sinais de descompensação já haviam se tornado mais graves (PRADO et al., 2020). Isso pode ter atrasado consultas e postergado a implementação de medidas terapêuticas para esses pacientes, com perda importante da continuidade e longitudinalidade do atendimento (DAUMAS et al., 2020).

Além da reconfiguração temporária dos atendimentos em atenção primária, houve também, na vigência do distanciamento social, indícios de alteração em vários aspectos do autocuidado dos pacientes com DM2, com aumento do risco de complicações metabólicas e vasculares (BONANSEA et al., 2021). Houve, segundo Green, Fernandez e Macphail (2021), redução na prática de atividades físicas durante a pandemia. Sabe-se que grande parte do controle da glicemia e redução das complicações em pacientes diabéticos passa necessariamente pelo controle do peso corporal e pela prática de atividades físicas. A OMS – Organização Mundial da Saúde, recomenda, para esses pacientes, pelo menos 30 minutos diários de atividade física de alto gasto energético. Em revisão sistemática e metanálise, percebeu-se que atividade física pode melhorar os níveis séricos de glicose em pacientes com DM2, reduzindo sua variabilidade (ZHU et al., 2021).

Houve, da mesma forma, piora no cuidado nutricional em geral por esses pacientes. No perfil alimentar, durante a pandemia, houve aumento no consumo de carboidratos, gorduras e alimentos industrializados (LASHKARBOLOUK et al., 2022), os quais, no contexto nutricional, são os principais responsáveis pela manutenção de níveis glicêmicos superiores às metas estabelecidas (DELPINO et al., 2022). Em revisão sistemática ficou evidenciado que vários pacientes relaxaram no cuidado nutricional, com abuso de alimentos de pouco valor nutricional e alto valor calórico (MAHAMAT-SALEH et al., 2021). No mesmo sentido, outra revisão sistemátic indica aumento de 0,93kg em adultos, durante a pandemia (IC 95%, 0,54, 1,33) e aumento de 0,38 kg/m² no IMC (índice de massa corporal), recomendando atenção especial aos grupos de risco em contexto de pandemias (ANDERSON et al., 2023). Ainda, em outras revisões, houve significância no aumento da glicemia em pacientes com DM2 durante os períodos de lockdown (EBERLE; STICHLING, 2021; O’MAHONEY et al., 2022; WAFA et al., 2022). Tais alterações são consistentes também em indivíduos não-diabéticos, inclusive entre crianças e adolescentes (KARATZI et al., 2021).

O impacto da pandemia, no entanto, não foi apenas no aspecto somático: houve, também, aumento dos índices de vários transtornos de natureza psíquica, tal como  transtornos psiquiátricos comuns (TMC), tais como depressão e ansiedade (GARCIA-LARA et al., 2022-B), o que pode afetar indiretamente o controle da DM2. Além disso, há também evidências no sentido do aumento de consumo de tabaco e álcool. O somatório dessas alterações, de certo modo, podem ter gerado um ambiente ainda menos propício ao controle dos níveis glicêmicos (GARCIA-LARA et al., 2022-A), com repercussões na incidência de várias doenças cardiometabólicas (SEIDU et al., 2021).  Quanto às diferenças de morbimortalidade entre os sexos, encontrada também nos dados acima sobre o estado de Goiás, a literatura mais atual indica que o número de mortes por complicações da DM2 é consistentemente mais elevado entre os homens (CORRAO et al., 2021).

Nesse sentido, o papel da APS no manejo da DM2, embora inicialmente tenha sido reduzido em face da emergência de uma questão de saúde pública global e em razão das alterações circunstanciais de sua organização, foi posterioremente ressaltado pela necessidade de construir e implementar medidas para diminuir o impacto dessas questões na saúde de seus usuários (SILVA; CORRÊA; UEHARA, 2022). Outro papel importante da APS durante a pandemia, no contexto do manejo dos pacientes com doenças crônicas – especificamente a DM2, foi no sentido da estruturação de medidas alternativas para o seguimento desses pacientes, com necessidade de enfrentar problemas já antigos nessa organização (GOIS-SANTOS et al., 2020). Um fator que pode ter contribuído para minorar o impacto desses períodos de restrição foi o rápido desenvolvimento da questão da telessaúde no Brasil (SCHEFFER et al., 2022), com franca expansão dos recursos digitais para essa finalidade durante a pandemia (CAETANO et al., 2020), embora tal questão ainda esbarre na dificuldade de acesso às redes e à tecnologia, principalmente entre idosos e indivíduos com menor poder aquisitivo (FARZANDIPOUR; NABOVATI; SHARIF, 2023; GONÇALVES et al., 2023). Segundo Zhang et al (2023), as consultas on-line síncronas demonstraram-se efetivas como alternativa ao modelo de consultas presenciais em pacientes com DM2. Na mesma linha, o estudo de Gonçalves et al (2023) – o qual se baseou numa série de questionários sobre o uso de sistemas de telemedicina, indica que houve, na média geral, satisfação entre profissionais de saúde e pacientes que fizeram uso da telessaúde, durante a pandemia, com destaque para a impossibilidade de se realizar um exame físico adequado. Por fim, o estudo de Zhu et al (2022), indica igualmente a eficiência do telemonitoramento nesse conxtexto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a pandemia, no estado de Goiás, houve uma redução no número de internações, mas um aumento na taxa de mortalidade entre os pacientes com Diabetes Mellitus. Os números estaduais são compatíveis com os números nacionais, bem como com o encontrado na literatura internacional. Tais alterações, e seu impacto potencial, ainda estão, entretanto, em estudo, mas há fortes evidências de que as medidas para contenção do espalhamento do vírus e a situação da pandemia em si, no seu intertexto com o cotidiano dos indivíduos, tenham alterado importantes determinantes de saúde e contribuído para a piora do controle de várias doenças crônicas, dentre as quais DM2 (CORRAO et al., 2021; EBERLE; STICHLING, 2021; HU et al., 2021).

A atenção primária em saúde no Brasil, como porta de entrada dos pacientes para o sistema único de saúde (SUS), teve papel fundamental na estruturação de medidas alternativas ao atendimento presencial desses pacientes (GIOVANELLA et al., 2021), sobretudo durante os períodos mais agudos da pandemia, com destaque para as medidas relacionadas às tecnologias da telessaúde e do telemonitoramento (DIAS et al., 2021).

 Mais estudos, no entanto, são necessários para avaliar tanto o impacto da pandemia sobre os números da DM2, quanto as melhores práticas para o manejo desses pacientes na vigência de uma emergência de saúde pública como a da COVID-19.

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¹Médica – Residente de Medicina de Família e Comunidade
Universidade Evangélica de Goiás
Endereço completo: Av. Universitária Km. 3,5 –
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²Médica de Família e Comunidade
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