DESTINAÇÃO DE RESÍDUOS DE ABATEDOUROS PÚBLICOS NORDESTINOS: UMA ANÁLISE NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA DE 2015 A 2020

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7698297


Pablo Phorlan Pereira de Araújo1
Michael Douglas Sousa Leite2
Patricia Gonçalves Pinheiro3
Wilma Kátia Trigueiro Bezerra4
Patricia Peixoto Custodio5
Amanda Rezende Moreira6


RESUMO

Os resíduos dos abatedouros são classificados como altamente prejudiciais ao meio ambiente e à saúde da população, tendo em vista sua alta carga orgânica contendo sangue, gorduras e etc. Neste sentido, este trabalho teve como objetivo estudar a destinação dos resíduos do abate de bovinos nos abatedouros públicos do nordeste brasileiro, de forma a revelar sua destinação e os impactos ambientais gerados. A metodologia do estudo se deu pelo levantamento bibliométrico, pesquisando as publicações de 2015 a 2020 na base de dados do Google Acadêmico. Os resultados da pesquisa apontaram que mais de 50% dos abatedouros evidenciados nos trabalhos, não cumprem os padrões sustentáveis de produção, levando à uma destinação de resíduos inadequada, que oferece riscos ao solo, às águas superficiais e subterrâneas, à fauna, flora e à saúde da população. Como proposição à solução de tais problemáticas, apontou-se os consórcios públicos para a construção de abatedouros regionais e a reciclagem como medida emergencial para mitigar os impactos ambientais.

Palavras-chave: Resíduos. Bovinos. Abate. Meio ambiente. 

ABSTRACT

Slaughterhouse waste is classified as highly harmful to the environment and the health of the population, in view of its high organic load containing blood, fats etc. In this sense, this work aimed to study the destination of cattle slaughter residues in public slaughterhouses in northeastern Brazil, in order to reveal their destination and the environmental impacts generated. The study methodology was based on a bibliometric survey, searching publications from 2015 to 2020 in the Google Scholar database. The results of the research showed that more than 50% of the slaughterhouses evidenced in the works, do not comply with sustainable production standards, leading to an inadequate waste destination, which offers risks to the soil, surface and underground waters, fauna, flora and the environment. population health. As a proposition for the solution of such problems, public consortia were pointed out for the construction of regional slaughterhouses and recycling as an emergency measure to mitigate environmental impacts.Keywords: Waste. Cattle. Slaughter. Environment.

Keywords: Waste. Cattle. Slaughter. Environment.

1 INTRODUÇÃO

O consumo humano e a consequente geração de resíduos se colocam no centro das discussões sobre o desenvolvimento sustentável. O que se vê hoje são organizações na mais intensa corrida para atender às necessidades da população, que cresce vertiginosamente e potencializa os efeitos negativos do consumo.

Nessa perspectiva, os abatedouros públicos apresentam-se como uma atividade econômica geradora de resíduos de grande potencial poluidor e/ou contaminante. Salienta-se que muitos dos estabelecimentos nesta categoria continuam usando padrões insustentáveis de produção e consumo. Esses estabelecimentos, de forma geral, podem causar uma série de danos ambientais quando não atendem às normas postas na legislação ambiental (ARAÚJO; COSTA, 2014).

 No Brasil, apesar de todo o aparato normativo, é comum identificar abatedouros em condições precárias de funcionamento, trazendo fatores de risco ao meio ambiente, à saúde da população e à economia regional.

Diante do exposto, a problemática da poluição desperta na sociedade um interesse maior em relação ao meio ambiente. Neste sentido, as organizações têm procurado amenizar os impactos ambientais negativos advindos de suas atividades, seja na obtenção de insumos menos nocivos ao meio ambiente, seja no uso de tecnologias menos poluidoras e/ou no tratamento dos seus resíduos (ARAÚJO; COSTA, 2014).

Um município, por exemplo, precisa desempenhar diversas atividades no que diz respeito à gestão de resíduos. Aqui entram em questão algumas responsabilidades como o saneamento básico, incluindo a coleta de resíduos e seu correto tratamento e disposição.

Em face da realidade encontrada em abatedouros públicos, especialmente naqueles que dependem da gestão pública, este trabalho tem o intuito de responder a seguinte questão: Qual a destinação dos resíduos do abate de bovinos nos abatedouros públicos nordestinos?

Para responder a esta pergunta de pesquisa, o estudo teve como objetivo central, estudar a destinação dos resíduos do abate de bovinos nos abatedouros públicos do nordeste brasileiro a partir das publicações científicas encontradas. Na primeira etapa de pesquisa, teve-se como objetivo específico identificar a produção científica em relação a destinação de resíduos de abatedouros públicos nordestinos no período de 2015 a 2020. Quanto aos demais objetivos específicos, na segunda etapa foi realizada uma análise dessa produção científica para revelar a destinação de resíduos e, por fim, na última etapa, apontou-se os impactos ambientais gerados pela sua destinação. 

Destaca-se que este trabalho é relevante por poder identificar os impactos ambientais positivos e/ou negativos gerados pela destinação dos resíduos do abate de bovinos em abatedouros públicos. Além disso, poderá ser útil na proposição de alternativas para uma gestão sustentável dos abatedouros públicos no que se refere à destinação dos resíduos.

Ao mesmo tempo, o estudo é igualmente importante por mostrar a produção científica dos últimos seis anos acerca desta temática, o que de certa forma reflete uma preocupação dos pesquisadores quanto a essas questões no âmbito do nordeste. Representa, ainda, um estudo inovador, tendo vista que não se encontrou pesquisas que abordassem levantamentos sistemáticos acerca deste tema.

2 PRODUÇÃO DA CARNE BOVINA E GERAÇÃO DE RESÍDUOS

A criação de bovinos no Brasil existe desde os tempos da colonização portuguesa, sendo hoje considerada uma das principais atividades econômicas do país com crescimento a cada ano.

Para se ter uma ideia acerca da atual situação da pecuária Brasileira, com ênfase na produção de carne bovina, no 3º trimestre de 2019 foram abatidas 8,49 milhões de cabeças, aumento de 2,1%, se comparado ao 3° trimestre de 2018, e 7,0% superior ao registrado nos três meses imediatamente anteriores. No que se refere às exportações, no 3º trimestre de 2019 foram 393,86 mil toneladas (IBGE, 2019).

A pecuária de corte é uma atividade econômica de grande relevância no Brasil, que se reflete no aparecimento substancial de abatedouros. Mesmo nessas condições, o País enfrenta grandes problemas em relação à inspeção dos estabelecimentos. Uma das questões colocadas em pauta nas discussões sobre os impactos gerados ao meio ambiente está relacionada à geração e destinação de resíduos provenientes de abatedouros. 

Esses estabelecimentos de abate são chamados no Brasil de matadouros ou abatedouros e podem ser públicos ou privados. Henzel (2009, p.23), afirma que “a indústria de carnes é composta por estabelecimentos onde se procede à matança dos animais e ao preparo de carcaças e vísceras, locais de venda in natura, chegando até os estabelecimentos de industrialização de produtos cárneos”.

Para Ferreira (2002), os abatedouros são fundamentais na cadeia produtiva da carne bovina, constituindo um elo entre os produtores, distribuidores e o consumidor final. A Figura 1 expressa nitidamente essa posição intermediária na cadeia produtiva.

Figura 1 – Cadeia produtiva da carne bovina

Fonte: Ferreira (2002, p. 7).

Em seu processo produtivo, os abatedouros de bovinos geram resíduos que precisam ser corretamente geridos de forma a amenizar o impacto ambiental. Dentre eles, têm-se os efluentes líquidos (águas residuais contaminadas com sangue, esterco, etc.) e os resíduos sólidos (sebo, ossos, esterco, couro, crinas e vísceras) (ARAÚJO; COSTA, 2014).

No abate de animais, a água é de grande utilidade, especialmente para bovinos,  sendo altamente consumida na atividade, quer seja antes ou após o abate. A média de água utilizada por cabeça corresponde de 25 a 50 L, a depender da estrutura do abatedouro e das tecnologias utilizadas (RABELO, SILVA E PERES, 2014).

Em se tratando de águas residuais com origem nos abatedouros, tanto podem causar danos às águas fluviais e subterrâneas, bem como também ao solo. No que se refere à contaminação de cursos d’água, Feistel (2011) destaca que uma quantidade substancial dos estabelecimentos de abate lança águas residuais em cursos d’água sem nenhum tratamento. Se estes cursos d’água forem volumosos e perenes, absorvem a carga de poluição sem maiores prejuízos. Entretanto, boa parte dos rios são de pequeno porte, sendo incapazes de suportar a carga de poluentes, tornando as águas receptoras impróprias à vida aquática e a boa parte das atividades humanas. Nesses casos, os efluentes dos matadouros podem ser classificados como agentes de poluição das águas, em ameaça à saúde pública. 

Quanto aos resíduos sólidos, de acordo com a Instrução Normativa nº 34, de 28 de maio de 2008, Art. 2º, alínea XXXII, são resíduos do abate de animais: “carcaças, ou partes de carcaças de animais, não destinados ao consumo humano, ossos, penas, sangue e vísceras permitidos para uso em farinhas e produtos gordurosos” (BRASIL, 2008). Esses resíduos representam um volume maior e, frequentemente, são depositados em lixões ou queimados com combustíveis fósseis, gerando sérios prejuízos ao ar, ao solo e à saúde.

Diante de tais questões, se faz necessário o gerenciamento das etapas de produção da carne bovina para mitigar os efeitos nocivos ao meio ambiente e à saúde da população. De forma muito assertiva, Rabelo, Silva e Peres (2014) trouxeram um fluxograma do processo produtivo no abate de bovinos, prevendo em cada uma das fases os resíduos gerados, conforme é possível verificar na Figura 2. 

Figura 2 – Fluxograma básico do abate de bovinos e geração de resíduos e efluentes

Fonte: Rabelo; Silva; Peres, 2014, p. 81.

O esquema descrito além de definir a padronização para o processamento de bovinos, mostra os resíduos gerados em cada etapa do processo. Entretanto, alguns abatedouros podem dispor de processos variados, segundo as especificidades locais (ARAÚJO; COSTA, 2014).

Os autores supracitados esclarecem que as fases da produção geram subprodutos diversificados, sendo necessário procedimentos diferentes no que se refere à gestão, com a implementação de práticas que possam aproveitá-los, minimizando a geração de resíduos e os riscos ao meio ambiente.

Neste sentido, a Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010, no Art. 3º, inciso VII, que trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), esclarece que a destinação final ambientalmente adequada inclui:  

a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) e do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA), entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos;

Ainda neste contexto, Franco (2002) afirma que a destinação dos resíduos de origem animal mais utilizados são os aterros, o enterramento, a compostagem, queima, incineração e a reciclagem. O autor traz explicações esclarecedoras quanto a esses tipos de destinação.

Ele explica que os aterros não representam a melhor escolha, pois não detém as temperaturas propícias à eliminação das bactérias resistentes ao calor. Quanto às práticas de enterramento, afirma que elas trazem sérias preocupações devido às contaminações do solo e das águas subterrâneas. 

A compostagem, segundo ele, é uma prática agrícola utilizada desde a antiguidade para transformar resíduos em nutrientes para o solo, devendo ser utilizada apenas para pequenas quantidades de resíduos. 

Já a queima libera fumaça, odores e outros poluentes atmosféricos, diz ele, portanto não seria a melhor forma de destinação. Quanto à incineração, é ideal para este tipo de atividade, pois converte matéria orgânica em inorgânica eliminando qualquer tipo de organismo patogênico. Porém, o autor deixa claro que deve-se considerar a escassez e o alto custo dos incineradores. 

Por último, ele destaca a reciclagem, que consiste na transformação de restos de animais em produtos ainda utilizáveis, como sebo, óleo e adubos, sendo, portanto, a prática mais correta dentre as demais.

Pierre e Araújo (2017) corroboram com Franco (2002), ao afirmarem que a reciclagem se apresenta como alternativa mais viável, sobretudo pela adequação sanitária, ambiental e de viabilidade econômica, desde que o resíduo cumpra padrões mínimos de qualidade.

A despeito de todas estas questões mencionadas, não se pode desconsiderar que, quaisquer soluções propostas para resolutividade de tais problemas, por mais simples que sejam, devem atender ao padrão normativo brasileiro, considerado um dos mais avançados do mundo. No tópico seguinte tratar-se-á das questões normativas relacionadas ao estudo.

2.1 NORMAS AMBIENTAIS

A Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988 (Carta Magna), representa um avanço considerável em matéria ambiental, já que a defesa do meio ambiente passou a ser um dos princípios fundamentais nas atividades econômicas. No Art. nº 225, por exemplo, a Carta Magna atribui responsabilidades ao poder público e à coletividade, ao estabelecer o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações (BARBIERI, 2017).

No mesmo sentido está a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), instituída pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, caracterizando uma nova fase da legislação ambiental brasileira, na medida em que busca promover a integração sistêmica das ações governamentais (BARBIERI, 2017).

De maneira semelhante também está a PNRS. Ela reúne um conjunto de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e ações que devem ser adotadas, com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos, bem como sobre a necessidade quanto à criação dos planos estaduais e municipais de gestão dos resíduos sólidos, instrumentos essenciais ao desenvolvimento sustentável dos estados e municípios (BRASIL, 2010). 

Paralelamente é importante destacar o Art. 9º da PNRS, ele deixa claro que “na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos”. Neste sentido, deve-se optar por procedimentos que não causem impactos ou que os minimizem.

A Resolução nº 237, de 19 de dezembro de 1997, do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) trata da obrigatoriedade do licenciamento ambiental para os abatedouros. No entanto, ainda é possível encontrar abatedouros que insistem em atuar sem o devido licenciamento ambiental, bem como em desobediência ao que determina as leis brasileiras (ARAUJO; COSTA, 2014).

Ao mesmo tempo, numa perspectiva voluntária de aplicação, está a norma ABNT NBR ISO 14001 (2015), ela define impacto ambiental como a modificação no meio ambiente, tanto adversa como benéfica, total ou parcialmente, resultante das atividades, produtos ou serviços ambientais de uma organização. 

Há que se destacar que as exigências legais à proteção ambiental sempre foram interpretadas como um impedimento ao desenvolvimento da produção dos abatedouros, com investimentos irrecuperáveis. Portanto, representavam um gatilho para o crescimento dos custos. Hoje, está mais do que evidente que a falta de preocupação com as questões ambientais pode, principalmente, levar ao aumento de custos de produção (DENIS, 2018). No caso dos abatedouros, esses custos se refletem em maior consumo de energia e água, mão de obra, desperdícios de produção pela falta de aproveitamento dos recursos (matéria-prima) e custos relacionados às sanções, como multas e impedimento das atividades, como é o caso do fechamento, por exemplo.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para atingir o primeiro objetivo do estudo, ou seja, identificar a produção científica em relação a destinação de resíduos de abatedouros nordestinos entre 2015 e 2020, foi realizado um levantamento sistemático de bibliografia na base de dados do Google Acadêmico durante todo o mês de maio de 2021, utilizando a expressão “destinação de resíduos de abatedouros”, sem aspas. 

Nesta primeira etapa de pesquisa, o Google retornou 2.110 resultados, dos quais identificou-se monografias, artigos científicos, teses, dissertações, dentre outros. Na segunda etapa da pesquisa, além da expressão “destinação de resíduos de abatedouros”, utilizou-se um filtro temporal para selecionar somente os artigos mais atuais, de 2015 a 2020. A busca nesta etapa do estudo retornou 1050 resultados.

Em seguida iniciou-se uma análise dos títulos dos trabalhos para verificar se eles se adequaram com relação ao tema (se tratava de questões ligadas a destinação de resíduos de abatedouros), natureza dos estabelecimentos (se eram públicos) e se tinham como objeto de estudo abatedouros de bovinos situados no nordeste do Brasil. 

Nesta fase de pesquisa observou-se que cada página apresentada pelo Google Acadêmico continha 10 resultados, sendo que, da oitava página em diante, já não era mais possível encontrar resultados que atendessem plenamente aos critérios determinados, chegando-se ao resultado final de oito trabalhos encontrados, sendo cinco artigos, duas monografias e uma dissertação

Na última etapa de pesquisa foi realizada a análise dos trabalhos para identificar no conteúdo a destinação dos resíduos e os impactos gerados pelas atividades organizacionais, seguindo uma ordem de prioridade: primeiro se verificou os resumos e em seguida o corpo de todos os trabalhos.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

O quadro 1 trouxe os oitos trabalhos científicos encontrados na pesquisa do Google Acadêmico durante o período de maio de 2021, observa-se que o ano com mais publicações foi 2019, além disso o quadro apresenta o ano das publicações, traz os tipos de trabalhos científicos, identifica os autores, os títulos e os locais de estudo das pesquisas. 

Quadro 1 – Trabalhos científicos encontrados

Fonte: Elaborado pelos Autores.

Após encontrar os trabalhos, os mesmos foram analisados para extrair as informações pertinentes ao estudo e em seguida organizados na seguinte ordem: localização dos abatedouros públicos; quantidade de abatedouros por estudo; resíduos gerados; tratamento dos resíduos, destinação dos resíduos; e impactos ambientais gerados. O Quadro 2 apresenta a organização destes:

Quadro 2 – Organização do levantamento sistemático

Fonte: Elaborado pelos Autores.

Como se pode observar no quadro, dos nove estados da região nordeste do Brasil apenas quatro estados são destacados no presente levantamento bibliográfico, totalizando uma quantidade de cinquenta abatedouros investigados nestes estudos citados. 

No que se refere aos resíduos gerados por estes abatedouros são basicamente os mesmos: ossos, couro, sebo, crinas, águas dos resíduos para higienização do local do abate, esterco, gorduras, vísceras e outros. Uma outra categoria de análise foi o tratamento dado a estes resíduos gerados pelos abatedouros, em que a grande maioria dos abatedouros não tratam os resíduos e aqueles que apresentam algum tipo de tratamento não aborda de maneira clara os procedimentos realizados, além de não tratar todos os tipos de resíduos, ficando parte destes sem tratamento prévio antes do descarte desses materiais.  

O quadro 2 aponta ainda o destino dos resíduos gerados e os impactos ambientais que estes abatedouros trazidos pelo levantamento realizado produzem. No que se refere ao destino dos resíduos gerados pelos abatedouros a maioria são depositados diretamente no meio ambiente sem e o tratamento mínimo destes, alguns conseguem destinar parte destes resíduos para reciclagem a exemplo do couro e sebo, na maioria dos casos estes resíduos são depositados aos arredores dos abatedouros. Por fim, o quadro 2 traz os principais impactos ambientais provocados pelas atividades dos abatedouros da região nordeste: a contaminação do solo, de águas superficiais e subterrâneas, coloca a fauna e a flora em risco e consequentemente coloca a saúde humana em risco.

Como foi possível analisar no quadro 2, há uma distribuição dos trabalhos por estado, em que se observou a ausência de trabalhos sobre disposição de resíduos de abatedouros nos estados do Maranhão, Piauí, Sergipe , Bahia e Alagoas, apesar de entender que a pecuária de corte, especialmente de bovinos, se destaca em território brasileiro e que os abatedouros públicos estão espalhados por todos os recantos do Brasil.  A produção de carne bovina no 3º trimestre de 2019 abateu 8,49 milhões de cabeças, aumento de 2,1%, se comparado ao 3° trimestre de 2018, e 7,0% superior ao registrado nos três meses imediatamente anteriores (IBGE, 2019).

Entretanto, se verificou uma concentração de pesquisas nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, cada um com dois estudos. Essa distribuição dos trabalhos, permite depreender que a problemática de geração de resíduos de abatedouros públicos é um problema ambiental e de saúde pública crônico, que afeta grande parte das regiões nordestinas, necessitando de maiores cuidados do poder público e de estudos que possam respaldar as mudanças necessárias para essa realidade. 

No que se refere a distribuição dos trabalhos por ano de publicação, notou-se que que quase 75% dos trabalhos foram publicados de 2018 a 2020, sendo os demais trabalhos publicados em 2016. A partir desses dados, percebe-se uma distribuição irregular dos trabalhos no tempo, com concentração em alguns anos e ausência de publicações em outros, como é o caso dos anos de 2015 e 2017, em que não houveram publicações de trabalhos. Por outro lado, nos últimos três anos (2018, 2019 e 2020) houveram publicações quanto a resíduos de abatedouros nordestinos, o que denota interesse dos pesquisadores para estas questões. 

Numa outra perspectiva, Araújo e Costa (2014) ao falarem acerca dos resíduos dos abatedouros, afirmaram que eles estão divididos em resíduos sólidos e efluentes líquidos. Os resíduos sólidos, por exemplo, geralmente representam fezes, couro, vísceras, sebo, crinas, ossos, dentre outros. No que se refere aos efluentes, se resumem às águas residuais contaminadas com fezes, sangue e gorduras, que se não forem tratados, podem representar riscos à saúde e ao meio ambiente.

Neste sentido, a pesquisa apontou que grande parte dos trabalhos analisados tiveram como objeto de estudo os efluentes líquidos, totalizando 50% dos trabalhos analisados. Convém destacar também que apenas 12% dos estudos se referiram à geração de resíduos sólidos, e 38% do total, tratam simultaneamente de resíduos sólidos e efluentes líquidos enquanto objeto de estudo.

No que diz respeito à existência ou não de tratamento de resíduos sólidos e efluentes líquidos, em cerca de 30% dos abatedouros foi possível constatar algum tipo de tratamento, sendo os casos dos abatedouros de Paudalho-PE (1), São Vicente-RN (1), Pombal-PB (1), Microrregião de Pau dos Ferros-RN (5), Agreste Pernambucano (4 dos 21) e Sobral-CE (3 dos 19). 

Segundo Cavalcante e Faustino (2020), Soares e Brito (2019), Aquino (2018), Serafim et. al (2018), Mendes, Maia e Silva (2019), esses abatedouros apresentam tratamentos satisfatórios ou que mitigam de alguma forma o impacto ambiental. 

Dentre tais abatedouros, merece destaque o de São Vicente-RN por utilizar a reciclagem para mitigar os impactos ambientais, que segundo Pierre e Araújo (2017), é a alternativa mais viável pela adequação sanitária, ambiental e de viabilidade econômica.

A reciclagem, reafirma Franco (2002), consiste em transformar restos de animais em sebos, óleos, FOA (Farinha de Origem Animal) e adubos, fazendo-se uso de fontes renováveis de energia, o que, segundo ele, acentua a qualidade ambiental e os ciclos biológicos, sendo a forma de disposição final mais viável nos aspectos econômico e ambiental.

No extremo das condições ambientais e de saúde pública, estão os abatedouros do Agreste Pernambucano (17 dos 21), Ererê-CE (1), Sumé-PB (1) e Região Sertão de Sobral-CE (16 dos 19), que na visão de Serafim et. al (2018), Silva, Sousa e Valones (2019), Silva (2016), Mendes, Maia e Silva (2019), não disponibilizam de sistemas de tratamento de resíduos e/ou efluentes ou os seus sistemas de tratamento não atendem aos padrões da legislação vigente.

Este panorama da existência ou ausência/deficiência do tratamento de resíduos sólidos e efluentes líquidos, implica diretamente na forma como os resíduos interagem com o meio ambiente. Desta maneira, os abatedouros públicos apontados pelos estudos, em sua maioria, impactam negativamente o meio ambiente pela ausência ou deficiência no tratamento dos seus resíduos, o que se reflete na destinação dos resíduos diretamente no meio ambiente.

Nos estudos de Silva, Sousa e Valones (2019) e ainda Silva (2016), por exemplo, percebe-se claramente que a destinação de resíduos preconizada pela PNRS, foi totalmente transgredida, na medida em que os resíduos dos abatedouros de Ererê-CE e Sumé-PB são depositados em áreas inadequadas, como lixões e terrenos próximos às comunidades, nas cercanias dos abatedouros.  Conforme a PNRS, a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético deveriam ser as medidas mais adequadas para a destinação de resíduos dos abatedouros de forma a mitigar os impactos ambientais.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A pecuária de corte brasileira, especialmente no que tange à produção da carne bovina, representa um segmento econômico importantíssimo, dado o posicionamento atingido pelo Brasil em termos de produtivos para o mercado interno e externo.

Os municípios brasileiros, de forma geral, têm assumido o compromisso com essa produção da carne, mesmo sabendo que o modelo sustentável requer investimentos públicos significativos. Contudo, o que comumente se vê são abatedouros operando em condições extremas, principalmente pela falta de estruturas e/ou tecnologias que atendam aos padrões normativos vigentes.

Essa situação de inadequação ou desconformidade às normas, implica diretamente na adoção de procedimentos que impactam o meio ambiente e afetam a saúde e a economia.

Neste sentido é preciso um olhar do poder público para tais questões, tratando-as como prioritárias. A adoção de políticas ambientais adequadas se faz necessária, uma vez que os abatedouros são classificados como atividades altamente poluidoras e que oferecem sérios riscos à saúde.

Nesta perspectiva algumas iniciativas devem ser destacadas como alternativas para a resolução de tais problemáticas. A exemplo do que já acontece com os aterros sanitários, os consórcios intermunicipais podem ser uma alternativa interessante na construção de abatedouros regionais. Os principais atrativos para esta alternativa são economia de recursos e a oferta de serviços que atendam às normas sanitárias e ambientais.

Não se pode descartar também que medidas emergências precisam ser tomadas, de forma a minimizar os impactos ao meio ambiente e à saúde pública. A reciclagem, conforme já aponta a literatura, apresenta-se como a melhor alternativa ambiental, de saúde pública e também econômica, tendo em vista que os resíduos podem transformar-se em produtos comerciais com valor de venda, gerando emprego e receita. Cabe ao poder público, às entidades de classe e a sociedade, buscarem iniciativas que promovam a transformação destes resíduos em algo de valor do ponto de vista socioambiental e econômico.

Como sugestão para estudos futuros, seria pertinente ampliar a pesquisa em outras bases de dados, como por exemplo, Periódicos Capes e Web Of Science, além de revistas científicas e ebooks de universidades, elas são fontes de pesquisas atuais que na maioria das vezes abordam casos locais. 

É importante destacar também a necessidade de uma abordagem quantitativa destes resíduos gerados como forma de impactar futuros leitores e classe política no desenvolvimento e implantação de políticas públicas que fiscalizem e promovam melhores tratamentos para os resíduos gerados pelos abatedouros públicos. 

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1ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7431-1918
Faculdade Católica Santa Teresinha, Brasil
E-mail: papho@hotmail.com
2ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9356-1872
Universidade Federal de Campina Grande, Brasil
E-mail: michaeldouglas_adm@hotmail.com
3ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0557-4348
Universidade Regional do Cariri, Brasil
E-mail: patriciag.pinheiro@yahoo.com.br
4ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3560-0666
Universidade Federal de Campina Grande, Brasil
E-mail: wilmatrigueiro@gmail.com
5ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5274-5843
Centro Universitário Santa Maria, Brasil
E-mail: patricia_custodio10@hotmail.com
6ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3420-8569
Universidade Federal de Campina Grande, Brasil
E-mail: amandarezende48@gmail.com