DESAFIOS PARA A INTEGRALIZAÇÃO MASCULINA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA: RELATO DE EXPERIÊNCIA EM UMA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE NO MUNICÍPIO DE ALTAMIRA-PARÁ.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411300830


Walber da Silva Duarte1
Carlos Augusto Leão Costa Junior2
Naiara Pereira dos Reis Viana3
Lucydelia Carla dos Anjos Arbage4
Daniele Castro Gonçalves5
Tayla Ramille dos Reis Sousa6
Eva Gonçalves e Silva7
César Henrique da Silva8
João Victor Rocha de Oliveira9
Benedito Rosa da Silva10


RESUMO

Introdução: Nos últimos anos, a implementação de estratégias destinadas a incentivar a participação masculina em ações de prevenção de doenças e agravos à saúde tem sido objeto de intensa discussão. Esse debate culminou na criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), com o objetivo de promover condições de saúde integral aprimoradas para esse público. Objetivo: Relatar a experiência de um estágio acerca da participação do homem no âmbito da atenção primária, correlacionando com os princípios da PNAISH. Metodologia: Relato de experiência, conduzido por acadêmicos do curso de Medicina, no eixo PIESC do 7° semestre em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) no município de Altamira-PA, de caráter observacional, por meio de consultas habituais e demanda espontânea de pacientes masculinos. Conclusão: Ao longo do estudo, observou-se uma desproporção significativa entre o número de usuários do sexo masculino e feminino, com uma predominância de idosos em comparação aos jovens. Os principais motivos que levaram os homens a buscar atendimento na unidade foram afecções agudas, como traumas e infecções, além da procura por vacinação e renovação de receitas. 

Palavras-chave: saúde do homem, assistência, unidade básica de saúde. 

ABSTRACT

Introduction: In recent years, the implementation of strategies aimed at encouraging male participation in disease prevention and health promotion activities has been the subject of intense discussion. This debate culminated in the creation of the National Policy for Comprehensive Men’s Health Care (PNAISH), with the objective of promoting improved integral health conditions for this demographic. Objective: To report the experience of an internship regarding men’s participation in primary care, correlating with the principles of PNAISH. Methodology: This is an observational experience report conducted by medical students in the PIESC module of the 7th semester at a Basic Health Unit (UBS) in the municipality of Altamira-PA, through routine consultations and spontaneous demand from male patients. Conclusion: Throughout the study, a significant disproportion was observed between the number of male and female users, with a higher predominance of elderly men compared to younger ones. The main reasons that led men to seek care at the unit were acute conditions, such as traumas and infections, as well as the search for vaccination and prescription renewal.

Keywords: men’s health, assistance, basic health unit

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos tem sido cada vez mais discutida a baixa adesão masculina ao Sistema Único de Saúde, mais particularmente nas Unidades Básicas de Saúde. Deste modo, vem se fomentando a implementação de estratégias para incentivar a participação masculina em ações de prevenção de doenças e agravos à saúde. 

Neste sentido, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), criada em 2009 através da Portaria 1.994 de 27 de agosto de 2009, que tem por objetivo promover a melhoria das condições de saúde da população masculina brasileira, contribuindo, de modo efetivo, para a redução da morbidade e da mortalidade dessa população, por meio do enfrentamento racional dos fatores de risco e mediante a facilitação ao acesso, às ações e aos serviços de assistência integral à saúde.

A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem enfatiza que a rede de atenção à saúde do homem deve garantir linhas de cuidado, na perspectiva da integralidade. Se reconhece que a maioria dos homens costumam ser apresentados ao sistema de saúde por meio do serviço de alta complexidade, deixando nítido a necessidade de fortalecer a atenção primária, investir na promoção de saúde e em estratégias que possibilitem a prevenção de agravos evitáveis, o que reduzirá os custos com o atendimento especializado. 

Um dos pilares do PNAISH é estabelecer a assistência integral do homem à saúde. Segundo Figueiredo (2005), muitos agravos poderiam ser evitados na população masculina, se está frequentasse de forma regular as Unidades Básicas de Saúde, sendo alcançados por ações de prevenção, proteção, reabilitação e recuperação da saúde, evitando assim gastos financeiros com serviços especializados e o sofrimento físico e emocional do paciente e de sua família. 

Este trabalho justifica-se na necessidade de compreender as dinâmicas envolvidas na baixa frequência de indivíduos do sexo masculino nos serviços de saúde de baixa complexidade, correlacionando as experiencias vividas em uma unidade básica de saúde com os índices nacionais, pois faz-se necessário melhor compreensão dos fatores que exercem influência sobre a problemática, para elaboração de estratégias e intervenções em uma escala local.

RELATO DE EXPERIÊNCIA 

Trata-se de um relato de experiência de acadêmicos do curso de medicina da Universidade Federal do Pará (UFPA), campus de Altamira, implementada pelo Eixo Programa de Integração, Ensino, Serviço e Comunidade (PIESC), um dos eixos norteadores do curso. O período de prática do eixo se deu entre março e abril de 2023, sendo realizado em Unidade Básica de Saúde uma vez por semana. Este relato traz reflexões acerca da frequência de homens à unidade básica de saúde na qual foi feita uma observação da proporção de homens em relação a mulheres frequentadoras da unidade básica de saúde e os diversos problemas envolvidos na adesão ou afastamento desses homens do serviço de saúde básico. Exclui-se da observação crianças e adolescentes por serem inimputáveis e dependentes direto do cuidado dos pais.

 Observou-se pela experiência na Unidade Básica de Saúde uma desproporção entre o número de usuários do sexo masculino em relação ao feminino. No dia a dia da prática a observação do fluxo de usuários é predominantemente feminina. Ao analisar o período empregado de observação, notou-se que os usuários do serviço de saúde são majoritariamente indivíduos do sexo feminino, divididos em mulheres jovens e idosas com pouca diferença proporcional. 

Quanto ao perfil dos usuários masculinos, notou-se a predominância de indivíduos da cor parda, classe econômica e grau de escolaridade baixas. Por se tratar de um bairro distante do centro da cidade, esses índices são esperados. Considerando o baixo grau de instrução de muitos dos usuários, é seguro afirmar que os indivíduos possuem menos acesso à informação sobre saúde e autocuidado. 

DISCUSSÃO

O desconhecimento dos usuários sobre as linhas de cuidado também é enfatizado por Santiago et al. (2013). A autora afirma que há desconhecimento por grande parte dos homens acerca dos programas de atenção à saúde masculina. Apenas uma minoria deles tomou conhecimento desses programas por meio da mídia, que esporadicamente realiza a divulgação de algumas ações, como a prevenção do câncer de próstata. Tal afirmação deixa claro a necessidade de intervenções em estratégias de educação em saúde voltadas especialmente para esse público.

Durante conversa com alguns pacientes que compareciam à unidade, foi observado que muitos homens realizavam consulta apenas quando eram estimulados por seus parentes próximos ou quando estavam sentindo dores pelo corpo. Muitos desses pacientes vinham referenciados da Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Tal fato também foi notado por um estudo conduzido por Carneiro, Adjuto & Alves (2019), mostrando que os homens têm mais preferência por hospitais do que por Unidades Básicas de Saúde (UBS), apesar de que, na maioria das vezes, as unidades básicas são mais próximas de sua residência

Esse fenômeno de preferência por hospitais e unidades de pronto atendimento baseia-se na crença de que o atendimento deve ser rápido e pontual (Schraiber, Gomes & Colto, 2005). A não procura pelo serviço básico de saúde limita o acesso às ações de prevenção e promoção na esfera de atenção primária, onde muitas enfermidades poderiam ser evitadas com rastreamento de patologias assintomáticas e assistência continuada à saúde, visto que grande parte dos homens acredita não ser necessário procurar atendimento se não houver algo que o cause incômodo (Carneiro, Adjuto & Couto, 2019)

Em relação à frequência de homens, observou-se uma predominância de idosos em comparação aos jovens economicamente ativos. Este fato corrobora a análise de Vieira et al. (2003), que associa tal diferença, em parte, à construção cultural da necessidade de parecerem fortes. A maioria dos jovens que buscaram atendimento na unidade foram motivados por afecções agudas, como eventos traumáticos e infecções. Em contrapartida, ao considerar a classe dos homens idosos, as principais afecções observadas são doenças crônicas e incapacitantes, além da busca por vacinação e renovação de receitas.

Esta observação corrobora os resultados obtidos por Levorato et al. (2014), que elencaram alguns dos principais fatores agravantes que podem causar danos à saúde masculina. Nos acidentes de trânsito, verificou-se que 82% ocorreram com homens adultos jovens. Quanto ao uso do tabaco, a prevalência ainda é maior no sexo masculino (19%). Em relação ao sedentarismo, o número de homens fisicamente inativos correspondeu a 29,5%, em comparação com 23,5% das mulheres

Segundo Keijzer (2003), as principais causas que levam os homens a procurarem o serviço médico de saúde são acidentes e outras afecções agudas, sendo menos frequente a busca por serviços de saúde básicos. Além disso, alguns indivíduos têm receio de que o médico descubra alguma enfermidade, o que põe em risco sua crença de invulnerabilidade

Além dos motivos já citados, faz-se necessário mencionar outros fatores associados à ausência desse grupo na atenção básica. Em diálogo na unidade, alguns pacientes queixaram-se de não terem tempo para esperar por atendimento, enquanto outros atribuíram sua ausência ao horário incompatível, ao desconhecimento dos programas de assistência e ao discurso de que “não podem adoecer” pois precisam prover sustento à família. 

Segundo Vieira et al. (2013), há inúmeros motivos que levam os homens a negligenciar a própria saúde, incluindo a percepção da unidade de saúde como um espaço feminino, com a maioria dos servidores sendo mulheres, e a falta de programas direcionados ao público masculino, o que tem inviabilizado o interesse desse grupo em buscar os serviços de saúde 

CONCLUSÃO

A saúde do homem constitui um tema central nas diversas populações, destacando-se notoriamente a baixa frequência de homens economicamente ativos na atenção primária em comparação às mulheres da mesma faixa etária. Essa disparidade reflete o desenvolvimento das sociedades contemporâneas, que perpetuam até hoje discussões cruciais sobre a saúde masculina. A expectativa de vida reduzida e a menor atenção dedicada à própria saúde são características marcantes desse grupo. 

Diante desse cenário, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem emerge com o objetivo de transformar essa realidade persistente ao longo das gerações. Promover melhorias no acolhimento na atenção primária visa aumentar a adesão dos homens às práticas preventivas de saúde e desafiar a sociedade machista, que historicamente inibe a presença masculina nas unidades básicas de saúde. 

A conscientização, fundamentada em estudos sobre a redução da expectativa de vida e das comorbidades prevalentes entre homens em idade reprodutiva, representa um ganho significativo tanto para os usuários individuais quanto para o país, ao reduzir as despesas com a atenção especializada. Essas ações são essenciais para enfatizar que os homens também constituem parte integrante da assistência à saúde preventiva e merecem o melhor atendimento disponível na atenção básica.

REFERÊNCIAS 

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SCHRAIBER, Lília Blima; GOMES, Romeu; COUTO, Márcia Thereza. Homens e saúde na pauta da Saúde Coletiva. Ciência & Saúde Coletiva, v. 10, p. 7-17, 2005. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/csc/2005.v10n1/7-17/pt

VIEIRA, K. L. D. et al. Atendimento da população masculina em unidade básica de saúde da família: motivos para a (não) procura. Esc Anna Nery. 2013; 17 (1): 120-7. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ean/a/qDhzcFKp6jY3t3znGcm8fBp/.


1,2,3,4,5,6,7,8,9,10Universidade Federal do Pará; walberduarte17@gmail.com