DESENVOLVIMENTO DE UMA BENGALA BRANCA COM PONTEIRA OMNIDIRECIONAL MECÂNICA (“OMNI-TIP”) PARA DEFICIENTES VISUAIS

DEVELOPMENT OF A WHITE CANE WITH A MECHANICAL OMNIDIRECTIONAL TIP (“OMNI-TIP”) FOR THE VISUALLY IMPAIRED

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7897294


Claudemir Claudino Alves1,2. Eduardo Guy Perpétuo Bock2. Terigi Augusto Scardovelli1. Alessandro Pereira da Silva1. Silvia Regina Matos da Silva Boschi1. Professora Dra. Silvia Cristina Martini1


Resumo

A bengala branca é uma ferramenta indispensável para os deficientes visuais, o que justifica a relevância de novos projetos para melhorar a sua qualidade. Entretanto, mesmo bengalas com recursos eletrônicos, ainda apresentam uma alta taxa de abandono. Nesse sentido, o objetivo principal é apresentar uma solução segura e acessível para a ponteira da bengala branca comum, empregando tecnologia mecânica omnidirecional com mínimo agarre ao solo. Foram testados novos materiais para melhorar as propriedades de resistência à abrasão, durabilidade e leveza, com custo acessível. Foi empregado uma abordagem qualitativa composta por Brainstorming, testes de campo, teste de vida útil acelerado em bancada e questionário de usabilidade do produto. Ao final da pesquisa foi apresentado uma nova ponteira com uma esfera omnidirecional ligeiramente maior que a comum, que supera com mais facilidade desníveis no solo e não cai em grandes de águas pluviais. A classificação acima de 84%, referente a um nível de usabilidade do produto considerado excelente, indica a aprovação da ponteira Omni-Tip.  A principal característica da ponteira desenvolvida é o agarre ao solo quase nulo com alterações geométricas mínimas, o que traz melhorias significativas às bengalas convencionais, além de minimizar o potencial estigma da cegueira e o abandono de novas tecnologias, indicando assim a sua potencial aplicabilidade junto à comunidade de deficientes visuais.

Palavras-chave: abandono de tecnologia; bengala branca; cego; omni; tecnologia assistiva.

Abstract

The white cane is an indispensable tool for the visually impaired. Which justifies the relevance of new projects to improve its quality. Nonetheless, even canes with electronic resources still have a high abandonment rate. In this sense, the main objective is to present a safe and accessible solution for the tip of the common white cane, using omnidirectional mechanical technology with minimal grip on the ground.  New materials were tested to improve the properties of abrasion resistance, durability and lightness, at an affordable cost. A quali- and quantitative approach was used, consisting of Brainstorming, field tests, accelerated bench life test and product usability questionnaire. At the end of the research, a new tip was presented with an omnidirectional sphere slightly larger than the common one, which would more easily overcome unevenness in the ground while not falling into rainwater grids. A classification above 84%, referring to a level of usability of the product considered excellent, indicates the approval of the Omni-Tip tip. The main feature of the developed tip is the almost zero grip on the ground with minimal geometric changes, which brings significant improvements to conventional canes, in addition to minimizing the potential stigma of blindness and the abandonment of new technologies, thus indicating its potential applicability to the visually impaired community.

Keywords: assistive technology; blind; omni; technology abandonment; white cane.

1 Introdução

Segundo Weid (2015), ao caminhar, as pessoas com deficiência visual utilizam a bengala como “extensão do próprio dedo”, o que lhes permite perceber as condições da superfície do piso à sua frente. Segundo Felippe (2018), deve-se sempre manter a ponteira da bengala em contato com o solo, ao realizar o movimento de varredura, rolando-o da direita para a esquerda e vice-versa, para caminhar com segurança e confiança. Assim, percebeu-se como a ponteira é fundamental para a qualidade do processo, pois precisa ser capaz de gerar uma interface confiável entre a superfície mapeada e o deficiente visual, principalmente na técnica de contato constante com o solo. O rolamento lateral da ponteira acontece devido a um sistema chamado de “roller1 (Figura 1).

Figura 1 – Técnica de contato constante para bengala branca sem “roller” (A) usada no mapeamento de superfície e bengala branca com “roller” (B)

Fonte: adaptado de Felippe, J. Á. de M. (2018, p. 33 e 34).

Atualmente, as ponteiras comuns são fabricadas em nylon e se desgastam rapidamente, pois sua forma construtiva permite apenas o rolamento lateral (Figura 1 – A), mas durante a caminhada ela também é empurrada para frente (Figura 1 – B), causando o agarre ao solo e gerando risco de travamento (agarre), o que dificulta o deslocamento do usuário (Figura 2).

Este projeto visa aprimorar a bengala branca comum, que, de acordo com Kin et al. (2016), é a  Tecnologia Assistiva (TA) para locomoção mais aceita como padrão pela comunidade de deficientes visuais. Dessa forma propõe-se uma ponteira mecânica com tecnologia omnidirecional, a “Omni-Tip”, visando torná-la ainda melhor (Figura 3).

A tecnologia omnidirecional implementada neste projeto foi baseada em Tadakuma et al. (2008), que utilizaram uma esteira esférica (Figura 4 – A) para dar ao veículo maior agilidade e capacidade de se posicionar. O conjunto que permitiu o funcionamento da esteira esférica é chamado de “Omni-Ball”, que é uma “roda esférica” capaz de realizar rotações (nesse caso) em quatro direções (Figura 4 – B), por meio de movimentos ativos no sentido transversal, enquanto suas duas calotas semi esféricas se move longitudinalmente ao eixo motor de forma passiva, rotacionando-o em torno de seu próprio eixo e permitindo que o veículo supere obstáculos em todas as direções.

Figura 4 – (A) Esquema básico da Omni-Crawler com seção circular; (B) Estrutura básica da “Omni-Ball”

Fonte: adaptado de Tadakuma et  al. (2008, p. 2422-2428).

Sobre o abandono da TA por parte de seus usuários, assunto de grande relevância, Cruz e Emmel (2015, p. 101) destacam um item que pode ser melhorado independentemente do usuário, “a baixa qualidade de alguns produtos”. Outras questões levantadas pelos autores referem-se aos usuários mais jovens com problemas de aceitação da sua condição de deficiente visual e pouca experiência no uso do recurso. No mesmo sentido, Lugli (2016, p. 45) corrobora essas observações, lembrando dos recursos para deslocamento que “reforçam a deficiência, pois são associados à dependência e à degradação da autoestima do usuário”.

Na revisão da literatura realizada por Khan et al. (2018) sobre a bengala branca auxiliada pela tecnologia eletrônica e a avaliação dos rumos futuros, os autores analisaram mais de 500 artigos e selecionaram 38 desenvolvimentos que demonstraram algumas tendências, seus pontos fortes e limitações, com os seguintes destaques: (i) quase todos os desenvolvimentos usaram a bengala branca comum como base para embarcar sua tecnologia; (ii) desenvolvimentos focados apenas na detecção e não em uma possível identificação ou medição dos obstáculos; (iii) praticamente na maioria dos casos (43,8%), foram utilizados sensores ultrassônicos; (iv) devido à sua capacidade de detectar e processar dados sensoriais, os smartphones podem ser mais explorados; e (v) os autores indicam que os usuários finais devem fazer parte dos desenvolvimentos.

Khan et al. (2018) apontam que há uma tendência de utilização das tecnologias eletrônicas e de embarcá-las à bengala comum, porém no caso de sensorização existe a questão da calibração fina e uso de baterias, já que a integração da tecnologia à bengala padrão aumenta seu peso, e mesmo que o usuário receba treinamento sobre como utilizá-la, pode haver descalibração dos sensores inutilizando a nova tecnologia. Khan et al. (2018) ainda apontam que as tecnologias como Identificação por Radiofrequência, sistemas de sensoriamento a laser e ultrassônico, tecnologia de Sistema de Posicionamento Global, rastreamento óptico, infravermelho, tecnologia eletromagnética e interface de comunicação que não fornecem informações confiáveis ​​ao usuário acabam sendo inviáveis devido aos altos custos, dificuldade de uso e manutenibilidade do sistema.

Levando em conta essas observações, entende-se o que foi exposto por um dos Participantes da Pesquisa – PP, sobre o uso das novas TA’s: “não é que sejamos incompetentes ou tenhamos dificuldades de adaptação às novas tecnologias, o problema é que são caras e pouco confiáveis, além de dar muito trabalho” (informação verbal registrada nos questionários de usabilidade do produto) P.P – 15.

Rizzo et al. (2018, p.1) valorizam a mecânica das chamadas ferramentas de mobilidade primária: “a bengala é a principal ferramenta de mobilidade utilizada por cegos e deficientes visuais para uma mobilidade independente e segura”, indicando que é possível desenvolver dispositivos simples e de baixo custo. Um exemplo é o dispositivo de mobilidade adaptativo híbrido, que possui asas com rodas, as quais podem ser abertas ou retraídas em sua ponta (em forma de rodo – Figura 5 – a). Esse dispositivo, sendo um pouco mais largo que os ombros do usuário, passa-lhe informações sensoriais ao longo do caminho, quando deslocado para frente, identificando facilmente objetos e desníveis.

Segundo Kim e Emerson (2018), no seu estudo da bengala longa com ponta curvada (Figura 5 – b), houve uma maior detecção de obstáculo e desnível se comparada à da ponteira comum, quando foram utilizadas com a técnica de contato constante. 

Outra proposta para melhorar a bengala branca comum é apresentada por Schelling Hout et al. (2001), que tenta ampliar a capacidade de detecção de obstáculos. Seu desenvolvimento faz alterações nos ângulos de posicionamento da ponta (ponteira) e os resultados apresentados indicam que houve de fato um aumento na detecção de objetos e também na quantidade de informação sensorial percebida pelo usuário ( Figura 5 – c).

Figura 5 – (a) Bengala branca híbrida; (b) Bengala branca com ponta curvada e bengala branca comum com ponteira de Marshmallow sem “roller”; (c) Uma representação esquemática da bengala comum reta, bengala curva com 10° e bengala curva com 0°

Este artigo está organizado da seguinte forma: a Seção 2 introduz a metodologia das avaliações qualiquantitativas utilizadas para o desenvolvimento do protótipo, além de todo o processo para alcançar a meta de usabilidade definida; a Seção 3 descreve todo o desenvolvimento do protótipo, o tratamento estatístico dos dados, a etapa de validação do protótipo, as considerações dos PP e a discussão; a Seção 4 apresenta a conclusão e as oportunidades para estudos futuros.

2 Metodologia

Nesse projeto foi adotado uma metodologia de avaliação quali quantitativa. A vida útil das novas ponteiras omnidirecional “Omni-Tip” foi avaliada quantitativamente por meio de testes de laboratório, comparando-as com ponteiras padrão, e a usabilidade foi avaliada qualitativamente por meio de questionários de satisfação quanto ao uso e o atendimento das  necessidades e anseios dos participantes de pesquisa. Para a avaliação de usabilidade foram recrutados 15 deficientes visuais, com idades entre 18 e 65 anos, sendo 5 mulheres e 10 homens. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Mogi das Cruzes – São Paulo – Brasil, sob o número 5.281.581. 

2.1 Definição das metas para os protótipos “Omni-Tip”

A proposta é minimizar o agarre da ponteira ao solo, melhorando as características da bengala branca comum, de modo a trazer mais conforto e segurança ao deficiente visual durante sua caminhada. Para isso, estipulamos algumas metas (Tabela 1), que serão balizadoras dos processos produtivos e dos testes de laboratório para as novas bengalas “Omni-Tip”.

Tabela 1 – Comparação bengala branca comum e bengala branca “Omni-Tip”

Características da ponteiraAtualBengala Branca ComumMetasBengala “Omni-Tip”
Agarre ao soloSimNão
Peso (g)57gEpóxi (97 g), Poliuretano (77 g)
Diâmetro da esfera (mm)40 mm47 mm
Cor da esferaBrancaVermelha
Dureza Shore da esfera100 D (não flexível)80 A e 90 A (flexível)
Material da esferaNylonEpóxi e Poliuretano
Fixação na bengalaExterno ao tuboInterno ao tubo
Substituição Usuário não consegueFácil pelo usuário
Vida útil1 vida1,5 vida

Fonte: elaborado pelo autor.

Os protótipos da “Omni-Tip” serão construídos em resina Epóxi flexível e Poliuretano, mesmo material de rodinhas de Skate2, com propriedades de alta resistência à abrasão e sem perda de flexibilidade. Por conta disso e por sua geometria construtiva sem agarre, espera-se que a nova ponteira apresente: maior capacidade de absorção de impactos, maior resistência à abrasão, maior vida útil sem diminuir a sensibilidade no toque à superfície, mantendo assim uma interface fidedigna em relação ao deficiente visual e ao solo; deverá ser fabricada na cor vermelha para ser facilmente percebida pelos transeuntes, trazendo maior segurança ao usuário.

2.2 Fluxograma das avaliações, quantitativas e qualitativas

Na Figura 6 é apresentado o Fluxograma da metodologia utilizada nas avaliações do protótipo da ponteira omnidirecional “Omni-Tip”.

Fonte: elaborado pelo autor.

2.3 Definição do número de PP

Foram utilizados os critérios de avaliação heurística de Nielsen e Landauer (1993), que propuseram uma relação custo-benefício adequada a estudos, em relação à quantidade de avaliadores – PP (Figura 7 – A), pois a partir de uma certa quantidade de avaliadores há uma tendência de se encontrar os mesmos tipos de problemas, sendo importante definir essa quantidade tendo em vista o nível de porcentagem de usabilidade desejada.

Dessa forma é primordial entender que o melhor custo-benefício para o estudo seria de 3 a 4 avaliadores para identificar de 65 a 70% dos problemas de usabilidade (Figura 7 – B); isto posto, para existir a possibilidade de encontrar maior quantidade de problemas, aumentou-se o número de avaliadores (Figura 7 – A), definido neste projeto em 15, a fim de viabilizar a identificação de mais de 85% dos potenciais problemas, de modo a garantir que o usuário possa ter em suas mãos um produto de excelência. 

Figura 7 – (A) Gráfico da Proporção de Problemas de Usabilidade Encontrados X Número de Avaliadores e (B) Gráfico da relação Custo-Benefício X Número de Avaliadores

Fonte: Nielsen e Landauer (1993, p. 206-213) – Tradução nossa.

A definição dos PP passou por alguns critérios definidos para esse projeto, a fim de possibilitar seu melhor desenvolvimento com o mínimo de interferências externas que pudessem desviar o foco do estudo sobre a ponteira. Esses critérios foram avaliados e aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Mogi das Cruzes.

Critério de inclusão: foram aceitos para o estudo os PP maiores de idade, de 18 até 85 anos, usuários de bengala branca há pelo menos 1 ano com a técnica de contato constante, com perda total ou parcial da visão, que não apresentassem doenças sistêmicas ou qualquer outra enfermidade impeditiva para a realização dos procedimentos.

Critério de exclusão: foram excluídos do estudo os PP que apresentassem dificuldades de locomoção ou que somente se locomoverem com guias, PP com insuficiência renal crônica em tratamento dialítico, PP fora da faixa etária determinada, PP com pressão arterial não controlada e PP que por algum motivo abandonou o projeto de pesquisa.

Com apoio nessas bases definiu-se a amostra (N = 15), quinze – PP, sendo dois (2) com baixa visão, doze (12) com perda total da visão e um (1) com perda total da visão e baixa audição. Os PP foram selecionados com indicação da especialista em Orientação e Mobilidade (O&M) da Subsecretaria de Acessibilidade e Inclusão – SAI – de Guarulhos, sendo convidados alunos da própria Subsecretaria e da Associação dos Deficientes Visuais de Guarulhos – ADEVIG.

O procedimento para a avaliação da usabilidade da nova bengala omnidirecional foi dividido em três fases, apresentadas a seguir.

2.4 Fase 1 – Brainstorming

  Aplicado em reunião com os PP, juntamente com a especialista em O&M, permitiu reunir informações necessárias para balizar as melhorias a serem implementadas nos novos protótipos das bengalas omnidirecionais “Omni-Tip” que seriam desenvolvidas.

2.5 Fase 2 – Avaliações quantitativas e qualitativas

Essas duas fases aconteceram em paralelo, mas com a avaliação quantitativa findando primeiro, para que os PP tivessem informações quanto à vida útil das ponteiras antes da primeira avaliação qualitativa.

2.5.1 – Avaliação quantitativa – teste de vida útil acelerado

Este teste foi realizado no Laboratório de Usinagem do Instituto Federal de Guarulhos, onde foram comparadas três ponteiras com diferentes materiais (Resina Epóxi Shore 80 A, Resina de Poliuretano Shore 80 A e Resina de Poliuretano Shore 90 A), com três ponteiras padrão de mercado em Nylon Shore 80 D. 

As ponteiras foram testadas aos pares, sendo: uma padrão e outra “Omni-Tip”; após três baterias de testes as seis ponteiras foram avaliadas quanto à forma, ao desgaste e sua perda de massa.

A duração dos testes foi definida pela pior situação da ponteira padrão, quando apresentasse afunilamento da esfera em forma de cone durante o processo de abrasão.

Utilizou-se uma esteira ergométrica adaptada com comprimento de 1,90 m e largura de 1,20 m, para realizar o teste de vida útil acelerado nas ponteiras, com Velocidade Periférica (VP) de 0,63 m/s (2,27 Km/h), mas neste momento, como pretendemos determinar somente a quantidade de massa perdida durante o processo, a rotação não foi relevante.

No plano da esteira foram colados dois tipos de lixas intercaladas, ambas da Norton, cinta de lixa R821 Zircônio grão 36 e cinta de lixa W427 Carbeto de Silício P120.

Para a fabricação das semiesferas das ponteiras foi utilizado resina Epóxi flexível 2220, endurecedor 3154, da Redelease3, misturada na proporção 2 para 1 em massa, mais corante, cura de 24 h e Shore 80 A. E resina de Poliuretano, adquirida da JN-Poliuretano4, misturada na proporção 7 para 1 em massa, mais corante, cura de 3 h e Shore 80 A.

Utilizando-se a técnica de contato constante durante o teste, as bengalas foram movimentadas em arco, da direita para a esquerda e vice-versa, com ângulo comprometido entre 90° e 180° (Figura 8 – A). Essa movimentação foi realizada com o auxílio de atuadores pneumáticos, suas válvulas direcionais e o sistema rotativo que converteu os movimentos retilíneos dos atuadores em movimentos oscilatórios rotativos (Figura 8 – B e C).

Figura 8 – Movimentação em arco das bengalas

Fonte: imagens registradas pelo autor.

Com esse teste comparou-se a vida útil das ponteiras esféricas comuns de mercado, com diâmetro de 40 mm em Nylon, e das propostas por este projeto “omnidirecional” em Poliuretano Shore 80 A, Poliuretano Shore 90 A e Resina Epóxi Shore 80 A, as três com diâmetro de 47 mm.

As duas bengalas foram conectadas lado a lado ao sistema de giro mantendo um ângulo de aproximadamente 43° em relação à esteira, de acordo com Kim et al. (2016) , a esteira que foi preparada para simular o caminhar para frente do deficiente visual teve o sentido da sua rotação invertido, pois o agarre existente na bengala branca comum,  prendia-a ao plano da esteira, e não permitiu que o teste fosse iniciado, o que demonstrou logo de início a vantagem da omnidirecionalidade da bengala desenvolvida nesse projeto, a “Omni-Tip”.

2.5.2 – Avaliação Qualitativa – Teste de Campo

O teste de campo teve seu trajeto e duração determinados pela especialista em O&M de modo a permitir que os PP pudessem ter parâmetros para avaliar a nova bengala omnidirecional “Omni-Tip”. O trajeto sugerido foi o próprio quarteirão circundante à Subsecretaria de Acessibilidade e Inclusão – SAI, de Guarulhos, que atende às condições de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), NBR 9050:2020, e trajetos próximos às residências dos PP. O tempo determinado do teste foi de três (3) meses, sempre acompanhado por um especialista em O&M.

Durante os testes de campo foram respeitadas as velocidades de caminhada de cada PP, média de 3,3 km/h (0,92 m/s), pois, segundo Fukuchi et al. (2019, p. 8), indivíduos patológicos tendem a andar mais devagar, o que é perfeitamente aceitável.

2.6 Fase 3 – Avaliação Qualitativa – Meta de Usabilidade ≥ 80%

 Nessa fase foi empregado um questionário com base no System Usability Scale (SUS), método criado por John Brooke (1996) e, desde então, muito utilizado para avaliar a usabilidade de produtos que chegarão às mãos do usuário final.

Esse método atribui pontuação à escala de Likert (1932), sendo que: acima de 90 pontos o produto possui a melhor usabilidade possível, de 80 a 90 pontos possui excelente usabilidade, de 70 a 80 pontos possui boa usabilidade, 60 a 70 pontos possui usabilidade mediana e abaixo de 60 pontos o produto se mostra inaceitável.

Esse método é bastante utilizado e aceito pela comunidade científica, por isso estabeleceu-se um índice de 68 pontos como uma média de referência.

O questionário para a avaliação da usabilidade conta com 10 questões divididas em pares e ímpares, contabilizadas de acordo com Padrini-Andrade et al. (2019), sendo que: as questões têm cinco possibilidades de escolha (5 – concordo plenamente; 4 – concordo; 3 – nem concordo nem discordo; 2 – discordo; e 1 – discordo plenamente), com pontuação de 1 a 5; ao final das pontuações é gerado um único número que indica a pontuação do SUS. Para a contabilização da contribuição individual de cada questão, foi utilizada a seguinte metodologia: para as questões ímpares (1, 3, 5, 7 e 9), foi a pontuação individual menos 1 e, para as questões pares (2, 4, 6, 8 e 10), a contribuição foi a nota 5 menos a nota recebida.

Definiu-se como meta para esse projeto uma usabilidade ≥ 80 %, para que o produto possa ser considerado como de excelente usabilidade, ou como de melhor usabilidade possível.

 – O questionário no sistema SUS:

1 – Eu acho que gostaria de usar essa nova bengala branca OMNI com frequência.

2 – Eu acho a bengala branca OMNI desnecessariamente complexa.

3 – Eu achei a nova bengala branca OMNI fácil de usar.

4 – Eu acho que precisaria de ajuda de uma pessoa com conhecimentos técnicos para usar a nova      bengala branca OMNI.

5 – Eu acho que as várias partes da nova bengala branca OMNI estão muito bem elaboradas.

6 – Eu acho que a nova bengala branca OMNI apresenta muita inconsistência.

7 – Eu imagino que as pessoas aprenderão como usar a nova bengala branca OMNI rapidamente.

8 – Eu achei a nova bengala branca OMNI atrapalhada de usar.

9 – Eu me senti confiante ao usar a nova bengala branca OMNI.

10 – Eu precisei aprender várias coisas novas antes de conseguir usar a nova bengala branca OMNI.

Exemplo dos cálculos para determinar os valores de somatória das respostas ímpares, pares e pontuação de Likert (%) das questões, levando em consideração o PP 1:

Questões ímpares = (4-1) + (5-1) + (3-1) + (5-1) + (3-1) = 3+4+2+4+2 = 15

Questões pares = (5-1) + (5-1) + (5-3) + (5-1) + (5-1) = 4+4+2+4+4 = 18

Expressão: soma das questões * 2,5 = (15 + 18) * 2,5 = 83 pontos ou 83%.

3 Resultados / Discussões

Nesta seção apresentamos a sequência dos processos produtivos, desde o projeto, produção, modificações e concepção final. 

3.1 Desenvolvimento dos protótipos

– Ponteira omnidirecional – o projeto foi desenvolvido no SolidWorks versão 2018 e as peças que compõem o projeto foram executadas em três dimensões (Figura 9).

Fonte: elaborado pelo autor.

– Cabo – foi confeccionado em nylon por ser um material de fácil limpeza; possui um cone que facilita o manuseio, dificultando o deslizamento da bengala da mão. Em caso de queda da bengala em uma superfície inclinada, a parte plana do cabo não permite que ela role. Na Figura 10 apresenta-se o processo de produção: 1 – Corte da matéria-prima e furação em torno; 2 – execução da parte plana na fresadora; 3 – execução da parte cônica no torno; 4 – Cabo finalizado.

Figura 10 – Processo de produção do cabo

Fonte: elaborado pelo autor.

– Tubos – foi selecionado um tubo com diâmetro externo de ½” (12,7 mm), com espessura de parede de 1 mm, para produzir os segmentos de tubo que devem ter uma das extremidades rebaixada com comprimento de 32 mm. Para isso, foi desenvolvida uma ferramenta capaz de ser acoplada a um torno mecânico universal e realizar a operação de laminação rotativa (Figura 11 – a, b, c); os roletes da ferramenta formam ângulos com 30° para, além de facilitar a operação, permitir o encaixe linear dos segmentos e assentamento no ângulo de 30° da flange (borda), dando firmeza ao conjunto montado, juntamente com a pressão do elástico.

Figura 11 – (a) Ferramenta de laminação rotativa fixada à placa de três castanhas esquerda, tubo preparado para o início da operação de redução, roletes e tubo lubrificados; (b) Visão geral do torno mecânico universal; (c) Operação de redução realizada com sucesso

Fonte: elaborado pelo autor.

O diâmetro laminado termina em um ângulo de 30° que será acomodado ao ângulo de 30° da flange do tubo subsequente. O flangeamento (Borda) é feito manualmente com punção angular, conforme Figura 12 – (A, B, C, D e E) .

Figura 12  (A) – Esquema da operação de expansão do tubo, (B) Início da operação, (C) Tubo sem borda, (D) Esquema de montagem para execução da operação e (E) Tubo com flange, logo após a força realizada pelo batedor

Fonte: elaborado pelo autor.

– Sistema de troca rápida de ponteira – para que o usuário possa realizar a limpeza/higienização ou a substituição da ponteira, esse sistema possui uma peça (trava) que permite prender o elástico durante os passos da operação (Figura 13 – 1, 2, 3, 4 e 5).

Figura 13 – 1 – Segure a ponteira, 2 – Puxe a ponteira, 3 – Solte a trava de dentro do tubo, 4 – Deixe a trava girar na boca do tubo e execute a troca da ponteira, 5 – Reposicione a trava para colocá-la no tubo e permitir que a ponteira retorne ao tubo

Fonte: elaborado pelo autor.

Montagem da bengala branca omnidirecional – na Figura 14 é apresentada a sequência de montagem da bengala branca omnidirecional: 1 – definição do comprimento do elástico, 2 – encaixe dos tubos, 3 – passagem do elástico pelos tubos, 4 – início da montagem do sistema de travamento, 5 – encaixe da borboleta no elástico, 6 – posicionamento do elo de ligação, 7 – localização da ponta e direção da borboleta na boca do tubo, 8 – alongamento do elástico pela alça para manter o sistema unido (logo após, é feito um nó para que o elástico não volte), 9 – usuários com as bengalas em mãos.

Figura 14 – Montagem das bengalas omnidirecional “Omni-Tip”

Fonte: elaborado pelo autor.

3.2 Tratamento Estatístico de Dados

 Nessa fase do estudo foram aplicadas as ferramentas definidas na metodologia, sendo ambas comparativas: na avaliação quantitativa foi utilizado uma balança com precisão decimal para quantificação e comparação das massas iniciais e finais; na avaliação qualitativa foi utilizado a escala SUS, que mensura a usabilidade do produto. Nas duas formas de avaliação os resultados foram apresentados em porcentagem.

Parte quantitativa

Avaliação do desgaste com testes de vida útil acelerados – O atrito mecânico gerado nas partes móveis dos mecanismos pode causar desgastes súbitos e indesejados. Seu estudo deve ser realizado na fase de projeto mecânico e, quando possível, experimentalmente em tribômetros padronizados ou em ensaios “in loco” (LAANG et al., 2016; MARQUIORI et al., 2020; STOETERAU, 2021).

Nos estudos sobre atrito desenvolvidos por Cross (2015, p. 2) foi identificado que “Em todos os casos verificou-se que o coeficiente de atrito de rolamento aumentou com a velocidade de rolamento e rugosidade da superfície, e diminuiu com o aumento do diâmetro da esfera de superfície”. Como o design da “Omni-Tip” possui um diâmetro maior que o da ponta comum, há menor perda de material por abrasão, corroborando os estudos de Cross (2015).

Alaci et al. (2020) nos mostram que no atrito de rolamento há menos desgaste se comparado ao atrito de deslizamento ou atrito de rotação. Essa informação gera expectativas positivas em relação ao teste de vida acelerado, pois na comparação das duas ponteiras, a “Omnidirecional” apresenta movimento de rolamento para os lados e para frente, portanto é esperado que também apresente menor desgaste e, portanto, maior vida útil.

– Parte qualitativa

Os 15 Participantes da Pesquisa (PP) avaliaram a bengala branca com a tecnologia omnidirecional proposta, por meio de um procedimento dividido em três fases, a saber: fase 1 – Brainstorming, para levantar sugestões de melhorias a serem implementadas à nova bengala; fase 2 – teste de campo (com acompanhamento da especialista em O&M) em paralelo com teste acelerado de vida útil em bancada; fase 3 – aplicação de questionário baseado no método System Usabilidade Scale, que mede o grau de usabilidade do produto proposto, utilizando-se a escala Likert para atribuir valores percentuais.

3.2.1 Avaliação Quantitativa

Os resultados da avaliação quantitativa são provenientes do teste de vida útil acelerado realizado em bancada dentro do Laboratório de Usinagem. As amostras foram pesadas no início e no fim do teste e os resultados em função da porcentagem perdida de massa são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2 – Teste Acelerado de vida útil – avaliação de desgaste por abrasão das ponteiras

Fonte: elaborado pelo autor.

Teste 1 – A Figura 15 A mostra as ponteiras nas condições iniciais do teste de vida útil, e a B mostra as condições finais do teste. Na comparação do desgaste foi verificado que a Resina Epóxi Flexível com Shore 80 A, material utilizado para fabricar a ponteira omnidirecional, é pouco emborrachada e permite menor atrito ao solo; com isso a ponteira não gira com facilidade em torno do pino de giro, aumentando a abrasão e, quando comparado, o desgaste foi mais expressivo que o da ponteira comum. Nessa condição esse material foi reprovado.

Figura 15 – A – Condições iniciais do teste, B – Condições finais do teste

Fonte: elaborado pelo autor.

Teste 2 – A Figura 16 A mostra as ponteiras nas condições iniciais do teste, e a Figura 16 B mostra as condições finais do teste. Na comparação do desgaste foi verificado que a Resina de Poliuretano Shore 80 A, material utilizado para fabricar a ponteira omnidirecional, possui uma característica emborrachada e mais macia, permitindo maior aderência ao solo; com isso a ponteira gira com facilidade em torno do pino de giro, diminuindo a abrasão e resultando em menor desgaste em relação ao material de fabricação da ponteira comum de mercado. Nessa condição esse material foi aprovado.

Figura 16 – A – Condições iniciais do teste, B – Condições finais do teste

Teste 3 – A Figura 17 A mostra as ponteiras nas condições iniciais do teste de vida útil, e a Figura 17 B mostra as condições finais do teste. Na comparação do desgaste foi verificado que a Resina Acrílica Flexível com Shore 90 A, material utilizado para fabricar a ponteira omnidirecional, é pouco emborrachada e permite menor atrito ao solo; com isso a ponteira não gira com facilidade em torno do pino de giro, aumentando a abrasão, o que provoca maior desgaste em relação ao material de fabricação da ponteira comum de mercado. O resultado foi melhor que o do Teste 1, mas pior que o do Teste 2 e, nessa condição, esse material foi reprovado.

Figura 17 – A – Condições iniciais do teste, B Condições finais do teste

3.2.2 Avaliação Qualitativa – primeira

A primeira avaliação qualitativa refere-se à ponteira analisada no teste acelerado de vida útil, Teste 1 – com dois rolamentos. A tabulação das respostas (Tabela 3) ilustra como os PP avaliaram o protótipo da bengala branca omnidirecional.

Tabela 3 – Tabela da primeira avaliação qualitativa

Fonte: elaborado pelo autor.

Segue exemplo dos cálculos para determinar os valores de Somatória das respostas ímpares, pares e a pontuação Likert das questões, levando em consideração o PP 1:

Questões ímpares = (4-1) + (5-1) + (3-1) + (5-1) + (3-1) = 3+4+2+4+2 = 15

Questões pares = (5-1) + (5-1) + (5-3) + (5-1) + (5-1) = 4+4+2+4+4 = 18

Expressão: soma das questões * 2,5 = (15 + 18) * 2,5 = 83

Ao final dos cálculos, a expressão resultante mostra que foram alcançados 75,2% na escala Likert, correspondendo à faixa de 70 a 80% e indicando que o produto possui boa usabilidade, mas está abaixo do esperado de 80%. Percebeu-se que o percentual alcançado representa a avaliação geral dos PP e, dessa forma, foi realizada uma análise das questões, para identificar as mais impactantes (5, 6 e 9)  na redução da média geral.

Analisando o sistema de avaliação, identificou-se que as respostas pares e ímpares atingem apenas 60 pontos, pois:

– questões ímpares: o valor do item escolhido (de 1 a 5), ​​menos 1, implica que cada questão só pode atingir 4 pontos, que, multiplicados por 15 PP, chegam a 60 pontos;

– questões pares: o valor 5 menos o item escolhido (de 1 a 5), ​​da mesma forma, implica que cada questão também só pode receber uma pontuação máxima de 4 pontos, os quais, multiplicados 15 PP, chegam igualmente a 60 pontos.

Portanto, a pontuação individual para cada questão pode ser obtida da seguinte forma:

Questão 5 – Eu acho que as várias partes da nova bengala branca OMNI estão muito bem elaboradas.

Q533232233232342240%

Questão 5 = (3-1) + (3-1) + (2-1) + (3-1) + (2-1) + (2-1) + (3-1) + (3-1) + (2-1) + (3-1) + (2-1) + (3-1) + (4-1) + (2-1) +(2-1) = ((24)*100)/60) = 2400/60 = 40%

Questão 6 – Eu acho que a nova bengala branca OMNI apresenta muita inconsistência.

Q634342434435555527%

Questão 6 = (5-3) + (5-4) + (5-3) + (5-4) + (5-2) + (5-4) + (5-3) + (5-4) + (5-4) + (5-5) + (5-5) + (5-5) + (5-5) + (5-5) + (5-5) = ((16)*100)/60) = 27%

Questão 9 – Eu me senti confiante ao usar a nova bengala branca OMNI.

Q933443334434535467%

Questão 9 = (3-1) + (3-1) + (4-1) + (4-1) + (3-1) + (3-1) + (3-1) + (4-1) + (4-1) + (3-1) + (4-1) + (5-1) + (3-1) + (5-1) + (4-1) = ((40)*100)/60) = 4000/60 = 67%

Com esse procedimento foi levantado as questões que mais incomodavam os PP e, por meio delas, identificamos as propostas de melhorias elencadas.

– Sugestões de melhorias indicadas pelos PP, com relação à ponteira “Omni-Tip”.

1 – Diminuir peso; 2 – Aumentar vida útil; 3 – Trocar o material, para absorver melhor os impactos; 4 – Diminuir o custo final.

– Modificações realizadas para atender às sugestões de melhorias 

De acordo com os dados da primeira avaliação qualitativa, identificou-se a necessidade de desenvolver um novo protótipo da ponteira omnidirecional, substituindo o material das semiesferas: de Resina Epóxi flexível com Shore 80 A, para Resina de Poliuretano com Shore 80 A, aprovada no Teste 2item 3.2.1, da avaliação quantitativa. Esse novo material possui maior capacidade de absorção de impactos, com menor abrasão por atrito e maior durabilidade. Além disso, aproveitou-se para substituir os rolamentos por buchas, diminuindo a massa e custo do produto.

 Na Figura 18, é apresentado o processo de fabricação das semiesferas com incrustação da bucha de alumínio, molde em alumínio e pinos de aço para centralização e fixação da bucha. O molde conta com canal de injeção por coquilha (processo de envase por gravidade da resina, aberto ao ambiente e canal de respiro em volta do pino de fixação, que deixa uma face da bucha apta para receber o ajuste axial por parafuso, uma vez que o seu diâmetro interno já está ajustado ao eixo que a suportará). As figuras estão assinaladas na sequência do processo: A – Molde aberto com fina camada de desmoldante, B – Montagem dos espaçadores no pino base, C – Montagem da parte inferior do molde no pino base, acima dos espaçadores, D – Pino superior com rebaixo permitindo a câmara de escape de bolhas e parte plana para respiro, E – Colocação da bucha que ficará incrustada na resina, posicionamento do pino superior no centro da bucha e fechamento do molde, F – Canal redondo de injeção e canal plano para respiro, G – Início da preparação da resina bicomponente A – 20 g – (na proporção de 7 de A para 1 B), H – Pigmentação da resina 2 gotas de corante vermelho vivo, I – Introdução do componente B na mistura da resina, J – Mistura completa no recipiente, pronta para homogeneização,  K –  Mistura completamente homogeneizada com menos de 20 s, L – Envase por gravidade no molde em menos de 1 min, M – Molde envasado, N – Colocação de pesos para impedir a abertura do molde e penetração de resina abaixo da bucha, durante o processo de cura da resina, O – Após duas horas do início do desmolde, retirada dos pesos, P – Retirada do pino superior e corte do excesso de resina dos canais, Q – Retirada do pino inferior, R – Abertura do molde (peça perfeita sem rebarbas faceando o molde), S Peça extraída do molde, TPeça com canais e sem os canais de injeção e respiro, U Comparação de uma peça com rolamento do Teste 1 e outra com bucha do Teste 2.

Figure 18Processo de Fabricação das semiesferas em Poliuretano

Fonte: elaborado pelo autor.

3.2.3 Avaliação qualitativa – segunda parte

Após as devidas alterações no produto e novo teste de campo de uma semana, temos a segunda avaliação apresentada na Tabela 4.

Tabela 4 – Tabela da segunda avaliação qualitativa

Fonte: elaborado pelo autor.

3.2.3 Considerações finais dos PP sobre a bengala branca omnidirecional “Omni-Tip”, após as avaliações.

“Senti que o fato de rolar muito bem, aliviou os esforços para conduzi-la”; – P2

“Fiquei muito satisfeito em participar deste projeto, pois sinto que tivemos a oportunidade de criar uma nova Tecnologia Assistiva que atende melhor a nossa comunidade tão marginalizada, sei que ainda não é o ideal, mas estamos no caminho certo.” – P2

“Identifiquei que o sistema de troca rápida permitia que a operação fosse realizada em menos de um minuto;” – P13

“Identifiquei que o projeto da ponteira omnidirecional trouxe uma nova perspectiva que mesmo nós, deficientes visuais, imaginávamos existir.” – P2

3.3 Discussão

As melhorias no protótipo somente ocorreram devido aos testes de vida útil acelerados “in loco”, culminando na substituição dos rolamentos por buchas, o que produziu impactos diretos no menor peso e custo do projeto, em sintonia com as sugestões de Laang et al. (2016), Marchiori et al. (2020) e Stoeterau (2021).

A seleção do material com maior vida útil utilizado nas ponteiras “Omni-Tip” foi possível por meio dos testes de vida útil acelerados, comprovando que o desgaste foi maior no atrito por deslizamento do que no atrito de rolamento, como indicado por Alaci et al. (2020). 

Ainda com relação ao desgaste, vale lembrar que a esfera “Omni-Tip” com diâmetro maior, que a princípio não permitia queda em grelhas de águas pluviais, também favoreceu a diminuição da abrasão, colaborando diretamente para  garantir maior vida útil, em conformidade com os apontamentos de Cross (2015).

Os estudos apresentados por Khan et al. (2018) identificam tendências de utilização de TA’s integradas ao telefone celular e mostram ainda que a maioria dos desenvolvimentos priorizam a eletrônica, ainda que muitos deles somente tenham sido embarcados à bengala branca comum. O autor aponta, também, que vários desses desenvolvimentos não se mostraram capazes de transmitir ao usuário informações confiáveis, além de serem, alguns deles, caros e com problemas de adaptação e manutenção.

Com isso percebe-se que poucos estudos priorizaram a mecânica da bengala branca comum, mas como mostram diversos autores (RIZZO et al., 2018; KIM e EMERSON, 2018; SCHELLINGER HOUT et al.,  2001), ainda há muito a ser estudado para esgotar esse paradigma. Principalmente com a nova proposta mecânica utilizada na robótica, apresentada por Tadakuma et al. (2008), possibilitam-se novos estudos e melhoria de qualidade para o usuário. Como exposto por Cruz e Emmel (2015), a qualidade é um item muito importante para que se diminua o abandono das TA’s. Lugli (2016) também argumenta que são necessários desenvolvimentos que não comprometam a autoestima do usuário, razão pela qual a qualidade do produto, seu custo, seu peso e sua descrição foram itens balizadores do projeto proposto para a produção da bengala branca “Omni-Tip”.

Segundo Kim (2016), é importante desenvolver tecnologias que possam melhorar a bengala branca comum, mas de igual importância é saber que ela ainda é o recurso mais utilizado pelos deficientes visuais. 

4 Conclusão

Este desenvolvimento prima por não apresentar grandes alterações geométricas na bengala branca comum, ao mesmo tempo em que traz melhorias significativas em sua usabilidade, evitando o potencial estigma da cegueira e o abandono de novas tecnologias. Seu princípio básico contou com a participação efetiva dos deficientes visuais, norteando os desenvolvimentos, processos e pesquisas.

A opção de investir no campo da mecânica para a solução do problema apresentado, por meio de uma ponteira capaz de se movimentar em qualquer direção, mostrou-se eficaz, praticamente eliminando o agarre ao solo. Um fato não esperado, mas muito positivo, apareceu no relato de um dos PP, que identificou um menor esforço na condução da bengala omnidirecional, já que sua tecnologia mecânica elevou a bengala branca comum, já aceita pela comunidade cega, a um outro patamar de qualidade com a “Omni-Tip”, evidenciando que existe um novo paradigma a ser explorado. 

De acordo com a avaliação dos PP, o objetivo de apresentar uma solução segura e economicamente acessível para a ponteira da bengala branca comum foi plenamente atingido.

– Oportunidades de trabalhos futuros:

– Diminuir a distância entre as duas semiesferas;

– Quantificar a diminuição dos esforços na condução da “Omni-Tip”;

– Utilizar espuma expandida de Poliuretano, semelhante às utilizadas em volantes automotivos, na confecção das semiesferas para diminuir peso e aumentar a sua vida útil.

– Pontos-chave:

– Desenvolvimento de ponteira Omnidirecional mecânica para bengala branca;

– Desenvolvimento da ferramenta de laminação rotativa para conformação das pontas dos tubos de diâmetro 1/2” (12.7 mm)  da Liga de Alumínio – AA 6063 T5, com parede fina (1mm) das bengalas brancas;

– Desenvolvimento das semiesferas da ponteira Omnidirecional em Poliuretano Shore 80 A;

– Desenvolvimento da plataforma Tribometer para realização do teste de vida útil acelerado.

– Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

– Conflito de interesse: “Os autores declaram não haver conflito de interesse”.

Referências

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1Sistema de giro da ponteira, através de rolamento de esferas.
2Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/educacao-fisica/rodas.htm. Acesso em: 24/10/2022.
3Disponível em: . Acesso em: 14/10/2022.
4Disponível em: . Acesso em: 14/10/2022.
5Dureza para polímeros e elastômeros: sendo Shore A mais flexível e Shore D menos flexível. Disponível em: https://afinkopolimeros.com.br/dureza-shore-ou-rockwell-qual-escolher/. Acesso em: 26 out. 2022.
6Dureza do Nylon. Disponível em: https://www.polybrasil.com.br/wp-content/uploads/2018/08/datasheet-nylon60-roc.pdf. Acesso em: 26 out. 2022.
7Fornecedora de resinas. Disponível em: https://www.redelease.com.br/resina-epoxi-flexivel-com-endurecedor-01-kg.html. Acesso em: 14 out. 2022.
8Fornecedor de resina. Disponível em: https://jnpoliuretano.com.br/. Acesso em: 14 out. 2022.


1,2Claudemir Claudino Alves
claudemiralves@ifsp.edu.br
Orcid id: https://orcid.org/0000-0002-1801-801X
autor correspondente

2Eduardo Guy Perpétuo Bock
eduardobock@gmail.com

1Terigi Augusto Scardovelli
terigi@gmail.com

1Alessandro Pereira da Silva
alessandrops@umc.br

1Silvia Regina Matos da Silva Boschi
boschi@umc.br

1Professora Dra. Silvia Cristina Martini
silviac@umc.br