DESAFIOS NO COMBATE AS BACTÉRIAS RESISTENTES NO TRATO URINÁRIO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202412071653


Giulianna Luzia Pereira1; Antônio Miguel Arias E Silva1; Angelo Gimenes Gaiotto E Silva2; Breno Clemente Garcia1; Caio Felipe Afonso Silva2; Millene Gonzalez Manente2; Lucas Massa De Francesco1; Lucas Kawamoto Dela Torre1; Raissa Haddad Rodrigues1; Sabrina Gun1


RESUMO

As infecções do trato urinário (ITU), especialmente aquelas causadas por bactérias resistentes, são um desafio crescente para a saúde pública, com implicações significativas para o tratamento e o controle de doenças. O aumento da resistência antimicrobiana tem dificultado o combate a essas infecções, tornando-as mais difíceis de tratar e aumentando os riscos de complicações graves, como sepse e falência renal. Este artigo revisa as estratégias atuais no manejo das ITUs resistentes, com ênfase no uso de terapias alternativas, como o uso racional de antibióticos, terapias imunomoduladoras e inovações em diagnóstico rápido. Apesar das perspectivas promissoras, o controle dessas infecções enfrenta desafios, incluindo a falta de novos antibióticos eficazes, a resistência cruzada e a implementação inconsistente de políticas de prevenção. As perspectivas futuras destacam a importância de abordagens multidisciplinares, mais investimentos em pesquisa e novas tecnologias para aprimorar o diagnóstico e tratamento dessas infecções, com o objetivo de reduzir a carga global das ITUs resistentes.

Palavras chaves: Farmacorresistência Bacteriana Múltipla; Infecções do Sistema Urinário; Antibiótico.

ABSTRACT

Urinary tract infections (UTIs), particularly those caused by resistant bacteria, are an increasing challenge for public health, with significant implications for treatment and disease control. The rise of antimicrobial resistance has made these infections more difficult to treat, increasing the risks of severe complications such as sepsis and renal failure. This article reviews current strategies in managing resistant UTIs, focusing on alternative therapies such as rational antibiotic use, immunomodulatory treatments, and innovations in rapid diagnostics. Despite promising prospects, controlling these infections faces challenges, including the lack of effective new antibiotics, cross-resistance, and inconsistent implementation of prevention policies. Future perspectives emphasize the importance of multidisciplinary approaches, increased investment in research, and new technologies to improve the diagnosis and treatment of these infections, aiming to reduce the global burden of resistant UTIs.

Key-words: Drug Resistance, Multiple, Bacterial; Urinary Tract Infections; Anti-Bacterial Agents.

INTRODUÇÃO

As infecções do trato urinário (ITUs) figuram entre as doenças infecciosas mais frequentes em todo o mundo, acometendo cerca de 150 milhões de pessoas anualmente, com maior prevalência em mulheres, idosos e indivíduos hospitalizados (MANCUSO et al.). Estas infecções, além de causarem desconforto significativo, estão associadas a complicações graves, como pielonefrite e sepse, impactando diretamente a qualidade de vida dos pacientes e impondo elevados custos aos sistemas de saúde (KENNEALLY et al.). Entre os patógenos mais comumente associados às ITUs, a Escherichia coli uropatogênica (UPEC) é responsável por até 85% dos casos, seguida por Klebsiella pneumoniae, Proteus mirabilis e Enterococcus faecalis, todos frequentemente associados à resistência bacteriana (ALA-JAAKKOLA et al.).

A resistência bacteriana é definida como a capacidade de uma bactéria de sobreviver e multiplicar-se na presença de concentrações de antimicrobianos que seriam, em condições normais, capazes de eliminá-la ou inibir seu crescimento. Esse fenômeno pode ocorrer por meio de mutações genéticas ou pela aquisição de genes de resistência através de transferência horizontal, mediada por plasmídeos ou transposons (MANCUSO et al.). Na prática clínica, essa resistência resulta em uma redução significativa da eficácia dos tratamentos antimicrobianos disponíveis, tornando mais difícil controlar infecções comuns, como as ITUs.

O uso indiscriminado e, muitas vezes, inadequado de antibióticos é uma das principais causas do aumento da resistência bacteriana. Em infecções urinárias, o tratamento empírico com antimicrobianos frequentemente não leva em conta as taxas locais de resistência, contribuindo para a seleção de cepas multirresistentes (KENNEALLY et al.). O impacto desse cenário é amplificado pela disseminação de microrganismos resistentes em ambiente hospitalar, como as Enterobacteriaceae produtoras de beta-lactamases de espectro estendido (ESBL) e as bactérias resistentes a carbapenêmicos (ALA-JAAKKOLA et al.).

Além das limitações impostas pela resistência aos antibióticos, há também o problema do impacto no microbioma do trato urinário. Estudos recentes mostram que alterações nesse ecossistema, previamente considerado estéril, podem predispor à recorrência das ITUs. Por exemplo, a redução de Lactobacillus spp., que exerce papel protetor no microbioma urinário, é frequentemente observada em pacientes submetidos a repetidos cursos de antibióticos (KENNEALLY et al.). Essa disbiose pode facilitar a persistência de patógenos, como a E. coli, e contribuir para infecções recorrentes.

Diante desses desafios, surge a necessidade de estratégias terapêuticas inovadoras para conter a resistência bacteriana e melhorar o manejo das ITUs. Entre as alternativas promissoras estão os probióticos, bacteriófagos, peptídeos antimicrobianos e moléculas como o D-manose, que demonstram capacidade de inibir a adesão bacteriana ao urotélio, reduzindo o risco de infecção (ALA-JAAKKOLA et al.). A busca por soluções que aliem eficácia e sustentabilidade no combate às ITUs é urgente, especialmente frente à ameaça representada pelas bactérias multirresistentes.

Este artigo tem como objetivo explorar os desafios associados ao combate às bactérias resistentes no trato urinário, abordando os mecanismos de resistência, o impacto clínico das infecções por patógenos multirresistentes e as abordagens terapêuticas emergentes para enfrentá-las.

METODOLOGIA

Este estudo foi conduzido a partir de uma revisão integrativa de literatura, com o objetivo de consolidar conhecimentos sobre os desafios do combate de bactérias resistentes no trato urinário. A pesquisa foi realizada nas bases PubMed, BVS e LILACS, entre dezembro de 2019 e dezembro de 2024, utilizando os seguintes descritores: Farmacorresistência Bacteriana Múltipla; Infecções do Sistema Urinário; Antibiótico. Os critérios de inclusão foram: estudos originais, revisões sistemáticas e meta-análises publicados em periódicos revisados por pares e trabalhos que abordassem o desafio do combate de bactérias resistentes no trato urinário e artigos disponíveis em texto completo, nos idiomas inglês, português. Os critérios de exclusão foram dados insuficientes ou inadequados para análise, estudos que não abordassem o tema e estudos duplicados em diferentes bases. A seleção envolveu a leitura de títulos, resumos e textos completos, conforme os critérios acima, culminando em uma amostra final de 50 artigos relevantes. Os dados foram extraídos de forma sistemática, com enfoque em metodologias aplicadas, resultados alcançados e limitações apontadas. A análise qualitativa e comparativa foi realizada para identificar padrões, tendências e lacunas no campo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os desafios no combate às bactérias resistentes no trato urinário têm se intensificado nos últimos anos, configurando um grave problema de saúde pública global. As infecções do trato urinário (ITUs), frequentemente causadas por Escherichia coli (UPEC) e outras espécies como Klebsiella pneumoniae e Proteus mirabilis, são exacerbadas pelo aumento alarmante de cepas resistentes a múltiplos fármacos (MDR). De acordo com Zhou et al. , as ITUs são uma das infecções bacterianas mais comuns, afetando milhões de pessoas anualmente, com alta taxa de recorrência e resistência antimicrobiana. Esses patógenos têm desenvolvido mecanismos adaptativos que incluem alterações genéticas, produção de enzimas inativadoras de antibióticos e formação de biofilmes, dificultando a eficácia das terapias tradicionais e ampliando a necessidade de abordagens terapêuticas alternativas (ZHOU et al.).

Um dos principais fatores que agravam esse cenário é o uso excessivo de antibióticos, que, além de aumentar a pressão seletiva para o surgimento de bactérias resistentes, provoca disbiose na microbiota intestinal e vaginal. Estudos de Murray et al., mostram que a perda de bactérias protetoras, como Lactobacillus spp., na microbiota vaginal facilita a colonização por patógenos, aumentando o risco de recorrência das ITUs. Além disso, a microbiota intestinal frequentemente serve como reservatório para uropatógenos, contribuindo para reinfecções. A relação entre disbiose e resistência bacteriana é uma área de crescente interesse, com implicações importantes para estratégias preventivas e terapêuticas (MURRAY et al.).

A resistência antimicrobiana em patógenos urinários é amplamente atribuída a mecanismos moleculares, como os genes gyrA e parC, que conferem resistência às fluoroquinolonas. Shariati et al. destacam que esses mecanismos, aliados à capacidade dos patógenos de formar biofilmes, tornam as ITUs recorrentes mais difíceis de tratar com as terapias convencionais. A resistência à fosfomicina, amplamente utilizada como opção para tratar MDR, também tem se tornado mais prevalente. Estudos. identificaram a disseminação global de genes como fosA3 em clones de alto risco, o que compromete a eficácia desse antibiótico, anteriormente considerado uma alternativa segura (SHARIATI et al.) (MATTIONI et al.).

Apesar dessas dificuldades, avanços terapêuticos têm surgido como resposta ao problema da resistência. Moléculas inovadoras, como cefiderocol e combinações de β-lactâmicos com inibidores de β-lactamases, demonstraram eficácia contra patógenos resistentes, incluindo aqueles produtores de carbapenemases. No entanto, como observado por Yusuf et al. (2021), essas terapias são limitadas por altos custos e acessibilidade restrita, o que impede sua ampla implementação clínica. Paralelamente, a terapia com bacteriófagos tem mostrado resultados promissores no tratamento de ITUs associadas a cateteres e biofilmes bacterianos. Chegini et al. (2021) relatam que os bacteriófagos conseguem degradar biofilmes e combater infecções persistentes, especialmente em casos de resistência extrema. Ainda assim, há desafios associados à resistência bacteriana aos bacteriófagos, exigindo estudos clínicos mais robustos para validar sua eficácia (YUSUF et al.) (CHEGINI et al.).

Além disso, estratégias não antibióticas, como o uso de probióticos, têm ganhado relevância como abordagem complementar. A restauração da microbiota vaginal e intestinal por meio de probióticos pode reduzir significativamente as taxas de recorrência das ITUs. Zhou et al. (2023) enfatizam que essas intervenções podem diminuir a dependência de antibióticos e mitigar os impactos da resistência antimicrobiana. A combinação de terapias direcionadas e preservação da microbiota hospedeira representa uma mudança paradigmática na abordagem das ITUs (ZHOU et al.) (MURRAY et al.).

No entanto, a eficácia de qualquer abordagem terapêutica depende de diagnósticos precisos e rápidos para identificar o perfil de resistência das bactérias e orientar a escolha do tratamento. O desenvolvimento de tecnologias de diagnóstico molecular e o fortalecimento de políticas públicas que promovam o uso racional de antibióticos são essenciais para enfrentar a crise de resistência. (KLEIN & HULTGREN). Programas de prevenção, como educação em saúde e melhores práticas de higiene, também desempenham um papel crítico na redução da disseminação de patógenos resistentes (KLEIN & HULTGREN).

Portanto, os desafios no combate às bactérias resistentes no trato urinário exigem uma abordagem integrada que combine inovação científica, gestão clínica eficaz e políticas de saúde pública abrangentes. O sucesso dependerá não apenas do desenvolvimento de novos tratamentos, mas também de estratégias preventivas sustentáveis e do uso consciente de recursos terapêuticos disponíveis.

CONCLUSÃO

O combate às bactérias resistentes no trato urinário representa um dos maiores desafios da medicina moderna, exigindo esforços coordenados em diversos níveis. Este estudo evidencia que a resistência antimicrobiana em patógenos urinários compromete significativamente a eficácia das terapias convencionais, agravando o impacto clínico e socioeconômico das infecções do trato urinário (ITUs).   A implementação de abordagens terapêuticas inovadoras, como novas moléculas antimicrobianas, probióticos, terapias com bacteriófagos e peptídeos antimicrobianos, aliada a tecnologias de diagnóstico rápido, oferece perspectivas promissoras para mitigar esse problema. Além disso, intervenções preventivas, como o uso de D-manose e a restauração da microbiota por probióticos, podem reduzir as taxas de recorrência e a dependência de antibióticos. No entanto, barreiras como custos elevados, acessibilidade limitada e lacunas na aplicação de políticas públicas comprometem a efetividade dessas estratégias em larga escala. 

A solução para o enfrentamento das ITUs resistentes exige uma abordagem multidisciplinar e integrada, que envolva: (i) a promoção do uso racional de antibióticos, com base em perfis de sensibilidade microbiológica; (ii) investimentos em pesquisa para o desenvolvimento de novos fármacos e terapias alternativas; (iii) fortalecimento de programas de vigilância microbiológica para monitorar padrões de resistência; e (iv) iniciativas de educação em saúde para conscientizar profissionais e a população sobre o uso adequado de antimicrobianos e boas práticas de higiene. 

Além disso, é essencial fomentar a integração entre a pesquisa básica, ensaios clínicos e a prática clínica, garantindo que as inovações terapêuticas sejam acessíveis e aplicáveis à realidade dos sistemas de saúde, especialmente em regiões de recursos limitados. O sucesso no combate às bactérias resistentes também dependerá de políticas públicas globais mais robustas, com esforços coordenados entre governos, instituições de saúde e organizações internacionais. 

Portanto, uma resposta efetiva ao aumento da resistência bacteriana no trato urinário não se limita apenas ao desenvolvimento de novos tratamentos, mas também exige uma mudança de paradigma no manejo dessas infecções, incorporando estratégias preventivas sustentáveis e uma gestão responsável dos recursos terapêuticos disponíveis. Esses avanços serão fundamentais para reduzir a carga global das ITUs resistentes, melhorar os desfechos clínicos e garantir a sustentabilidade dos sistemas de saúde no combate às infecções bacterianas no futuro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ZHOU, et al. Urinary Tract Infections Caused by Uropathogenic Escherichia coli: Mechanisms of Infection and Treatment Options. Int J Mol Sci. 2023;24(13):10537. doi:10.


1Discente – Medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul

2Médico – Universidade Municipal de São Caetano do Sul