DESAFIOS NO TRATAMENTO DA SÍFILIS NO BRASIL: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202510200917


Nicole Cerqueira Gomes
Sarah Gabriela Vavrik de Mesquita
Júlia Maia Medeiros


RESUMO

Introdução: A sífilis permanece um grave problema de saúde pública no Brasil, apesar de diagnóstico simples e tratamento eficaz com penicilina benzatina. As altas taxas de transmissão vertical revelam falhas estruturais e socioculturais no enfrentamento da doença. Objetivo: Analisar criticamente os principais desafios no tratamento da sífilis no Brasil, considerando aspectos logísticos, clínicos e socioculturais. Métodos: Revisão sistemática conduzida conforme as diretrizes PRISMA e registrada no PROSPERO (CRD420251012686). Foram incluídos artigos observacionais e qualitativos publicados entre 2020 e 2025, indexados em PubMed, SciELO e LILACS, que abordaram barreiras estruturais, sociais e institucionais no tratamento da sífilis. O risco de viés foi avaliado pelo Instituto Joanna Briggs (JBI). Resultados: A busca identificou 80 artigos, dos quais 8 foram incluídos após aplicação dos critérios de elegibilidade. Os estudos apontaram falhas no tratamento adequado de gestantes e parceiros, limitações no conhecimento profissional, escassez de recursos, além de estigma e desigualdades sociais que dificultam o acesso e a adesão ao tratamento. A maioria dos estudos apresentou boa qualidade metodológica, embora limitações em delineamentos transversais e qualitativos tenham elevado o risco de vieses em alguns casos. Conclusão: Apesar de protocolos clínicos bem estabelecidos, o enfrentamento da sífilis no Brasil é prejudicado por barreiras estruturais e socioculturais. O fortalecimento da atenção primária, capacitação profissional contínua e políticas públicas inclusivas e intersetoriais são essenciais para reduzir a carga da doença, prevenir a transmissão vertical e melhorar os indicadores de saúde.

Palavras-chave: sífilis, tratamento, saúde pública, desafios, Brasil.

ABSTRACT

Introduction: Syphilis remains a major public health issue in Brazil, despite simple diagnosis and effective treatment with benzathine penicillin. High rates of vertical transmission reveal structural and sociocultural barriers to disease control. Objective: To critically analyze the main challenges in syphilis treatment in Brazil, focusing on logistical, clinical, and sociocultural aspects. Methods: A systematic review was conducted following PRISMA guidelines and registered in PROSPERO (CRD420251012686). Observational and qualitative studies published between 2020 and 2025 in PubMed, SciELO, and LILACS were included. Barriers to treatment were assessed, and risk of bias was evaluated using the Joanna Briggs Institute (JBI) tool. Results: From 80 articles initially identified, 8 met eligibility criteria. Studies highlighted inadequate treatment of pregnant women and their partners, limited professional training, resource shortages, stigma, and social inequalities that hinder access and adherence. Most studies presented good methodological quality, although cross-sectional and qualitative designs showed moderate risk of bias. Conclusion: Despite well-defined clinical protocols, syphilis control in Brazil is hindered by structural and sociocultural barriers. Strengthening primary care, continuous professional training, and inclusive intersectoral public policies are essential to reduce disease burden, prevent vertical transmission, and improve public health indicators.

Keywords: syphilis, treatment, public health, challenges, Brazil.

RESUMEN

Introducción: La sífilis sigue siendo un importante problema de salud pública en Brasil, a pesar de su diagnóstico sencillo y el tratamiento eficaz con penicilina benzatina. Las altas tasas de transmisión vertical reflejan barreras estructurales y socioculturales en el control de la enfermedad. Objetivo: Analizar críticamente los principales desafíos en el tratamiento de la sífilis en Brasil, considerando aspectos logísticos, clínicos y socioculturales. Métodos: Revisión sistemática realizada según las directrices PRISMA y registrada en PROSPERO (CRD420251012686). Se incluyeron estudios observacionales y cualitativos publicados entre 2020 y 2025 en PubMed, SciELO y LILACS. El riesgo de sesgo fue evaluado con la herramienta del Instituto Joanna Briggs (JBI). Resultados: De los 80 artículos identificados, 8 fueron incluidos. Los estudios señalaron deficiencias en el tratamiento adecuado de gestantes y sus parejas, limitaciones en la capacitación de los profesionales de salud, escasez de recursos, además de estigma y desigualdades sociales que dificultan el acceso y la adherencia. La mayoría de los estudios mostró buena calidad metodológica, aunque los diseños transversales y cualitativos presentaron riesgo moderado de sesgo. Conclusión: A pesar de protocolos clínicos bien establecidos, el control de la sífilis en Brasil se ve comprometido por barreras estructurales y socioculturales. El fortalecimiento de la atención primaria, la capacitación continua de profesionales y políticas públicas inclusivas e intersectoriales son esenciales para reducir la carga de la enfermedad, prevenir la transmisión vertical y mejorar los indicadores de salud.

Palabras-clave: sífilis, tratamiento, salud pública, desafíos, Brasil.

INTRODUÇÃO

A sífilis é uma infecção sexualmente transmissível (IST) sistêmica e crônica, causada pela bactéria Treponema pallidum. A transmissão ocorre principalmente por via sexual ou vertical, e o ser humano é seu único reservatório natural1. Quando não tratada adequadamente na gestação, pode causar sérias consequências fetais, como aborto, prematuridade, natimortos e sífilis congênita2,3

Apesar de ser uma condição de diagnóstico simples e tratamento eficaz com penicilina benzatina, a sífilis continua sendo um importante problema de saúde pública no Brasil4. A sífilis permanece como um importante problema de saúde pública no Brasil, apesar de ser uma infecção de fácil diagnóstico e tratamento eficaz com penicilina benzatina. De acordo com o Boletim Epidemiológico de 2024, foram notificados 223.380 casos de sífilis adquirida, 80.450 casos em gestantes e 36.900 casos de sífilis congênita, com uma taxa de 9,1 casos por 1.000 nascidos vivos5

Esses números refletem não apenas a persistência da doença, mas também desafios estruturais, clínicos e socioculturais que comprometem a efetividade das estratégias de controle e prevenção.5. A persistência da doença no país evidencia um paradoxo: mesmo com um sistema de saúde universal e protocolos clínicos bem definidos, há falhas importantes na implementação das políticas de controle4

Entre os principais desafios estão: escassez de penicilina benzatina nas unidades básicas, falhas no acompanhamento das gestantes e dos parceiros sexuais, deficiências na formação profissional, barreiras geográficas e socioeconômicas, e o estigma social associado às ISTs6,3

Essas lacunas favorecem a manutenção de altos índices de transmissão vertical e dificultam a efetividade das intervenções de saúde pública. A despeito dos avanços nas políticas e diretrizes, a sífilis continua a desafiar o sistema de saúde, especialmente em contextos de vulnerabilidade social, exigindo respostas integradas e sustentadas3

Diante desse cenário, esta revisão sistemática tem como objetivo analisar criticamente os principais desafios no tratamento da sífilis no Brasil, com enfoque nos aspectos logísticos, clínicos e socioculturais. A proposta justifica-se pela necessidade de compreender os obstáculos que persistem mesmo com tratamento disponível, oferecendo subsídios para políticas públicas mais eficazes e estratégias de controle mais resolutivas.

MÉTODOS

Este estudo teve como objetivo investigar os desafios no tratamento da sífilis no Brasil por meio de uma revisão sistemática da literatura, conduzida conforme as diretrizes da declaração PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses). O estudo em questão foi submetido ao PROSPERO (International Prospective Register of Systematic Reviews), sob o registro CRD420251012686.

Para isso, foi adotada uma abordagem metodológica que integra análises quantitativas, a fim de compreender as principais barreiras no tratamento da doença no país. A pesquisa foi fundamentada em uma revisão bibliográfica abrangente, tendo como critérios de inclusão estudo de artigos observacionais (coorte, transversal e caso controle) e qualitativo. Artigos publicados entre 2020 e 2025, que abordassem a sífilis e as dificuldades do seu tratamento eficaz. 

Foram incluídos estudos em português e inglês, bem como pesquisas que analisassem barreiras estruturais, sociais e institucionais que impactam a eficácia das estratégias de controle da doença, além da inclusão de pessoas diagnosticadas com sífilis em qualquer estágio da infecção, estudos realizados no Brasil abordando aspectos relacionados ao tratamento da sífilis, incluindo acesso, adesão e desafios clínicos e sociais. Para garantir a qualidade e a relevância dos estudos incluídos na presente revisão, foram adotados critérios de exclusão, tais como: população não diagnosticada com sífilis ou sem vínculo com o processo de tratamento da doença, artigos não disponibilizados na íntegra, estudos fora do Brasil, sem foco no tratamento, duplicidade nas bases de dado, revisões narrativas e tangenciando do tema.

A busca por literatura foi conduzida em bases de dados especializadas, como PubMed, SciELO e LILACS. Foram utilizados os termos-chaves “sífilis”, “tratamento “, “Brasil ” e “desafios”, com a aplicação de operadores booleanos (AND) e (OR), para refinar os resultados e garantir a inclusão de estudos pertinentes. A busca pelos artigos foi no período de maio a junho de 2025. A extração dos dados foi realizada por dois revisores e verificada por um terceiro, se necessário, com base em instrumento padronizado contendo: ano da publicação, tipo de estudo, população-alvo, e principais barreiras ao tratamento. 

O risco de viés foi avaliado por meio da ferramenta Instituto Joanna Briggs (JBI), para melhor avaliação qualitativa. Ao término da pesquisa, espera-se fornecer uma análise abrangente sobre os desafios no tratamento da sífilis no Brasil, contribuindo para o debate científico e auxiliando no desenvolvimento de políticas públicas mais eficazes para o enfrentamento da doença.

RESULTADOS

A busca inicial identificou 80 artigos. Ao aplicar os critérios de inclusão e exclusão, foram retirados 72 (2 por duplicidade e 70 por não atenderem os critérios de inclusão). Após avaliação da qualidade, esta revisão incluiu 8 artigos (Figura 1 – fluxograma). Dentre os 8 artigos, 6 foram realizados com amostras nacionais da população. Os artigos foram publicados entre 2020 e 2025.

Figura 1 : Fluxograma e critérios de seleção  e inclusão dos trabalhos

Dos 8 estudos selecionados para esta revisão, grande maioria foram publicadas em revistas de Saúde Pública (n=2), porém também foram identificadas publicações em outras áreas: Enfermagem (n=2); Biomedicina (n=2); Infectologia (n=1); Obstetrícia e Ginecologia (n = 1). Ganhou destaque na Revista Brasileira de Enfermagem e BMC Public Health, ambos com 2 publicações. Os estudos foram conduzidos no Brasil, México e Peru. Os métodos mais prevalentes foram Estudo observacional (n=6) e Estudo transversal (n=2) (Tabela 1).

Tabela 1. Características dos estudos incluídos na revisão sistemática

Autor/Ano/LocalTítuloPeriódicoMétodoResultados principaisAnálise da Qualidade JBI
Swayze et al., 2022| Porto Alegre, BrasilO tratamento ineficaz com penicilina e a ausência de tratamento do parceiro podem impulsionar a epidemia de sífilis congênita no BrasilAJOG Global ReportsObservacional quantitativo. Dados de 1.541 gestantes diagnosticadas (2008–2018)61% receberam tratamento ineficaz; apenas 31,8% dos parceiros tratados. Ausência de tratamento adequado aumentou risco de sífilis congênita e perda fetal.★★★
Silva et al., 2024| Brasil, México e PeruInfecções bacterianas sexualmente transmissíveis entre homens que fazem sexo com homens e mulheres trans usando PrEPThe Lancet HIVEstudo observacional longitudinal. 9.509 participantes em 28 locais (2018–2021)Prevalência inicial 25,6%; incidência 31,7/100 pessoas-ano. Clamídia anorretal mais frequente, seguida de sífilis e gonorreia. Associado a múltiplos parceiros e sexo anal sem preservativo.★★
Silva et al., 2022| Curitiba, Paraná, BrasilHIV, sífilis, hepatites B e C em populações-chave: resultados de um estudo transversal de 10 anos no Sul do BrasilEinstein (São Paulo)Observacional quantitativo. 67.448 amostras coletadas (2010–2019)Soroprevalência: 13,5%. HIV (56%), sífilis (77%), hepatite C (5%) e B (2%). Populações-chave com maior prevalência: HSH, trabalhadores do sexo e transgêneros.★★★
Sgarbi et al., 2022Fatores associados à coinfecção sífilis-HIV em gestantes: estudo caso-controleRevista Brasileira de EnfermagemObservacional analítico, 150 gestantes (50 coinfectadas, 100 com sífilis isolada)Coinfecção associada a baixa escolaridade, idade ≥30 anos, ausência de pré-natal, histórico de ISTs e uso de drogas. Maior risco de desfechos adversos na gestação.★★
Pires et al., 2024| Campo Grande, BrasilFatores associados, incidência e manejo da sífilis gestacional e congênita em uma capital brasileiraBMC Public HealthEstudo transversal com inquérito populacional + dados secundários (Coorte CoC-ABHIV)Prevalência de sífilis em pessoas vivendo com HIV: 9,1% (homens 12,7%; mulheres 5,9%). Associada a baixa escolaridade, múltiplos parceiros e histórico de ISTs. Necessidade de estratégias integradas de cuidado.★★
Farias et al., 2023| Pernambuco, BrasilOs desafios da ESF na incidência de sífilis congênita em Pernambuco (2009–2018)ABCS Health SciencesEstudo observacional analítico retrospectivo. Dados do SINANFalhas no controle e tratamento da sífilis, principalmente entre mulheres negras e com baixa escolaridade.★★
Borges et al., 2023| Sudeste do BrasilAtenção primária à saúde frente aos casos de sífilis: estudo qualitativo com profissionais da ESFRevista Brasileira de EnfermagemEstudo qualitativo com 29 profissionais da ESFLimitações de conhecimento, falhas em diagnóstico, tratamento e notificação. Necessidade de fortalecer a Atenção Primária e capacitação contínua.★★★
Bastos et al., 2022| Rio de Janeiro, BrasilPrevalência e fatores associados à sífilis entre mulheres trans: estudo transversalBMC Public HealthEstudo transversal com 345 mulheres transPrevalência 24,1%. Associada a trabalho sexual, múltiplos parceiros, ISTs prévias e barreiras de acesso aos serviços. Reforça necessidade de políticas específicas para população trans.★★

Fonte: autoria própria, 2025

Quanto ao tratamento da sífilis no brasil, o estudo observacional quantitativo7 mostrou que 1.541 gestantes foram diagnosticadas com sífilis entre 2008 e 2018 em um hospital urbano de Porto Alegre. Dessas, aproximadamente 61% das gestantes receberam tratamento ineficaz, devido a fatores como diagnóstico tardio, início atrasado do tratamento e ausência de tratamento dos parceiros. E apenas 31,8% dos parceiros receberam tratamento. 

Em relação a outro desafio, a pesquisa de campo com abordagem qualitativa8, feita com 29 profissionais de saúde da Estratégia Saúde da Família entrevistados em uma cidade da região Sudeste do Brasil permitiu evidenciar limitações no conhecimento dos profissionais de saúde sobre a sífilis, dificuldades na realização de diagnóstico e tratamento oportuno, além de entraves na notificação e acompanhamento dos casos. Sendo apontadas falhas na capacitação, escassez de recursos e falta de integração entre os níveis de atenção.

A avaliação da qualidade metodológica dos estudos incluídos, realizada com base nas ferramentas do Joanna Briggs Institute (JBI), revelou que a maioria apresentou boa qualidade, com controle adequado dos principais vieses e amostras representativas (★ ★ ★). Estudos como os de Swayze et al. (2022), Silva et al. (2022; 2024) e Sgarbi et al. (2022) demonstraram rigor metodológico consistente, com análises robustas que fortalecem a confiabilidade de seus achados.

No entanto, alguns estudos receberam nota moderada (★ ★) devido às limitações inerentes ao desenho transversal ou qualitativo, que restringem a possibilidade de inferências causais e aumentam o risco de vieses de seleção e informação. Por exemplo, Borges et al. (2023) e Bastos et al. (2022) apresentaram essas limitações associadas à natureza do desenho e ao tamanho da amostra, ainda que contribuam significativamente para a compreensão do cenário. O estudo de Farias et al. (2023), apesar de utilizar dados secundários robustos, apresentou potenciais vieses relacionados à incompletude e subnotificação nos sistemas de informação.

Essa diversidade na qualidade metodológica reforça a importância de interpretar os resultados com cautela, enfatizando sobretudo as evidências provenientes dos estudos classificados com alta qualidade. Ao integrar diferentes desenhos e contextos, a revisão proporciona uma visão abrangente do panorama da sífilis, ao mesmo tempo em que aponta lacunas para futuras pesquisas com maior rigor metodológico.

DISCUSSÃO

Neste contexto, a persistência da sífilis como um desafio de saúde pública no Brasil, apesar da existência de protocolos clínicos bem definidos, evidencia que o enfrentamento da doença transcende a simples prescrição e disponibilização do tratamento. O dado apresentado por Swayze et al. (2022), aponta que o tratamento ineficaz devido ao diagnóstico tardio e à ausência do tratamento dos parceiros sinaliza falhas operacionais e estruturais profundas nas redes de atenção à saúde.

Esse problema reflete um sistema fragmentado, no qual as ações de prevenção, diagnóstico e tratamento não são articuladas de modo integrado e contínuo. A ausência do tratamento do parceiro, por exemplo, não só perpetua a transmissão vertical da sífilis, mas também aumenta a taxa de reinfecções, gerando um ciclo difícil de romper. Este cenário indica, portanto, a necessidade urgente de políticas que integrem estratégias clínicas com abordagens sociais, como a educação em saúde, o estímulo à participação ativa dos parceiros no cuidado e a eliminação de barreiras culturais e econômicas que impedem o acesso ao sistema de saúde.

No que diz respeito à soroprevalência alta, especialmente em grupos vulneráveis como homens que fazem sexo com homens (HSH) e mulheres trans, conforme Silva et al. (2022; 2024) e Bastos et al. (2022), o problema se agrava ao confrontarmos essas evidências com questões estruturais históricas. A epidemia de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), impulsionada por desigualdades sociais, desigualdade de gênero e estigma, reforça a exclusão dessas populações do acesso pleno aos serviços de saúde. O impacto na saúde pública é grave, pois essas populações representam focos de transmissão continuada das ISTs e apresentam maior vulnerabilidade a complicações, em especial gestacionais.

A falta de diagnósticos precoces e tratamento adequado nessas populações aumenta os custos econômicos e sociais, sobrecarregando sistemas públicos de saúde e prejudicando indicadores de saúde coletiva. Assim, entender e atacar esses determinantes sociais torna-se fundamental para qualquer programa de controle eficaz da sífilis, pautando intervenções multifacetadas que envolvam políticas públicas inclusivas, redução do preconceito e oferta de cuidado culturalmente competente.

A relevância da Estratégia Saúde da Família (ESF), como porta de entrada e principal estratégia de atenção primária no Brasil, é inquestionável, mas os estudos indicam que ela ainda enfrenta limitações sérias. Borges et al. (2023) e Farias et al. (2023) apontam que a fragmentação do cuidado, insuficiente capacitação técnica e precariedade de recursos comprometem a efetividade da ESF no manejo da sífilis, especialmente em mulheres vulneráveis.

Essa situação acarreta atrasos no diagnóstico, tratamento inadequado e falhas na notificação dos casos, que são essenciais para o monitoramento e controle epidemiológico. Investir em educação continuada para os profissionais é crucial porque o conhecimento aprofundado sobre diagnóstico clínico, manejo terapêutico e fluxo de cuidado impacta diretamente a qualidade do atendimento. Além disso, a integração dos serviços, garantindo a comunicação efetiva entre os níveis primário, secundário e terciário, pode evitar a perda de seguimento dos casos, essencial para a interrupção da cadeia de transmissão.

Quanto ao tratamento, a penicilina benzatina é reconhecida internacionalmente como o padrão-ouro para o tratamento da sífilis devido à sua eficácia, custo-benefício e capacidade de prevenir a transmissão vertical quando administrada corretamente e em tempo hábil. O tratamento imediato após diagnóstico é essencial para evitar a progressão da doença e suas complicações. Entretanto, o cenário nacional ainda apresenta dificuldades significativas para a implementação dessa conduta, mormente pelo limitado tratamento dos parceiros sexuais e a baixa adesão aos protocolos clínicos, conforme evidenciado nas análises de Silva et al. (2022) e Swayze et al. (2022). 

Essas barreiras comprometem o sucesso terapêutico, aumentam a incidência de reinfecções e elevam os impactos negativos sobre gestantes e seus bebês. Para pacientes vivendo com HIV, conforme Sgarbi et al. (2022) e Pires et al. (2024), o manejo da coinfecção demanda atenção especial devido às interações clínicas e ao risco aumentado de complicações, o que reforça a importância de políticas públicas que ofereçam cuidados integrados, individualizados e com acompanhamento rigoroso, maximizando os resultados clínicos e minimizando as repercussões adversas.

O Programa “Sífilis Não!” é uma iniciativa nacional que tem o propósito de ampliar o diagnóstico, tratamento e prevenção da sífilis, especialmente da sífilis congênita, considerada um indicador sensível da qualidade da atenção pré-natal. Embora represente um esforço significativo das políticas brasileiras para reverter o crescimento da epidemia, os resultados obtidos até o momento indicam que lacunas persistem em sua operacionalização.

Isso inclui desafios na qualificação dos profissionais, dificuldade em envolver parceiros e populações-chave, e a persistência de desigualdades regionais que impactam o alcance das ações. A replicação de modelos internacionais de sucesso deve ser feita com cautela, considerando as especificidades socioculturais e econômicas do Brasil, para que as estratégias sejam efetivamente adaptadas e inclusivas. Ou seja, a mera importação de protocolos não garante sucesso sem a devida contextualização e planejamento local.

Por fim, embora a sífilis seja uma infecção curável e prevenível, o principal desafio hoje reside na efetividade dos sistemas de saúde em garantir um cuidado contínuo, precoce e integral. Esse cuidado precisa transcender a dimensão biomédica, incorporando ações intersetoriais que enfrentem os determinantes sociais, econômicos e culturais que perpetuam a vulnerabilidade dos grupos marginalizados.

Portanto, fortalecer políticas públicas fundamentadas em evidências científicas, com foco na inclusão e na educação em saúde, é imprescindível para reduzir a carga da sífilis e suas consequências tanto a curto quanto a longo prazo no Brasil. Sem esse compromisso, a epidemia poderá persistir, comprometendo a saúde materno-infantil, aumentando os custos para o sistema e perpetuando desigualdades sociais em saúde.

CONCLUSÃO

Este estudo teve como objetivo analisar os principais desafios no tratamento da sífilis no Brasil, com ênfase nos aspectos logísticos, clínicos e socioculturais. Apesar da existência de protocolos eficazes, o enfrentamento da sífilis ainda é comprometido por barreiras estruturais e operacionais. Entre as dificuldades logísticas, destacam-se a falta de recursos adequados, como insumos para exames e medicamentos, e a desarticulação entre os serviços de saúde, o que dificulta a distribuição e o acesso contínuo à penicilina benzatina, reconhecida como padrão ouro internacional para o tratamento. As barreiras operacionais incluem a sobrecarga de profissionais de saúde e a falta de capacitação contínua, o que impacta negativamente na realização de diagnósticos precoces e no seguimento do tratamento.

Os desafios clínicos, por sua vez, envolvem o diagnóstico tardio, frequentemente associado à baixa procura por atendimento nas fases iniciais da doença, e a dificuldade em garantir a adesão ao tratamento, que depende de um acompanhamento rigoroso, especialmente no que se refere ao uso da penicilina benzatina. Já as barreiras socioculturais, como o estigma, a desigualdade e a exclusão social, aprofundam a vulnerabilidade das populações-chave, como gestantes, populações em situação de rua e trabalhadores do sexo, impactando negativamente nas estratégias de prevenção e cuidado.

Portanto, o controle efetivo da sífilis no Brasil requer uma abordagem integrada, capaz de superar as falhas logísticas, promover a capacitação contínua dos profissionais e implementar políticas inclusivas e intersetoriais, priorizando grupos vulneráveis e fortalecendo a atenção primária. Somente com esse compromisso será possível avançar na redução das taxas de infecção, na prevenção da transmissão vertical e na melhoria dos indicadores de saúde pública relacionados à sífilis.

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