REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102503061056
Emeline Trindade de Araújo Vasconcelos Aires[1]
Rosilene Agra da Silva[2]
Alfredina dos Santos Araújo[3]
Resumo: As doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), como doenças cardiovasculares, obesidade e diabetes, são um problema global de saúde, frequentemente ligadas a maus hábitos de vida e alimentação inadequada. Uma alimentação adequada, incluindo alimentos funcionais, pode ser essencial na prevenção e controle dessas doenças, já que as fibras solúveis podem ajudar no controle de glicose e colesterol. Portanto este estudo desenvolveu produtos de panificação funcionais com adição de farinha da casca de maracujá (FCM) em diferentes proporções. Foram analisadas a qualidade microbiológica, o teor de fibras e as características sensoriais de cookies, brownies e pães de sal. As amostras apresentaram segurança microbiológica dentro dos padrões legais, e a adição de FCM reduziu o valor energético e aumentou o teor de fibras nos cookies e pães, sem variação significativa nos brownies. Sensorialmente, os cookies com 10% FCM tiveram melhor avaliação em sabor e aceitação geral; os pães diferiram na aparência, com aceitação moderada, e os brownies não mostraram diferenças sensoriais relevantes. Os resultados indicam que a FCM pode melhorar o perfil nutricional sem comprometer a aceitação dos produtos de panificação.
Palavras-chave: Doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), alimentos funcionais, fibras, farinha da casca do maracujá.
Abstract: Chronic noncommunicable diseases (NCDs), such as cardiovascular diseases, obesity and diabetes, are a global health problem, often linked to poor lifestyle habits and inadequate diet. An adequate diet, including functional foods, can be essential in the prevention and control of these diseases, since soluble fibers can help control glucose and cholesterol. Therefore, this study developed functional bakery products with the addition of passion fruit peel flour (PFPF) in different proportions. The microbiological quality, fiber content and sensory characteristics of cookies, brownies and savory breads were analyzed. The samples presented microbiological safety within the legal standards, and the addition of PFPF reduced the energy value and increased the fiber content in cookies and breads, with no significant variation in brownies. Sensorially, cookies with 10% PFPF had better evaluation in flavor and general acceptance; breads differed in appearance, with moderate acceptance, and brownies showed no relevant sensory differences. The results indicate that PFPF can improve the nutritional profile without compromising the acceptance of bakery products.
Keywords: Non-communicable chronic diseases (NCDs), functional foods, fibers, passion fruit peel flour.
Introdução
As doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) se caracterizam por um conjunto de patologias de múltiplas causas e fatores de risco, longos períodos de latência e curso prolongado. Têm origem não infecciosa e resultam em incapacidades funcionais. No Brasil, as DCNTs representam a principal carga de doenças e mortes na população, constituindo-se como um importante problema de saúde pública (FIGUEIREDO; CECCON; FIGUEIREDO, 2021).
De acordo com Brito (2019) as doenças crônicas estão relacionadas ao estilo de vida e a alimentação inadequada, tornando-se responsáveis por cerca de 70% das mortes no mundo. Por sua vez, a epidemia de DCNTs tem gerado gastos com saúde pública, sobrecarga dos sistemas de saúde, refletindo em prejuízos na saúde individual, das famílias e população geral.
Vitalli (2021) corrobora com Brito (2019) em discorrer sobre o papel primordial da alimentação tanto na prevenção como na promoção da saúde, evitando as DCNTs (diabetes, hipertensão, obesidade, entre outras). O consumo de alimentos saudáveis pode impedir o desenvolvimento dos fatores de risco para essas doenças.
Guia alimentar da população brasileira (2014), afirma que os padrões alimentares estão passando por mudanças em relação a substituição de alimentos in natura ou minimamente processados de origem vegetal por alimentos industrializados / ultraprocessados, prontos para o consumo. Nesse contexto, o material incentiva o consumo saudável de alimentos e preparações culinárias no combate a obesidade e prevenção ao desenvolvimento de outras doenças associadas.
A alimentação tem se configurado como o principal fator na prevenção e controle de DCNTs. Estudos realizados comprovam as propriedades benéficas de determinados alimentos, que são chamados de Alimentos Funcionais (BRITO, 2019).
Conceição e Borges (2021) descrevem o alimento funcional como alimento caracterizado por ações metabólicas e/ou fisiológicas que um nutriente (fibra), ou não nutriente (licopeno), desempenha no organismo, desenvolvendo e mantendo o crescimento e outras funções contribuindo para a homeostase do corpo. Dessa forma, acredita-se que a ingestão de fibras pelo paciente diabético e/ou com DCNTs produza efeitos fisiológicos orgânicos, dentre eles, o controle glicêmico e redução do colesterol.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes – SBD (2019), um estudo realizado para avaliar a suplementação de fibras solúveis em pacientes dislipidêmicos e com diabetes observou que, após 12 semanas de consumo de 6 g de fibra solúvel extraída da farinha da casca do maracujá, os pacientes suplementados tiveram redução dos níveis de glicose e LDL – colesterol.
Macedo, Raposo, Bezerra (2019), relata que a farinha da casca do maracujá, é rica em pectina, uma fração da fibra solúvel que tem a capacidade de reter água formando géis viscosos que retardam o esvaziamento gástrico e o trânsito intestinal. Possui em sua composição macronutrientes (açúcares, proteínas e fibras) e micronutrientes (vitamina B3 – niacina, ferro, cálcio e fósforo); além do que, as fibras da casca do maracujá, em suas propriedades, podem ser utilizadas no desenvolvimento de preparações funcionais na forma de farinha (CUNHA; CATTELAN, 2019).
O resíduo agroindustrial (farinha) da casca do maracujá tem sido bastante utilizado na formulação de novos produtos como substituto de outras farinhas e tem contribuído para redução dos descartes industriais e domésticos, e como consequência, aumenta a diversidade de produtos que podem ser consumidos por portadores de DCNTs (BRITO, 2019).
Por não fazerem parte dos hábitos alimentares da maioria das populações, os resíduos de frutas podem ser importantes fontes de fibras quando adicionados em produtos de panificação, que geralmente tem baixo teor do nutriente. A farinha da casca do maracujá passa a conferir a esses produtos propriedades nutricionais benéficas a saúde, conferindo ao novo produto características de alimento funcional (CONCEIÇÃO; BORGES, 2020).
O programa nacional de alimentação escolar (PNAE) fornece alimentação adequada aos escolares incorporando sustentabilidade e respeito aos hábitos e culturas alimentares regionais. Considerando a escola como um lugar que exerce influência na vida das crianças e dos adolescentes, é imprescindível que se desenvolvam ações e práticas que auxiliem na promoção da saúde e qualidade de vida, sendo uma delas, o estímulo e a sensibilização à prática da alimentação saudável (CASAGRANDE; CANCELIER; BELING, 2021)
Os produtos de panificação, por serem bem aceitos, podem ser elaborados com a farinha da casca do maracujá, e incluídos no cardápio da merenda escolar, objetivando o aumento do consumo de fibras, a diversidade dos alimentos oferecidos e o desenvolvimento de atividades de educação nutricional voltadas para os alunos.
Portanto, o melhoramento de produtos de panificação já existentes, com substituição parcial da farinha de trigo por resíduo agroindustrial (farinha) da casca do maracujá permite o consumo por indivíduos de todas as idades, agrega valor nutricional ao alimento, aumenta a concentração de fibras solúveis e auxilia no tratamento / prevenção de DCNTs, e aumenta a vida de prateleira do produto.
Assim, o presente estudo tem como objetivodesenvolver formulações culinárias funcionais, a partir de produtos de panificação já existentes (biscoito tipo cookies, brownies e pães), com adição de farinha da casca do maracujá em diferentes proporções. Para tanto, se fe necessário a elaboração de receitas para biscoitos tipo cookies, brownies e pães, com utilização da farinha da casca do maracujá amarelo em diferentes proporções, em seguida, foram determinadas as características microbiológicas das preparações, prosseguiu-se com sua rotulagem nutricional, de acordo com a tabela TACO (Tabela Brasileira de Composição dos Alimentos), foi também verificada a quantidade de fibra disponível em cada formulação e aplicados testes visando avaliar a aceitabilidade das preparações e também analisar a possível intenção de compra dos produtos elaborados.
1. Material e Métodos
2.1 Caracterização da pesquisa
A pesquisa, de natureza quantitativa, exploratória e experimental, desenvolveu novos produtos de panificação utilizando farinha da casca do maracujá como substituta parcial da farinha de trigo em diferentes proporções. Segundo Barros e Lehfeld (2000), a experimentação é um conjunto de procedimentos estabelecidos para a verificação da hipótese, sempre realizada em situações de laboratório, para controle de circunstâncias e variáveis que possam interferir na relação de causa e efeito que está sendo estudada.
2.2 Local do experimento
Os experimentos foram desenvolvidos no Laboratório de Nutrição e Dietética do Centro Universitário de Patos – UNIFIP, abrangendo biscoitos tipo cookies, brownies e pães de sal, enquanto as análises microbiológicas foram feitas no Centro Vocacional Tecnológico (CVT) da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG em Pombal (CCTA/UFCG), e a análise sensorial dos produtos aconteceu no Laboratório de Nutrição e dietética do Centro Universitário de Patos – UNIFIP.
2.3 Elaboração dos produtos
A pesquisa desenvolveu, a partir de produtos já existentes, biscoito tipo cookies, brownies e pão de sal, considerados receitas padrão (Tabela 1) adicionados de resíduo agroindustrial da casca do maracujá em substituição parcial a farinha de trigo tradicional. A matéria prima da farinha da casca do maracujá utilizada no preparo das formulações foi obtida em loja especializada em produtos naturais na cidade de Patos/PB. Os demais insumos para a elaboração dos produtos foram adquiridos em supermercados locais da mesma cidade.
Tabela 1. Ingredientes usados na produção dos biscoitos tipo cookies, brownies e pães de sal na receita padrão.
A formulação tanto padrão quando os com adição de farinha de casca do maracujá, segue o fluxograma de preparo apresentado abaixo (Figura 1).
Figura 1. Fluxograma de preparo do biscoito tipo cookies, brownies e pães de sal.
2.3.1 Biscoitos tipo cookies
Foram produzidos biscoitos tipo cookies a partir da receita adaptada e desenvolvida por Santos e André (2021), que se caracterizou por ser a receita padrão. Foram desenvolvidas outras duas receitas, a saber: Biscoito tipo cookie com farinha da casca do maracujá (FCM) a 10% e o outro biscoito tipo cookie com a farinha da casca do maracujá a 20%. Os demais ingredientes permaneceram iguais nas três receitas.
2.3.2 Brownies
A produção dos brownies, seguiu a mesma sequência dos biscoitos tipo cookies. A receita padrão foi adaptada do trabalho de Filho et al. (2018). Os percentuais de substituição da farinha de trigo seguiram as concentrações de 5% e 10% de farinha da casca do maracujá, conforme descrito por Vitalli (2021).
2.3.3 Pães de sal
Massas alimentícias são definidas como produtos obtidos da farinha de trigo e/ou derivados do trigo durum e/ou derivados de outros cereais (BRASIL, 2005). A receita padrão de pão foi adaptada de Santos (2019). Os pães foram produzidos em diferentes percentuais de concentração (5% e 10%) de farinha da casca do maracujá, escolhidos de forma aleatória de acordo com Damasceno (2018).
A Tabela 2 apresenta a quantidade de cada ingrediente definida para as preparações dos biscoitos tipo cookies, brownies e pães de sal com substituição parcial da farinha de trigo por farinha de casca de maracujá.
Tabela 2. Ingredientes utilizados na produção dos pães de sal nas na receita padrão e nas diferentes concentrações da farinha da casca de maracujá.
2.4 Rotulagem nutricional
A resolução RDC n° 259/2002 determina que alimentos comercializados, embalados sem a presença do consumidor e prontos para oferta, devem ser rotulados com informações como denominação, lista de ingredientes, conteúdo líquido, origem, lote, prazo de validade e instruções de uso, quando aplicável. Regulamentações de rotulagem são essenciais para a promoção da saúde, evitando informações enganosas e assegurando que os consumidores tenham acesso a dados confiáveis (Lima et al., 2020). Segundo Barros et al. (2020), rótulos claros proporcionam credibilidade e segurança, permitindo aos consumidores escolher produtos adequados às suas necessidades nutricionais. Os produtos desta pesquisa foram analisados para rotulagem nutricional por 100g e por porção, com informações sobre energia, carboidratos, açúcares, proteínas, gorduras, fibras e sódio, elaboradas com base nas tabelas TACO e nas regulamentações RDC 429/2020 e IN Nº 75/2020 (Brasil, 2020).
2.5 Análise microbiológica
As análises microbiológicas realizadas nos produtos foram baseadas na legislação vigente, que estabelece os padrões microbiológicos sanitários para alimentos destinados ao consumo humano (BRASIL, 2022). O quadro 1 mostra as análises que foram realizadas para cada tipo de alimento.
Quadro 1. Microrganismos para análise microbiológica dos alimentos de acordo com a RDC 12/01.
As análises microbiológicas foram fundamentadas pelo Manual de Métodos para Análises Microbiológicas de Alimentos (SILVA et al, 2017), que segue as metodologias recomendadas pelos órgãos oficiais: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), American Public Health Association (APHA), Food and Drug Administration (FDA), Food Safety and Inspection Servicedo / United States Departament of Agriculture (FSIS/USDA), Association of Official Analytical Chemist (AOAC) e International Organization for Standardization (ISO).
2.6 Análise da qualidade sensorial
A análise sensorial, definida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (1993) como método científico para avaliar as características perceptíveis de alimentos, que possam ser percebidas pelos sentidos do paladar, visão, olfato, tato e audição, utilizando conhecimentos de ciência de alimentos, fisiologia, psicologia e estatística (BRITO, 2019), foi aplicada a produtos formulados com resíduo agroindustrial de maracujá. Utilizando a escala hedônica, que é a escala de intervalo que expressa o grau de gostar ou desgostar de uma amostra pelo consumidor, de 9 pontos, o teste foi realizado no Laboratório de Nutrição e Dietética por 60 provadores voluntários, selecionados aleatoriamente, com critérios de inclusão relacionados ao interesse, faixa etária (18-60 anos), e ausência de condições que impedissem a análise sensorial. A pesquisa, aprovada pelo comitê de ética em pesquisa (CAAE: 65243722.9.0000.5182, número do parecer: 5.839.069), envolveu 67 provadores para cookies, 66 para brownie e 62 para pães de sal, todos abordados diretamente na instituição. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), seguindo a recomendação da RDC 466/12 que trata de pesquisas envolvendo seres humanos, antes dos testes, realizados com amostras codificadas e separadas, acompanhadas de água para neutralizar o paladar. Os atributos sensoriais avaliados incluíram aparência, cor, aroma, sabor, textura, e uma avaliação global, além da intenção de compra em uma escala de 5 pontos, conforme metodologia descrita por Brito (2019) e o IAL (2008).
2.7 Análise estatística
Nunes e Mattos (2018) destacam a importância da distribuição normal das amostras na estatística inferencial, influenciando a qualidade e confiabilidade das análises em pesquisas científicas. No entanto, segundo Pino (2014), a não normalidade ocorre quando variáveis seguem distribuições diferentes da normal devido a características intrínsecas do fenômeno, sem impactar significativamente a interpretação de médias simples. Nesta pesquisa, a normalidade das amostras foi testada pelo método de ShapiroWilk, revelando p-valores inferiores a 5% (p < 0,05), indicando não normalidade. As análises foram realizadas no Excel e tratadas com o teste de Kruskal-Wallis, um método não paramétrico relativo ao ANOVA, utilizando o programa R (versão 2020) para a obtenção dos resultados estatísticos.
2. Resultados e Discussão
3.1 Caracterização microbiológica dos produtos
3.1.1 Biscoito tipo cookies
A análise microbiológica das três formulações (Tabela 3) de cookies revelou que não houve crescimento de Salmonella ssp. em 25g das amostras, e Staphylococcus coagulase positiva não apresentou crescimento de nenhuma unidade formadora de colônia (UFC/g). As contagens de coliformes a 35°C e 45°C mostraram variações: o cookie padrão e o com 20% de farinha de casca de maracujá (FCM) apresentaram contagem <3,0 NMP/g, enquanto o cookie com 10% de FCM apresentou 15 e 14 NMP/g, respectivamente. Quanto aos fungos e leveduras, o cookie padrão apresentou crescimento de 1,67 UFC/g e o cookie com 20% FCM teve 333,33 UFC/g, sem crescimento na amostra com 10% FCM. Apesar dessas variações, os resultados indicam que todos os produtos são seguros para o consumo humano.
3.1.2 Brownies
Nos brownies, a análise microbiológica (Tabela 3) demonstrou ausência de Salmonella ssp. em 25g de todas as amostras, e Staphylococcus coagulase positiva não apresentou crescimento de UFC/g. A contagem de coliformes a 35°C e 45°C foi <3,0 NMP/g em todas as amostras. Os fungos e leveduras apresentaram crescimento de 183,33 UFC/g nas amostras padrão e a 5% FCM, e de 16,67 UFC/g na amostra com 10% FCM.
Assim, os brownies também atendem aos critérios de segurança para consumo.
3.1.3 Pães de sal
As amostras de pão de sal mostraram ausência de crescimento de Salmonella ssp. em 25g e ausência de crescimento de Staphylococcus coagulase positiva em todas as amostras (Tabela 3). As contagens de coliformes a 35°C e 45°C foram de 3,6 NMP/g na amostra padrão, enquanto as amostras com 5% e 10% de FCM apresentaram contagens <3,0 NMP/g. O crescimento de fungos e leveduras foi de 171,67 UFC/g no pão padrão, 318,33 UFC/g na amostra com 5% FCM, e 336,67 UFC/g na com 10% FCM. Mesmo com essas diferenças, todas as amostras de pães se enquadram nos padrões microbiológicos exigidos.
Tabela 3. Resultado das análises microbiológicas dos biscoitos tipo cookies, brownies, pães de sal elaborados em receita padrão e receita acrescida de FCM para contagem de coliformes termotolerantes e Salmonella ssp, comparados à valores padrão normatizados.
Os resultados indicam que os produtos elaborados são seguros para o consumo humano. Nascimento et al. (2020) desenvolveram produtos com farinha da casca do maracujá e obtiveram resultados compatíveis com os parâmetros microbiológicos exigidos pelas normas vigentes. Santos e Almeida (2020), em estudo semelhante utilizando farinha de banana, também verificaram resultados dentro dos padrões. Dessa forma, os produtos feitos com o resíduo agroindustrial de maracujá nesta pesquisa foram preparados seguindo as boas práticas de fabricação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA, Brasil, 2002) e estão em conformidade com a Instrução Normativa 161/22 e a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 724/2022, sendo considerados aptos para o consumo humano.
3.2 Rotulagem Nutricional
A rotulagem nutricional é uma ferramenta importante para promover a alimentação saudável, auxiliando os consumidores na escolha de produtos que contribuem para a saúde. Os alimentos desenvolvidos com farinha da casca do maracujá (FCM) apresentam características nutricionais diferenciadas, descritas nos rótulos de acordo com o modelo estabelecido pela legislação brasileira (BRASIL, 2020).
Embora pouco valorizadas, as informações nutricionais nos rótulos podem ser um instrumento educativo, estimulando escolhas mais conscientes e saudáveis. Pereira et al. (2019) afirma que os rótulos são ferramentas de comunicação que incentivam a autonomia do consumidor, especialmente ao priorizar alimentos menos processados e com menos aditivos químicos. A rotulagem nutricional se encontra ao longo do próximo tópico (Tabelas 4, 5 e 6) e em anexo (ANEXO I).
5.2.1 Biscoito Tipo Cookies
Foram desenvolvidos três tipos de biscoitos cookies: a receita padrão e duas variações com substituições de 10% e 20% da farinha de trigo por FCM (Tabela 4).
Tabela 4. Informações nutricionais dos biscoitos cookies.
Os dados mostram que a substituição da farinha de trigo por FCM reduz gradativamente o valor energético (até 6%) e aumenta o teor de fibras. Segundo Rocha et al. (2021), dietas ricas em fibras favorecem o controle glicêmico e lipídico, reduzindo riscos metabólicos.
5.2.2 Brownies
Os brownies foram produzidos com a receita padrão e duas variações, substituindo 5% e 10% da farinha de trigo por FCM para preservar características sensoriais (Tabela 5).
Tabela 5. Informações nutricionais dos brownies.
As substituições não alteraram significativamente o valor energético nem o teor de fibras. Entretanto, o produto atinge 100% do valor diário recomendado de gorduras trans por porção, destacando a necessidade de consumo moderado, especialmente para pessoas com restrições alimentares. Izar et al. (2021) enfatiza que gorduras trans devem ser evitadas, e recomenda-se priorizar gorduras insaturadas.
5.2.3 Pães de Sal
Os pães de sal foram elaborados em três versões: a receita padrão e duas variações com substituições de 5% e 10% da farinha de trigo por FCM (Tabela 6).
Tabela 6. Informações nutricionais dos pães de sal.
A adição de FCM reduziu o valor energético em até 8% e dobrou o teor de fibras. Santos (2020) relatou resultados semelhantes ao substituir farinha de trigo por ora-pronóbis, demonstrando o impacto positivo no aumento de fibras. O uso de farinhas funcionais contribui para uma alimentação saudável, alinhada às recomendações nutricionais (Guimarães, 2021).
3.3 Análise da Qualidade Sensorial
Paula e Ferreira (2019) destacam que a análise sensorial avalia os atributos de um produto por meio dos sentidos, essencial para a aceitabilidade no mercado e controle de qualidade industrial. Diferentes testes estatísticos, como ANOVA e Kruskal-Wallis, podem ser utilizados para analisar a aceitação sensorial. O teste de Kruskal-Wallis, uma alternativa à ANOVA quando os dados não são normais, evidencia diferenças entre medianas quando significativo (Souza, 2012).
Os dados da pesquisa foram avaliados pelo teste de Shapiro-Wilk para verificar a normalidade. Resultados indicaram p-valores menores que 5%, rejeitando a hipótese de normalidade (Miot, 2017). A Tabela 10 apresenta os resultados para cookies, brownies e pães de sal, respectivamente, e a Tabela 7 exibe o p-valor do teste de Kruskal-Wallis, para cookies, brownies e pães de sal, respectivamente, destacam-se as diferenças significativas em sabor, avaliação global e intenção de compra. Para pães, o teste Shapiro-Wilk também rejeitou a normalidade (Tabela 7), e o Kruskal-Wallis indicou diferença apenas na aparência (Tabela 8).
Tabela 7. Resultados do teste de Shapiro-Wilk para biscoito tipo cookie, brownies e pães de sal, respectivamente.
A análise pelo teste de Kruskal-Wallis mostrou que há diferença entre as amostras quando consideradas as variáveis sabor, avaliação global e intenção de compra. Comparando com estudos, Nunes et al. (2016) e Ferreira et al. (2021) demonstram diferentes níveis de aceitação sensorial para pães com ingredientes funcionais. Em brownies, o teste Shapiro-Wilk confirmou a não normalidade (Tabela 7), e o KruskalWallis apontou significância apenas na intenção de compra (Tabela 8). Otto et al. (2022) relatam aceitação superior para brownies com ingredientes funcionais.
Estudos de Nascimento (2022) e Otto et al. (2022) corroboram a aceitação de produtos com ingredientes alternativos, mostrando que os brownies com farinha de casca de maracujá têm potencial sensorial e comercial elevado.
Tabela 8. Resultado do teste de Kruskal-Wallis para o produto biscoito tipo cookie.
Os resultados mostram que o cookie com 10% de FCM obteve médias hedônicas altas (8,0), enquanto o de 20% manteve uma boa aceitação (7,0). Em intenção de compra, os cookies FCM tiveram médias de 4,0, e o padrão atingiu 5,0. Silva et al. (2019) observaram menor aceitação com maior percentual de farinha em outro estudo, contrastando com as boas médias encontradas aqui. Oliveira et al. (2020) reforçam a importância da composição dos alimentos na aceitação sensorial.
3. Considerações finais
Os resultados desta pesquisa foram satisfatórios, confirmando uma melhora nutricional nos alimentos modificados com o resíduo agroindustrial da casca do maracujá, que mantiveram boa aceitação em diversas preparações. Embora os brownies formulados tenham sido bem aceitos, apresentaram alto teor de gordura saturada, possivelmente devido aos ingredientes utilizados; assim, sugere-se, para estudos futuros, a substituição do tipo de gordura empregada e o aumento da quantidade de resíduo agroindustrial para novas avaliações sensoriais. Os produtos de panificação enriquecidos com farinha da casca do maracujá tiveram, em geral, boa aceitação sensorial e podem ser introduzidos na dieta diária para aumentar a ingestão de fibras e promover o consumo de alimentos com alto teor desse nutriente. Portanto, o resíduo agroindustrial da casca do maracujá, ao ser utilizado como fonte de fibras em produtos de panificação, representa uma excelente alternativa tanto para consumo quanto para venda no mercado. Esses produtos, ao serem incorporados nos hábitos alimentares regulares, favorecem o aumento do consumo de fibras, melhoram as características nutricionais dos alimentos e auxiliam na prevenção e tratamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs).
4. Referências
Barros et al. (2020)
BARROS, A. J. P.; LEHFELD, N. S. Fundamentos da metodologia: um guia para iniciação científica. São Paulo: Makron, 2000. 122 p.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agencia Nacional de Vigilância Sanitária. Instrução Normativa IN – n° 75 de 08 de outubro de 2020. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 09 out. 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução RDC n°429 de 08 de outubro de 2020. Dispõe sobre a rotulagem nutricional dos alimentos embalados. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 09 out. 2020.
BRASIL. Resolução RDC nº 274 de 01 de julho de 2022. Dispõe sobre padrões microbiológicos dos alimentos e suas aplicações. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 02 Jul. 2022.
BRASIL. Instrução normativa nº 161 de 01 de julho de 2022. Estabelece os padrões microbiológicos dos alimentos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 06 Jul. 2022.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agencia Nacional de Vigilância Sanitária. Instrução Normativa IN – n° 75 de 08 de outubro de 2020. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 09 out. 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução RDC n°429 de 08 de outubro de 2020. Dispõe sobre a rotulagem nutricional dos alimentos embalados. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 09 out. 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – 2. ed., 1. reimpr. – Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
BRASIL. Resolução RDC nº 259, de 20 de setembro de 2002. Aprovar o Regulamento Técnico sobre Rotulagem de Alimentos Embalados. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 23 Set. 2002.
BRASIL. Resolução RDC nº 274 de 01 de julho de 2022. Dispõe sobre padrões microbiológicos dos alimentos e suas aplicações. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 02 Jul. 2022.
BRASIL. Rotulagem nutricional obrigatória: manual de orientação às indústrias de
Alimentos – 2º Versão / Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Universidade de Brasília – Brasília: Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária / Universidade de Brasília, 2005.
BRITO, A. C. A. F. Aceitabilidade de produtos alimentícios funcionais da farinha da casca do maracujá (passiflora edulis f. flavicarpa): uma revisão da literatura. 2019. Trabalho de conclusão de curso. Graduação em Nutrição. Governador Mangabeira, 2019.
CASAGRANDE, S.; CANCELIER, J. W.; BELING, H. M. Programa nacional de alimentação escolar (PNAE): Contribuição na alimentação saudável escolar e promoção da agricultura familiar. Brazilian Journal of Development, v. 7, n. 3, p. 25835-25849, 2021.
Conceição e Borges (2021)
CONCEIÇÃO, I. S. P. da; BORGES, A.C.L. Benefícios dos alimentos funcionais no controle e tratamento do diabetes mellitus (DM) – revisão de literatura. Hygeia: Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde, v. 17, n. 1, 2021.
CUNHA, K. M; CATTELAN, M. G. Desenvolvimento de produto alimentício com substituição parcial da farinha de trigo por farinha da casca de maracujá. Revista Científica, v. 1, n. 1, 2019.
DAMASCENO, C. S. B. et al. Efeito da adição de farinha da casca de maracujá (Passiflora edulis) na aceitabilidade de pão. Visão Acadêmica, v. 19, n. 3, 2018.
DE LIMA, A. B. et al. Comportamento do consumidor frente à informação nutricional em rotulagem de produtos alimentícios. Connection Line-Revista Eletrônica do Univag, n. 22, 2020.
FIGUEIREDO, A. E. B.; CECCON, R. F.; FIGUEIREDO, J. H. C. Doenças crônicas não transmissíveis e suas implicações na vida de idosos dependentes. Ciência & saúde coletiva, v. 26, p. 77-88, 2021.
FILHO, J. R. et al. Melhoria do valor nutricional do brownie utilizando farinha do mesocarpo externo do pequi (Caryocar brasiliense Camb). Motricidade, v. 14, n. 1, p. 196-204, 2018.
GUIMARÃES, Maiara Almeida. Elaboração e análise nutricional de pão integral com psyllium. 2021. 46f. Monografia (Graduação em Nutrição) – Escola de Nutrição, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2021.
IAL (2008).
IZAR, M. C. O. et al. Posicionamento sobre o Consumo de Gorduras e Saúde
Cardiovascular–2021. Arquivos brasileiros de cardiologia, v. 116, p. 160-212, 2021.
MACÊDO, J. C. B.; BEZERRA, K. C. B; RAPOSO, L. A. S. R. Desenvolvimento da farinha do albedo do maracujá amarelo. Nutrição Brasil, v. 18, n. 3, p. 151-156, 2019.
MAPA, Brasil, 2002
MIOT, H. A. Avaliação da normalidade dos dados em estudos clínicos e experimentais. Jornal vascular brasileiro, v. 16, p. 88-91, 2017.
NASCIMENTO, D. S.; OLIVEIRA, S. D.; OLIVEIRA, M. E. G. Caracterização físico-química e avaliação sensorial de brownies potencialmente orgânicos elaborados com farinha de linhaça marrom (Linum usitatissimum) e farinha de chia (Salvia hispanica L.). Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento, v. 9, n.9, pág. e215997146-e215997146, 2020.
NASCIMENTO, M. V. M. et al. Efeito da adição da casca de banana no desenvolvimento e análise sensorial de cupcakes. Trabalho de Conclusão de curso (Graduação em Nutrição). Universidade Federal de Campina Grande. Cuité – PB, 2022.
NASCIMENTO, N. C. et al. Elaboração de biscoito com a farinha da casca do maracujá (Passiflora edulis). Research, Society and Development, v. 9, n. 7, p. e501974333-e501974333, 2020.
Nunes e Mattos (2018)
NUNES, O. L. G. S. et al. Desenvolvimento de pão de forma enriquecido com batatadoce biofortificada. Hig. aliment, p. 108-113, 2016.
OLIVEIRA, T. W. N. et al. Caracterização físico-química e sensorial de biscoitos tipo cookie elaborados com farinha de berinjela (solanum melongena l.) E quiabo (abelmoschus esculentus l. Moench). Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 3, p. 14259-14277, 2020.
OTTO, E. et al. Análise sensorial e nutricional de bolo tipo brownie de chocolate com ingredientes funcionais. Research, Society and Development, v. 11, n. 13, p. e423111335496 – e423111335496, 2022.
PEREIRA, M. C. S. et al. Direito do consumidor às informações nos rótulos dos alimentos: perspectiva de profissionais envolvidos em políticas públicas. Aletheia, v. 52, n. 1, 2019.
PINO, F. A. A questão da não normalidade: Uma revisão. Revista de economia agrícola, v. 61, n. 2, p. 17-33, 2014.
SANTOS, M. R. L.; ALMEIDA, T. M.. Avaliação físico-química, microbiológica e sensorial de pães enriquecidos com farinha de banana verde com e sem casca. Científic@-Multidisciplinary Journal, v. 7, n. 2, p. 1-11, 2020.
SANTOS, R. R. Propriedades físicas e tecnológicas de farinha de trigo aditivada com casca de maracujá. Trabalho de conclusão de Curso (Graduação em Ciências Agrárias). Universidade Federal dos Vales Do Jequitinhonha E Mucuri. Unaí – MG, 2019.
SANTOS, V. L. C. Adição de farinha de ora-pro-nóbis em pães: possibilidades de incremento proteico e de fibras na rotina alimentar brasileira. 2020. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Nutrição) – Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS, 2020.
SANTOS, Y. C. F.; ANDRÉ, M. F. Desenvolvimento e análise sensorial de biscoito enriquecido com farinha de casca de maracujá (Passiflora Edulis). Brazilian Journal of Development, v. 7, n. 1, p. 6932-6938, 2021.
SBD -Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes: 2019-2020. São Paulo: Editora Clannad, 2019.
SILVA, N. et al. Manual de métodos de análise microbiológica de alimentos e água.
Editora Blucher, 2017.
SILVA, I. G. et al. Elaboração e análise sensorial de biscoito tipo cookie feito a partir da farinha do caroço de abacate. Brazilian Journal of Food Technology, v. 22, p.
e2018209, 2019.
SOUZA, P. A. C. Tamanho de amostra e poder para três testes não-paramétricos. Monografia apresentada para obtenção do grau de Bacharel em Estatística. Instituto de Matemática – Departamento de Estatística. Porto Alegre – RS, 2012.
VITALLI, D. Obtenção e utilização de farinhas de maracujá e de berinjela: uma revisão. Trabalho de conclusão de curso. Graduação em nutrição. Palmeira das Missões,2019.
ANEXOS ANEXO I
Tabela 4. Informação nutricional dos biscoitos tipo cookies.
Fonte: Dados da pesquisa, 2023; Brasil, 2020.
Tabela 5. Informação nutricional dos Brownies.
Fonte: Dados da pesquisa, 2023; Brasil, 2020.
Tabela 6. Informação nutricional dos Pães de sal
Fonte: Dados da pesquisa, 2023; Brasil, 2020
[1] Mestre em Gestão e Sistemas Agroindustriais da Universidade Federal de Campina Grande. Email: emelineaires@fiponline.edu.br
[2] Docente da Universidade Federal de Campina Grande do Centro de Ciências e Tecnologia Agroalimentar.Email: rosilene@ccta.ufcg.edu.br
[3] Docente da Universidade Federal de Campina Grande do Centro de Ciências e Tecnologia Agroalimentar.alfredinad@ccta.ufcg.edu.br