DESAFIOS ESTRUTURAIS DA SAÚDE MENTAL NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA

DESAFIOS ESTRUTURAIS DA SAÚDE MENTAL NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.8338499


Jacqueline Stegue de Oliveira Albergoni
Paulo Nunes da Silva
Samantha Reikidal Oliniski
Antônio Carlos Schwiderski


RESUMO

O início do processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil contemporâneo surge do “movimento sanitário”, nos anos 70. Neste período se iniciou o processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira, como fruto da efervescência de segmentos da sociedade que lutavam por conquistas sociais durante o processo de redemocratização do país pós ditadura militar. A constatação da violência praticada por hospitais psiquiátricos principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais já vinha sendo revelada pela imprensa da época (BARRANCOS, QUARTIERO, 2021). Ao mesmo tempo, experiências internacionais de transformação da assistência psiquiátrica impulsionavam propostas de superação do modelo de atenção centrado em hospitais psiquiátricos. As políticas públicas do campo da saúde mental sofreram enormes avanços e transformações desde o final da década de 1980, impulsionados pela aprovação da Lei da Reforma Psiquiátrica em 2021, que serviu de base legal para a implementação da Política Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Aborda os conceitos básicos que distinguem o processo atual de iniciativas anteriores (BARRANCOS, QUARTIERO, 2021).  Além de estimular ações transversais relacionadas à garantia dos direitos de moradia, educação, cultura, trabalho, justiça, por exemplo, a Reforma tornou a experiência brasileira uma referência para o mundo. Em favor da mudança dos modelos de atenção, gestão nas práticas de saúde, defesa da saúde coletiva, equidade na oferta dos serviços, no protagonismo dos trabalhadores, bem como, usuários dos serviços de saúde, nos processos de gestão e produção de tecnologias de cuidado. Em especial importância, o surgimento do primeiro CAPS no Brasil, na cidade de São Paulo, em 1987, deu início num processo de intervenção da Secretaria Municipal de Saúde de Santos (SP); Também no ano de 1989, dá entrada no Congresso Nacional o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado (PT/MG), que propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país (BARRANCOS, QUARTIERO, 2021). É o início das lutas do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e normativo, com a Constituição de 1988, é criado o SUS – Sistema Único de Saúde, formado pela articulação entre as gestões federal, estadual e municipal, sob o poder de controle social, exercido através dos “Conselhos Comunitários de Saúde”. Os resultados demonstram progressos e desafios na reforma psiquiátrica e manifestam uma necessidade urgente de capacitação de profissionais que trabalham na área de cuidados e, especialmente, estratégia de programas de saúde da família, atualmente chamado de Planifica SUS (BRASÍLIA, 2005). O financiamento para atenção primária; aplicação dos princípios da reforma psiquiátrica; cuidados conjuntos, reabilitação psicossocial entre outros finaliza e demonstra que os projetos da reforma não são homogêneos, que o cuidado é conduzido de acordo com a concepção teórica dos profissionais de saúde mental, ou seja, que existem princípios gerais, mas que, em última análise, estão dependentes ao contexto específico em que o cuidado é realizado, (BIRMAN; COSTA; AMARANTE, 1994).

Descritores: Saúde Mental; Reforma Psiquiátrica; Desafios; Sistema Único de Saúde (SUS).

ABSTRATC

The beginning of the Psychiatric Reform process in contemporary Brazil comes from the “sanitary movement”, in the 1970s. In this period, the Brazilian Psychiatric Reform process began, as a result of the effervescence of segments of society that fought for social conquests during the redemocratization process country after military dictatorship. The finding of violence practiced by psychiatric hospitals, mainly in São Paulo, Rio de Janeiro and Minas Gerais, was already being revealed by the press at the time (BARRANCOS; QUARTIERO, 2021). At the same time, international experiences of psychiatric care transformation drove proposals to overcome the care model centered on psychiatric hospitals. Public policies in the field of mental health have undergone enormous advances and transformations since the late 1980s, driven by the approval of the Psychiatric Reform Law in 2021, which served as the legal basis for the implementation of the National Mental Health Policy of the Ministry of Health, Addresses the basic concepts that distinguish the current process from previous initiatives (BARRANCOS; QUARTIERO, 2021). In addition to stimulating cross-cutting actions related to the guarantee of rights to housing, education, culture, work, justice, for example, the Reform made the Brazilian experience a reference for the world. In favor of changing care models, management in health practices, defense of collective health, equity in the provision of services, in the protagonism of workers, as well as users of health services, in the processes of management and production of care technologies. Of particular importance, the emergence of the first CAPS in Brazil, in the city of São Paulo, in 1987, initiated a process of intervention by the Municipal Health Department of Santos (SP); Also in 1989, the Bill of Deputy Paulo Delgado (PT/MG) entered the National Congress, which proposed the regulation of the rights of people with mental disorders and the progressive extinction of asylums in the country (BARRANCOS; QUARTIERO, 2021). It is the beginning of the struggles of the Psychiatric Reform movement in the legislative and normative fields, with the 1988 Constitution, the SUS – Unified Health System is created, formed by the articulation between the federal, state and municipal administrations, under the power of social control, exercised through the “Community Health Councils”. The results show progress and challenges in psychiatric reform and show an urgent need for training professionals who work in the area of care and, especially, the strategy of family health programs, currently called planifica SUS (BRASÍLIA, 2005). Financing for primary care; application of the principles of psychiatric reform; joint care, psychosocial rehabilitation, among others, concludes and demonstrates that the reform projects are not homogeneous, that care is conducted in accordance with the theoretical conception of mental health professionals, that is, that there are general principles, but that, ultimately, are dependent on the specific context in which care is performed, (BIRMAN; COSTA; AMARANTE, 1994).

Descriptors: Mental Health; Psychiatric Reform; Challenges; Unified Health System (SUS).

1 .INTRODUÇÃO

Os movimentos de transformação na psiquiatria que ocorreram na Europa e nos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial tiveram importante influência nas mudanças na saúde mental no Brasil. No entanto, a psiquiatria democrática italiana, oriunda das experiências de Franco Basaglia e seu grupo em Gorizia e Trieste, é que influencia fortemente as transformações nas práticas e na política de atenção em saúde mental no Brasil. (AMARANTE,1995).

No Brasil, a Reforma Psiquiátrica foi um processo que surgiu de forma mais concreta, contexto da luta contra a ditadura, no início da década de 1970, principalmente, a partir da conjuntura da redemocratização, no final da década (AMARANTE, 1998).

De acordo com Amarante, esta tendência está caracterizada pela crítica epistemológica ao saber médico constituinte da psiquiatria. É nesta tendência que o movimento pela reforma psiquiátrica brasileira se inspira. E este movimento, por sua vez, identifica-se com a trajetória de desinstitucionalização prático-teórica desenvolvida por Franco Basaglia, na Itália. As ideias de Basaglia chegam ao Brasil, sobretudo em virtude da repercussão internacional do processo italiano que englobou a desativação do hospital de Gorizia, a criação da ” psiquiatria democrática” e de ” redes alternativas à psiquiatria” e, posteriormente, a promulgação da Lei 180 na Itália, conhecida como Lei Basaglia.

No final da década de 1970, houve uma necessidade urgente de desenvolver uma estratégia severa para a saúde no país, a política nacional de saúde mental no Brasil. O sistema psiquiátrico, baseado principalmente em numerosos hospitais, eram considerados durante longas datas um escândalo, caracterizado pela má qualidade de atendimento e frequentes violações dos direitos humanos (BIRMAN; COSTA; AMARANTE, 1994). A reforma dos serviços de saúde mental era urgente. As primeiras reformas no Brasil implementadas em algumas cidades iniciaram-se (por exemplo em Santos, São Paulo), desempenharam um papel importante no desenvolvimento de um modelo da situação brasileira, dando uma contribuição inestimável para a primeira fase da construção da Política de Saúde Mental do País; fazendo parte do processo de redemocratização iniciado no Brasil gradualmente integrado nos níveis do legislativo, administrativo e fiscal (BIRMAN; COSTA; AMARANTE, 1994).

No final dos anos 70 e início dos anos 80 foi o período que se iniciou o desenvolvimento dessa Reforma, e como fruto da efervescência de segmentos da sociedade que lutavam por conquistas sociais durante o processo de redemocratização do país após ditadura militar. A constatação da violência praticada por hospitais psiquiátricos principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais já vinha sendo revelada pela imprensa da época (BARRANCOS; QUARTIERO, 2021).

Concomitante com a Reforma Sanitária e a criação do SUS, inicia-se uma mudança radical na oferta de serviços na saúde mental, a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada no ano de 1986, contou com a participação de técnicos do setor saúde, de gestores e da sociedade organizada, propondo um modelo de proteção social com a garantia do direito à saúde integral (BRASIL, 2011).

Em seu relatório final da Conferencia, a saúde passa a ser definida como o resultado não apenas das condições de alimentação, habitação, educação, trabalho, lazer e acesso aos serviços de saúde, mas, sobretudo, da forma de organização da produção na sociedade e das desigualdades nela existentes; e a criação dos serviços substitutivos (BRASIL, 2005).

No Congresso Nacional do MTSM (Bauru, SP), foi adotado o lema “Por uma sociedade sem manicômios”. Neste mesmo ano, é realizada a I Conferência Nacional de Saúde Mental (Rio de Janeiro).

A crítica aos hospitais psiquiátricos no Brasil impulsionou a luta coletiva por “Uma sociedade sem manicômios” e em 1987, durante o 2º Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental, foi lançado o Manifesto de Bauru, um marco da Reforma Psiquiátrica Brasileira que sintetiza o espírito da época dos movimentos e segmentos sociais que lutavam por direitos para as populações mais excluídas no contexto brasileiro. Neste período, surgiu também o primeiro Caps (Centro de Atenção Psicossocial) no Brasil, na cidade de São Paulo sendo diferenciados pelo porte, capacidade de atendimento, clientela atendida e organizam-se no país de acordo com o perfil populacional dos municípios brasileiros. Assim, estes serviços diferenciam-se como CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi e CAPSad.

As mobilizações em prol da atenção à saúde mental e fim dos manicômios brasileiros alcançaram êxito em grande medida por meio da promulgação da Constituição Federal de 1988 (BARRANCOS; QUARTIERO, 2021).

No ano de 1989, é dada entrada no Congresso Nacional o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado (PT/MG), que propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país. É o início das lutas, enfrentamento de desafios do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e normativo. Com a Constituição de 1988, é criado o SUS – Sistema Único de Saúde, formado pela articulação entre as gestões federal, estadual e municipal, sob o poder de controle social, exercido através dos “Conselhos Comunitários de Saúde”, (BRASÍLIA, 2005).

Para Amarante (1998), a Reforma Psiquiátrica e a proposta de desinstitucionalização se processam por meio da criação de múltiplos equipamentos substitutivos e não alternativos ao hospital psiquiátrico. Para este autor, a reforma psiquiátrica é entendida como um processo histórico de formulação crítica e prática, que tem como objetivos e estratégias o questionamento e elaboração de propostas de transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria. (…) Tem como fundamentos não apenas uma crítica conjuntural ao subsistema nacional de saúde mental, mas também – e principalmente – uma crítica estrutural ao saber e às instituições psiquiátricas clássicas, dentro de toda a movimentação político-social que caracteriza a conjuntura de redemocratização (AMARANTE, 1998, p. 87).

  Na Cidade de São Paulo; início do processo de intervenção em 1989, o Hospital Psiquiátrico Municipal de Saúde de Santos (SP), Casa de Saúde Anchieta, local de maus-tratos e mortes de pacientes. É exatamente isso que essa intervenção com influência estatal onde foi mostrado definitivamente uma oportunidade para construir uma rede de tratamento eficaz.

Para isso, a rede de atenção em saúde mental tem desenvolvido o trabalho de Apoio Matricial (AM) junto à atenção básica, estratégia que visa outorgar suporte técnico às equipes responsáveis pelo desenvolvimento de ações básicas de saúde para a população, compartilhando casos em forma de corresponsabilização (BRASIL, 2004).

As ações em relação à saúde mental são desenvolvidas, em um território geograficamente conhecido, possibilitando as equipes de saúde uma proximidade para conhecer a história de vida das pessoas e de seus vínculos com a comunidade/território (BRASIL, 2013). O possui um grande papel na organização da RAPS, a partir da formação das regiões e redes de atenção à saúde, estruturando os serviços e sua distribuição na rede de serviços no Brasil, o acesso e a inserção dos usuários aos serviços de atendimentos na saúde mental no Brasil (BARRANCOS; QUARTIERO, 2021).

Em julho, a CDHM (Comissão de Direitos Humanos e Minorias) da Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública para discutir sobre a Política Nacional de Atenção à Saúde Mental no Brasil. Os principais posicionamentos foram: o consenso sobre a falta de dados acerca do tema no país, situação agravada em 2015 quando o relatório “Saúde Mental em Dados” do Ministério da Saúde deixou de ser publicado, e a revogação da resolução n. 3/2020, que prevê a internação de adolescentes em comunidades terapêuticas e a construção de espaços para a garantia e manutenção de direitos no âmbito da saúde mental (BARRANCOS; QUARTIERO, 2021).

2. MÉTODO

Este artigo apresentará uma discussão acerca da política pública de saúde mental brasileira, a partir de uma pesquisa, tratando-se uma revisão narrativa de literatura (RNL). Este tipo de pesquisa, possibilita uma análise minuciosa sobre um determinado campo teórico de uma área de conhecimento e permite saberes, contribuições e enfoques possíveis sobre a área estudada (MATTOS, 2015). Foram pesquisadas dissertações, livros sobre a temática, documentos oficiais (relatórios de conferências, leis, portarias), fundamentação teórica de artigos em base de dados (Scielo), teses, trabalhos de conclusão de cursos.

3. REFLEXÃO

Essa reflexão histórica, evidencia pontos sensíveis dos desafios político-administrativas no âmbito da Reforma Psiquiátrica. Grandes desafios foram ejetados à Política brasileira de Saúde Mental com o processo de regionalização da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), nos Centros de Atendimentos Psicossocial (CAPS). Refere-se à ampliação do acesso e à melhoria da qualidade da atenção à saúde mental em todos os níveis e modalidades de atenção no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), trata-se de um cenário que tem transformado a atenção pública da saúde mental no país (Vasconcelos, 2010).

Num país onde vivem cerca de 2 milhões de pessoas com esquizofrenia, com serviços encerrados e falta de programação específica para esta população, a política de saúde mais uma vez esqueceu-se dos doentes mentais no auge da onda, muitos dos quais não eram atendidos porque O comportamento é prejudicado para se tornar vulnerável e higiênico. Embora a área careça de recursos, abundam outros aspectos não muito longe da psiquiatria, como o ciúme e o narcisismo, evidentes no estigma da classe política e do povo.

Precisamos lembrar os desafios que a demanda enfrentou e enfrenta até hoje para o acesso ao serviço, o preconceito contra os portadores de transtornos mentais chama-se psicofobia. Ela faz parte da humanidade desde seu início, e seu fenômeno não é tão estudado como as viroses. O paciente teve sua doença, desde então, etiquetada como possessão demoníaca, castigo divino, entre outras rotulações, passando por “louco e imbecil” no censo americano de 1840, a “loucos de todo gênero” no Código Civil Brasileiro, de 1916, terminologia herdada do império. Ainda hoje, assistimos o medo, o desconhecimento, a vergonha e principalmente, o preconceito (XAVIER 2020).

historicamente, no Brasil o tema do uso do álcool e de outras drogas, envolvendo a saúde mental, vem sendo associado à criminalidade e práticas antissociais e à oferta de “tratamentos” inspirados em modelos de exclusão/separação dos usuários do convívio social. As iniciativas governamentais restringiam-se a poucos serviços ambulatoriais ou hospitalares. É somente em 2002, e em concordância com as recomendações da III Conferência Nacional de Saúde Mental, que o Ministério da Saúde passa a implementar o Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada aos Usuários de Álcool e outras Drogas, reconhecendo o problema do uso prejudicial de substâncias como importante problema da saúde pública e construindo uma política pública específica para a atenção às pessoas que fazem uso de álcool ou outras drogas, situada no campo da saúde mental, e tendo como estratégia a ampliação do acesso ao tratamento, a compreensão integral e dinâmica do problema, a promoção dos direitos e a abordagem de redução de danos (BRASIL, 2021). As novas técnicas de aprisionamento envolvem tecnologias simbólicas que usam os discursos de outras pessoas, como familiares e profissionais, e também o próprio passado dos doentes mentais como ferramentas de manipulação a serviço do estigma e do poder, o que cria condições onde o sujeito torna-se limitado e diminuído pelo discurso ou pela falta dele. Segundo Borba et al. (2011), o atual ideal de normalidade funciona como regra e é instituído estruturalmente, de modo que contrariá-lo seria compreendido como um ato de rebeldia contra o sistema. Há uma dificuldade considerável que sujeitos com transtornos mentais falem sobre assuntos diferentes dos que estão acostumados e dos discursos que se habituaram a reproduzir de forma até mesmo repetitiva (Jacó-Vilela & Sato, 2012).

3.2 Longitudinalidade do cuidado à saúde mental (RAPS, falta de hierarquia no cuidado, ênfase no atendimento hospitalar, não ter acompanhamento pós-alta)

 Pande e Amarante (2011) destacam uma nova cronicidade como um importante desafio a ser enfrentado pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), em suas respectivas modalidades. Para os autores, o reconhecimento dos desafios a enfrentar e a consciência crítica são elementos que podem favorecer as transformações na atenção à saúde mental. A desafiadora política de saúde que o Brasil já construiu, talvez com uma única certeza: a de que, se ainda não garantimos um SUS resolutivo, equânime e humanizado, temos sim, um longo e robusto percurso de construção de um sistema público de saúde que já não comporta silenciosamente formas de cuidar excludentes, nem saberes e poderes, como os que marcaram a vida de milhares de pessoas nos mais de 200 anos de história dos manicômios (BRASIL, 2015).

A RAPS fundamenta-se nos princípios da autonomia, respeito aos direitos humanos e exercício da cidadania; busca promover a equidade e reconhecer os determinantes sociais dos processos saúde-doença-sofrimento-cuidado; desfazer estigmas e preconceitos; garantir o acesso aos cuidados integrais com qualidade; desenvolver ações com ênfase em serviços de base territorial e comunitária; os serviços em rede com o estabelecimento de ações intersetoriais, com continuidade do cuidado; desenvolver ações de educação permanente; ancorar-se no paradigma do cuidado e da atenção psicossocial; além de monitorar e avaliar a seguimento dos serviços (Brasil, 2011).

3.3 Apontamentos para superação dos desafios estruturais da saúde mental no SUS (fortalecimento da Atenção Básica, reformulação da atuação do CAPS, investimento e recursos financeiros, revitalização dos centros comunitários).

Em um momento em que os processos de desinstitucionalização tendem a se alinhavar desde Caps e, muitas vezes, a neles se encerrar, movimento que justificaria alguns apelidos pouco elogiosos como um “capscômio” ou um modelo “capscêntrico” (AMARANTE, 2003; RAMÔA, 2005), parece ser preciso manter uma atitude investigatória de estranhamento do que está dado, interrogando práticas: Para que serve mesmo? Para que foi pensada? Como atualizá-las, potencializando modos de fazer, saber, dizer e conviver? Com isso, estaremos, em certa medida, novamente institucionalizando processos instituintes. Como não os burocratizar e institucionalizá-los? Parece que um percurso interessante seja o de construção coletiva de caminhos de análise e de intervenção no cotidiano das práticas de saúde.

Não é fácil estruturar uma rede em saúde mental com diversos pontos de atenção que vão desde os cuidados primários de atenção básica, até a alta complexidade, além de serviços e ações de desinstitucionalização e reinserção psicossocial, indica um nível elevado de complexidade de ações. Mesmo com as dificuldades inerentes ao processo de Reforma Psiquiátrica brasileira, neste primeiro ajustamento quanto à distribuição dos serviços da RAPS no território nacional, pode-se afirmar que houve uma expansão progressiva dos serviços nos últimos quinze anos, com forte indicativo para interiorização, especialmente das equipes da atenção primária, em função da natureza da sua proposta de cobertura e modalidade de atenção (MACEDO; ABREU; FONTELE; DIMENSTEIN, 2017, p.163). Por todas essas razões, é hora de direcionar essa proposta para tornar-se efetiva e lógica, com uma resposta possível e eficaz. Então o desafio é compartilhar o cuidado psicossocial com a equipe que atua em uma rede de suporte, com princípios, objetivos. Tal objetivo não só é possível, mas também muito gratificante, se for uma expansão, cuidar de quem precisa na lógica multidisciplinar ou finalmente uma saudável organização em rede de atendimento da saúde mental no SUS.

Diante de um cenário de desafios estruturais é necessário mencionar o trabalho realizado em rede, e com a aprovação da Portaria nº 3.088/2011, institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), estabelecendo os critérios de organização e implementação no país, integrando a saúde mental em todos os níveis e pontos de atenção no SUS. A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), é um conjunto de diferentes serviços disponíveis nas cidades e comunidades, que articulados formam essa rede de atendimento, devendo ser capaz de cuidar das pessoas com transtornos mentais e com problemas em decorrência do uso de drogas, bem como a seus familiares, nas suas diferentes necessidades, (BRASIL,2011). A RAPS é organizada pelos seguintes segmentos: Atenção Primária à Saúde; Atenção Especializada; Atenção às Urgências e Emergências; Atenção Residencial de Caráter Transitório; Atenção Hospitalar; e Estratégias de Desinstitucionalização e Reabilitação (BRASIL, 2018).

O apoio matricial, formulado por Gastão Wagner Campos (1999), tem estruturado no país um tipo de cuidado colaborativo entre a saúde mental e a atenção primária. Tradicionalmente, os sistemas de saúde se organizam de uma forma vertical (hierárquica), com uma diferença de autoridade entre quem encaminha um caso e quem o recebe, havendo uma transferência de responsabilidade ao encaminhar. A comunicação entre os dois ou mais níveis hierárquicos ocorre, muitas vezes, de forma precária e irregular, geralmente por meio de informes escritos, como pedidos de parecer e formulários de contrarreferência que não oferecem uma boa resolubilidade. A nova proposta integradora visa transformar a lógica tradicional dos sistemas de saúde: encaminhamentos, referências e contrarreferências, protocolos e centros de regulação. Os efeitos burocráticos e pouco dinâmicos dessa lógica tradicional podem vir a ser atenuados por ações horizontais que integrem os componentes e seus saberes nos diferentes níveis assistenciais (CHIAVERINI, P.13, 211). No âmbito da atenção básica, as medidas de intervenção terapêutica para as pessoas com transtornos mentais devem ser consideradas, além das características clínicas de cada caso, relacionadas ao diagnóstico médico-psiquiátrico (como curso e manifestações da doença, transtorno de personalidade anterior, agudo e gravidade do transtorno), os recursos pessoais do paciente (autoconhecimento, autocrítica, situação de trabalho e situação econômica), os recursos familiares (vínculo afetivo, psicossexual e material) e institucionais e comunitários (como a organização da atenção à saúde mental na rede básica e outras formas de associação e grupos comunitários), (Saraceno; Tognoni, 1994).

4. CONCLUSÃO

Aqui é necessário fazer uma síntese, dizer de forma objetiva os desafios que foram identificados e como podem ser superados. Limitações, implicações para a prática profissional também devem ser descritas.

Indivíduos com diversas doenças clínicas devem sempre ser avaliados quanto à presença da doença mental e, devem ser tratados adequadamente para evitar uma piora do prognóstico do paciente não só em relação à sua doença de base, mas também em detrimento da sua qualidade de vida global.

A doença mental tem sido cada vez mais frequente, e acarreta importantes prejuízos pessoais, ocupacionais, econômicos e sociais, além de se relacionar à maior morbidade e até mortalidade, se não tratada. Os profissionais que trabalham com essa demanda também oferecem uma rede de apoio especializada e promovem o autocuidado, porém com grandes desafios oferecidos pelo SUS para os cuidados dos pacientes é quase impossível um tratamento de qualidade na saúde mental.  Portanto, sua identificação precoce e a instituição de um tratamento adequado, que leve à remissão dos sintomas, é fundamental. Doença mental com a possibilidade de recorrências aumenta e se dissipa, o que reforça a importância da eficácia, e a adesão ao tratamento.

Tendo em vista esse contexto, este estudo tem por objetivo refletir sobre os desafios estruturais da saúde mental no SUS, dando ênfase nos desafios enfrentados.

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