REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102412272001
Aline Batista Rodrigues Fernandes
RESUMO
O presente trabalho volta-se aos desafios e inovações na investigação criminal, com um foco especial no trabalho de Polícia Judiciária. O estudo é dividido em quatro capítulos principais. O primeiro capítulo discute a devida investigação criminal e os direitos humanos, explorando metodologias, fases da investigação e os desafios enfrentados pela Polícia Civil, especialmente no que diz respeito à inviolabilidade digital. O segundo capítulo trata das provas digitais, detalhando a documentação, custódia, apresentação e descarte dessas provas. Aborda a produção de provas digitais no contexto do direito comparado entre Brasil e Chile, e discute a inadmissibilidade de provas digitais ilícitas, além das implicações do Marco Civil da Internet e da Lei Geral de Proteção de Dados. No terceiro capítulo, são exploradas as tecnologias aplicadas à atividade de Polícia Judiciária, como o Inquérito Policial Eletrônico, recursos tecnológicos que asseguram a duração razoável da investigação, e o uso de videoconferências, gravações audiovisuais e reconhecimento facial. O quarto capítulo examina o poder requisitório da autoridade policial na elucidação de crimes digitais, incluindo a investigação de crimes digitais puros, mistos e comuns, e a utilização de rastreadores digitais. A conclusão destaca a importância de equilibrar a eficácia investigativa com a proteção dos direitos fundamentais, propondo inovações tecnológicas e legais que podem aprimorar a atuação da Polícia Civil do Estado de São Paulo na era digital.
Palavras-chave: Investigação criminal tecnológica. Polícia Judiciária e Provas Digitais. Inviolabilidade dos direitos fundamentais.
INTRODUÇÃO
A evolução tecnológica e a crescente digitalização das relações sociais têm imposto novos desafios e oportunidades à investigação criminal. Neste contexto, o papel da Polícia Judiciária, especialmente a Polícia Civil, é essencial para garantir a aplicação efetiva da lei e a proteção dos direitos humanos. Esta monografia examina de forma detalhada as complexidades e inovações na investigação criminal contemporânea, com foco nos métodos, tecnologias e normativas que moldam a atuação policial no cenário digital.
A devida investigação criminal e os direitos humanos são explorados inicialmente, abordando os aspectos gerais do conceito e objetivo da investigação criminal. Serão analisadas as metodologias, elementos e fases da investigação, bem como os desafios enfrentados pela Polícia Civil, incluindo o princípio do Delegado Natural Investigante e a inviolabilidade digital.
Em seguida, o foco recai sobre as provas digitais, discutindo a documentação, custódia, apresentação e descarte dessas provas. A análise comparativa entre as legislações do Brasil e do Chile sobre a produção de provas digitais será apresentada, além de uma discussão sobre a inadmissibilidade de provas ilícitas. Este segmento também examina o Marco Civil da Internet, a Lei Geral de Proteção de Dados e a Convenção sobre o Crime Cibernético (Convenção de Budapeste), destacando os atributos de segurança e integridade de dados e a cadeia de custódia em provas digitais.
A monografia prossegue explorando as tecnologias aplicadas à atividade de Polícia Judiciária. Serão discutidos o Inquérito Policial Eletrônico (IPe), o princípio da paridade de armas, e os recursos tecnológicos que asseguram a duração razoável da investigação. A utilização de videoconferências, gravações audiovisuais, reconhecimento fotográfico e facial, além do uso de câmeras corporais, serão analisados em relação ao seu impacto na investigação criminal e nos direitos dos envolvidos.
Por fim, a ênfase está no poder requisitório da autoridade policial na elucidação de crimes digitais. Serão discutidos os diferentes tipos de crimes digitais
(puros, mistos e comuns), a investigação tecnológica, as requisições emergenciais e a preservação de dados. Este capítulo também aborda o recebimento de relatórios de atividades financeiras e as atribuições do Laboratório de Lavagem de Dinheiro (LAB-LD), bem como o uso de rastreadores digitais.
A conclusão destaca a importância de equilibrar a eficácia investigativa com a proteção dos direitos fundamentais. Serão propostas inovações tecnológicas e legais que podem aprimorar a atuação da Polícia Civil do Estado de São Paulo na era digital, reforçando o compromisso com a justiça e a segurança pública.
CAPÍTULO 1 – DEVIDA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E DIREITOS HUMANOS: DESAFIOS NA ATIVIDADE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA
1.1 Aspectos gerais da investigação criminal: conceito e objetivo
A palavra investigar deriva do latim investigare, cujo sentido etimológico remete ao ato de buscar ou pesquisar algo que é desconhecido. A investigação, em sentido amplo, pode ser utilizada, entre outros, no âmbito acadêmico, científico, medicinal, familiar e criminal.
Segundo Coriolano Nogueira Cobra, a investigação criminal é um conjunto de procedimentos técnicos e científicos destinados a apurar a materialidade e a autoria de infrações penais, com a finalidade (objetivo) de fornecer subsídios necessários para a atuação do Ministério Público e a formação da convicção do Juiz. Trata-se de um processo de eliminação de hipóteses: “[…] excluídas as hipóteses repelidas, ficam aquelas correspondentes com a realidade. Destas, algumas vão permitir convicção e outras, certeza”1. A abordagem investigativa, não é fundada numa prescrição calculada e imutável, conforme ensinamentos de Cobra. A metodologia de investigação se amolda ao tipo de crime a ser apurado, sob a ótica de um raciocínio lógico, dedutivo, indutivo e abdutivo.
A investigação criminal desempenha diversas funções essenciais para o sistema de justiça. Primeiramente, possui uma função preparatória, cujo objetivo é reunir informações e provas que possam fundamentar uma futura ação penal. Em segundo lugar, exerce uma função restaurativa, buscando recuperar bens ou valores subtraídos e devolvê-los à vítima, reparando, na medida do possível, o dano causado. Além disso, a investigação tem uma função simbólica, pois sua efetividade contribui para mitigar a sensação de impunidade na sociedade. Por fim, desempenha uma função preservadora, centrando-se na apuração dos fatos com imparcialidade, em vez de se focar exclusivamente na identificação de culpados.
Na contemporaneidade, a finalidade da investigação é avaliada pela busca da verdade, e não meramente pelo número de prisões. O objetivo central é a apuração de fatos, em vez da mera identificação de culpados. Uma investigação rigorosa e
- COBRA, Coriolano Nogueira. Manual de Investigação Policial. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987. p.127
bem conduzida constitui justa causa tanto para a acusação quanto para a defesa, assegurando que a justiça seja fundamentada em evidências sólidas e imparciais, amparada por fundamentos legais e probatórios que justifiquem a continuidade dos procedimentos legais.
Assim, a justa causa serve como um parâmetro axiológico-normativo que baliza qualquer ato da persecução penal. Dessa forma, servindo a investigação criminal para sua legitimação, evitar-se-ão deflagrações de ações penais infundadas, proteger-se-ão direitos e garantias fundamentais, impedir-se-ão abusos de direito e reforçar-se-á a confiança da sociedade na Polícia Judiciária e no sistema penal.
1.1.1 Metodologia, elementos e fases da investigação criminal
A metodologia geral da investigação criminal percorre uma estrutura sequencial, iniciando-se pela coleta de dados, que envolve uma observação meticulosa e atenta ao local do crime, garantindo a preservação de evidências e a obtenção de informações essenciais. Em seguida, ocorre a formulação das hipóteses, momento em que são estabelecidos possíveis cenários que expliquem ou justifiquem os eventos observados. Logo após, surge a verificação das hipóteses, o que envolve a experimentação e reprodução dos fatos, testando as possibilidades formuladas para sua validação ou refutação. Finalmente, a conclusão do processo investigativo é alcançada com a comprovação da hipótese e a formalização dos resultados, permitindo que as evidências reunidas sejam apresentadas de maneira clara e fundamentada, facilitando a tomada de decisões judiciais subsequentes.
O foco da investigação pode variar conforme a natureza do crime e as estratégias adotadas. A investigação pode ser direcionada aos membros, como por exemplo, numa organização criminosa, visando à desarticulação de seus integrantes e da liderança. Mas, alternativamente, pode concentrar-se nas atividades do grupo, com o objetivo de despatrimonializar e recuperar objetos ou valores ilicitamente adquiridos.
Em relação às fases, a investigação criminal é dividida em preliminar e de seguimento. Na fase preliminar, as primeiras providências são tomadas, o que inclui
o isolamento da área do crime, a realização de perícias técnicas, a apreensão de objetos de interesse, entrevistas com testemunhas e envolvidos, a recognição visuográfica, a obtenção de imagens nas redondezas, entre outras. Já a fase de seguimento, formaliza-se a investigação criminal, deslocando-se para o cartório da delegacia, tendo como base os indícios e elementos coletados na fase preliminar.
A Consolidação das Normas de Serviço da Polícia Judiciária (Portaria DGP nº 26, de 30 de outubro de 2023), reúne num só documento diretrizes institucionais ao Policial Civil, cita em diversos momentos a necessidade de elaborar um relatório acerca das informações obtidas e coletadas preliminarmente, como forma de investigação de seguimento:
Art. 209, § 3º – Caso repute necessário, o Delegado de Polícia poderá comparecer ao local para conduzir diretamente a operação ou diligência, sendo que, em caso de impossibilidade fática ou operacional, os executores deverão elaborar um relatório circunstanciado sobre os fatos, contendo todos os dados e pormenores necessários, inclusive com a relação de policiais civis que dela participarem.
Em conclusão, a metodologia da investigação criminal delineada neste tópico revela-se crucial para garantir a eficácia e a legitimidade dos procedimentos policiais. Iniciando com a coleta de dados no local do crime, seguida pela formulação de hipóteses e sua verificação através de experimentação cuidadosa, o processo assegura não apenas a fundamentação das conclusões, mas também a preservação dos direitos fundamentais e a prevenção de abusos. A distinção entre as fases preliminar e de seguimento da investigação ressalta a importância da transição ordenada e documentada dos procedimentos, garantindo que cada etapa contribua de maneira significativa para a construção do caso. A regulamentação através da Portaria DGP nº 26, de 30 de outubro de 2023, reforça a necessidade de relatórios detalhados como meio essencial para registrar os detalhes das operações policiais, promovendo assim a transparência e a confiança pública no trabalho da Polícia Judiciária.
1.2 Princípio do Delegado Natural Investigante e os principais desafios do Policial Civil
O princípio do Delegado Natural Investigante assegura a imparcialidade e a legalidade na condução das investigações criminais. Este princípio, derivado do direito ao devido processo legal e à ampla defesa, estabelece que o Delegado natural, devidamente designado conforme critérios legais, é o responsável por conduzir e supervisionar os procedimentos investigativos.
Segundo Rafael Francisco Marcondes de Moraes (2024, p.88), Delegado de Polícia, a autoridade presidente da apuração “deve ter prévia e expressa atribuição por lei, entendimento extraída da justaposição do julgador natural do artigo 5º, inciso LIII da Constituição Federal para a etapa extrajudicial, consolidando o princípio do Delegado de Polícia natural”.
Nesse contexto, a autoridade policial, ao tomar ciência de um evento que possa configurar uma infração penal, usualmente por meio do registro de um boletim de ocorrência, e após verificar a procedência das informações (conforme estipulado pelo artigo 5º, parágrafo 3º do Código de Processo Penal), procederá à instauração de inquérito policial nos casos de ação penal pública incondicionada. Por outro lado, adotará as medidas necessárias após o cumprimento das condições de procedibilidade, como representação, requerimento ou requisição judicial ou ministerial.
Cabe ressaltar que na condução das investigações, os Policiais Civis deparam-se com dificuldades multifacetadas que impactam diretamente na eficácia dos procedimentos. Um dos principais desafios reside na escassez de efetivo, o que sobrecarrega os recursos humanos disponíveis e compromete a celeridade e a qualidade das diligências.
Além disso, a falta de investimento em tecnologia adequada limita o acesso às ferramentas modernas de análise de dados e investigação forense, essenciais para a elucidação de casos complexos. A não capacitação contínua dos policiais também representa uma barreira significativa, pois impede a atualização dos conhecimentos técnicos e metodológicos necessários para enfrentar os desafios contemporâneos da criminalidade.
Esses fatores combinados destacam a urgência de políticas públicas voltadas ao fortalecimento das estruturas investigativas, visando melhorar a eficiência e a efetividade das atividades policiais no combate à criminalidade.
Portanto, diante dos desafios enfrentados pelos Policiais Civis na condução das investigações criminais, a valorização e o fortalecimento do princípio do Delegado Natural Investigante emergem como imperativos. A escassez de recursos humanos e tecnológicos impõe obstáculos significativos à eficácia das diligências policiais, comprometendo a qualidade e a celeridade dos processos investigativos. É essencial que políticas públicas direcionadas não apenas aumentem os recursos disponíveis, mas também promovam a capacitação contínua dos profissionais e o acesso a tecnologias modernas, fundamentais para enfrentar os desafios complexos da criminalidade contemporânea. A implementação efetiva dessas medidas não apenas fortalecerá as estruturas investigativas, mas também reforçará a confiança da sociedade no sistema de justiça criminal, garantindo a aplicação equitativa da lei.
1.3 Princípio da devida investigação criminal e a inviolabilidade digital
A legalidade, no plano processual penal, reclama que todos os atos tenham respaldo na lei, o que inclui a investigação criminal, sendo vedadas as provas produzidas por meio ilícito. A ilusória tensão entre liberdade e segurança resolve-se pela legalidade, porquanto o conteúdo da primeira está intrinsecamente relacionado com o da segundo, efetivando o Estado Democrático de Direito, como cita Moraes (2024, p.87):
A apuração de infrações penais […] deve ser realizada pelo órgãos públicos aos quais a legislação e em especial a Constituição Federal vocaciona essa função, na divisão salutar projetada pelo sistema acusatório de investigar, acusar, defender e julgar, cada qual destinada a instituições específicas […] sob pena de violar a legalidade pública e macular a persecução criminal.
Constitucionalmente conferida à Polícia Judiciária (Polícia Civil e Polícia Federal), a atividade de investigar, concebida como etapa extrajudicial da persecução penal, deverá respeitar todas as garantias processuais, tais como: legalidade, contraditório, ampla defesa, motivação das decisões e proibição de provas ilícitas, projetando-se como garantia a devida investigação legal.
Nesse sentido, a inviolabilidade digital emerge como um direito fundamental contemporâneo, equiparando-se à proteção tradicional do domicílio, privacidade e intimidade. Assim como historicamente se valorizava a integridade do espaço residencial, hoje há uma preocupação análoga em não violar os dados pessoais. Este direito assegura que informações sensíveis, armazenadas digitalmente, não sejam acessadas indevidamente por terceiros, garantindo a autonomia e a liberdade dos indivíduos em um mundo cada vez mais interconectado. Proteger a inviolabilidade digital não apenas preserva a segurança dos dados pessoais contra práticas intrusivas, mas também sustenta a confiança nas tecnologias digitais e nos processos judiciais que envolvem informações privadas.
A investigação criminal, fundamentada em métodos científicos e técnicos, desempenha um papel crucial na manutenção da justiça, protegendo os direitos humanos e assegurando a eficácia do sistema penal.
Ao longo deste capítulo, foram abordados os aspectos conceituais e metodológicos que regem a investigação criminal, evidenciando a importância da coleta meticulosa de dados, da formulação e verificação de hipóteses, e da formalização dos resultados. Esses procedimentos garantem não apenas a elucidação de crimes, mas também a integridade do processo judicial, promovendo um equilíbrio entre segurança e liberdade.
Além disso, foram discutidas as funções preparatória, restaurativa, simbólica e preservadora da investigação criminal, cada uma contribuindo para um sistema de justiça mais eficaz e justo. A instauração de inquéritos policiais, conforme orientado pelo Código de Processo Penal, destaca a necessidade de uma abordagem investigativa sólida e imparcial. Contudo, os desafios enfrentados pela Polícia Civil, como a falta de efetivo, o déficit de investimentos em tecnologia e a necessidade contínua de capacitação, sublinham a urgência de políticas públicas que fortaleçam as estruturas investigativas.
Por fim, a proteção da inviolabilidade digital, equiparada à inviolabilidade do domicílio, reafirma a necessidade de garantir a privacidade e a segurança dos dados pessoais em um mundo digitalizado. Ao respeitar os direitos processuais e
assegurar a legalidade dos atos investigativos, a Polícia Judiciária não só cumpre seu papel constitucional, mas também reforça a confiança da sociedade no sistema penal. A combinação de rigor metodológico, respeito aos direitos humanos e modernização tecnológica constitui a base para uma investigação criminal eficaz e justa, essencial para a consolidação do Estado Democrático de Direito.
CAPÍTULO 2 – PROVAS DIGITAIS: DOCUMENTAÇÃO, CUSTÓDIA E APRESENTAÇÃO
2.1 Produção de provas digitais e o Direito Comparado: Brasil Vs. Chile
O Código de Processo Penal (CPP), em seu artigo 6º, inciso III, determina que autoridade policial, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, deverá “colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias”.
O conceito de prova no direito processual pode ser entendido como o conjunto de elementos apresentados com o objetivo de demonstrar a veracidade ou falsidade dos fatos alegados pelas partes, decidindo o Juiz de acordo com seu livre convencimento motivado.
Segundo o Códio de Processo Civil (CPC), artigo 369, a prova é ampla e flexível: “As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.”
Já no CPP, a prova é tratada com particular cuidado para assegurar a proteção dos direitos fundamentais:
Artigo 155: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Artigo 157: São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. § 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. […] § 5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão.
Noutro giro, é conhecido que a tecnologia transformou profundamente a sociedade, trazendo inúmeras facilidades e inovações, mas também criou desafios para a investigação criminal, emergindo-se a necessidade de produzir provas digitais, quais possam ser utilizadas e sopesadas nos processos judiciais.
Surgi, assim, a dificuldade de produzir e validar tais provas, para além da investigação de delitos informáticos, como crimes cibernéticos, fraudes digitais e invasões de privacidade. A natureza intangível e globalizada da internet permite que os criminosos atuem de forma anônima e transnacional, dificultando a identificação e a captura dos responsáveis. Além disso, a rápida evolução tecnológica exige que os investigadores estejam constantemente atualizados sobre as novas técnicas e ferramentas disponíveis, o que nem sempre é viável devido à falta de recursos e treinamentos específicos.
Por tal razão, a produção e validação de provas digitais também enfrenta obstáculos consideráveis: como garantir a cadeia de custódia e a imutabilidade das provas digitais, certificando desde a sua coleta até a apresentação em juízo é um processo complexo? E mais, como é tratada a admissibilidade dessas provas em tribunais, sabendo que muitas vezes não há normas legais e técnicas em vigor a respeito?
O Direito Comparado surge neste contexto como uma forma de suprir lacunas legislativas ao analisar e comparar as abordagens adotadas por diferentes sistemas jurídicos. No contexto da investigação criminal e da produção de provas digitais, o direito comparado pode fornecer compreensões valiosas sobre como outros países enfrentam os desafios tecnológicos, estabelecendo normas e procedimentos que garantam a integridade e a admissibilidade das provas digitais.
No Chile, em 2004, foi editada a Lei n. 19.974, de 02 de outubro de 2004. O diploma versa sobre “El Sistema de Inteligência del Estado y Crea la Agencia Nacional de Inteligência” e estabelece normas específicas para a produção de provas no contexto das investigações criminais. A lei menciona a possibilidade de utilizar outros procedimentos especiais para obtenção de informações e reconhece as provas digitais, inclusive disposições específicas para a coleta e a apresentação de provas digitais, o que inclui a necessidade de métodos adequados para preservar a integridade dos dados eletrônicos e garantir sua autenticidade. A lei também exige
que todos os procedimentos de coleta de provas sejam devidamente documentados, garantindo transparência e permitindo a revisão judicial das ações dos investigadores. Essa documentação é crucial para a validação das provas no tribunal.
Guilherme Caseli (2024, p. 36) menciona em sua obra a percepção do ordenamento Chileno em utilizar a coleta de informações, antes da utilização dos procedimentos especiais, assim como a intervenção das comunicações telefônicos e telemáticas.
No Brasil, as primeiras leis que trataram especificamente de provas digitais foram introduzidas com a popularização da internet, especialmente a partir da segunda metade da década de 1990. Um grande passo foi a edição da Lei nº 9.296/1996 (Lei de Interceptação Telefônica): Embora não se refira diretamente a provas digitais, esta lei foi uma das primeiras a estabelecer procedimentos legais para a interceptação de comunicações telefônicas, posteriormente estendido seu alcance para incluir as comunicações telemáticas e captações ambientais. Em 1998, surge a Lei nº 9.609 (Lei do Software), trazendo conceitos importantes sobre programas de computador. O Código Civil de 2002 traça um avanço considerável ao trazer disposições sobre documentos eletrônicos e sua equiparação aos documentos físicos, quais são aceitos, então, no âmbito jurídico como provas digitais.
A Lei nº 11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico), por sua vez, instituiu a informatização do processo judicial no Brasil, estabelecendo bases para o uso de documentos eletrônicos como provas nos processos judiciais.
Como reflexo do processo eletrônico, três leis são criadas trazendo a exibição de provas digitais e a possibilidade de videoconferência. A primeira delas, Lei n. 11.689/2008, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal, relativos ao Tribunal do Júri, especialmente o artigo 479, que permite a exibição de provas digitais, inclusive vídeos e gravações, desde que juntadas aos autos com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte.
No mesmo ano, edita-se a Lei n. 11.690/2008, alterando o mesmo diploma, artigo 217, considerando a possibilidade de inquirição pelo Juiz por meio de videoconferência:
Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.
No ano seguinte, entra em vigor a Lei n. 11.900/2009, desta vez com profundas contribuições ao Código de Processo Penal, no sentido de prever a possibilidade de realização de interrogatório e outros atos processuais por sistema de videoconferência.
A Lei nº 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, também contribuiu com o ordenamento nacional, cirando tipos penais específicos relacionados a crimes cibernéticos, como invasão de dispositivos informáticos.
Além disso, outras normas impactaram indiretamente a coleta e a utilização de provas digitais, tais como: o Marco Civil da internet (Lei n. 12.965/2014) e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei n, 13.709/2018), quais serão objetos de discussão em tópico futuro.
Em suma, sobre a produção de provas digitais e o Direito Comparado entre Brasil e Chile, é essencial refletir sobre os desafios e avanços nesse campo complexo da investigação criminal. A transformação digital trouxe consigo novas formas de crimes e a necessidade urgente de adaptar os procedimentos legais para lidar com evidências eletrônicas. No Brasil, desde as primeiras regulamentações relacionadas à internet na década de 1990 até as leis mais recentes sobre processo eletrônico e crimes cibernéticos, houve um esforço contínuo para integrar provas digitais de forma segura e eficaz nos processos judiciais. Por outro lado, o Direito Comparado, exemplificado pela legislação chilena, oferece valiosas perspectivas sobre como outras nações enfrentam esses desafios. A Lei n. 19.974/2004 no Chile, por exemplo, estabeleceu diretrizes específicas para a produção e admissibilidade
de provas digitais, destacando a importância de métodos adequados de preservação e autenticação de dados eletrônicos.
Apesar dos avanços legislativos, persistem obstáculos significativos, como a complexidade da cadeia de custódia digital e a rápida evolução tecnológica. A garantia da legalidade e admissibilidade das provas digitais continua sendo um campo de intensa discussão e desenvolvimento normativo, exigindo colaboração internacional e constante atualização das práticas investigativas.
Assim, o estudo comparado entre Brasil e Chile não apenas enriquece o debate sobre provas digitais, mas também aponta para a necessidade de políticas públicas e normativas que acompanhem o ritmo das mudanças tecnológicas, assegurando a proteção dos direitos fundamentais e a eficiência da justiça em um contexto globalizado e digitalmente conectado.
2.1.1 Inadmissibilidade de provas digitais ilícitas
A inadmissibilidade de provas ilícitas é um princípio fundamental do direito processual penal brasileiro, alicerçado na proteção dos direitos e garantias individuais. Este princípio está consagrado no artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal de 1988, que estabelece que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Tal dispositivo constitucional visa assegurar a integridade do devido processo legal e a manutenção de um sistema de justiça que respeite a dignidade e os direitos dos cidadãos.
Além da previsão constitucional, o Código de Processo Penal (CPP) também reforça essa diretriz em seu artigo 157, ao determinar que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. O CPP ainda especifica que as provas derivadas das ilícitas, conhecida como “teoria dos frutos da árvore envenenada”, também são inadmissíveis, salvo em situações excepcionais onde se prove a independência das fontes.
A aplicação rigorosa do princípio da inadmissibilidade de provas ilícitas tem como objetivo prevenir abusos por parte das autoridades investigativas e garantir que as decisões judiciais sejam fundamentadas em provas legítimas e colhidas de
maneira ética e legal. Este princípio não só preserva a equidade do processo, mas também protege os direitos individuais contra invasões arbitrárias e práticas coercitivas, fortalecendo a confiança pública no sistema de justiça.
Assevera Moraes o compromisso do Delegado de Polícia, na condução do procedimento apuratório, em zelar pela legalidade das provas:
O Delegado de Polícia, como primeiro garantidor da justiça e da legalidade, deve analisar os fatos apresentados exercendo o devido controle de licitude, inclusive de constitucionalidade e de convencionalidade, para sanar e reprimir eventuais máculas e, uma vez decidindo pela decretação da prisão em flagrante delito, presidir o auto prisional e atos correlatos pautado pelos parâmetros legais que disciplinam a matéria2.
Cabe ressaltar que a impossibilidade de utilizar provas ilícitas também se aplica a provas digitais, assegurando que as evidências obtidas de forma irregular ou em violação aos direitos fundamentais não possam ser utilizadas em processos judiciais. A jurisprudência brasileira já se consolidou nesse sentido, como exemplificado no julgamento do Habeas Corpus nº 91.867 pelo Supremo Tribunal Federal, que reafirmou a necessidade de observância rigorosa aos princípios constitucionais na coleta de provas digitais, garantindo que a integridade do devido processo legal seja mantida mesmo no contexto das tecnologias da informação:
HABEAS CORPUS. NULIDADES: (1) INÉPCIA DA DENÚNCIA; (2) ILICITUDE DA PROVA PRODUZIDA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL; VIOLAÇÃO DE REGISTROS TELEFÔNICOS DO CORRÉU, EXECUTOR DO CRIME, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL; (3) ILICITUDE DA PROVA DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DE CONVERSAS DOS ACUSADOS COM ADVOGADOS […]. ORDEM DENEGADA. […] 2. Ilicitude da prova produzida durante o inquérito policial – violação de registros telefônicos de corréu, executor do crime, sem autorização judicial. […] 2.2 Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo 5″ XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registrai. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados. […] 4 A guisa de mera argumentação, mesmo que se pudesse reputar a prova produzida como ilícita e as demais, ilícitas por derivação, nos termos da teoria dos frutos da árvore venenosa (fruit of the poisonous tree), é certo que, ainda assim, melhor sorte não assistiria à defesa. […]3. (grifo nosso)
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em Flagrante Delito Constitucional. 5.ed. São Paulo: JusPodivm, 2024. p. 125
Outro julgado sobre a inadmissibilidade de provas digitais ilícitas é o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) nº 101.439/SP, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2020. Neste caso, o STJ decidiu pela inadmissibilidade de provas digitais obtidas sem autorização judicial prévia. O julgamento envolveu a utilização de mensagens de WhatsApp obtidas por um terceiro, sem o conhecimento e a permissão dos participantes das conversas. O tribunal considerou que a obtenção dessas mensagens sem autorização judicial violava os princípios constitucionais que protegem a privacidade e a intimidade, e, portanto, eram provas ilícitas e inadmissíveis no processo:
“É inadmissível a utilização de mensagens de WhatsApp obtidas sem autorização judicial, uma vez que tal conduta configura violação ao direito à privacidade e à intimidade, protegidos pela Constituição Federal. Assim, tais provas são consideradas ilícitas e devem ser desentranhadas do processo, conforme o disposto no artigo 157 do Código de Processo Penal.4“
Todos estes julgados reforçam a posição do sistema jurídico brasileiro sobre a importância de respeitar os direitos fundamentais na obtenção de provas, especialmente no contexto das tecnologias da informação, garantindo a proteção da privacidade e a integridade do devido processo legal.
2.1.2 Marco Civil da Internet, Lei Geral de Proteção de Dados e Convenção sobre o Crime Cibernético (Convenção de Budapeste)
O Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014), a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, Lei n. 13.709/2018) e a Convenção sobre o Crime Cibernético (Convenção de Budapeste) representam marcos regulatórios fundamentais para a coleta de provas e dados nas investigações criminais no Brasil. O Marco Civil da Internet estabeleceu os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, sendo essencial para a definição de regras sobre a retenção e o acesso a dados de usuários por autoridades judiciais. Ele exige que os provedores de internet mantenham registros de conexão por um prazo determinado e estabelece procedimentos claros para a requisição desses dados pelas autoridades, garantindo um equilíbrio entre a necessidade de investigação e a proteção da privacidade dos indivíduos.
- BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 91.867-PA. Relator: Min. Gilmar Mendes. 2ª Turma. Julgado em 24 abr. 2012. Diário da Justiça eletrônico, n. 185, 19 set. 2012.
- BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, RHC 101.439/SP, Relator: Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020, DJe 01/09/2020.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) introduziu um novo paradigma de proteção de dados pessoais no Brasil, impactando diretamente as práticas de coleta e tratamento de dados pelas autoridades policiais. A LGPD estabelece princípios rigorosos para o tratamento de dados, incluindo a necessidade de consentimento dos titulares e a aplicação do princípio da minimização de dados, que exige que apenas os dados estritamente necessários sejam coletados. No contexto das investigações criminais, a LGPD impõe às autoridades a responsabilidade de garantir que a coleta e o uso de dados pessoais sejam realizados de forma legal e transparente, resguardando os direitos fundamentais dos investigados e terceiros.
A Convenção de Budapeste, ratificada pelo Brasil em 2021, é o primeiro tratado internacional voltado especificamente para o combate ao crime cibernético, proporcionando um parâmetro jurídico uniforme para os países-membros. Este tratado facilita a cooperação internacional na coleta e compartilhamento de provas digitais, crucial para a investigação de crimes que frequentemente têm uma dimensão transnacional. A Convenção estabelece padrões para a preservação rápida de dados e o acesso a informações armazenadas, bem como para a interceptação de comunicações, fortalecendo as capacidades das autoridades brasileiras para investigar e combater crimes cibernéticos.
Esses três instrumentos legais e normativos trouxeram mudanças significativas para as investigações criminais no Brasil. O Marco Civil da Internet e a LGPD aumentaram a proteção da privacidade dos usuários, impondo regras claras e restrições sobre como os dados podem ser acessados e utilizados. Ao mesmo tempo, a Convenção de Budapeste facilitou a cooperação internacional, essencial para enfrentar a natureza global dos crimes cibernéticos. Juntos, esses marcos
regulatórios melhoraram a capacidade das autoridades de coletar provas digitais de maneira legal e eficaz, mas também aumentaram a necessidade de procedimentos rigorosos para garantir que tais práticas respeitem os direitos fundamentais, evitando abusos e garantindo a admissibilidade das provas em juízo.
2.2 Atributos de segurança e integridade de dados
A segurança e a integridade dos dados é um tema relevante quando falamos em tecnologia, especialmente no contexto da investigação criminal e do processo judicial, quanto às provas digitais. Para assegurar que os elementos transportados aos procedimentos são confiáveis e admissíveis, é necessário observar rigorosamente certos atributos de segurança, a saber: a) confidencialidade; b) integridade; c) disponibilidade; d) autenticidade; e e) irretratabilidade. Cada um desses atributos desempenha um papel crucial na validação de informações.
A confidencialidade garante que as informações sejam acessíveis apenas a pessoas autorizadas e protegidas contra acessos não autorizados. No contexto das provas digitais, é essencial que os dados coletados sejam mantidos em sigilo até que sejam apresentados no processo judicial. A violação da confidencialidade pode comprometer a integridade da prova, a privacidade dos envolvidos, além de potencialmente prejudicar a investigação.
A integridade assegura que os dados não sejam alterados de forma não autorizada durante sua coleta, armazenamento ou transmissão. É crucial que as provas digitais permaneçam inalteradas desde o momento de sua obtenção até a sua apresentação em juízo. A utilização de técnicas como o cálculo de códigos hash (funções de resumo criptográfico) é uma prática recomendada para verificar a integridade dos dados. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem ressaltado a importância do uso do código hash como método eficaz para assegurar a integridade e a confiabilidade das provas digitais.
A disponibilidade garante que os dados estejam acessíveis e utilizáveis quando necessário. Em investigações criminais e processos judiciais, é fundamental que as provas digitais possam ser acessadas de forma rápida e eficiente pelos órgãos competentes. A indisponibilidade de dados pode atrasar investigações e comprometer a eficiência do processo judicial.
A autenticidade assegura que os dados são genuínos e que a fonte é confiável. No contexto das provas digitais, é crucial que se possa verificar a origem dos dados e garantir que não foram falsificados. A autenticação pode ser realizada por meio de certificados digitais, assinaturas eletrônicas e outras tecnologias que comprovem a origem dos dados e a identidade de quem os produziu.
A irretratabilidade, ou não-repúdio, assegura que uma transação ou comunicação não possa ser negada posteriormente por nenhuma das partes envolvidas. Em termos de provas digitais, este atributo garante que a parte que forneceu ou criou os dados não possa negar sua autoria ou veracidade posteriormente. Isso é essencial para manter a integridade do processo judicial e garantir que todas as partes sejam responsabilizadas por suas ações.
Eventuais provas que não atendam a esses critérios podem ser consideradas inadmissíveis, comprometendo o resultado da investigação e a justiça do processo. Lado outro, a observância rigorosa garante que as provas sejam tratadas de maneira ética e legal, protegendo os direitos dos indivíduos e a integridade do sistema judicial.
2.2.1 Cadeia de custódia em provas digitais: considerações e implicações de acordo com a jurisprudência contemporânea
No contexto do direito penal, em virtude dos princípios da legalidade, do contraditório e da ampla defesa, é fundamental que todas as partes do processo assegurem, comprovem e registrem os métodos e resultados das buscas por evidências. A Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como “Pacote Anticrime”, transformou essa responsabilidade em obrigação legal, acrescentando os artigos 158-A a 158-F ao Código de Processo Penal. Esses artigos definem a cadeia de custódia como o conjunto de procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica de vestígios coletados em locais ou vítimas de crimes, rastreando sua posse e manuseio desde o reconhecimento até o descarte.
Durante a coleta de informações digitais, é crucial adotar práticas que garantam a segurança e a integridade dos dados. Dentre as recomendações, incluem: a) a utilização de ferramentas adequadas, assim como softwares e hardwares especializados que garantam a integridade e a autenticidade dos dados;
b) a documentação rigorosa com registros detalhados de todas as etapas, incluindo o momento da coleta, a identidade dos responsáveis e as condições em que se achavam os vestígios, as transferências de custódia, até a etapa de descarte; c) a proteção contra acessos não autorizados, implementando medidas de segurança físicas e lógicas para proteger os dados contra acessos não autorizados; d) assegurar que os dados coletados são os mesmos que foram apresentados, utilizando-se, por exemplo, do cálculo e verificação de código hash.
Em investigações digitais, especialmente com o uso de fontes abertas, é importante comprovar todo o percurso seguido para se obter o resultado desejado. Não é suficiente apresentar apenas o resultado final; é necessário também comprovar todo o trajeto percorrido para a obtenção das provas, dados e elementos. Deve-se descrever os métodos utilizados, as ferramentas empregadas, os resultados alcançados e a autoridade responsável pela busca.
A observância rigorosa dos atributos de segurança e o respeito à cadeia de custódia, permitem a materialização destas provas nos autos processuais, contudo, o desrespeito poderá gerar a nulidade da prova, seu desentranhamento dos autos e até mesmo a invalidação de todo trabalho investigativo.
Um julgado importante em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou uma prova digital ilícita devido à quebra de custódia é o Recurso em Habeas Corpus nº 143.169. Neste caso, a 5ª Turma do STJ analisou a “Operação Open Doors” que envolvia uma quadrilha de hackers acusados de desviar dinheiro de contas bancárias.
O ministro Ribeiro Dantas votou pela inadmissibilidade das provas digitais, citando a ausência de documentação adequada durante a coleta, manutenção e análise dos dados:
[…] Falta de documentação dos atos realizados no tratamento da prova. Confiabilidade comprometida. Provas inadmissíveis, em consequência. Agravo regimental parcialmente provido […] 2. A principal finalidade da cadeia de custódia é garantir que os vestígios deixados no mundo material por uma infração penal correspondem exatamente àqueles arrecadados pela polícia, examinados e apresentados em juízo. […] 4. A autoridade policial responsável pela apreensão de um computador (ou outro dispositivo de armazenamento de informações digitais) deve copiar integralmente (bit a bit) o conteúdo do dispositivo, gerando uma imagem dos dados: um arquivo que espelha e representa fielmente o conteúdo original. 5. Aplicando-se uma técnica de algoritmo hash, é possível obter uma assinatura única para cada arquivo, que teria um valor diferente caso um único bit de informação fosse alterado em alguma etapa da investigação, quando a fonte de prova já estivesse sob a custódia da polícia. Comparando as hashes calculadas nos momentos da coleta e da perícia (ou de sua repetição em juízo), é possível detectar se o conteúdo extraído do dispositivo foi modificado. 6. É ônus do Estado comprovar a integridade e confiabilidade das fontes de prova por ele apresentadas. É incabível, aqui, simplesmente presumir a veracidade das alegações estatais, quando descumpridos os procedimentos referentes à cadeia de custódia. […]. 7. No caso dos autos, a polícia não documentou nenhum dos atos por ela praticados na arrecadação, armazenamento e análise dos computadores apreendidos durante o inquérito, nem se preocupou em apresentar garantias de que seu conteúdo permaneceu íntegro enquanto esteve sob a custódia policial. Como consequência, não há como assegurar que os dados informáticos periciados são íntegros e idênticos aos que existiam nos computadores do réu. 8. Pela quebra da cadeia de custódia, são inadmissíveis as provas extraídas dos computadores do acusado, bem como as provas delas derivadas5 […]. (grifo nosso)
O caso julgado revelou que a polícia falhou em utilizar técnicas adequadas, como o algoritmo hash, que garante a integridade dos dados digitais ao criar um código único que detecta qualquer alteração subsequente. A falta dessa documentação técnica levou à conclusão de que não havia garantia da integridade das provas apresentadas, resultando na anulação das mesmas.
Em conclusão, a inadmissibilidade de provas ilícitas, incluindo as digitais, é um princípio fundamental que protege os direitos e garantias individuais no processo penal. Este princípio, consagrado na Constituição Federal e no Código de Processo Penal, assegura que as evidências apresentadas em juízo sejam coletadas de forma ética e legal. A recente jurisprudência do STJ, como demonstrado no Recurso em Habeas Corpus nº 143.169-RJ, evidencia a importância de respeitar a cadeia de custódia e utilizar métodos adequados, como o algoritmo hash, para garantir a integridade das provas digitais. A observância desses procedimentos é essencial para a validação das provas e a confiança no sistema de justiça, prevenindo abusos e garantindo um julgamento justo e equitativo.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso em Habeas Corpus n. 143.169-RJ (2021/0057395-6). Relator: Ministro Ribeiro Dantas. Brasília, DF, 27 out. 2021. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo. Acesso em: 18 jul. 2024.
2.2.2 O “print” como meio de prova v. espelhamento de aplicativos
A captura de tela, ou “print”, de conversas no aplicativo de conversação WhatsApp consiste em tirar uma foto digital das mensagens exibidas na tela do dispositivo. Este método, apesar de amplamente utilizado, possui limitações significativas em termos de autenticidade e integridade, uma vez que as capturas de tela podem ser facilmente manipuladas. Por outro lado, o espelhamento do WhatsApp envolve a duplicação do conteúdo das mensagens em tempo real para outro dispositivo, permitindo uma visão contínua e abrangente das conversas.
Para que qualquer prova digital seja considerada válida e confiável em um processo judicial, é essencial que sejam observados certos atributos de segurança da informação, no caso dos “prints”, garantir a integridade e a autenticidade das mensagens é desafiador, pois não há uma maneira infalível de assegurar que as capturas não foram alteradas. Já o espelhamento, se realizado de forma adequada, pode oferecer maior confiança quanto à integridade e autenticidade dos dados coletados.
O artigo 225 do Código Civil e o artigo 422 do Código de Processo Civil (CPC) atribuem o caráter de prova plena à reproduções digitais e mecânicas, desde que não haja impugnação da parte contrária.
O uso de imagens, fotografias, reproduções fonográficas e outros tipos de reproduções, como “prints”, têm a capacidade de provar os fatos ou coisas representadas, desde que sua conformidade com o original não seja contestada pela parte contra quem foi produzida. No entanto, ressalta que qualquer prova deve seguir o ordenamento jurídico e não deve ser tolerada a utilização de dados, reproduções, mídia ou outra forma de registro obtida de forma ilícita.
Em sede policial, explica Guilherme Caselli (2024, p.124) procedimentos que devem ser tomados pela autoridade policial quando da juntada de capturas de tela nos autos:
Como medida sanatória, deverá, o Delegado de Polícia ou Magistrado responsável pelo procedimento intimar a parte que juntou esta prova digital para que apresente à respectiva serventia o material original impugnado para confronto. Em persistindo a dúvida, poderá ser determinada a apreensão do dispositivo que contém o material original impugnado, como por exemplo o aparelho telefônico onde está arquivada a conversa ocorrida via WhatsApp, a máquina fotográfica digital e seu respectivo cartão de memória, onde está arquivada a foto contestada para ser submetida à análise pericial que buscará a existência dos atributos de segurança e integridade dos dados digital: confidencialidade, integridade, disponibilidade autenticidade e irretratabilidade. CASELI, p. 124
A interceptação telemática, por sua vez, que inclui o monitoramento de comunicações eletrônicas como o WhatsApp, exige reserva de jurisdição, ou seja, uma autorização judicial prévia para ser realizada legalmente.
O espelhamento de aplicativos, se realizado sem essa autorização, é considerado uma prática ilegal e viola os direitos constitucionais à privacidade e à intimidade. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reiteradamente declarado a ilegalidade de provas obtidas por meio de espelhamento não autorizado, reforçando a importância da observância rigorosa das normas processuais.
A análise aprofundada sobre provas digitais evidencia a complexidade envolvida na sua documentação, custódia, apresentação e descarte, aspectos cruciais para garantir a admissibilidade e a integridade das evidências no processo judicial.
A inadmissibilidade de provas digitais ilícitas é um princípio fundamental que protege os direitos dos indivíduos e mantém a legalidade do processo penal. A cadeia de custódia de provas digitais, conforme delineada pela jurisprudência contemporânea, é essencial para assegurar que as evidências sejam tratadas de forma confiável e transparente.
Em síntese, a discussão sobre o uso do “print” como meio de prova versus o espelhamento de aplicativos destaca a evolução tecnológica e a necessidade de métodos mais sofisticados e precisos para garantir a autenticidade e a veracidade das provas digitais. Assim, a implementação de práticas rigorosas e a adesão a normas internacionais fortalecem a confiança no sistema jurídico e promovem a justiça no ambiente digital.
CAPÍTULO 3 – TECNOLOGIAS APLICADAS À ATIVIDADE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA
3.1 Inquérito Policial Eletrônico (IPe): procedimento extrajudicial apuratório de contraditório possível
De fundamento constitucional, consolidou-se o inquérito como um mecanismo essencial para investigar crimes. Sua importância é enfatizada, além do texto constitucional (art. 144, §§ 1º e 4º) pelo Código de Processo Penal, pela Lei 12.830/13 (art. 2º, § 1º) e outros dispositivos esparsos.
O inquérito policial, muitas vezes subestimado na doutrina tradicional, adapta- se às mudanças políticas, jurídicas, sociais e tecnológicas. Fundado na dignidade humana, ele assegura que vítimas e investigados sejam tratados como sujeitos de direitos, respeitando garantias processuais como legalidade, presunção de inocência e direito à defesa.
Amoldando-se a nova era, inclusive quanto à tecnologia, sob a presidência do Delegado de Polícia, deixou o inquérito policial de ser um “mero procedimento informativo”, para instrumento democrático de direito essencial à justiça.
Surge, assim, o “Inquérito Policial Eletrônico”, com a ótica de dar à investigação criminal mais eficiência e a transparência, inclusive permitindo a inclusão de provas e gravações audiovisuais no processo.
Nesse misto de legalidade, ciência e lógica, tomam outro rumo as características elencadas pela doutrina tradicional, quanto ao inquérito policial, a saber: a) procedimento escrito; b) inquisitivo; c) discricionário; d) oficial; e) sigiloso; e f) oficioso, ensinando-nos Moraes (2024. p. 110 – 111) que:
Assim, a característica “inquisitória” do inquérito policial, que agora tem se sugerido a substituição por “apuratória”, deve ser entendida como imprescindível para uma investigação eficiente, amparada na independência técnico-jurídica da autoridade presidente da apuração preliminar e exaltando a atuação da defesa na investigação, por meio da aplicação de um contraditório possível. […] Entender a fase extrajudicial como apuratória”, por outro lado, faz-se necessário para que o inquérito policial atinja sua finalidade de coligir elementos para a reta apuração dos fatos, servindo de um lado e precipuamente como um filtro garantista, evitando ações penais precipitadas e sem justa causa e, de outra banda, como um instrumento para obtenção de subsídios que propiciem um avanço regular da persecução criminal em juízo.
A inteligência que se infere de tal ensinamento é a de que, atualmente, o inquérito pode ser considerado como um procedimento: a) extrajudicial; b) oficial (com previsão em lei); c) parcialmente escrito (preferencialmente oral); d) autônomo (não mais mero elemento informativo dispensável); e) de publicidade restringível; f) e condução apuratória (contraditório possível e direito à ampla defesa, devendo o indeferimento ser motivo pela autoridade policial).
Atualmente, o Inquérito Policial Eletrônico (IPE) é utilizado por toda Polícia Civil do Estado de São Paulo como um sistema operacional de auxílio às atividades de Polícia Judiciária. A ferramenta pode ser acessada pela intranet e de forma externa (aos policiais previamente credenciados).
Dentre as inúmeras funcionalidades, podemos citar: a gestão de cartórios policiais; a instauração, pesquisa e movimentação de procedimentos: Inquéritos Policiais por portaria ou Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD), Termos Circunstanciados, Atos Infracionais e medidas cautelares; a importação de documentos e anexos do Sistema de Polícia Judiciária (SPJ); a integração com o Sistema de Automação da Justiça (SAJ) e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP); a inclusão de documentos e anexos, inclusive imagens; além do controle correicional de procedimentos de forma rápida e prática.
Desse modo, o Inquérito Policial Eletrônico (IPe) representa um avanço significativo na modernização dos procedimentos investigativos, trazendo consigo notáveis benefícios como transparência, celeridade e economia processual. A iniciativa que buscou digitalizar todos os procedimentos de investigação criminal, processando-os numa plataforma digital, integrada ao Sistema de Automação da Justiça (SAJ) de São Paulo, aumentou a eficiência e a transparência nas atividades de investigação criminal do Estado. Além disso, a digitalização trouxe a economia significativa de recursos materiais e acelerou a comunicação entre os órgãos estatais envolvidos, disposto num ambiente digital interativo e dinâmico.
A digitalização do inquérito não só facilita a gestão e o acesso a informações, mas também assegura que as atividades de investigação sejam conduzidas de maneira mais eficiente e auditável. Com a capacidade de incluir provas e gravações audiovisuais diretamente no processo, o IPe fortalece a integridade das investigações, promovendo um contraditório possível e respeitando as garantias processuais. Esse novo formato, adotado amplamente pela Polícia Civil do Estado de São Paulo, exemplifica como a tecnologia pode ser integrada ao sistema jurídico para aprimorar a justiça, proporcionando um mecanismo mais ágil e transparente que beneficia tanto os investigadores quanto os investigados.
3.1.1 O princípio da paridade de armas aplicado à investigação criminal como instrumento de defesa
O princípio (ou garantia) do contraditório pode ser analisado sob o viés formal e substancial, aquele diz respeito ao direito de participação do investigado, este, por sua vez, consiste no “direito de influir no conteúdo da decisão estatal, pleiteando a produção de provas e expondo versões e argumentos” (MORAES, p. 94).
O contraditório, ainda que de forma limitada ou mitigada (diferente da sua plenitude característica da fase judicial do processo penal), deve ser aplicado ao inquérito policial, permitindo uma participação ativa da defesa, o que se denomina: “paridade de armas”.
O princípio da “paridade de armas”, como a expressão sugere, pretende oportunizar uma igualdade entre defesa e acusação, buscando um equilíbrio de forças em toda a persecução penal, considerando que o órgão acusador inevitavelmente influencia, toma conhecimento e se manifesta nos autos investigatórios, enquanto a defesa nem sempre consegue uma atuação similar, inclusive em sede de prisão em flagrante delito.6
A paridade de armas é um princípio fundamental que assegura que ambas as partes em um processo judicial tenham igual oportunidade de apresentar suas provas e argumentos. Sua importância transcende a fase processual, aplicando-se também na fase extrajudicial, como no inquérito policial. Isso garante que o investigado tenha a chance de defender-se adequadamente desde o início da investigação, promovendo um equilíbrio, evitando abusos e assegurando um processo mais justo e transparente.
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em Flagrante Delito Constitucional. 5.ed. São Paulo: JusPodivm, 2024. p. 103.
Em resumo, a aplicabilidade do princípio da paridade de armas no inquérito policial fortalece a equidade e a justiça na investigação criminal, permitindo que a defesa participe de maneira ativa e efetiva desde as etapas iniciais. Embora o contraditório no inquérito policial seja limitado em comparação com a fase judicial, a possibilidade de influência da defesa no conteúdo das decisões estatais e na produção de provas é essencial para garantir um equilíbrio de forças entre acusação e defesa. Este princípio assegura que o investigado tenha a oportunidade de apresentar suas versões e argumentos, contribuindo para um processo mais justo e transparente. Ao implementar a paridade de armas na fase extrajudicial, promove-se uma investigação criminal mais robusta e democrática, que respeita os direitos fundamentais e evita abusos, consolidando um sistema de justiça mais equilibrado e efetivo.
3.2 Recursos tecnológicos aplicados e o princípio da duração razoável da investigação
No passado, as investigações criminais eram fortemente baseadas em métodos tradicionais. Policiais realizavam vigilâncias (“campanas”) de maneira física, deslocavam-se até os locais dos crimes para coletar informações e tomar depoimentos em máquinas de escrever, e o acompanhamento de suspeitos, exigia seguir fisicamente os alvos ou contar com os famigerados “informantes”.
Com o passar dos anos, esses métodos evoluíram, sobretudo, com a introdução de novas tecnologias. Atualmente, a investigação policial se tornou significativamente tecnológica. As vigilâncias agora utilizam recursos audiovisuais, como câmeras de segurança e drones, que permitem monitoramento contínuo e discreto. A interceptação de comunicações se expandiu para além das comunicações telefônicas, incluindo interceptações telemáticas, que abrangem e- mails, mensagens instantâneas e outras formas de comunicação digital. Para localizar um suspeito, a polícia não precisa mais segui-lo fisicamente, bastando, com autorização legal, acessar a geolocalização fornecida por seus dispositivos móveis.
Os inquéritos policiais também passaram por uma transformação significativa. Em vez de serem compostos por inúmeros volumes de papel, os depoimentos agora são frequentemente gravados em vídeo, proporcionando uma documentação mais precisa e detalhada, principalmente quanto às provas dependentes da memória.
Além disso, o inquérito policial tornou-se eletrônico, como já abordado em tópico anterior, facilitando o armazenamento, a organização e a análise de informações. Esta evolução tecnológica efetiva o princípio constitucional da eficiência e da duração razoável da investigação, garantindo que os procedimentos sejam conduzidos de maneira mais rápida e eficaz.
Nesse sentido, a Lei Orgânica da Polícia estabelece que as investigações criminais devem ser conduzidas de maneira rápida e eficaz, reforçando a necessidade de utilização de tecnologias avançadas para alcançar esses objetivos. Nos termos da lei, a implementação de ferramentas tecnológicas é crucial para otimizar o tempo e os recursos, assegurando que a justiça seja realizada de forma célere e justa:
Art. 5º São diretrizes a serem observadas pela polícia civil, além de outras previstas em legislação ou regulamentos: X – utilização dos meios tecnológicos disponíveis e atualização e melhorias permanentes das metodologias de trabalho, para aprimoramento nos processos de investigação; Art. 18. As polícias civis podem constituir unidade centralizada de tecnologia para fins de estudo, de desenvolvimento, de implantação, de pesquisa e de organização de instrumentos e mecanismos tecnológicos. Art. 45. Para maior celeridade e veracidade dos registros cartorários, podem ser adotadas plataformas tecnológicas para registros dos procedimentos, respeitadas as circunstâncias de atuação presencial das equipes envolvidas. (grifo nosso)
Fazer possível uma investigação mais célere não é apenas uma escolha da autoridade policial, como explica Rafael Marcondes de Moraes (2024, p. 125):
O inquérito policial é um procedimento temporário e sobre o qual, unido ao princípio da razoável duração do processo, na etapa extrajudicial projetado como uma razoável duração da investigação criminal, deve incidir o princípio da eficiência, elencado no caput do artigo 37 também da Carta Magna e direcionado a toda a Administração Pública, como premissas que impõem uma atuação estatal célere sem ignorar as bases garantistas do sistema jurídico.
Em resumo, a incorporação de tecnologias avançadas nas práticas investigativas não só moderniza o trabalho policial, mas também concretiza princípios constitucionais fundamentais, como a eficiência e a duração razoável da investigação, garantindo que os direitos de todas as partes envolvidas sejam respeitados e que a justiça seja alcançada de maneira efetiva.
3.2.1 Prisão em flagrante delito e oitivas por videoconferência
A atuação da autoridade policial em situações de flagrante delito é um elemento crucial na aplicação da justiça criminal. O estado de “flagrância delitiva” requer uma ação imediata por parte do Delegado de Polícia e dos agentes de segurança pública, resultando no chamado flagrante compulsório. Nesse contexto, a prisão em flagrante delito ocorre somente após uma decisão fundamentada do Delegado de Polícia, que realiza uma análise técnico-jurídica dos fatos e dos elementos probatórios coletados. Antes dessa decisão, o capturado é considerado apenas um “mero suspeito”. Somente após o indiciamento formal pelo Delegado de Polícia, o indivíduo adquire o status de indiciado.
A Constituição Federal, em seu artigo 144, § 4º, estabelece que às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, que exerceram as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. Complementando esse dispositivo, a Lei nº 12.830/2013 define as funções do delegado de polícia como de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. Essa lei detalha que cabe ao delegado de polícia conduzir a investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, com o objetivo de apurar as circunstâncias, a materialidade e a autoria das infrações penais.
Com o avanço da tecnologia, a possibilidade de empregar videoconferências em interrogatórios e demais oitivas realizadas pelo Delegado de Polícia tornou-se uma realidade. Essa inovação permite que o delegado presida o feito remotamente, otimizando recursos e tempo. Em algumas cidades do Estado de São Paulo, como
na Seccional de São José do Rio Preto, a Polícia Civil utiliza a Central Virtual de Atendimento (CVA) para realizar esses procedimentos. Esse método não só agiliza o processo investigativo, como também reforça o princípio constitucional da eficiência e da duração razoável da investigação, proporcionando maior celeridade e segurança na coleta de depoimentos.
Nesse sentido, Moraes (2024, p. 129-130) ressalta:
Ainda que as disposições legais apontadas tratem a adoção do sistema de videoconferência como exceção, com base nos recursos tecnológicos contemporâneos e ainda em decorrência da lamentável e não incomum escassez de efetivo das instituições de polícia judiciária, mormente de Delegados de Polícia para a pronta atuação em todos os casos de prisão em flagrante delito, passaram a ser verificadas iniciativas de materialização da prisão em flagrante por videoconferência, em que a Autoridade Policial responsável ordena e coordena, remotamente, policiais civis de carreiras auxiliares como Escrivães e Investigadores de Polícia, interagindo por intermédio de equipamentos audiovisuais de informática em tempo real, que ainda podem ser dotados de melhor transparência mediante gravação e armazenamento em mídias digitais para eventuais questionamentos ou dúvidas futuras, intensificando a almejada oralidade no processo penal.
Ainda sobre a temática de depoimento por meio de ferramentas tecnológicas, em seu trabalho de conclusão do Curso Superior de Polícia (CSP – Polícia Civil do Estado de São Paulo), a Excelentíssima Senhora Doutora Cristina Helena Spir Sant’Ana, Delegada de Polícia da Delegacia de Defesa da Mulher e Proteção ao Idoso de S. J. Rio Preto, apresentou resultados concretos demonstrando a eficiência e rapidez dos inquéritos cujas oitivas se deram por meios telemáticos (videoconferência), comparados aos inquéritos policiais em que as oitivas foram presenciais7.
Em suma, tanto a prisão em flagrante delito, quanto à condução do inquérito policial e a utilização de videoconferência nas oitivas refletem a adaptação das práticas policiais às exigências tecnológicas e jurídicas contemporâneas. Ao garantir uma atuação eficiente e ágil da autoridade policial, esses procedimentos respeitam os direitos constitucionais e promovem uma justiça mais rápida e eficaz. A legislação vigente, especialmente a Constituição Federal e a Lei nº 12.830/2013, fundamenta essas práticas, assegurando que a investigação criminal se conduza com respeito à legalidade, à transparência e à proteção dos direitos individuais.
Ouvir de longe: a realização de entrevistas investigativas mediante o uso de ferramentas tecnológicas. 2023. Monografia. (Aperfeiçoamento/Especialização em Curso Superior de Polícia) – Academia de Polícia Civil de São Paulo. Orientador: Anderson Pires Giampaoli
3.2.2 Investigação Preliminar Sumária (conforme Portaria DGP n. 26/2023)
Em outubro de 2023, foi publicada a Portaria DGP-26, qual institui, na Polícia Civil do Estado de São Paulo, a Consolidação das Normas de Serviço da Polícia Judiciária. Reunindo num só documento todos os dispositivos de interesse policial, a Portaria DGP n. 26/2023 detalhou um procedimento rigoroso para a condução de investigações preliminares sumárias, garantindo que medidas restritivas complexas sejam adotadas apenas com a devida fundamentação e controle. Esse conjunto de normas visa assegurar a eficiência e a legalidade das investigações policiais, protegendo os direitos dos investigados e promovendo a justiça.
Ao disciplinar sobre a investigação preliminar sumária, atribuiu o documento à Seção XIV os procedimentos específicos para a condução de investigações iniciais em casos que não há indícios claros, ou suficientes, para a instauração imediata de inquérito policial (artigos 113 a 120), detalhando os requisitos, prazos e procedimentos envolvidos.
Conforme o artigo 115, a investigação preliminar sumária deve ser concluída em até 60 dias, podendo ser prorrogada por mais 30 dias mediante decisão motivada do Delegado. Sendo as informações noticiadas inconsistentes, a investigação será acautelada na unidade policial, podendo ser reexaminada com o surgimento de novos fatos. Durante ou ao término da investigação, se o Delegado verificar a existência de justa causa fundamentada, ele deve converter a investigação em inquérito policial ou outro procedimento investigatório previsto em lei.
Ocorre que a Consolidação não previu apenas de forma teórica a Investigação Preliminar Sumária, antes, preocupou-se, nos termos do artigo 6º, em instrumentalizá-la conforme segue:
Artigo 6º – O Departamento de Inteligência da Polícia Civil – DIPOL, no prazo de até 90 (noventa) dias contados da publicação da presente, ficará encarregado de: […] VII – desenvolver ferramentas e tutoriais para e efetiva e correta operacionalização do disposto nos Capítulos II (Seções XIV, artigo 126; XVII, artigo 161, parágrafo 4º e XVIII, artigo 170, incisos I e II) e IV (Seções IV, artigo 260 e XV) da Consolidação. (grifo nosso)
Nesse sentido, unindo tecnologia e investigação criminal, desenvolveu o DIPOL o sistema operacional “IPS – Investigação Preliminar Sumária”, integrado (e interagindo) com outros sistemas já em uso, como SPJ – Sistema de Polícia Judiciária, o IPe – Inquérito Policial Eletrônico, e o Portal de Vídeos da Polícia Civil do Estado de São Paulo.
Dentre as funcionalidades, permite o sistema a gestão de equipes de investigação (com a designação de chefia, inclusive); a produção e registro de investigações; o cumprimento de ordens de serviço; a elaboração de Relatórios; a inclusão de mídias em vídeo e áudio; abertura e encerramento de talões; além da roteirização de percursos.
Já em uso, na Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher de São José do Rio Preto a primeira ordem de serviço recebida pelo sistema referido foi em 21/02/2024, poucos meses depois após a edição da Consolidação, o que demonstra a celeridade e eficiência do Departamento de Inteligência da Polícia Civil – DIPOL .
3.2.3 Gravações audiovisuais na produção de provas dependentes da memória e a utilização do Portal de Vídeos da Polícia Civil do Estado de São Paulo
A utilização de gravações audiovisuais na produção de provas judiciais tem se mostrado um avanço significativo no campo da investigação criminal. Essa prática não apenas fortalece a confiabilidade das provas, mas também proporciona maior transparência e segurança jurídica. Quando se trata de provas dependentes da memória, a contribuição das gravações audiovisuais se torna ainda mais evidente, dada a natureza volátil e suscetível a falhas das recordações humanas.
A memória humana é notoriamente falível. Estudos psicológicos demonstram que as recordações podem ser influenciadas por diversos fatores, como o tempo, o estado emocional e a sugestibilidade. Testemunhos baseados apenas na memória podem estar sujeitos a distorções involuntárias, considerando a memória como um processo cognitivo suscetível a múltiplas influências.
Com a introdução de gravações audiovisuais, busca-se mitigar as limitações inerentes à memória humana. Ao registrar depoimentos e procedimentos investigativos, as gravações capturam detalhes que poderiam ser esquecidos ou distorcidos. Além disso, fornecem um registro objetivo e imutável do que foi dito e feito, que pode ser revisitado a qualquer momento durante o processo judicial. Por meio dos registros audiovisuais asseguramos a preservação da integridade das provas e minimizamos o risco de contaminação das memórias.
Dentre as vantagens desta prova, podemos citar: a) fidelidade e precisão; b) transparência e confiança no processo investigativo e judicial; c) possibilidade revisão e análise quantas vezes forem necessárias; d) proteção aos direitos fundamentais das partes, garantindo que suas declarações sejam documentadas nos termos exatos em que foram prestadas; e) celeridade, considerando a não transcrição do conteúdo, ou, ainda que o seja, daquilo que for relevante à investigação, preservando o conteúdo na íntegra para contraprova.
Apesar das inúmeras vantagens, a implementação das gravações audiovisuais enfrenta desafios, incluindo a necessidade de equipamentos adequados e treinamento de pessoal, além de considerações legais e éticas sobre a privacidade, consentimento dos envolvidos, guarda e custódia do conteúdo nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados, vez que, sua essência é a imagem humana.
Por tal razão, é crucial que essas gravações sejam realizadas e armazenadas de maneira segura, garantindo a integridade e inviolabilidade das provas, incluindo a proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos. A implantação de gravações audiovisuais deve ser acompanhada de diretrizes claras que assegurem a legalidade e a legitimidade do uso dessas provas no processo judicial.
Embora existam desafios a serem superados, os benefícios proporcionados por essa prática são inegáveis. Ao preservar a integridade das declarações e proteger os direitos dos envolvidos, as gravações audiovisuais fortalecem a busca pela justiça e a verdade.
Nesse sentido, foi criado o Portal de Vídeos da Polícia Civil do Estado de São Paulo, instrumento necessário para o armazenamento de conteúdos audiovisuais que consta com ferramenta de inteligência artificial integrada, possibilitando, inclusive a transcrição do conteúdo, otimizando o tempo e tornando eficiente a investigação criminal.
O Portal de Vídeos consta com armazenamento seguro e criptografado; até o momento, vídeos e áudios com até 2 Gb podem ser inseridos; imediatamente após a inserção e aprovação, gera-se, de forma automática, um documento no boletim de ocorrência vinculado àquele conteúdo (em “documentos” no Sistema de Polícia Judiciária – SPJ) com link de acesso, além da transcrição. Outra inovação é possibilidade de acesso externo mediante certificado digital, possibilitando juízes, promotores e advogados o conteúdo integral de prova.
- Reconhecimento Fotográfico de Pessoas e o uso de tecnologia para identificar indivíduos a partir de imagens
O reconhecimento de pessoas, incluindo o fotográfico, classifica-se como um meio de obtenção de prova no sistema de justiça penal, especialmente na identificação de suspeitos em investigações criminais. Este método tem evoluído significativamente com o avanço tecnológico e as mudanças interpretativas na jurisprudência. Inicialmente, o reconhecimento era visto como uma garantia mínima no processo penal. No entanto, a jurisprudência brasileira passou por uma evolução notável, reavaliando o papel e a importância do reconhecimento de pessoas, tanto presencial quanto fotográfico, conforme preconiza o Conselho Nacional de Justiça:
O reconhecimento de pessoas é um meio de prova pelo qual uma pessoa descreve e confirma a identidade visual de outra. Resulta da comparação entre uma percepção ocular ocorrida e vivida no passado e outra que se dá no momento presente, no ato formal de reconhecimento. O reconhecimento de pessoas é principalmente utilizado em procedimentos de investigação criminal ou em processos judiciais para confirmar a autoria de uma infração penal. Nesse caso, a vítima ou a testemunha ocular de um crime é convidada a fazer o reconhecimento da pessoa acusada da prática do delito.8
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/08/cartilha-reconhecimento-de- pessoas-v14-2023-07-31.pdf. Acesso em: 27 jul. 2024.
Anteriormente, o reconhecimento era considerado uma etapa pré- antecedente, porém tal entendimento mudou, refletindo uma maior valorização das evidências obtidas por meio do reconhecimento. Atualmente, o reconhecimento de pessoas, especialmente o fotográfico, ganhou destaque não apenas como uma técnica valiosa para a identificação de suspeitos, mas também como um elemento probatório e irrepetível no processo penal.
Ocorre que, frequentemente, policiais enfrentavam dificuldades em apresentar fotografias “semelhantes” à reconhecedora. O esforço contínuo pela eficácia das investigações, nem sempre refletia no respeito e proteção aos direitos fundamentais, sobretudo, o alinhamento justo para um reconhecimento preciso e confiável.
Quanto às práticas inadequadas, incluem-se a exibição de apenas um suspeito (show-up); a condução de alinhamentos em que o possível autor do delito não possui semelhanças físicas com os outros, destacando-se, por exemplo, por sua compleição física, altura ou cor (evidenciando, muitas vezes, o perfilamento racial).
Como meio de prova irrepetível, vez que, um reconhecimento ilegal ou ilegítimo vicia todo e qualquer procedimento posterior, não se pode mais admitir, nos trabalhos de polícia judiciária, o reconhecimento de pessoas com base em alinhamentos injustos e racistas. Instruções inadequadas e procedimentos desnecessários (tanto aos investigados quanto às vítimas), além de segregações cautelares com base, isoladamente, em reconhecimentos precários, desqualificam o trabalho policial e tornam as provas obtidas inválidas.
Defendendo uma atuação igualitária e comprometida com os direitos da pessoa humana, a Portaria DGP-26/2023 com os procedimentos de reconhecimento de pessoas e coisas na seção XV, artigo 139 e seguintes:
Artigo 140 – Compete ao Delegado de Polícia presidente da investigação criminal, admitir e valorar o reconhecimento de pessoas à luz das disposições legais e, se o caso, infralegais, zelando pela produção de maneira a evitar equívocos. § 1º – O reconhecimento de pessoas, por sua natureza, consiste em prova irrepetível, realizada uma única vez, consideradas as necessidades da investigação policial e da instrução processual, bem como os direitos e garantias da pessoa investigada. § 2º – Nos termos da legislação vigente, o sujeito a ser submetido a reconhecimento de pessoas poderá constituir defensor para acompanhar o ato.
Entendendo que o respeito às garantias constitucionais devem ser primazia na investigação criminal e, considerando a grande dificuldade prática na atividade de investigação de encontrar fotografias semelhantes para apresentação aos reconhecedores no ato de Reconhecimento Fotográfico, buscou-se ajuda na tecnologia.
A biometria facial utiliza características únicas do rosto humano para identificar ou verificar a identidade de indivíduos a partir de imagens. Este processo envolve a captura de uma imagem digital do rosto, seguida pela análise de características faciais específicas, como a distância entre os olhos, a forma do nariz, a estrutura óssea e outros pontos de referência distintivos.
Um dos sistemas mais notáveis na área de identificação biométrica é o AFIS (Automated Fingerprint Identification System), que revolucionou a forma como as impressões digitais são coletadas, armazenadas e analisadas. Tradicionalmente utilizado para localizar e cruzar dados de impressões digitais, o AFIS agora incorpora tecnologias de reconhecimento facial, expandindo suas capacidades de identificação.
Com a integração do reconhecimento facial, o sistema pode agora combinar dados de impressões digitais com imagens faciais, proporcionando uma camada adicional de verificação e aumentando a precisão das identificações. Esta integração é particularmente útil em investigações criminais e na prevenção de fraudes, onde múltiplas formas de identificação são essenciais para garantir a autenticidade e a precisão dos dados.
A utilização de fontes abertas e fechadas no reconhecimento facial também desempenha um papel importante. Fontes abertas, como redes sociais e outras plataformas públicas, fornecem uma ampla gama de imagens que podem ser utilizadas para melhorar os algoritmos de reconhecimento. Fontes fechadas, como bases de dados governamentais e registros policiais, oferecem informações mais controladas e seguras, essenciais para aplicações sensíveis como a segurança nacional e a aplicação da lei.
Apesar das vantagens significativas, o uso de reconhecimento fotográfico e biometria facial levanta questões importantes sobre privacidade e ética. É crucial que a implementação dessas tecnologias seja acompanhada por regulamentações rigorosas que protejam os direitos individuais e garantam o uso responsável dos dados coletados. A transparência na coleta e uso de dados biométricos, juntamente a medidas robustas de segurança cibernética, é essencial para manter a confiança do público e assegurar que os benefícios dessas tecnologias sejam plenamente realizados sem comprometer a privacidade.
3.3.1 A utilização da ferramenta tecnológica “Reconhecimento Facial” para fins de alinhamento justo no Reconhecimento Fotográfico de Pessoas por meio de fontes abertas e fechadas
A plataforma “Reconhecimento Facial” tem se tornado uma ferramenta valiosa para a Polícia Civil do Estado de São Paulo nas atividades de Polícia Judiciária. Vinculado à Secretaria da Segurança Pública, o Laboratório de Identificação Biométrica – Facial e Digital, fica na sede do IIRGD (Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt).
Dotado de tecnologia e infraestrutura avançada, o Reconhecimento Facial também permite um alinhamento justo e preciso no ato de reconhecer pessoas, trazendo imagens semelhantes à daquela a ser reconhecida, ou ainda, trazendo a identificação da pessoa naquela imagem coletada.
Uma aplicação prática se dá quanto à análise de imagens coletadas em sistemas de vigilância e câmeras de monitoramento, que podem, eventualmente, capturar imagens de um suspeito cometendo um delito. Ao utilizarmos a imagem do investigado no software de reconhecimento facial temos a comparação dos traços faciais do suspeito, por meio de biometria facial, com bancos de dados (fontes fechadas) existentes, ajudando a identificar a pessoa envolvida.
Mesma inteligência pode ser aplicada na obtenção de uma foto do suspeito em redes sociais (fontes abertas). Com a imagem disponível, a tecnologia de reconhecimento facial pode ser utilizada para cruzar dados e identificar a identidade civil do investigado.
Além disso, é possível utilizar a plataforma para um reconhecimento fotográfico justo, quando, na hipótese, alimentamos o software com a foto da pessoa investigada, retornando-nos a plataforma uma lista de indivíduos com características faciais semelhantes, garantindo um alinhamento justo e aumentando a precisão na identificação.
A tecnologia de reconhecimento facial representa um avanço significativo para a segurança pública, proporcionando maior precisão e eficiência na identificação de suspeitos e na condução de investigações criminais. Sua aplicação em ambientes variados, como estádios de futebol e através de laboratórios especializados, demonstra seu potencial e importância no cumprimento da lei e na proteção da sociedade.
3.3.2 Uso de câmeras corporais, o direito à intimidade e o reconhecimento de pessoas
O uso de câmeras corporais pela polícia tem se tornado um tema de intensa discussão global, especialmente em relação ao equilíbrio entre segurança pública e direitos individuais, como o direito à intimidade e privacidade. Recentemente, o Estado de São Paulo anunciou um edital para a compra de câmeras corporais com tecnologia de reconhecimento facial integrada, levantando preocupações significativas.
A tecnologia de reconhecimento facial, apesar de promissora para a segurança pública, também suscita sérias questões éticas e legais, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Uma das principais preocupações é a possibilidade de filmagem ininterrupta, sem a opção de desligamento ou interferência por parte dos policiais, o que poderia comprometer a privacidade das pessoas filmadas.
A decisão de implementar câmeras corporais com reconhecimento facial deve ser acompanhada de diretrizes claras e rigorosas, garantindo que seu uso se limite estritamente a situações necessárias para a aplicação da lei, e não se estenda a monitoramentos indiscriminados que poderiam violar a privacidade dos cidadãos. O STF ressaltou a importância de que qualquer uso de tecnologias de vigilância seja estritamente regulamentado, assegurando que os direitos constitucionais, como o direito à privacidade, sejam protegidos de maneira robusta.
Além disso, é crucial considerar o impacto potencialmente discriminatório do reconhecimento facial, que pode resultar em identificações errôneas e consequências adversas para grupos minoritários. Portanto, medidas de transparência e prestação de contas são fundamentais para mitigar esses riscos.
Em suma, enquanto as câmeras corporais podem oferecer benefícios significativos para a segurança pública, é essencial que seu uso seja cuidadosamente regulamentado e monitorado para proteger os direitos individuais dos cidadãos. O debate sobre essas tecnologias deve incluir uma ampla consulta pública e um diálogo contínuo entre autoridades, especialistas em direitos humanos e a sociedade civil para garantir que sejam adotadas práticas que equilibrem segurança e privacidade de forma responsável.
CAPÍTULO 4 – PODER REQUISITÓRIO DA AUTORIDADE POLICIAL NA ELUCIDAÇÃO DE CRIMES DIGITAIS
4.1 Crime digital: puro, misto e comum
Os crimes digitais podem ser categorizados de acordo com a natureza do envolvimento dos sistemas de informática na prática delituosa. Com base nessa categorização, temos o crime de informática puro, misto e comum. Cada tipo possui características específicas que os distinguem, seja pelo alvo principal do crime ou pelo papel desempenhado pela tecnologia na execução da atividade criminosa.
Crime de informática puro: são delitos nos quais que o agente tem como objetivo principal o próprio sistema de informática, em todas as suas formas ou manifestações. Nesses casos, o crime ocorre diretamente contra os recursos de tecnologia da informação. Exemplos comuns incluem invasão de sistemas, acesso indevido a dados armazenados em computadores e o desenvolvimento e disseminação de malwares (softwares maliciosos). Um exemplo típico seria um hacker que invade um banco de dados para roubar informações pessoais dos usuários, comprometendo a integridade, a confidencialidade e a disponibilidade dos dados.
Crime de informática misto: nos delitos de informática mistos, o agente não tem como alvo principal o sistema de informática, mas utiliza a tecnologia como um instrumento indispensável para a consumação da ação criminosa. Nesse tipo de crime, o sistema de informática é crucial para o êxito do delito. Um exemplo clássico é a transferência fraudulenta de fundos entre contas bancárias. Nessa situação, embora o objetivo do criminoso seja financeiro, a operação só pode ser realizada mediante a manipulação de sistemas informatizados de registros bancários, que existem exclusivamente no formato digital.
Crime de informática comum: são aqueles delitos em que a informática é utilizada como um meio de realizar a ação criminosa, mas não é essencial para a execução do crime, podendo ser substituída por outros métodos. Nesses casos, a tecnologia atua como uma ferramenta que facilita o crime, mas sua substituição por outro meio não alteraria a natureza do delito. Um exemplo seria o acionamento de uma bomba através de um sistema de computadores. Nesse caso, o objetivo é a explosão da bomba, e o uso do computador é apenas uma maneira de realizar a ação, que poderia ser feita de outras formas, como através de um temporizador mecânico.
Em resumo, a distinção entre os tipos de crimes digitais está na relação entre o crime e o uso da informática. Nos crimes puros, o sistema de informática é o alvo; nos crimes mistos, a informática é indispensável para a realização do crime; e nos crimes comuns, a informática é um meio que poderia ser substituído por outro. Compreender essas diferenças é crucial para a adequada abordagem jurídica e técnica na prevenção e repressão dos delitos cibernéticos.
4.2 Investigação tecnológica e o poder de requisição da Autoridade Policial
A investigação tecnológica desempenha um papel de destaque na elucidação de crimes na era digital, onde a tecnologia se tornou uma ferramenta indispensável tanto para a prática de delitos quanto para a sua resolução. Nesse contexto, a Lei 12.830/2013 é fundamental ao estabelecer diretrizes sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, conferindo-lhe um significativo poder de requisição de dados. Esta lei atribui ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, a responsabilidade de conduzir a investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei. O objetivo desses procedimentos é apurar as circunstâncias, a materialidade e a autoria das infrações penais.
Um dos pontos centrais dessa legislação é a autonomia conferida ao Delegado para requisitar diretamente dados cadastrais de investigados, sem a necessidade de autorização judicial. Essa prerrogativa visa agilizar o processo investigativo, permitindo que o Delegado atue de forma mais eficiente e célere na obtenção de informações cruciais para a investigação. A capacidade do Delegado de Polícia de requisitar dados cadastrais diretamente é uma ferramenta poderosa na investigação criminal. Dados como nome, endereço, filiação e outros elementos básicos podem ser obtidos diretamente de empresas de telefonia, provedores de internet e outras entidades que armazenam essas informações. Isso facilita a identificação rápida de suspeitos e testemunhas, bem como o rastreamento de atividades suspeitas.
Uma mudança significativa no fornecimento de dados materiais surgiu com a Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 51 (ADC 51), que foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão do STF reconheceu a constitucionalidade de dispositivos do Marco Civil da Internet que autorizam a requisição de dados cadastrais, de conexão e de acesso a aplicações de internet diretamente pelo Delegado de Polícia, sem necessidade de prévia autorização judicial. Essa decisão reforça a autonomia do Delegado de Polícia, alinhando-se à necessidade de celeridade e eficiência nas investigações criminais. Ao permitir o acesso direto a dados armazenados por provedores de serviços de internet, a ADC 51 representa um avanço significativo na modernização das práticas investigativas, adaptando-as à realidade tecnológica atual.
Por exemplo, em um caso de fraude bancária, onde um indivíduo utiliza técnicas de phishing para obter dados de acesso a contas bancárias de diversas vítimas, o Delegado de Polícia pode requisitar diretamente aos provedores de serviços de internet os registros de conexão e dados cadastrais do suspeito. Isso permite uma rápida identificação e localização do criminoso, facilitando a tomada de medidas preventivas e repressivas. Em outro exemplo, em um caso de distribuição de pornografia infantil através de uma plataforma de compartilhamento de arquivos, o Delegado pode requisitar diretamente à empresa provedora os dados de cadastro e registros de conexão dos suspeitos. Com esses dados em mãos, a polícia pode rapidamente identificar os envolvidos e interromper a atividade criminosa, protegendo as vítimas.
A capacidade de requisitar dados sem intervenção judicial imediata transforma a abordagem das investigações tecnológicas, especialmente em casos onde o tempo é um fator crítico, como em situações de sequestro, crimes cibernéticos e terrorismo. A rapidez na obtenção de informações pode ser decisiva para o sucesso da operação policial e para a proteção de vítimas em potencial. No entanto, essa autonomia deve ser exercida com responsabilidade e em conformidade com os princípios constitucionais, respeitando os direitos
fundamentais dos indivíduos. O controle judicial posterior e a necessidade de justificar a requisição de dados são mecanismos que asseguram a legalidade e a legitimidade das ações policiais.
Em conclusão, a investigação tecnológica, aliada ao poder de requisição da Autoridade Policial, é essencial para enfrentar os desafios dos crimes na era digital. A Lei 12.830/2013 e a ADC 51 representam avanços importantes ao conferir ao Delegado de Polícia a autonomia necessária para agir de forma eficaz, sem descurar dos direitos fundamentais. A modernização das práticas investigativas, respeitando a legalidade e a proteção dos direitos individuais, é crucial para garantir a segurança pública em um mundo cada vez mais tecnológico. A combinação dessas ferramentas legais fornece às autoridades policiais os meios necessários para conduzir investigações eficazes em casos de delitos de informática, enquanto protege os direitos fundamentais dos indivíduos.
4.2.1 Requisições emergenciais e preservações de dados
No contexto atual, onde a tecnologia e o uso de plataformas digitais se tornaram onipresentes, as normas de compliance e o poder requisitório do Delegado de Polícia emergem como instrumentos essenciais na investigação criminal, especialmente em situações de urgência. A capacidade de efetuar requisições emergenciais e preservações de dados é vital para combater crimes complexos como o tráfico de pessoas, onde a rapidez e a eficiência na obtenção de informações podem ser decisivas para salvar vidas.
As normas de compliance estabelecem diretrizes para assegurar que as empresas operem em conformidade com leis, regulamentos e padrões éticos. Essas normas também incluem procedimentos para a resposta a solicitações de informações por parte das autoridades policiais. A Lei 12.830/2013 confere ao Delegado de Polícia o poder de requisitar diretamente dados cadastrais, registros de conexão e outras informações necessárias para a investigação criminal, sem a necessidade de autorização judicial prévia, em casos de urgência. Isso é especialmente importante em investigações que envolvem crimes como o tráfico de pessoas, onde o tempo é um fator crítico.
As grandes empresas de tecnologia, como Google e Meta, possuem políticas específicas para lidar com requisições de dados por parte das autoridades policiais.
A Google utiliza a plataforma Google Law Enforcement Request System (LERS) para processar as solicitações de dados por parte das autoridades. Essa plataforma permite que o Delegado de Polícia faça requisições emergenciais e preservações de dados de maneira eficiente. Em casos de urgência, como situações de risco iminente para a vida, a Google pode responder rapidamente às solicitações, preservando os dados por até 90 dias, período durante o qual as autoridades devem obter uma ordem judicial para a liberação completa dos dados.
A Meta (responsável pelo Facebook, Instagram e WhatsApp) utiliza a plataforma RECORDS para processar solicitações de dados. As políticas dessas empresas permitem a preservação de dados por até 90 dias, semelhante ao prazo da Google, após uma solicitação emergencial. Durante esse período, as autoridades devem obter uma ordem judicial para a obtenção dos dados completos. A plataforma RECORDS é projetada para responder rapidamente a requisições emergenciais, facilitando a preservação e a posterior obtenção dos dados necessários para a investigação.
Em situações de tráfico de pessoas, a capacidade do Delegado de Polícia de efetuar requisições emergenciais e preservações de dados é crucial. Esse tipo de crime frequentemente envolve a movimentação rápida de vítimas e a comunicação através de plataformas digitais. O poder requisitório, conferido pela Lei 12.830/2013 e reforçado pela possibilidade de ação direta conforme a Ação Declaratória de Constitucionalidade 51 (ADC 51), permite uma resposta rápida e eficaz das autoridades policiais.
A exceção ao princípio da reserva de jurisdição, que normalmente exige autorização judicial para a obtenção de dados, se justifica em situações de emergência onde há risco iminente à vida ou à integridade física das vítimas. Nesses casos, a rapidez na obtenção de informações é essencial para prevenir danos irreparáveis. O controle judicial posterior assegura que as ações das autoridades sejam revisadas e justifiquem a necessidade da intervenção imediata, mantendo o equilíbrio entre a eficácia investigativa e a proteção dos direitos fundamentais.
As normas de compliance e o poder requisitório do Delegado de Polícia, especialmente em situações de urgência, são fundamentais para a eficácia das investigações criminais na era digital. As políticas de empresas como Google e Meta, facilitam a resposta rápida a requisições emergenciais, permitindo a preservação e a posterior obtenção de dados críticos.
4.2.2 Recebimento de relatórios de atividades financeiras segundo posição do STF e as atribuições do Laboratório de Lavagem de Dinheiro (LAB- LD)
Na luta contra crimes financeiros, como a lavagem de dinheiro e a ocultação de patrimônio, exige abordagens sofisticadas e uma colaboração estreita entre autoridades policiais e instituições financeiras.
O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou o entendimento de que os Delegados de Polícia podem receber relatórios de atividades financeiras sem a necessidade de autorização judicial, reforçando a eficácia das investigações criminais no combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro. Em julgamento recente, o STF afirmou que tais relatórios, provenientes do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), agora denominado Unidade de Inteligência Financeira (UIF), não violam o sigilo bancário, uma vez que são instrumentos de inteligência destinados a detectar movimentações atípicas e suspeitas que possam indicar a prática de ilícitos. Esse entendimento está alinhado com a necessidade de mecanismos ágeis e eficazes para a prevenção e repressão de crimes financeiros.
No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.055.941, com repercussão geral reconhecida, o STF decidiu que o compartilhamento de dados financeiros pelo COAF com autoridades investigativas, incluindo Delegados de Polícia, sem autorização judicial, é constitucional. O relator do caso, Ministro Dias Toffoli, destacou que esses relatórios não contêm informações detalhadas sobre transações financeiras específicas, mas sim dados agregados que indicam movimentações atípicas. Portanto, o acesso a esses relatórios por autoridades policiais não configura quebra de sigilo bancário e não compromete os direitos fundamentais à privacidade e ao sigilo das comunicações.
A decisão do STF fortalece as ferramentas disponíveis para as autoridades policiais no combate a crimes complexos, permitindo uma resposta mais rápida e eficiente às atividades criminosas. Ao reconhecer a legalidade do recebimento de relatórios de atividades financeiras sem autorização judicial, o tribunal assegura que os Delegados de Polícia possam atuar com maior eficácia na identificação e rastreamento de fluxos financeiros ilícitos, contribuindo para a integridade e a transparência do sistema financeiro nacional.
Nesse sentido, o Laboratório de Tecnologia Contra a Lavagem de Dinheiro – LAB-LD, localizado no 18º andar do Palácio da Polícia Civil de São Paulo, é o “cérebro” financeiro das investigações contra a lavagem de dinheiro no Estado. O laboratório realiza análises detalhadas a partir das requisições feitas pelos delegados, por meio de analistas de inteligência financeira. Essas análises são baseadas em dados obtidos com a quebra de sigilo autorizada pela Justiça, permitindo que os analistas “sigam” o dinheiro para identificar sua origem e eventual procedência ilícita.
Em 2023, até outubro, o LAB-LD identificou R$ 2,9 bilhões com indícios de procedência ilícita, envolvendo principalmente organizações criminosas. As investigações abrangem desde o tráfico de drogas até o estelionato, com a tecnologia desempenhando um papel central na facilitação desses crimes e na sua posterior detecção.
As atribuições do LAB-LD são regulamentadas pela Portaria DGP 26/2023, que detalha suas funções e operações, tais como: receber solicitações de qualquer órgão ou unidade da Administração Pública do Estado de São Paulo; realizar o processamento de dados e a produção de conhecimento de inteligência financeira, apreciando-as e submetendo-as à verificação do Delegado de Polícia Diretor do Departamento, sempre que necessário; executar a produção de conhecimento de inteligência financeira sobre fatos envolvendo, ainda que em potencial, a lavagem de dinheiro, desenvolvendo na plenitude a atividade de inteligência; e assistir o Delegado de Polícia Diretor do Departamento e a Polícia Civil do Estado de São Paulo nos assuntos pertinentes à atividade de inteligência financeira no combate à lavagem de dinheiro.
Os analistas do LAB-LD têm observado uma mudança no perfil dos crimes de lavagem de dinheiro, especialmente após a pandemia de Covid-19, que viu um aumento nos crimes digitais. Em 2022, a lavagem de dinheiro relacionada ao tráfico de drogas representava um terço do valor analisado, enquanto o estelionato correspondia a 26%. Em 2023, os estelionatos passaram a representar 40% dos crimes analisados, uma mudança atribuída à facilidade e ao baixo risco de detecção dessas fraudes.
O principal objetivo do LAB-LD é desarticular financeiramente o crime organizado. Utilizando tecnologias avançadas e o sistema SIMBA (Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias), os analistas conseguem mapear e entender as estruturas financeiras das organizações criminosas, interrompendo suas operações e prevenindo futuros crimes.
A atuação do Delegado de Polícia na requisição de dados sem autorização judicial prévia é uma exceção ao princípio da reserva de jurisdição, justificada em situações de urgência, como no caso de tráfico de pessoas. Nessas situações, a rapidez na obtenção de dados é crucial para a proteção das vítimas e a eficácia da investigação. O controle judicial posterior assegura a legalidade e a legitimidade das ações policiais, garantindo o equilíbrio entre a eficiência investigativa e a proteção dos direitos fundamentais.
O recebimento de relatórios de atividades financeiras e o poder requisitório do Delegado de Polícia são elementos essenciais na luta contra crimes complexos, como a lavagem de dinheiro e o tráfico de pessoas. O LAB-LD da Polícia Civil de São Paulo, com seu conhecimento técnico e especializado, desempenha um papel crucial na identificação e desarticulação das estruturas financeiras do crime organizado. A colaboração com grandes empresas de tecnologia, que possuem políticas de compliance bem estabelecidas, reforça a capacidade das autoridades de agir rapidamente e de forma eficaz, assegurando a justiça e a segurança pública.
4.3 Reserva de jurisdição e os direitos fundamentais: afastamento de sigilo telefônico, telemático e o acesso ao armazenamento em nuvem
A reserva de jurisdição é um princípio fundamental que protege direitos individuais ao exigir que determinadas medidas invasivas, como o afastamento de sigilo telefônico, telemático e o acesso ao armazenamento em nuvem, sejam previamente autorizadas pelo Judiciário. Esta salvaguarda busca equilibrar a necessidade de investigação criminal com a proteção dos direitos fundamentais, evitando abusos e garantindo a legalidade dos procedimentos.
O afastamento do sigilo telefônico, telemático e o acesso à nuvem são medidas investigativas que permitem às autoridades policiais acessar informações protegidas pela privacidade dos indivíduos, quando autorizado judicialmente, com o objetivo de elucidar crimes. O sigilo telefônico refere-se ao acesso às comunicações realizadas por meio de telefonia, incluindo registros de chamadas, dados de localização e o conteúdo das conversas. O sigilo telemático, por sua vez, envolve o acesso a comunicações realizadas através de redes de computadores, como emails, mensagens em aplicativos de comunicação, e outros dados transmitidos pela internet. O acesso à nuvem permite que as autoridades obtenham informações armazenadas em serviços de armazenamento remoto, incluindo documentos, fotos, vídeos e registros de atividades online.
Quando o sigilo é afastado judicialmente, os policiais podem acessar uma variedade de dados que são essenciais para a investigação criminal. No caso do sigilo telefônico, eles podem obter registros detalhados de chamadas, como números discados e recebidos, horários e durações das ligações, além de dados de localização geográfica dos dispositivos. No âmbito telemático, as autoridades podem acessar o conteúdo de e-mails, mensagens de texto, conversas em aplicativos de mensagens instantâneas, históricos de navegação na internet e dados de contas em redes sociais. Com o acesso à nuvem, os investigadores podem acessar arquivos armazenados remotamente, incluindo documentos, fotos, vídeos, e outros tipos de dados digitais que possam estar relacionados à prática de crimes. Esses dados são cruciais para a construção de provas e a identificação de conexões entre suspeitos, vítimas e outros elementos envolvidos no crime.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) tem se firmado na proteção dos dados telemáticos e na exigência de autorização judicial para a quebra de sigilo. O STF, em diversos julgados, reafirma que a interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, bem como o acesso a dados armazenados em nuvem, dependem de autorização judicial, conforme disposto no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal.
A Lei 12.830/2013 concede ao delegado de polícia poder para requisitar dados durante investigações. No entanto, este poder não é ilimitado. A requisição de dados que envolvam sigilo telefônico, telemático ou acesso a informações armazenadas em nuvem requer autorização judicial. A lei visa proporcionar celeridade e eficácia às investigações, mas sempre dentro dos limites legais e constitucionais.
O Código de Processo Penal (CPP), em seu artigo 157, dispõe que são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Isto inclui provas obtidas sem a necessária autorização judicial. A utilização de provas ilegais compromete a legitimidade do processo e pode levar à nulidade de toda a investigação, prejudicando a busca pela verdade real.
Não obstante, os policiais que, durante a investigação, produzem ou utilizam provas ilegais podem ser responsabilizados civil, disciplinar e criminalmente. A Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019) tipifica como crime a produção e utilização de provas ilegais, bem como a divulgação indevida de informações sigilosas, configurando violação dos direitos fundamentais.
A responsabilidade civil do policial decorre do dever de indenizar por danos causados a terceiros em razão de atos ilícitos praticados durante a investigação. Isto inclui tanto os danos materiais quanto os morais. No âmbito disciplinar, o policial pode ser sujeito a sanções administrativas, como advertência, suspensão ou até demissão, conforme a gravidade da infração e o regulamento interno da instituição policial. Já a responsabilidade criminal envolve a prática de atos tipificados como crimes na Lei de Abuso de Autoridade, incluindo a obtenção de provas por meios ilícitos e a divulgação indevida de dados protegidos por sigilo. As penas previstas incluem multa e reclusão, dependendo da conduta e das circunstâncias do ato.
Por tais disposições, conclui-se que a reserva de jurisdição é um princípio fundamental que protege os direitos individuais ao exigir autorização judicial para medidas invasivas como o afastamento de sigilo telefônico, telemático e o acesso ao armazenamento em nuvem. Esta exigência visa equilibrar a necessidade de uma investigação criminal eficiente com a proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos, garantindo a legalidade e legitimidade dos procedimentos investigativos. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reafirma a indispensabilidade dessa autorização judicial, conforme estipulado pela Constituição Federal, assegurando que o acesso a dados sensíveis seja sempre realizado dentro dos limites legais.
4.3 Rastreadores digitais
Os rastreadores digitais são dispositivos ou softwares utilizados para monitorar a localização e os movimentos de indivíduos ou objetos através de redes digitais, como a internet e sistemas de comunicação sem fio. Eles funcionam coletando e enviando dados de localização em tempo real, que podem ser acessados remotamente via plataformas online. A diferença fundamental entre rastreadores digitais e rastreadores convencionais reside na tecnologia utilizada e na abrangência de suas funcionalidades. Enquanto rastreadores convencionais, como os sistemas de GPS tradicionais, são frequentemente limitados ao monitoramento de veículos ou objetos através de sinais de satélite, rastreadores digitais oferecem uma gama mais ampla de capacidades, incluindo a integração com dispositivos móveis, a coleta de dados comportamentais, e a utilização de redes Wi-Fi e celulares para um rastreamento mais preciso e contínuo.
A evolução dos rastreadores digitais reflete a transformação das investigações criminais e o crescente papel da tecnologia na detecção e resolução de crimes. Antigamente, os rastreadores digitais mais comuns eram os cookies e web beacons. Os cookies são pequenos arquivos de texto que os sites enviam para o navegador do usuário, armazenando informações sobre as preferências e histórico de navegação. Esses dados ajudavam a entender os padrões de comportamento online, mas eram limitados em sua capacidade de fornecer uma visão abrangente das atividades dos usuários. Os web beacons, por sua vez, são imagens invisíveis ou pequenos fragmentos de código incorporados em páginas da web ou e-mails, permitindo rastrear se um usuário visualizou determinado conteúdo. Embora úteis, esses métodos tinham uma capacidade restrita e não permitiam um rastreamento detalhado da localização física dos indivíduos.
Com o avanço da tecnologia, surgiram novas ferramentas e técnicas que ampliaram significativamente a capacidade dos rastreadores digitais. Ferramentas como IPLogger, Grabify, GPSTrack e Canarytokens representam um salto tecnológico importante. O IPLogger e Grabify são ferramentas que geram links ou tokens, os quais, quando acessados, registram o endereço IP e outros dados do dispositivo, como a localização geográfica. Esses métodos são particularmente úteis para identificar a localização de um suspeito ou verificar a autenticidade de uma identidade. Já o GPSTrack, por exemplo, permite o rastreamento da localização geográfica com uma precisão muito maior do que as técnicas anteriores, enquanto Canarytokens cria tokens que enviam notificações em tempo real sobre o acesso ao link e informações do dispositivo.
A implementação de rastreadores digitais também tem sido influenciada pela engenharia social, uma técnica que explora a psicologia humana para induzir as pessoas a revelar informações ou realizar ações específicas. No contexto de rastreadores digitais, a engenharia social pode ser usada para induzir vítimas a clicar em links maliciosos ou abrir e-mails que contêm web beacons. Um criminoso pode enviar um link aparentemente inofensivo, mas que, ao ser clicado, captura o endereço IP e outros dados da vítima através do IPLogger ou Grabify.
Surge então a possibilidade contrainteligência, no sentido de, usar as mesmas ferramentas citadas, mas contra o criminoso, por meio da investigação criminal.
Ocorre que, a questão da legalidade das provas obtidas por rastreadores digitais é um tema complexo e debatido na doutrina jurídica. Em alguns casos, a coleta de dados públicos, como informações de redes sociais ou registros de endereço IP acessíveis sem invasão de privacidade, pode ser realizada sem autorização judicial. No entanto, quando a coleta envolve invasão de privacidade ou acesso a informações pessoais sensíveis, a maioria dos juristas defende que é necessária uma autorização judicial. A jurisprudência está em desenvolvimento, com variações dependendo da jurisdição e do contexto do caso. Em alguns países, a obtenção de dados sem autorização judicial é considerada uma violação de direitos constitucionais, enquanto em outros há mais flexibilidade.
O uso de rastreadores digitais na investigação de crimes oferece uma poderosa ferramenta para as autoridades, permitindo uma compreensão mais profunda das atividades dos suspeitos e a coleta de evidências cruciais. No entanto, a implementação dessas ferramentas deve ser conduzida com respeito aos direitos de privacidade e dentro dos limites da lei. A legalidade das provas obtidas por rastreadores digitais depende em grande parte do contexto e da jurisdição, e a obtenção de autorização judicial, quando necessária, assegura que as investigações sejam conduzidas de maneira ética e legal.
Para garantir a eficácia e a admissibilidade das provas, é essencial que os investigadores se mantenham atualizados sobre as mudanças na legislação e nas interpretações judiciais relacionadas ao uso de tecnologias de rastreamento digital.
Desse modo, conclui-se que a aplicação de rastreadores digitais nas investigações criminais é uma inovação que confere às autoridades policiais ferramentas avançadas semelhantes às que os criminosos já utilizam. Essa tecnologia permite um monitoramento detalhado e em tempo real, essencial para a resolução de crimes complexos. No entanto, o uso dessas ferramentas deve ser equilibrado com o respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos, garantindo que a privacidade seja protegida e que as provas obtidas sejam admissíveis em tribunal. É crucial que os policiais obtenham autorização judicial para acessar dados sensíveis, respeitando a legalidade do processo e evitando violações de direitos constitucionais.
O uso não autorizado de tais ferramentas pode resultar em provas inadmissíveis e comprometer toda a investigação. Portanto, é imperativo que os investigadores estejam bem informados sobre as regulamentações legais e procedam com cautela, sempre buscando autorização judicial quando necessário. Assim, a combinação de avanços tecnológicos com um rigoroso respeito às normas legais e aos direitos fundamentais dos investigados garante uma investigação eficiente e justa, contribuindo para a confiança da sociedade no sistema judicial.
CONCLUSÃO
O presente trabalho destacou a importância das inovações e desafios na investigação criminal, com um foco especial no trabalho da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Ao longo dos quatro capítulos, foi possível evidenciar como a instituição tem se esforçado para aprimorar suas práticas investigativas, respeitando os direitos fundamentais e adaptando-se às novas demandas tecnológicas.
No primeiro capítulo, a discussão sobre a devida investigação criminal e os direitos humanos evidenciou o compromisso da Polícia Civil com metodologias que asseguram a integridade das investigações e a proteção dos direitos dos indivíduos. O estudo detalhou como a Polícia Civil enfrenta desafios significativos relacionados à inviolabilidade digital, destacando a importância do princípio do Delegado natural investigante. Este princípio é fundamental para garantir que as investigações sejam conduzidas de maneira ética, legal e imparcial, mantendo o equilíbrio entre a eficácia investigativa e os direitos fundamentais dos cidadãos.
O segundo capítulo abordou a questão das provas digitais, um campo essencial para a resolução de crimes na era digital. A análise da documentação, custódia, apresentação e descarte dessas provas revelou o rigoroso trabalho da Polícia Civil em assegurar a integridade e a legalidade das evidências digitais. A comparação entre o Brasil e o Chile e a discussão sobre o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados demonstraram o esforço da Polícia Civil para seguir as normas internacionais e garantir que as provas sejam obtidas e tratadas de acordo com os padrões legais e éticos.
No terceiro capítulo, as tecnologias aplicadas à atividade de Polícia Judiciária foram exploradas, mostrando como a instituição tem se beneficiado de inovações como o Inquérito Policial Eletrônico, videoconferências e reconhecimento facial. Essas ferramentas têm permitido à Polícia Civil melhorar a eficiência e a duração razoável das investigações, ao mesmo tempo em que asseguram a proteção dos direitos dos envolvidos. A utilização de tecnologias avançadas reflete o empenho da Polícia Civil em se adaptar às novas realidades digitais, proporcionando um atendimento de qualidade e respeitando as normas de privacidade e proteção.
O quarto capítulo examinou o poder requisitório da autoridade policial na elucidação de crimes digitais, com um enfoque nas práticas de investigação e o uso de rastreadores digitais. A análise evidenciou o zelo da Polícia Civil em realizar requisições emergenciais e preservar dados de maneira que respeite os direitos dos cidadãos. O estudo da jurisprudência, reforçou a necessidade de autorização judicial para o uso de tecnologias de rastreamento, refletindo a posição da Polícia Civil em garantir que suas práticas estejam alinhadas com as diretrizes legais e a proteção dos direitos fundamentais.
A pesquisa demonstrou que a Polícia Civil do Estado de São Paulo tem se destacado por seu compromisso com a investigação eficiente e ética, respeitando os direitos fundamentais dos indivíduos. A integração de tecnologias modernas nas investigações criminais e a adoção de práticas que equilibram a eficácia e a legalidade refletem o esforço contínuo da instituição para aprimorar suas atividades e garantir que suas ações estejam em conformidade com as normas constitucionais. Conclui-se, portanto, que é imprescindível aprimorar continuamente os trabalhos da Polícia Civil para enfrentar os desafios da era digital. Propõe-se o fortalecimento da tecnologia na investigação, especialmente nos sistemas operacionais e nas ferramentas diárias dos policiais civis, garantindo que as investigações não apenas acompanhem as exigências da modernidade, mas também respeitem os princípios fundamentais da justiça e da dignidade humana.
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