DESENVOLVIMENTO DO MÉTODO QUATRO EIXOS DE CUIDADO

DEVELOPMENT OF THE FOUR-AXIS CARE METHOD

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202411301136


Andrea Bezerra Chaves1
Christiane Kanzler Barbosa Nunes 2


Resumo

A saúde mental é crucial para o bem-estar e a qualidade de vida, influenciando nossos pensamentos, sentimentos e ações. Reconhece-se que a saúde mental não é apenas a ausência de transtornos, mas também a presença de habilidades que permitem uma vida plena e produtiva. Este artigo apresenta o método dos quatro eixos de cuidado, uma abordagem integral desenvolvida por mim, que abrange dimensões biológicas, psicológicas, sociais e espirituais. Cada eixo representa um pilar essencial que, em conjunto, sustenta a saúde mental. O eixo biológico aborda o corpo físico, o psicológico trata das emoções e percepções, o social considera a cultura e ambiente, e o espiritual enfoca as crenças que promovem esperança e sentido de vida. A crescente prevalência de transtornos mentais, como ansiedade e depressão, destaca a necessidade de abordagens integrativas. O artigo discute detalhadamente cada eixo e propõe estratégias práticas para sua implementação, visando intervenções mais eficazes e uma melhor qualidade de vida.

Palavras-chave: Saúde mental. Eixos de cuidado. Qualidade de vida. Psicologia. Comportamentos.

1 INTRODUÇÃO

A saúde mental é um elemento fundamental para o bem-estar e a qualidade de vida do ser humano. Ela engloba aspectos biológicos emocionais, psicológicos e sociais que afetam como pensamos, sentimos e agimos (WHO, 2012). Além disso, a saúde mental influencia a forma como lidamos com o estresse, nos relacionamos com os outros e tomamos decisões. É importante reconhecer que a saúde mental não é apenas a ausência de transtornos mentais, mas também a presença de habilidades e recursos que permitem às pessoas viverem de maneira plena e produtiva. Saúde Mental não é ausência de conflitos, é nossa habilidade de escolher comportamentos assertivos e colocar ordem em meio a situações caóticas.

Desenvolvi o método dos quatro eixos para promover um cuidado integral da saúde mental. A abordagem proposta baseia-se na integração de quatro dimensões essenciais: o eixo biológico, o eixo psicológico, o eixo social e o eixo espiritual. Cada um desses eixos representa um pilar fundamental, semelhante às pernas de uma cadeira, que juntos sustentam a estrutura completa da saúde mental.

O eixo biológico abrange o cuidado com o corpo físico, enquanto o eixo psicológico está relacionado às emoções e percepções sensoriais. O eixo social inclui a cultura e o ambiente em que o indivíduo está inserido, e o eixo espiritual, embora não necessariamente religioso, envolve crenças que promovem esperança e sentido de vida.

A crescente prevalência de transtornos mentais na sociedade moderna evidencia a necessidade de abordagens mais integrativas no cuidado da saúde mental. Transtornos como ansiedade, depressão e estresse são cada vez mais comuns, principalmente após o surto da COVID-19 (LIMA et al., 2020), e refletem um desequilíbrio nas várias dimensões da vida humana. Abordagens tradicionais muitas vezes focam apenas em aspectos isolados, sem considerar a interconexão entre corpo, mente, ambiente social e espiritualidade (CARDOZO & MONTEIRO, 2019).

Por isso, a abordagem dos quatro eixos de cuidado propõe uma visão abrangente e integrada da saúde mental, reconhecendo a interdependência entre as diferentes dimensões do ser humano. Ao compreender e atender as diversas dimensões que compõem a experiência humana, esta metodologia visa promover intervenções mais eficazes e uma melhor qualidade de vida. Este artigo explora detalhadamente cada um dos quatro eixos e propõe estratégias práticas para sua aplicação no contexto da saúde mental, contribuindo para uma prática mais completa e humanizada.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Eixo Biológico

A complexidade do corpo humano vai além de sua estrutura física. Nosso eixo biológico abrange cada fibra, célula e conexão em nós, desde os circuitos do nosso sistema nervoso até os órgãos vitais que nos mantêm vivos, até mesmo os neurotransmissores e hormônios que influenciam nossas emoções, pensamentos e comportamentos.

A partir dos anos 70, as hipóteses sobre a influência biológica na formação de transtornos mentais começaram a ganhar destaque (SHORTER, 1998), e hoje sabemos que existem diversos fatores biológicos que podem interferir em nossa saúde mental. Portanto, além do impacto direto na saúde física, esses fatores desempenham um papel crucial na manutenção da saúde mental, e a importância de equilibrar essas estruturas internas não pode ser subestimada.

O corpo humano é composto por diversos sistemas que não operam de forma isolada. Esses sistemas interagem e influenciam-se mutuamente, criando um cenário complexo de potenciais efeitos na saúde mental (VILLA-FORTE, 2022). Desequilíbrios em um sistema podem causar impactos em outros, desencadeando efeitos adversos.

O sistema nervoso, dividido em sistema nervoso central (SNC) e periférico (SNP), é o principal sistema de comunicação do corpo. O SNC inclui o cérebro e a medula espinhal, enquanto o SNP compreende nervos periféricos. O sistema límbico, parte do SNC, regula respostas emocionais e comportamentais e é vital para a formação de memórias. Estruturas como a amígdala e o hipotálamo, em conjunto com o córtex pré-frontal, influenciam significativamente o humor e o comportamento (SANCHEZ, 2009).

Disfunções químicas ou estruturais na amígdala, por exemplo, podem resultar em respostas de medo ou ansiedade excessivas diante de ameaças (BARRETO & SILVA, 2010), o que pode ocasionar transtornos de ansiedade generalizada, transtorno do pânico ou transtorno de estresse pós-traumático.

O hipotálamo e as áreas associadas ao prazer e à recompensa, como o septo e o córtex pré-frontal, estão envolvidos na regulação do humor. Portanto, desregulações nas vias de recompensa e na função do sistema límbico podem estar ligadas à depressão, resultando em sintomas de falta de prazer, desânimo e tristeza.

Além disso, liberação e equilíbrio adequado de neurotransmissores, como serotonina, dopamina, GABA e noradrenalina, estão associadas a emoções e humor. Desequilíbrios nesses neurotransmissores podem contribuir para transtornos como depressão e ansiedade (ESPERIDIÃO-ANTONIO et al., 2008).

O sistema endócrino é o responsável pela produção e regulação de hormônios, substâncias químicas que controlam muitos processos corporais, como crescimento, metabolismo, reprodução e resposta ao estresse. Desregulações hormonais podem impactar diretamente o humor e o comportamento (MARQUES-DEAK & STERNBERG, 2023). A tireoide, por exemplo, regula o metabolismo e seu mau funcionamento pode levar à depressão, irritabilidade e fadiga.

O sistema imunológico é responsável por defender o corpo contra patógenos (vírus, bactérias e outros agentes invasores) e doenças. Ele inclui células especializadas, como glóbulos brancos, que reconhecem e combatem substâncias estranhas ao corpo. Pesquisas recentes (KAPCZINSKI et al, 2011) destacam a complexa interação entre o sistema imunológico e a saúde mental. A inflamação crônica, uma resposta do sistema imunológico a longo prazo, está ligada a distúrbios como a depressão e a esquizofrenia.

O sistema cardiovascular, responsável pela circulação sanguínea, também afeta a cognição e a saúde mental. Má circulação pode levar a déficits cognitivos. O sistema digestivo, incluindo o sistema nervoso entérico, influencia o humor e as emoções. Distúrbios gastrointestinais podem estar relacionados a transtornos de ansiedade e humor.

Em adição, a herança genética desempenha um papel importante na predisposição para certos transtornos mentais. Não existe mutação de genes que leve a esses transtornos, porém fatores genéticos podem influenciar e aumentar o risco de desenvolvimento de patologias como transtorno bipolar, esquizofrenia e depressão (FREITAS-SILVA & ORTEGA, 2016).

2.1.1 Como cuidar do Eixo Biológico

O cuidado do eixo biológico é fundamental para a manutenção da saúde mental. Ele serve como a base estrutural que sustenta os outros aspectos do bem-estar, que serão explorados ademais. Para cultivar uma mente saudável, desfrutar de interações sociais positivas e nutrir expectativas promissoras para o futuro, é essencial que o corpo biológico esteja funcionando em harmonia. Assim, o equilíbrio e a integridade dos sistemas biológicos são cruciais para o pleno desenvolvimento e a manutenção da saúde mental.

Por essa razão, um dos pilares para o cuidado do Eixo Biológico é a realização de atividades físicas. O sedentarismo é um fator de risco para diversas doenças (OLIVEIRA, 2011). A atividade física regular estimula a produção de neurotransmissores como serotonina e dopamina, reduzindo o estresse e melhorando o humor. Também ajuda a regular os hormônios do estresse e a fortalecer o sistema imunológico, promovendo o bem-estar emocional e prevenindo transtornos mentais.

Além disso, o sono de qualidade é crucial para o equilíbrio biológico e saúde mental (LIMA et al., 2021). O sono REM consolida memórias emocionais, enquanto o sono não-REM restaura o corpo. Tanto a privação quanto o excesso de sono podem impactar negativamente o humor, a cognição e a saúde mental.

Uma dieta equilibrada também é fundamental para a saúde do eixo biológico. Nutrientes são essenciais para a produção de neurotransmissores e para a regulação hormonal. Uma alimentação adequada contribui para o equilíbrio hormonal e a saúde mental, reduzindo estresse, ansiedade e irritabilidade (SICHIERI et al., 2000).

Em contrapartida, o consumo excessivo de álcool e drogas compromete o funcionamento do sistema nervoso central e límbico, afetando neurotransmissores e alterando a estrutura cerebral. Isso pode resultar em transtornos de humor e aumento da vulnerabilidade mental.

Em alguns casos, medicações psiquiátricas são essenciais no tratamento de transtornos mentais, atuando principalmente no sistema nervoso central e afetando neurotransmissores (TAMMINGA, 2022). Antidepressivos, antipsicóticos, estabilizadores de humor e ansiolíticos desempenham papéis fundamentais na gestão de sintomas e no equilíbrio emocional. A prescrição e acompanhamento médico são essenciais para a eficácia desses tratamentos.

2.2 Eixo Psicológico

O eixo psicológico está intrinsecamente relacionado às emoções, que derivam de nossas memórias e moldam nossas percepções, reações e ações. Tomaz & Giugliano (1997) explicam que as emoções, ativadas pelos cinco sentidos (visão, audição, tato, paladar e olfato), estimulam o sistema límbico, responsável por registrar nossos repertórios comportamentais.

As memórias armazenam informações sobre experiências vividas, e aquilo que vemos pode desencadear reações emocionais imediatas (FONSECA, 2016). Por exemplo, uma imagem de um familiar pode evocar sentimentos de alegria ou saudade, enquanto uma música pode trazer à tona emoções associadas a eventos passados. Certos aromas podem evocar lembranças e emoções intensas de forma quase instantânea. Comer algo que remete à infância pode desencadear sentimentos de conforto e nostalgia. O toque afetuoso de um ente querido pode provocar sentimentos de segurança e carinho.

Portanto, o eixo psicológico é vital para todas as áreas da vida, influenciando diretamente os nossos cuidados com o corpo, relacionamentos sociais e crenças. O sistema límbico age como um maestro invisível, sincronizando nossas experiências sensoriais com respostas emocionais apropriadas (BARRETO & SILVA, 2010). Essa sincronização entre os sentidos e o sistema límbico é essencial para nossa compreensão global do mundo e nossa capacidade de reagir emocionalmente a ele. No entanto, essa interconexão também pode ser um terreno fértil para o desenvolvimento de transtornos mentais.

Transtornos como ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático estão intimamente ligados ao sistema límbico e à interação com os sentidos. Por exemplo, um estímulo sensorial que revisita uma lembrança traumática pode desencadear uma resposta emocional avassaladora. Da mesma forma, os sentidos podem amplificar sensações de medo, tristeza ou preocupação em indivíduos com transtornos mentais (BARRETO & SILVA, 2010). Quando nos deparamos com situações desafiadoras, o sistema límbico é ativado, levando a uma série de reações emocionais. Se cedermos à ira, o sistema límbico desempenha um papel central na liberação de neurotransmissores e hormônios associados à raiva, como a adrenalina. Comportamentos não assertivos podem estar ligados a padrões de reação aprendidos no sistema límbico, frequentemente influenciados por experiências passadas.

Ainda segundo Barreto & Silva (2010), nossa capacidade de processar e lidar com emoções complexas, como mágoa e falta de perdão também está profundamente enraizada no sistema límbico. Memórias emocionais associadas a eventos passados podem afetar nossa percepção atual do mundo e influenciar nossa capacidade de perdoar ou deixar de lado sentimentos negativos. Essas reações emocionais disfuncionais podem influenciar profundamente e de maneira duradoura nossa qualidade de vida (MIGUEL, 2015). Quando permitimos que esses sentimentos negativos persistam sem processá-los ou abordá-los de maneira saudável, eles podem se transformar em obstáculos que nos impedem de encontrar um equilíbrio entre todos os eixos.

2.2.1 Como cuidar do Eixo Psicológico

As emoções podem ser funcionais ou disfuncionais (FONSECA, 2016). Quando negativas, desencadeiam repertórios comportamentais igualmente disfuncionais, sendo necessário adquirir novos padrões de comportamento para agir de maneira diferente diante das situações caóticas da vida. Portanto, é fundamental desenvolver novos repertórios comportamentais. Isso não significa renunciar às emoções naturais, mas expandir a gama de respostas. Se sempre respondemos ao medo com evitação, nunca teremos a chance de superar nossos temores. Se a raiva sempre nos leva a confrontos, podemos perder oportunidades de resolução pacífica.

Desenvolver novos repertórios comportamentais é uma jornada que requer um profundo nível de autoconhecimento (LAPA & CASTRO, 2017) e um esforço consciente para transformar padrões arraigados. Nossa forma de agir e reagir diante das situações é moldada por uma interação complexa entre nossas experiências passadas, emoções e o contexto em que vivemos. Para criar mudanças positivas e duradouras, é fundamental explorar alternativas saudáveis e construtivas, e isso começa por entender e direcionar nossos próprios comportamentos. Outro aspecto importante é o autoconhecimento, elemento-chave para iniciar qualquer processo de mudança. Isso envolve uma profunda exploração de nossos pensamentos, sentimentos e padrões comportamentais. Ao nos tornarmos conscientes de como respondemos a determinados estímulos, podemos identificar padrões que talvez não estejam nos servindo bem. O autoconhecimento nos ajuda a entender as origens de nossas reações automáticas, muitas vezes enraizadas em experiências passadas, traumas ou crenças limitantes.

A empatia também é uma ferramenta poderosa para a transformação comportamental, pois ao praticarmos a empatia, tanto em relação aos outros quanto a nós mesmos, podemos ganhar uma perspectiva mais abrangente sobre as situações (CAMILO et al., 2022). A empatia nos permite compreender os motivos por trás das ações das pessoas e as razões por trás de nossas próprias reações. A autoempatia, em particular, nos ajuda a lidar com autocrítica excessiva e a adotar uma abordagem compassiva em relação a nós mesmos durante a jornada de mudança.

Além disso, a autodisciplina é crucial para substituir padrões de comportamento indesejados por escolhas conscientes e saudáveis (DOMINGUES et al., 2023). Isso envolve a capacidade de resistir a impulsos imediatos em favor de objetivos maiores e a longo prazo. O controle emocional é um componente fundamental da autodisciplina, permitindo que gerenciemos nossas emoções de maneira construtiva em vez de sermos dominados por elas. A prática do controle emocional ajuda a evitar reações impulsivas e nos capacita a tomar decisões mais alinhadas com nossos objetivos.

Ao entender nossos padrões comportamentais e as emoções subjacentes a eles, abrimos a porta para a exploração de alternativas saudáveis. Com o autoconhecimento, podemos reconhecer quando estamos prestes a repetir um comportamento indesejado e, em vez disso, escolher uma resposta mais construtiva. Isso exige prática constante e paciência, pois a transformação comportamental é um processo contínuo.

Desenvolver novos repertórios comportamentais é uma jornada que começa com o autoconhecimento e a disposição consciente de mudar. Ao praticar a empatia, a autodisciplina e o controle emocional, conseguimos explorar alternativas saudáveis e construtivas para nossos padrões habituais.

2.3 Eixo Social

O eixo social atua como um modulador central de nossos comportamentos, influenciando-nos através dos contextos e grupos em que estamos inseridos, como o lar, a igreja, a escola, o ambiente de trabalho e a comunidade. Cada interação dentro desse ecossistema social impacta nossas ações, palavras e escolhas, destacando a importância do eixo social na modelagem de nossos comportamentos diários.

A compreensão do eixo social é aprofundada através da ciência do comportamento humano, onde B.F. Skinner se destacou ao enfatizar a relação entre ambiente e comportamento. Skinner propôs que as ações humanas são moldadas principalmente pelas consequências ambientais, desenvolvendo a ideia de que manipulações dessas contingências podem promover comportamentos desejáveis (BRAGA, 2023). Sua teoria inclui conceitos como reforço positivo, que aumenta a probabilidade de repetição de um comportamento ao ser seguido por uma recompensa; e reforço negativo, que também aumenta a repetição de um comportamento, mas pela remoção de um estímulo aversivo (GONGORA, 2009).

Skinner também abordou a punição, que visa reduzir a probabilidade de um comportamento através de consequências aversivas, embora esta técnica possa gerar efeitos colaterais indesejados. A extinção, por sua vez, ocorre quando um comportamento deixa de ser reforçado e, consequentemente, diminui em frequência.

Outro conceito relevante para o entendimento do comportamento social é a dessensibilização sistemática, desenvolvida por Wolpe, que envolve a exposição gradual e controlada a estímulos provocadores de ansiedade para reduzir reações negativas. Esse método pode ser aplicado em contextos sociais desafiadores, ajudando indivíduos a enfrentar suas ansiedades e a melhorar suas competências sociais (KNAPP & CAMINHA, 2003).

2.3.1 Eixo social e a qualidade de vida

O impacto do eixo social é evidente nas trajetórias individuais (FURTADO et al., 2016). Uma rede de apoio positiva pode impulsionar realizações e crescimento, enquanto um ambiente negativo pode prejudicar a autoestima e o desenvolvimento. As influências sociais moldam escolhas de carreira, crenças e valores morais. Exemplos ilustrativos incluem uma jovem artista incentivada por um ambiente familiar e social favorável, em contraste com um adolescente influenciado negativamente por um ambiente doméstico turbulento e amizades prejudiciais.

Para melhorar a qualidade de vida, é fundamental nutrir o eixo social com relacionamentos que compartilhem valores e aspirações positivas. Segundo Ryff e Keys (SIQUEIRA & PADOVAM, 2008), componentes essenciais para o bem-estar psicológico incluem autoaceitação, relacionamentos positivos, autonomia, domínio do ambiente, propósito de vida e crescimento pessoal. Cultivar um círculo social que apoie e inspire é crucial para o desenvolvimento e bem-estar, enquanto relações tóxicas devem ser reavaliadas. Os pais têm um papel protetor e orientador, mas também precisam cultivar a autonomia e a independência dos filhos. Para isso, é necessário que esse protagonismo seja gradualmente assumido pelos filhos na dinâmica familiar, o que só ocorrerá à medida que os pais abram mão do controle absoluto e estabeleçam uma relação de confiança com os filhos.

Em suma, o eixo social é um determinante crucial do comportamento humano, influenciado e moldado pelas interações e contextos sociais que vivenciamos. A compreensão e gestão dessas influências podem promover comportamentos desejáveis e melhorar a qualidade de vida.

2.4 Eixo Espiritual

O eixo espiritual, que corresponde às nossas crenças, nos convida a refletir sobre nossa relação com o transcendente e o invisível, frequentemente além da compreensão racional. Desde os primórdios da humanidade, a busca por significado e conexão com algo maior tem sido central nas civilizações antigas, onde a espiritualidade estava intimamente ligada às narrativas mitológicas sobre a origem do universo, o propósito da vida e a interação entre deuses e seres humanos (CRAWFORD, 2005). Com o tempo, o surgimento das religiões trouxe sistemas mais estruturados de crenças e práticas espirituais. Judaísmo, cristianismo e islamismo emergiram com suas próprias interpretações sobre espiritualidade, moralidade e destino após a morte. A espiritualidade evoluiu, refletindo a diversidade cultural e as mudanças sociais, com pessoas buscando respostas em tradições antigas ou novos caminhos individualizados, mantendo um papel vital na exploração do sentido da vida e nossa jornada interior. Em 1988, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a importância dessa dimensão ao incluir a espiritualidade no conceito multidimensional de saúde.

Aaron Beck, renomado psicólogo, destacou que os princípios da psicologia cognitiva e comportamental incluem como nos vemos, como nos relacionamos com os outros e nossas expectativas de futuro. A expectativa de futuro é inclusive um importante fator de proteção ao desenvolvimento saudável na adolescência, motivando comportamentos cotidianos e influenciando escolhas e decisões futuras (BEAL & CROCKETT, 2010; NURMI, 1991).

Viktor Frankl, em “Em Busca de Sentido” (1991), argumenta que a busca por sentido é essencial à vida humana. Ele acredita que a espiritualidade desempenha um papel significativo na capacidade de encontrar significado, especialmente em momentos de sofrimento. A espiritualidade, para Frankl, não se limita a instituições religiosas, mas envolve uma dimensão mais profunda de propósito, valores e conexão com algo maior.

Uma pesquisa realizada por graduandos de psicologia, sobre a relação entre espiritualidade e saúde mental, demonstrou que “a espiritualidade/ religiosidade, quando bem integrada na vida do sujeito, contribui de forma positiva para a sua saúde mental” (OLIVEIRA & JUNGES, 2012). Porém, essa mesma pesquisa salientou que se a forma como o sujeito interpreta a espiritualidade for distorcida, ele pode desenvolver comportamentos desordenados como fanatismo, culpa, ansiedade, obsessões e até isolamento.

Aaron Beck desenvolveu a tríade negativa de expectativas futuras (FREITAS & RECH, 2010), uma configuração de pensamentos pessimistas que afetam a autopercepção, a interpretação das situações e a projeção do futuro, podendo levar a uma visão distorcida e desesperançada. Ajustar essas distorções é fundamental.

2.4.1 Espiritualidade como elo

Como um fio condutor, a fé atravessa os eixos de cuidado: biológico, psicológico, social e espiritual, guiando-nos nos momentos de incerteza e fortalecendo nossa resiliência. É importante reconhecer que a fé não se restringe a um contexto religioso específico, mas se manifesta em diversas áreas da vida, influenciando nossas ações e decisões.

A psicoterapia cognitivo-comportamental é um recurso valioso para reestruturar padrões de pensamento negativos. Práticas de atenção plena, exercício físico e conexões sociais saudáveis também promovem uma visão mais positiva e esperançosa do futuro (SOUZA et al., 2017). A fé nos permite enfrentar o desconhecido com coragem, acreditando em um futuro melhor e na importância de nossas ações.

A fé desempenha um papel vital na harmonia dos eixos de cuidado. Cada eixo — biológico, psicológico, social e espiritual — é essencial para a qualidade de vida, e a fé permeia todos, orientando-nos com um propósito maior (KENT et al., 2020; BONIATTI, [s.d.]). A busca por qualidade de vida está ligada à compreensão desses eixos, e abraçar uma abordagem completa, consciente de sua interconexão, é fundamental para alcançar um bem-estar genuíno e sustentável.

2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A saúde mental, sendo um componente essencial do bem-estar humano, requer abordagens integrativas que reconheçam a complexidade e interdependência das dimensões biológicas, psicológicas, sociais e espirituais. A saúde mental é pilar da qualidade de vida.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Saúde Mental pode ser considerada um estado de bem-estar vivido pelo indivíduo, que possibilita o desenvolvimento de suas habilidades pessoais para responder aos desafios da vidae contribuir com a comunidade.

O método dos quatro eixos, ao integrar essas dimensões, oferece uma visão holística que vai além das abordagens tradicionais focadas em aspectos isolados. Esta metodologia não apenas reconhece, mas também valoriza a interconexão entre corpo, mente, ambiente e espiritualidade, promovendo intervenções mais eficazes e humanizadas.

A aplicação prática dos quatro eixos pode contribuir significativamente para uma melhor qualidade de vida, proporcionando um cuidado mais completo e alinhado às necessidades individuais. Em um contexto de crescente prevalência de transtornos mentais, a adoção de abordagens integrativas como a dos quatro eixos é fundamental para promover uma saúde mental plena e equilibrada.

E se a saúde mental influencia no contexto social, explorar as dimensões de cuidado influencia diretamente nas relações sociais. Um paciente adoecido pode gerar conflitos familiares, na comunidade e no trabalho. Além das questões da integralidade da saúde mental, compreender os aspectos dos quatro eixos permite a ampliação de resultados efetivos em um plano de tratamento.

Ampliar o acesso a tratamentos efetivos de saúde mental pode influenciar diretamente nos números alarmantes de aumentos de casos de transtornos mentais.

Saúde mental é o equilíbrio dos quatro eixos de cuidado como a engrenagem de um relógio que fazem a vida girar.

REFERÊNCIAS

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1 Mestra em psicologia organizacional social e do trabalho, discente da especialização de saúde mental da EscolaSuperior de Saúde de Brasília- ESCS, psicóloga do núcleo de saúde mental do Samu-DF e presidente do instituto Andrea Chaves-Saúde Emocional E-mail: andrea.chaves@emocoesaservicodavida.com.br.
2 Doutoranda em Saúde Coletiva, Professora e Coordenadora do Curso de Pós Graduação em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Escola Superior de Ciências da Saúde – ESCS. E-mail: chris.kanzler@gmail.com