DESAFIOS ENFRENTADOS PARA A AMPLIAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7749340


Adriane Nunes De Jesus Melo1
Analécia Dâmaris Da Silva Alexandre2
Arthur Wada3
Bruna Daniel Alves Da Cruz4
Daiane Carolina Lopes Rosa5
Daniele Vieira Ferreira6
Ernesto Augusto Fontana Junior7
Jairo De Freitas De Sousa8
Jaqueline Miranda De Oliveira9
Juliana Schneider Machiti10
Kecyani Lima Dos Reis11
Larissa Dos Santos Brandão12
Marcelle Pamplona De Almeida13
Mayara Munique Correia De Oliveira Silva 14
Mirlene Gomes Araújo Lacerda De Sousa15
Ricardo Marques de Almeida16
Vanessa Rodrigues de souza17
Yanne Thais De Almeida Martins18


RESUMO

A criação do Programa Saúde da Família (PSF), que posteriormente assumiu caráter estratégico, representa um marco na tentativa de organizar o modelo de atenção à saúde no Brasil e na expansão da Atenção Primária. Devido ao seu teor altamente resolutivo e integrador, o programa Estratégia de Saúde da Família se tornou uma promissora porta de entrada do SUS, melhorando exponencialmente a qualidade da assistência prestada à população no país. Assim, através das redes básicas de saúde a ESF possui a proposta de realizar atendimentos de forma integral ao paciente, observando todas as facetas do indivíduo e prestando continuidade do cuidado. Para fortalecer esse seu papel, ela é também a porta de entrada da Rede de Atenção à Saúde (RAS).  O objetivo dessa pesquisa bibliográfica foi avaliar as problemáticas existentes no contexto da ESF que dificultam a atuação da equipe multiprofissional e subsequente ampliação do programa. A metodologia utilizada baseou-se em pesquisas de artigos científicos nas bases de dados “Pubmed”, “Scielo” e “Lilacs”, no período de novembro de 2022 a fevereiro de 2023, fazendo uso de descritores e filtros pertinentes à temática objetivada. Nos resultados constaram 24 artigos de abordagem qualitativa que compuseram a amostra final ao obedecerem aos fatores de inclusão propostos. A partir da análise deles, se tornou possível concluir que há uma gama de déficits externos que são impostos à equipe da ESF, bem como há problemáticas internas construídas no cotidiano da equipe multiprofissional, ambas as categorias se influenciando mutuamente e prejudicando o funcionamento do programa.

PALAVRAS-CHAVE: Estratégia de Saúde da Família. Atenção Primária. Equipe multiprofissional.

1 INTRODUÇÃO

O programa Saúde da Família, que começou a ser implantado no Brasil a partir de 1994, é inspirado em modelos de atenção já utilizados com sucesso em locais como Canadá e no Reino Unido que visavam reorganizar os serviços de saúde. Este é o precursor da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e teve como função primordial aproximar os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) da realidade da população no país (BRASIL, 2012).

De acordo com Oliveira e Spiri (2006), por apresentar um crescimento e efetividade exponencial a ESF possui o desafio de reorganizar e expandir a atenção primária, fazendo com que o modelo tradicional “hospitalocêntrico”, por muito tempo vigente no país, possua cada vez menos espaço e influência no modelo de atenção à saúde atual.

Assim, através das redes básicas de saúde a ESF possui a proposta de realizar atendimentos de forma integral ao paciente, observando todas as facetas do indivíduo e prestando continuidade do cuidado. Para fortalecer esse seu papel, ela é também a porta de entrada da Rede de Atenção à Saúde (RAS), responsável por fazer todo o contato com os outros níveis de saúde, integrando-os e articulando racionalmente o acesso aos mesmos. (OLIVEIRA; SPIRI, 2006)

Para alcançar os ideais propostos, a ESF possui uma equipe multiprofissional composta por, no mínimo, um médico generalista ou especialista em Saúde da Família ou médico de Família e Comunidade, enfermeiro generalista ou especialista em Saúde da Família, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde. Outros profissionais, como assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas, auxiliares de dentista, técnico de higiene bucal, nutricionista, farmacêutico, além de profissionais de apoio como: auxiliar de serviços gerais, motorista, auxiliar administrativo e digitador, podem ser incorporados a ESF através do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), na qual atuam de forma integrada (BRASIL, 2012).

No entanto, para que haja um pleno funcionamento do programa e as metas sejam alcançadas é necessário que todas as partes envolvidas nas tomadas de decisões e atuações estejam em consonância. Dessa forma, no contexto da saúde alguns obstáculos podem interferir de maneira negativa na realização do trabalho integrado, tais como: profissionais não cooperativos, estruturas organizacionais rigidamente hierarquizadas, desigualdade social entre os membros da equipe e a alta rotatividade dos profissionais nos serviços. Além de contribuírem para o surgimento de dificuldades relacionadas a recursos humanos, outros fatores também poderão interferir na assistência oferecida à comunidade, como quantitativo de profissionais insuficiente e mão de obra não qualificada (PERUZZO et al., 2018).

O programa Saúde da Família representou um dos maiores avanços na organização da Atenção Básica no Brasil, porém, este possui também diversos obstáculos que dificultam seu funcionamento em um contexto sociocultural que está em constante mudança. Nesse cenário, um marco na sua regulamentação se deu através da portaria 2.436 de 21 de setembro de 2017, onde o Ministério da Saúde propõe a revisão de diretrizes que organizam a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB).

Através da PNAB a estratégia da Saúde Familiar (ESF) busca reorganizar a Atenção Básica de acordo com pré-requisitos do SUS (Sistema Único de Saúde) com apoio do NASF (Núcleo Ampliado da Saúde da Família). Essa estrutura é vinculada à atenção básica com o objetivo de ampliar e aperfeiçoar a atenção da gestão da saúde na ESF. Desde então, tem sido base para orientação como estruturação e qualificação da atenção básica (KANNO; BELLODI; TESS, 2012).

Dentro desse contexto, é notório a alta relevância que a ESF possui na sociedade para garantir a promoção, proteção e manutenção da saúde. Bem como a importância de sua atualização e constantes discussões no intuito de superar os desafios que atuam como barreiras na ampliação e no desenvolvimento do programa. Logo, é de fundamental importância discorrer e estimular o debate acerca das problemáticas que dificultam a ampliação e o funcionamento da Estratégia Saúde da Família no Brasil.

2 METODOLOGIA

2.1 Tipo de estudo

Trata-se de uma Revisão Integrativa da Literatura (RIL), sendo este um método que proporciona a síntese do conhecimento e a incorporação da aplicabilidade de resultados de estudos significativos na prática (SOUZA, SILVA, CARVALHO, 2010). Onde para Souza (2010, p.2)

Este método de pesquisa tem como princípios gerais a exaustão na busca dos estudos analisados, a seleção justificada dos estudos por critérios de inclusão e exclusão explícitos e a avaliação da qualidade metodológica, bem como a quantificação do efeito dos tratamentos por meio de técnicas estatísticas (MENDES, 2008).

2.2 Local de estudo

Constitui-se um estudo de dados secundários, que utilizou as seguintes bases de dados para identificar as publicações científicas: Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs),e Scientific Eletronic Library Online (SciELO).

Tais bases de dados são coleções de informações, cujo objetivo é armazenar virtualmente as informações de modo a facilitar na organização, manutenção e pesquisa dos dados encontrados (SOUZA, SILVA, CARVALHO, 2010).

2.3 Amostra e coleta de dados

A coleta e seleção de dados deu-se em duas etapas distintas: primeiramente na busca de artigos nas três bases de dados e posteriormente na análise dos resumos desses artigos pré-selecionados.

A primeira etapa foi iniciada com pesquisas e consultas na base eletrônica “PubMed”, fazendo uso dos descritores: “Programa Saúde da Família”, “Trabalho”, “Atenção básica à saúde” e “Equipe multiprofissional”, expondo 24 resultados. Destes, somente 4 artigos foram selecionados após uso dos critérios de inclusão e exclusão.

Na próxima plataforma, “SciELO”, foram utilizados os descritores: “Atenção primária à saúde”, “Estratégia de saúde da família”, “ Profissionais da saúde”, “Programa à Saúde da Família”, “Trabalho”, “Atenção básica à saúde” e “Equipe multiprofissional”, obtendo o resultado de 820 artigos, dos quais após aplicação dos filtros: “Brasil ”, “Ciências da saúde”, “Publication dates: de 2011 a 2022” e uso de critérios de inclusão e exclusão com base em seus títulos, 23 foram selecionados nesta segunda plataforma.

Na terceira plataforma, “Lilacs”, na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) foram utilizados os descritores “Atenção básica à saúde” e “Trabalho”, com resultado de 128 artigos, dos quais após uso dos critérios de inclusão e exclusão, em seus títulos, totalizaram a quantia de 20 artigos selecionados. Ao final desta primeira etapa foram totalizados 47 artigos pré-selecionados a partir das três plataformas mencionadas anteriormente.

Na segunda etapa, os artigos obtidos foram organizados em uma planilha online contendo informações como: título, link, base de dados, filtros e descritores, para serem compartilhados virtualmente com os três autores desse trabalho na plataforma “Google Planilhas”.

Com o auxílio da planilha foram lidos separadamente os resumos dos 47 artigos pré-selecionados, para desconsiderar os que não fossem adequados ou fugissem à temática escolhida, por fim, resultando em uma amostragem de 24 artigos.

Com a amostra final definida, foi feita a leitura integral de seus artigos. Posteriormente, uma nova planilha virtual foi criada para registrar seus respectivos fichamentos, referências, ano de publicação e link para leitura. Com o intuito de delimitar as devidas considerações necessárias para compor os resultados e discussão deste trabalho.

2.4 Analise de dados

Os artigos selecionados após a leitura na íntegra, foram anexadas em um banco de dados estruturados no Microsoft Excel® 2016 e organizados de forma a apresentarem informações sobre os artigos alusivo a procedência, título, nomes dos (s), autor(es), ano da publicação e objetivos, analisando assim o desfecho dos estudos, apresentando os resultados em tabelas no Word.

2.5 Critérios de inclusão e exclusão

2.5.1 Critério de inclusão

Foram selecionados artigos publicados nas bases de dados citadas, nos anos de 2017 á 2022 escritos em Português, pesquisas realizadas em seres humanos e textos publicados no íntegra definidos de acordo com os descritores propostos.

2.5.2 Critério de exclusão

Optamos como estratégia metodológica não utilizar artigos que possuírem texto incompleto, teses, cartas, documentários, dissertações e resumos de eventos e aqueles na qual os objetivos não se enquadrem na resposta ao tema proposto.

2.6 Riscos e benefícios

Por tratar-se de uma pesquisa que utilizou dados secundários disponíveis em bases de domínio público, não foi necessário a autorização do Comitê de Ética em Pesquisa, contudo, assegura-se por parte dos pesquisadores aspectos éticos, garantindo a autoria dos artigos pesquisados, sendo utilizado para citações e referências dos autores as normas da Associação Brasileiras de Normas Técnicas – ABNT.

3 RESULTADOS

Após pesquisa nas bases de dados e uso dos critérios de inclusão e exclusão, citados anteriormente, totalizou-se uma amostra final de 24 artigos que foram utilizados como embasamento do presente trabalho. Os artigos foram lidos integralmente para possibilitar uma análise crítica acerca das dificuldades enfrentadas no programa Estratégia de Saúde da Família.

A partir da leitura e de uma análise qualitativa das problemáticas expostas se tornou possível ordenar e elencar seletivamente os resultados encontrados, para que os déficits associados à ESF fossem categorizados e sintetizados em grupos de similaridade.

Após a leitura dos artigos selecionados foi possível verificar a convergência das problemáticas citadas nos artigos e elaborar uma categorização que abrangesse todas as temáticas pertinentes. Dessa forma, criando a divisão de dois grandes grupos: problemáticas externas à equipe de ESF e problemáticas internas à equipe de ESF. O quadro 1 relaciona os grupos de problemáticas e seus respectivos artigos.

Quadro 1 : Síntese das problemáticas relacionadas à ESF

Fonte: Autores, 2022.

Na primeira categoria, quanto aos fatores externos, foram englobados os déficits de caráter estratégico e monetário, dos quais as responsabilidades e delimitações não dependem da equipe de ESF, sendo impostos. Na segunda categoria, quanto aos fatores internos, destacaram-se déficits e dilemas relacionados à equipe multiprofissional que muito dependem de sua atuação e convivência diária.

4 DISCUSSÃO

Por se tratar de um programa com uma enorme abrangência e inúmeras responsabilidades, a ESF encontra atualmente várias problemáticas que afetam o seu pleno funcionamento. Dessa forma, a partir dos dados obtidos no presente estudo foi possível estabelecer uma categorização que separa os aspectos externos, que não se origina na equipe e são determinados pela gestão em alta escala, sendo impostos sobre os profissionais atuantes no programa, dos aspectos internos, estes que se originam e influenciam diretamente na experiência cotidiana da equipe multidisciplinar, estando sujeitos a mudanças interpessoais.

As literaturas indicam que os problemas relacionados à gestão possuem impacto imenso no todo do projeto proposto para a atenção básica. O desconhecimento das políticas que regem o programa e das que deveriam ser implantadas (GOMES, et al., 2020), o distanciamento que há entre gestores e equipes (MAIA et al, 2011), além da falta de compromisso ético e político (SHIMIZU; REIS, 2011) culminam na escassez de apoio logístico e no bom funcionamento da estratégia.

Segundo Biff (et al.,2020), uma má gestão resulta em sobrecarga do trabalho, com baixa remuneração e elevada carga horária, o que leva a insatisfação dos membros da equipe; além disso, a alta demanda para cumprir suas metas e ambições políticas acaba deixando de lado a qualidade de atendimento em busca de quantidade assistida.

Percebe-se como uma gestão desqualificada lesa os princípios da ESF, fazendo o programa não só “funcionar” sem os mínimos requisitos necessários de infraestrutura para um trabalho mais humanizado, mas também o torna um local produtor de doenças, invertendo sua função principal (TRAD; ROCHA, 2011). Nesse sentido, cabe ressaltar que as limitações infra estruturais abarcam desde a estrutura física até a própria organização da rede de atenção.

Na parte física, a estrutura é insuficiente, primeiramente por não corresponder às demandas da ESF, contando com locais barulhentos, com má ventilação e umidade, além do espaço pequeno dos consultórios, que dificultam o pleno atendimento. Não somente isso, mas o próprio bem-estar da equipe é afetado, pela ausência de salas destinadas aos ACS e à atenção e educação continuada (MENDES et al., 2020), (MAISSIAT et al., 2015), (VASCONCELOS; ZANIBONI, 2011).

O descaso ainda recai na gestão dos recursos, materiais, pessoal e medicamentos, que são insuficientes ou escassos. Logo, procedimentos e tratamentos dos profissionais com os pacientes são afetados ou impedidos de ter continuidade. Isso resulta em insatisfação tanto dos profissionais (TAMBASCO et al., 2017) quanto dos estudantes que, mesmo motivados, mudam de opinião ao se deparar com tais mazelas nos estágios (ROTTA; NASCIMENTO, 2020). Logo, a permanência de problemas na infraestrutura das unidades da ESF irá favorecer cada vez mais a escolha por especializações e não pela saúde da família ou atendimento integral do paciente, além de desmotivar cada vez mais os profissionais que se submetem a tal situação.

Além disso, a desorganização da Rede de Atenção à Saúde aumenta mais a dificuldade de se trabalhar na ESF justamente por sua falta de eficiência com os processos de referência e contrarreferência (RIBEIRO; MARTINS, 2011), (COSTA et al., 2014). De acordo com os autores, esse é um dos problemas relatados causadores de sofrimento psíquico do trabalhador. Além disso, segundo Trad e Rocha (2011), os outros setores da RAS não só não dão continuidade aos tratamentos, deixando os casos do setor primário estagnados, mas também invertem a hierarquia da saúde nacional colocando-se acima da atenção primária.

Nota-se que uma RAS eficiente e capacitada diminui a carga de trabalho da atenção básica, configurando-se como fator de melhora da rotina de trabalho (BIFF et al., 2020).

Problemas relacionados à capacitação profissional apresentam-se como outro fator primordial que dificulta o bom funcionamento da ESF.

Para Trad (et al., 2015), a falta de capacitação para o trabalho na ESF influencia no correto andamento do programa, visto que os profissionais devem prestar assistência integral à população adscrita, o que se insere nesse âmbito uma atenção clínica generalista e abordagem efetiva na promoção e prevenção da saúde. Em contrapartida, os cursos de graduação apresentam deficiências na formação de seus profissionais, pois há poucas disciplinas que tratam a respeito da saúde coletiva, saúde preventiva, saúde pública, dentre outros (FARIA; SANTOS, 2011).

Além disso, existe uma carência na formação acadêmica com relação à interdisciplinaridade e consequentemente a insuficiente capacidade de trabalho em equipe, algo que é requerido pelo programa (PEREIRA et al., 2013). De acordo com Noronha e Lima (2013), deve-se repensar no modelo de formação dos profissionais da saúde, de modo que seja formado trabalhadores aptos para atuar de acordo com a realidade social onde estão inseridos.

Ademais, a pós-graduação em saúde da família mostrou maior adequação de médicos, enfermeiros e dentistas para trabalhar no modelo assistencial proposto pela ESF (SILVA; CALDEIRA, 2011). Logo, isso expõe a importância do processo de qualificação profissional para atuar no programa.

Relata-se também problemas relacionados à baixa remuneração salarial. O descontentamento salarial faz com que profissionais da saúde busquem por trabalhos alternativos que supram as suas necessidades financeiras (TAMBASCO et al., 2017).

Dessa forma, os baixos salários acabam contribuindo para a fragilidade do vínculo desses profissionais com o programa e assim favorecendo para a alta rotatividade (COSTA et al., 2014). Logo, essa alta rotatividade de profissionais causado por salários insuficientes acaba favorecendo o aumento da carga trabalhista, pois eles permanecem por um curto período de tempo na ESF, gerando então um déficit de profissionais no quadro de trabalho (BIFF et al.,2020).

A cobertura populacional implica em maiores dificuldades, haja vista que a quantidade de pessoas assistidas é desproporcional à equipe. A alta demanda populacional, seja de famílias adscritas, seja de consultas eventuais não agendadas não só leva ao acúmulo de funções e a uma sobrecarga do trabalho como também geram o desgaste do trabalhador (BIFF et al., 2020), (RIBEIRO; MARTINS, 2011), (CHAVES et al., 2020). O resultado disso é o adoecimento físico e mental do profissional, que se frustra muitas vezes por não conseguir manter o planejamento necessário para haver fluxo no sistema, além do sentimento de insuficiência frente as pessoas e as suas funções, que chegam a ser concentradas nas mãos de poucos – como o enfermeiro que é responsável pela gerência da equipe e atendimento (MENDES et al., 2020).

Essa cobertura demasiadamente elevada é causada, em parte, pela priorização de atendimento emergencial que, em função da quantidade, exige do profissional um atendimento rápido e não integral (NORONHA; LIMA FILHO, 2011). Porém, é fato comprovado que a relação de vínculo com o paciente é fator essencial para este aderir aos tratamentos de forma efetiva (COSTA et al., 2014), além de ser um dos pilares da atenção básica.

O impacto do primeiro contato como trabalhador da área da saúde com a ESF é negativo, no sentido de sentir-se incapaz frente a diversas situações, como sobrecarga, estagnação (TRAD; ROCHA, 2011), cobrança excessiva por resultados (MENDES et al., 2020), o que ressalta o sentimento de frustração por não conseguir trabalhar com qualidade (MAISSIAT et al., 2015) resultando em adaptação forçada. Essa adaptação traz consigo uma cobrança exacerbada, um exigir mais e mais de si mesmo sem, muitas vezes, se permitir ter um descanso adequado, levando a uma mecanização do indivíduo (RIBEIRO; MARTINS, 2011).

Os autores ressaltam em suas observações que predomina grande dificuldade em manter o trabalho em equipe coeso, integrado e bem articulado entre os profissionais (RIBEIRO; MARTINS, 2011.), (MAISSIAT et al., 2015) e (OLIVEIRA; MORETTI-PIRES; PARENTE, 2011). Os fatores agravantes dessa situação são a falta de comunicação da equipe (RIBEIRO; MARTINS, 2011), (MAISSIAT et al., 2015), que dificulta o atendimento integral do paciente; a exclusão de um ou mais profissionais, devido à desvalorização de sua atuação; e, principalmente, o medo causado pela alta hierarquia que persiste na organização do PSF (OLIVEIRA; MORETTI-PIRES; PARENTE, 2011).

Merece também destaque a desvalorização do profissional, pois apresentou-se em duas facetas: a exclusão pautada no conhecimento técnico e a exclusão devido a relações de poder verticalizadas (TRAD; ROCHA, 2011).

Percebe-se a dualidade da realidade da ESF ao analisar o comportamento da equipe quanto a hierarquização e desvalorização do profissional. A hierarquização refere-se à concentração de poderes, ou desvalorização de determinados profissionais da equipe perante outros. Fica evidente que a existência dessas dificuldades é um retrocesso a saúde e vai totalmente contra a ideia do programa, causando sofrimento no profissional (MAISSIAT et al., 2015). Além disso, a hierarquização da equipe dificulta a construção de um projeto coletivo que vise o atendimento integral do paciente, um dos pilares da atenção básica, sendo então uma barreira para o completo cumprimento harmônico proposto pela ESF (OLIVEIRA et al., 2011).

Com relação aos fatores que aumentam o desgaste em trabalhar na ESF, os autores citam que a falta de comprometimento de alguns profissionais em relação a suas funções no programa, faz com que profissionais de outras áreas tenham que assumir atividades que não é conferida a sua formação, resultando então na sobrecarga do trabalho (BIFF et al., 2020), (NORONHA; LIMA FILHO, 2011).

Além disso, a falta de profissionais no quadro da equipe multiprofissional proposto pelo programa faz com que aumente a sobrecarga de trabalho. Com uma equipe incompleta, trabalhadores da saúde além de assumir suas funções inerentes ficam também encarregados de assumir o ofício que não compete a sua área de atuação, gerando então desgaste físico e psíquico que acabam prejudicando o desenvolvimento das atividades diárias. (MENDES et al., 2020), (NORONHA; LIMA FILHO, 2011). Além disso, Costa (et al., 2014) afirma ainda que uma equipe incompleta reflete nos serviços prestados à população, visto que o tempo de espera para atendimento se torna mais demorado favorecendo então a formação de grandes filas de espera.

5 CONCLUSÃO

A Estratégia de Saúde da Família passa por problemas diversos que impossibilitam os profissionais de realizarem seu trabalho de forma integral, contínua e adequada. Dentre os fatores responsáveis por essa situação, destaca-se o desconhecimento das políticas do programa e o afastamento de gestores nas mais variadas esferas – municipal, estadual e federal – bem como déficits estratégicos de infraestrutura, capacitação e remuneração. Culminando, assim, em um foco no atendimento emergencial e imediatista, dificultando as condições laborais das pessoas que trabalham nas unidades básicas.

Concomitante a isso, os profissionais já afetados por faces problemáticas do programa encontram-se em um ambiente por vezes pouco harmonioso por terem que lidar com exclusão, frustração pessoal, hierarquização interpessoal e desvalorização, fatores que aumentam seu descontentamento e implicam em desmotivação.

Com base no exposto, é notório que esforços não devem ser poupados para que os órgãos responsáveis e os profissionais envolvidos possam superar os déficits persistentes.

Espera-se que o presente estudo possa auxiliar nas discussões e futuros planejamentos que atendam às necessidades não somente da população como da equipe multiprofissional, implantando logísticas que proporcionem qualidade de trabalho aos funcionários e sua devida integração. Com intuito de que os relatos negativos possam ser superados e alcancem o nível ideal teórico do programa Estratégia Saúde da Família, construindo assim o modelo assistencial preconizado pelo SUS e pela PNAB que atenda da melhor forma possível a população brasileira.

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1Discente do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas do Pará – FACIMPA.
2Mestre pelo Programa de Mestrado em Cirurgia e Pesquisa experimental da Universidade do Estado do Pará (2021). Especialista em Saúde da Família pela Universidade do Estado do Pará (2005). Enfermeira pela Universidade Federal do Maranhão (2003). Atualmente Professora Substituta na Universidade do Estado do Pará (UEPA), na disciplina GIESC, curso de medicina, campus Marabá-PA. Empreendedora na área de consultoria em Amamentação. Enfermeira assistencial na Atenção Primária em Marabá.
3Acadêmico do curso de Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas do Pará-FACIMPA
4Discente do curso de Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas do Pará- FACIMPA.
5Discente do curso de Medicina da Faculdade Metropolitana de Manaus – FAMETRO.
6Discente do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas do Pará – FACIMPA.
7Discente do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas do Pará – FACIMPA.
8Graduação em Farmácia Generalista pelo Centro Universitário Presidente Antônio Carlos-UNITPAC- Araguaína- TO (2011). Especialista em Farmácia Hospitalar Oncológica-PUC-GO (2013). Mestre em Genética e Toxicologia aplicada- Linha de Desenvolvimento de Fármacos- Universidade Luterana do Brasil-ULBRA-Porto Alegre- RS. Doutorando no Programa de Biotecnologia aplicada à saúde da universidade de Ribeirão Preto- SP.
9Médica especialista em Nutrologia e medicina da família. Mestranda em Cirurgia e Pesquisa Experimental CIPE/UEPA. Docente do Curso de Medicina pela faculdade de ciências médicas do Pará-FACIMPA.
10Discente do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas do Pará – FACIMPA.
11Enfermeira Mestra pelo Mestrado em Cirurgia e Pesquisa Experimental pela Universidade do Estado do Pará – CIPE (UEPA-2018), graduação em Enfermagem pelo Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão (2008). Atualmente é enfermeira assistencial da Prefeitura Municipal de Marabá. Discente do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas do Pará – FACIMPA, Diretora Científica da Liga Acadêmica de Diagnóstico Sindrômico LADIC – FACIM – PA e diretora de iniciação científica da Liga Acadêmica de Crescimento e Desenvolvimento Infantil na Amazônia – LACDIA- FACIMPA.
12Discente do curso de Medicina da Faculdade Metropolitana de Manaus – FAMETRO.
13Discente do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas do Pará – FACIMPA.
14Médica, com especialização em medicina de família e comunidade. Médica atuante na UBS- Marabá-PA. Docente do Curso de Medicina pela faculdade de ciências médicas do Pará-FACIMPA.
15Discente do curso de Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas do Pará -FACIMPA.
16Acadêmico do curso de Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas do Pará-FACIMPA
17Acadêmica do curso de Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas do Pará-FACIMPA
18Discente do curso de Medicina da Faculdade Metropolitana de Manaus – FAMETRO.