DESENVOLVIMENTO MOTOR DE PRÉ-ESCOLARES PRATICANTES E NÃO PRATICANTES DE BALLET CLÁSSICO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202410220035


Marina Carneiro da Silveira1
Larissa Wagner Zanella2
Alessandra Bombarda Müller3


Resumo

Objetivo: Este estudo comparou o desenvolvimento motor de crianças pré-escolares praticantes e não praticantes de ballet clássico. Método: Pesquisa observacional, descritiva, transversal, de análise quantitativa. 40 meninas foram avaliadas utilizando o teste de proficiência motora Bruininks-Oseretsky, segunda edição, no formulário curto (BOT-2). Para investigar a participação em atividades físicas, contexto familiar e alterações de saúde, foi utilizado um questionário próprio. Resultados: Não foi observada interação significativa entre os grupos controle e intervenção e as variáveis abordadas no teste, mesmo as meninas do grupo intervenção (ballet) apresentando desempenho superior ao grupo controle. Conclusão: neste estudo, o instrumento escolhido não foi sensível para detectar alterações no desempenho entre os grupos. Os fatores que podem ter influenciado esse resultado são a média baixa da idade das participantes, o breve tempo de prática na atividade física e a inclusão em escola privada. Há a necessidade de continuar buscando conhecimento sobre o melhor instrumento a ser utilizado nesta prática. Para futuras pesquisas, aconselha-se acompanhamento longitudinal de uma amostra mais representativa.

Palavras-chave: Desempenho Psicomotor; Dança; Pré-Escolar.

1. INTRODUÇÃO

A criança, durante o seu desenvolvimento, passa por experiências sensoriais e motoras que contribuem para a aprendizagem de padrões motores (AJEJE et al., 2012). Os movimentos descobertos e apreendidos durante os primeiros anos servem de base para futuras aprendizagens no decorrer da vida. Aquelas que apresentam habilidades motoras bem estruturadas durante a fase inicial aperfeiçoaram melhor essas habilidades na fase adulta. Desta forma, se a criança apresentar deficiência no desenvolvimento motor devido à falta de estímulo, esta será refletida em sua vida, protelando os movimentos. 

É na infância onde começamos a construir nossa identidade e personalidade para a vida adulta, por isso há necessidade de garantir que esse período seja de circunstâncias favoráveis e importantes para a evolução do desenvolvimento motor (BESSA; PEREIRA, 2002), definido como mudanças dos padrões de movimentos que ocorrem ao longo da vida. A infância é um período estabelecido por alterações estáveis e gradativas nas áreas cognitiva, motora e afetiva, como resultado do convívio com pessoas e com a interação do corpo com os objetos do meio (AJEJE et al., 2012).

Na década de 80, problemas de dificuldade de coordenação e movimento foram reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), recebendo o nome de Transtornos do Desenvolvimento da Coordenação (TDC). Sua prevalência na população mundial em crianças entre 5 e 11 anos provavelmente é maior do que 6%, sendo identificada em uma pequena parte das crianças. São considerados como distúrbios que podem ser observados durante a realização de movimentos básicos, como pegar objetos, engatinhar e se sentar, identificados como um atraso motor diante da dificuldade com que a criança realiza esses movimentos. 

Estudos demonstram as consequências que os TDC podem trazer ao indivíduo, tanto no aspecto físico por esquivar-se de atividades físicas, como a hipertensão arterial, sobrepeso e obesidade, quanto no aspecto social, emocional e cognitivo, incluindo baixa autoestima, exclusão e nível de ansiedade elevado. (MIRANDA; BELTRAME; CARDOSO, 2011). Para obter-se uma melhor coordenação e equilíbrio, deve-se trabalhar para manter estável o seu centro de massa corporal, que seria a capacidade em controlar a postura sem alterar a base de suporte (BARCALA, 2011). 

A dança parece contribuir para a manutenção do equilíbrio postural e o desenvolvimento. A modalidade de ballet clássico como atividade física desenvolve musicalidade, sensibilidade, percepção, coordenação, equilíbrio, lateralidade, ritmo, relaxamento, noção espacial e temporal, flexibilidade e força. É uma atividade física que demanda maior condicionamento muscular pela utilização de movimentos complexos de grandes amplitudes articulares e alto impacto (PRATI; PRATI, 2006; COSTA; FERREIRA; FELICIO, 2013). 

Se tratando de uma modalidade que necessita movimentos repetitivos e de treinamento constante, uma das questões que vêm sendo discutidas é a idade ideal para iniciar o ballet clássico. A faixa etária mais indicada para iniciar é entre três e seis anos de idade, porém, de forma lúdica. Embora alguns autores sugiram que essa modalidade deve iniciar aos seis anos de idade, quando a criança já apresenta a coordenação motora mais estruturada (AGUIAR, 2011).

É na idade pré-escolar que as crianças adquirem e aperfeiçoam suas habilidades motoras com combinações de movimento, dominando seu próprio corpo em diversas posturas (estáticas e dinâmicas) e no meio ambiente de inúmeras formas como: andar, correr, saltar, etc. A idade pré-escolar é o alicerce para habilidades motoras amplas e finas, fazendo com que as crianças incrementem notavelmente seu repertório motor e adquiram a coordenação dos movimentos solicitados, podendo aperfeiçoá-los posteriormente (CAETANO; SILVEIRA; GOBBI, 2005). 

O treino do equilíbrio para bailarinos inicia-se precocemente em torno de cinco anos de idade, tornando-se mais complexo após a utilização da sapatilha de ponta. No entanto, o equilíbrio é pouco analisado dentro do contexto da dança. (COSTA; FERREIRA; FELICIO, 2013). A inspeção do equilíbrio estático e dinâmico de bailarinos em seus principais movimentos é de grande importância para o desempenho motor, além de contribuir na concepção dos programas de reabilitação e de treinamento (COSTA; FERREIRA; FELICIO, 2013). 

Nessa perspectiva, o objetivo desta pesquisa foi comparar se as crianças em idade pré-escolar praticantes de ballet clássico e não praticantes apresentam diferenças no desempenho motor, utilizando o teste de proficiência motora Bruininks-Oseretsky 2 (BOT- 2) na sua forma reduzida.

2. MÉTODO

Estudo observacional, descritivo, transversal, de análise quantitativa. Foi realizado no município de São Leopoldo, estado do Rio Grande do Sul, durante os meses de março e abril de 2017, após o projeto ser aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), sob o parecer 1.831.556, com adequação ética e metodológica, conforme os preceitos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Foram avaliadas 40 meninas em idade pré-escolar, durante 8 semanas, divididas em dois grupos – 20 praticantes de ballet clássico e 20 não praticantes de ballet clássico – todas provenientes de escolas particulares. Os critérios de inclusão compreenderam: idades entre 4, 5 e 6 anos, sem diagnóstico médico de alteração ortopédica, cardíaca, neurológica ou deficiência visual e termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) assinado pelos responsáveis. As crianças que faltaram a alguma avaliação foram excluídas. 

Foi construído questionário próprio para caracterização da amostra, aplicado individualmente com o responsável pela criança, contendo informações sobre o responsável, dados da criança como data de nascimento, estatura e peso e perguntas como faz alguma atividade física extra, se tem alguma alteração ortopédica, alteração cardíaca, problemas respiratórios, alguma alteração neurológica e deficiência visual. 

Para a avaliação do desenvolvimento motor foi utilizado o Teste Bruininks-Oseretsky de Proficiência Motora, segunda edição, no formulário curto (BOT-2 SF), criado com o propósito de avaliar intervenções motoras na busca de atrasos no desenvolvimento, funções e distúrbios (DE OLIVEIRA, 2015; DEITZ; KARTIN; KOPP, 2007). Existe no BOT-2 a bateria completa formada por 53 itens, que contêm componentes de motricidades global, composta e fina por meio dos 8 subtestes: (1) precisão motora fina, (2) integração motora fina, (3) destreza manual, (4) coordenação do membro superior, (5) coordenação bilateral, (6) equilíbrio, (7) velocidade de corrida e agilidade e (8) força (DE OLIVEIRA, 2015). A bateria curta que contém 14 itens dos subtestes da forma completa foi escolhida por obter uma pontuação rápida e fácil (COOLS et al., 2009).

A seleção dos itens do BOT-2 foi baseada nos seguintes critérios: (1) Fornecer uma visão global sobre o desenvolvimento e habilidades de uma criança; (2) Revelar informações significativas do comportamento motor; (3) Reforçar a atividade motora; (4) Proporcionar um momento de estabelecer diferenças entre ampla gama de habilidades motoras; (5) Fazer parte da possível evolução de crianças com atraso mental; (6) Recorrer para capacidade de limitação da memória e cognitivo da criança; (7) Material de fácil transporte e manejo (COOLS et al., 2009). Os subtestes de BOT- 2 na sua forma reduzida são apresentados no quadro 1.

Quadro 1 – Composição da forma reduzida (BOT-2)

Fonte: Elaborado pelas autoras.

A soma dos resultados de cada subteste foi agregada de acordo com a sua função motora avaliada, formando componentes motores (controle manual fino, coordenação manual, coordenação corporal, força e agilidade), sendo que cada um dos componentes motores compreende 2 dos 8 subtestes do BOT-2 (ZANELLA, 2014; CARVALHO et al., 2011). A figura 1 ilustra a composição e a estrutura de BOT-2.

Figura 1. Estrutura do BOT-2

O teste de proficiência motora foi aplicado para comparações de forma individualizada com as crianças na própria sala de dança e da escola, assim, os responsáveis não precisaram se deslocar de seus afazeres para levar seus filhos. Para os subtestes 1 a 4, foram necessárias uma mesa e duas cadeiras (uma para o avaliado ficar sentado confortavelmente com os pés no chão, e a outra para o avaliador) e para o subteste 5, foi necessário demarcar o chão. As pontuações obtidas após a aplicação do teste foram registradas em uma planilha de pontuação, disponível pelo BOT-2. Foram necessários, em média, 30 minutos para cada criança completar a fase de aplicação. O teste foi aplicado no horário das aulas de ballet, pós ballet, no intervalo escolar e na disponibilidade das alunas, com autorização dos professores e coordenação, durante o horário de aula.

Para caracterização da amostra foi utilizada estatística descritiva por meio de média e desvio padrão. Para avaliar os efeitos do grupo no desempenho motor das meninas foi utilizado o teste ANOVA one factor. A análise dos dados foi realizada com o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21.0. Valores de p<0,05 foram considerados significativos. 

3. RESULTADOS

A caracterização da amostra pode ser verificada na Tabela 1. Os dados demonstraram que os grupos ballet e controle são semelhantes em idade, estatura e peso. 

Tabela 1 – Dados da amostra

Fonte: Elaboradas pelas autoras. 

Motricidade Fina

Na Tabela 2 estão apresentadas as comparações entre grupo ballet e grupo controle nos subtestes de precisão motora fina [F(1,39)=0,259, p=0,614], integração motora fina [F(1,39)=0,730, p=0,398], e no domínio de controle manual fino [F(1,39)=0,001, p=0,981]. 

Tabela 2 – Média e desvio padrão das variáveis de motricidade fina apresentados pelos grupos

Fonte: Elaboradas pelas autoras.

Coordenação Motora

Na Tabela 3 são apresentadas as comparações entre grupo ballet e grupo controle nos subtestes de coordenação bilateral [F(1,39)=0,137, p=0,714], equilíbrio [F(1,39)=2,027, p=0,163], e no domínio de coordenação corporal [F(1,39)=0,520, p=0,520]. Também não foram encontradas diferenças significativas para destreza manual [F(1,39)=1,830, p=0,184], coordenação de membros superiores [F(1,39)=1,034, p=0,316], e no domínio de coordenação manual [F(1,39)=1,905, p=0,176]. 

Tabela 3 – Média e desvio padrão das variáveis de coordenação apresentados pelos grupos

Fonte: Elaboradas pelas autoras.

Força e Agilidade

Para as comparações entre os grupos ballet e controle (Tabela 4), os resultados não evidenciaram diferenças significativas entre os grupos nas variáveis de corrida de velocidade e agilidade [F(1,39)=0,818, p=0,371], força [F(1,39)=0,005, p=0,944], e no domínio de domínio de força e agilidade [F(1,39)=0,118, p=0,733].

Tabela 4 – Média e desvio padrão das variáveis de força e agilidade apresentados pelos grupos

Fonte: Elaboradas pelas autoras.

4. DISCUSSÃO 

Pesquisas sobre desenvolvimento motor enfatizam a infância por se tratar de um período de grandes mudanças comportamentais (SILVA et al., 2011). O presente estudo comparou o desenvolvimento motor de pré-escolares praticantes e não praticantes de ballet clássico.

As meninas analisadas apresentaram média de idade de 5,2 anos, estatura e peso similares. Na idade pré-escolar (2 a 6 anos) as crianças consomem por dia uma parcela aceitável de energia, envolvendo atividades motoras grossas e finas. Neste período, os marcos desenvolvimentistas estão relacionados à inclusão de habilidades locomotoras e ao aperfeiçoamento destas. À medida que as habilidades são usadas para a prática de esporte, os movimentos tornam-se mais automáticos, com mais ênfase em precisão e adaptabilidade. 

Estudos prévios referem que crianças que não recebem instruções necessárias e adequadas durante as práticas de habilidade motora podem mostrar um atraso no seu desenvolvimento e em suas habilidades (TEIXEIRA et al., 2015). A prática da modalidade de ballet clássico, do ponto de vista físico, requer precisão, coordenação psicomotora, lateralidade, flexibilidade, noção espacial, condicionamento físico e expressão corporal. Neste sentido, se enquadra nas demandas necessárias para um adequado estímulo do desenvolvimento motor (SCHWEICH, 2014; ANJOS; OLIVEIRA; VELARDI, 2015). 

O desenvolvimento de habilidades motoras fundamentais é de extrema importância no incentivo da prática da atividade física ao longo da vida. O desenvolvimento dessas habilidades está positivamente associado com a proficiência motora e a atividade física realizada na infância, na adolescência e na idade adulta (FIALHO, 2014). Os padrões de movimento fundamentais na primeira infância são padrões básicos de comportamento evidentes. Habilidades manipulativas (arremessar, receber, rebater, quicar, rolar), locomotoras (saltos e corridas) e estabilizadoras (equilibrar-se em um pé só, andar com segurança), são exemplos de habilidades motoras fundamentais que devem ser estimuladas nos dois primeiros anos de vida (ZANELLA; DOS REIS REZER, 2015).

 Para Serrano-Gomez e Correa-Bautista (2015), a inclusão e a participação das crianças em uma atividade física colaboram para o desenvolvimento de vários elementos, em especial na autopercepção e saúde física. Apesar das crianças deste estudo não terem apresentado alterações neurológicas, ortopédicas, sobrepeso ou obesidade, problemas durante a prática de habilidades motoras podem estar associados à obesidade, défict de atenção, estima alterada, desempenho acadêmico insuficiente e carência social – fatores que impactam negativamente durante a atividade física (VENETSANOU et al., 2007).

Uma possível explicação para os resultados talvez seja a baixa sensibilidade do BOT-2 (Bruininks-Oseretsky-2).  O BOT-2, tanto na forma completa quanto reduzida, deriva de uma revisão do Teste Bruininks-Oseretsky de Proficiência Motor (DEITZ; KARTIN; KOPP, 2007). Na forma reduzida, apesar de não oferecer uma análise aprofundada de cada tópico da proficiência motora, oferece uma análise do funcionamento motor geral (SPIRONELLO et al., 2010). A validade de criação na forma reduzida obtém medida por meio de análise fatorial e análise de variância, ou seja, reduz o número de variáveis de uma base de dados e verifica se existe uma diferença significativa entre as médias. (VENETSANOU et al., 2007). Em relação à forma reduzida, os achados de estudos anteriores revelaram que existe uma visível incoerência entre a avaliação do comprometimento motor no BOTMP na sua forma reduzida em comparação com outros testes que avaliam o desempenho motor, como o Teste de Impedimento Motor (TOMI) e McCarron Assessment of Neuromuscular Desenvolviment (MAND). Ambos os testes citados foram mais precisos no comprometimento motor do que a forma reduzida de BOTMP. 

Venetsanou et al., (2007) apontam ser necessário estudos que comparem a forma reduzida do teste de proficiência motora com outro teste similar (forma longa), para determinar a precisão da forma reduzida para o reconhecimento do comprometimento motor. Já para Lucas et al., (2013), o teste BOT-2 na forma reduzida é fidedigno para uso em crianças de comunidades aborígenes australianas remotas na definição de déficits motores em crianças expostas ao álcool pré-natal. Serrano-Gomez e Correa-Bautista (2015) aconselham também a utilização do BOT-2 por ser um instrumento de fácil aplicação e que pode ser usado para avaliar crianças saudáveis, a fim de mensurar suas habilidades motoras. É uma ferramenta útil para direcionar a um diagnóstico em relação ao desenvolvimento motor de crianças e adolescentes. 

O BOT-2 apresenta vantagens e limitações. Um dos pontos fortes do instrumento utilizado na forma reduzida é que pode ser aplicado por fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais em ambientes escolares e clínicos, visto que tem uma faixa etária ampla de aplicação (4-21 anos) (DEITZ; KARTIN; KOPP, 2007). O teste foi projetado para avaliação concomitante de um grande número de crianças, pois o mesmo permite obter uma pontuação global de proficiência motora, necessitando um período de aplicação de 15 a 25 minutos, diferente da versão completa que leva em torno de uma hora. Embora isso não forneça uma análise aprofundada de cada aspecto da proficiência motora, proporciona uma excelente análise do desempenho motor. Outro ponto forte na forma reduzida é que os itens do teste são lúdicos, parecendo ser divertido para os avaliados, o que é importante para faixa etária pré-escolar (DEITZ; KARTIN; KOPP, 2007; HAY; HAWES; FAUGHT, 2004).

As principais limitações que o estudo de Deitz, Kartin e Kopp (2007) aborda é a confiabilidade fraca dos subtestes para algumas faixas etárias, que limita a confiança do teste e a complexidade dos itens para crianças na faixa etária dos 4 e 5 anos. Mesmo assim, tanto o teste na sua forma completa, quanto na forma reduzida, são clinicamente precisos quando se avaliam indivíduos na faixa etária dos 6 a 21 anos com suspeita de atrasos motores. No presente estudo, possivelmente o instrumento escolhido, em sua forma curta, não foi sensível para detectar alterações no desempenho entre os grupos. Mesmo que tenha sido observado desempenho superior no grupo ballet, não houve diferenças estatisticamente significativas nas variáveis. 

Como fatores que podem ter influenciado o resultado, sugere-se a média de idade baixa das participantes e o curto tempo de prática na atividade física. No grupo praticante de ballet clássico, 60% retornaram para suas atividades na primeira semana de março, enquanto as outras 40% estrearam na modalidade de ballet clássico no período da avaliação, o que pode ter influenciado no teste. Se o mesmo teste fosse aplicado no final do ano, provavelmente as meninas que estrearam na modalidade já teriam mais vivência e prática, assim como as outras meninas que já praticam a modalidade por um ou dois anos, podendo apresentar escores superiores no teste e diferenças significativas na comparação entre os grupos. E outro fator pode ser a atividade física realizada por ambos os grupos durante o ano letivo.

Estudo de Wrotniak et al., (2006) demonstra que a proficiência motora está positivamente associada à porcentagem de tempo aplicado em atividade física (AF) e inversamente associada à atividade sedentária em crianças. As crianças com percentil de proficiência motora superior no teste apresentaram uma porcentagem maior de tempo em AF moderada do que as crianças que apresentaram um percentil inferior.

O estudo de Martins (2013), que aplicou o TGMD-2 para avaliar o desenvolvimento motor global de crianças do 1º ano ao 4º ano escolar, com e sem prática da natação, refere que todas as crianças com prática na natação reúnem um a quatro anos de experiência aquática. Ao comparar o desenvolvimento motor por resultado bruto e normatizado do subteste de locomoção e controle de objetos, observou que houve diferenças significativas entre crianças com e sem experiência aquática, exceto para o resultado bruto das crianças do 1º ano entre 5 e 6 anos, onde não foi encontrada diferença significativa. Independentemente de existir melhor resultado para a criança com experiência aquática, ainda assim a variação é pequena numa avaliação qualitativa do desenvolvimento motor. 

Os achados do desempenho motor encontrados no estudo de Brauner e Valentini (2009), utilizando também o teste TGMD-2 em 32 crianças participantes de um programa de prática de atividades físicas, duas vezes por semana, com idades entre 5 e 6 anos, foram inferiores que a expectativa inicial do estudo, descartando a hipótese de encontrar desempenho apropriado à faixa etária. As autoras sugerem como prováveis motivos dos resultados obtidos a falta de prática e instrução adequada. Uma das possibilidades de variação do resultado é o grande número de crianças que praticam outras atividades esportivas simultâneas ao programa. Outra possibilidade pode ser o tipo de orientação dada pelos professores durante as atividades físicas, que talvez não seja eficiente para gerar aprendizagem. Neste sentido, é necessário destacar a importância da realização de demonstrações dos movimentos desejados. 

No presente estudo, todas as meninas eram provenientes de escolas particulares, o que favorece a prática de atividade física durante todo o ano letivo. Martins (2013), conclui que variáveis como o contexto socioeconômico das crianças, o nível de atividade física, as suas características antropométricas e o tipo de escola que a criança frequenta devem ser analisadas.

As crianças avaliadas no estudo, tanto o grupo praticante de ballet quanto o grupo controle, não apresentaram limitações e déficit motor. No estudo de Venetsanou et al., (2007) também não foram acompanhadas crianças com prévia identificação de déficit motor. Assim, nem todas as crianças que apresentam uma pontuação baixa nos testes possuem uma deficiência motora real. Fatores como a atenção e o comportamento das crianças podem estar associados à pontuação baixa em uma avaliação motora. 

Nas variáveis de força (subteste 8) foi observado que ambos os grupos apresentaram dificuldades para executar os testes, principalmente o apoio com pernas em flexão (pushup), apresentando uma baixa pontuação, podendo estar relacionado com a idade precoce das meninas para realizar o teste. A força muscular aumenta linearmente com a idade, da infância até a adolescência. Nas meninas, essa associação continua até os 15 anos. Já os meninos têm mais força que as meninas em todas as idades. (DUGER; TULIN et al., 1999). 

Serrano-Gomez e Correa-Bautista (2015), também encontraram dificuldades no teste de força “pushup” com joelhos apoiados devido à faixa etária do estudo – pré-escolares – onde a prática foi verificada com um alto nível de concordância entre as medidas. Diferente no domínio motor de coordenação corporal, no equilíbrio (subteste 5), ‘andando sobre uma linha’ e na coordenação bilateral (subteste 4), ‘tocando os pés e os dedos, os mesmos lados sincronizados’, ambos os grupos cumpriram as tarefas adequadamente, pontuando próximo ao máximo. Da mesma forma, no estudo de Lucas et al., (2013), não foi possível o cálculo dos coeficientes de correlação intra-classe (ICC) porque os dois itens eram de fácil execução, favorecendo a pontuação máxima da maioria das crianças da amostra.

Subtestes que podem ser considerados menos confiáveis no presente estudo são os testes de complexa pontuação: ‘salto estacionário em apoio unipodal’ e ‘saltando no lugar, os mesmos lados sincronizados’, testes dinâicos e rápidos. Aconselha-se que nesses itens as crianças tenham uma atenção especial durante o treinamento do BOT-2 na forma reduzida, para fortalecer a pontuação final (LUCAS et al., 2013).

Qualquer um dos testes citados poderia ser utilizado para identificar crianças com déficit de coordenação motora, porém, a seleção da ferramenta mais adequada requer uma comparação minuciosa entre os testes e a análise de suas forças e limitações. (WIART; DARRAH, 2001). 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não foram encontradas diferenças estatísticas significativas entre as meninas praticantes e não praticantes de ballet, quando analisadas individualmente, mesmo que o grupo praticante tenha obtido um melhor resultado nos testes utilizados. A literatura revela que os marcos do desenvolvimento motor estão relacionados ao aprendizado de habilidades locomotoras e ao aperfeiçoamento das mesmas, associados à percentagem de tempo aplicado em atividade física.

Embora as recomendações contidas no manual desenvolvido pelos autores do BOT-2 forneçam informações importantes para a aplicação do teste e o cálculo dos escores, neste estudo, o instrumento escolhido não foi sensível para detectar alterações no desempenho entre os grupos. Os fatores que podem ter influenciado o resultado da pesquisa são a média de idade baixa das participantes, o breve tempo de prática na atividade física e a inclusão em escola privada.

Nesse contexto, este estudo indica a importância de um programa interventivo na comparação do desempenho e no avanço das práticas de habilidades motoras. Os resultados desta pesquisa mostram que há necessidade de buscar cada vez mais o entendimento sobre o desenvolvimento das crianças durante os anos pré-escolares. Há, sobretudo, a necessidade de continuar buscando conhecimento sobre o melhor instrumento a ser utilizado nesta prática. Para futuras pesquisas, aconselha-se acompanhamento longitudinal de uma amostra mais representativa.

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1Fisioterapeuta, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)
2Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul
3Fisioterapeuta PhD, Professora Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e-mail: abombarda@unisinos.br.