DESAFIOS DA PRECEPTORIA DE ENFERMAGEM EM UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DA REDE EBSERH: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

CHALLENGES OF NURSING PRECEPTORY IN A UNIVERSITY HOSPITAL IN THE EBSERH NETWORK: AN EXPERIENCE REPORT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10976386


Suelen Pacheco Chaves1; Thays Luanny Santos Machado Barbosa2; Andréia Cristina da Silva Ribeiro3; Allana Karen Santos Serra4; Jocilene da Cruz Silva5; Renata Sousa Campos6; Jordana Maria Freitas Alves7; Luana Márcia Rocha Silva8; Luciany Barbosa da Silva Fernandes9; Helen Rosy Gomes Ribeiro10


Resumo

A formação qualificada dos profissionais de saúde é a chave para alcançar a melhoria da saúde pública e o progresso econômico e social de um país. Grande parte dessa força de trabalho é composta pela categoria de enfermagem. Com o propósito de garantir uma transição positiva entre teoria e prática e uma assistência de enfermagem segura, o Ministério da Saúde apelou à implementação de Programas de Residência como a Residência Multiprofissional em Saúde. Utilizando uma abordagem qualitativa do tipo relato de experiência, este estudo descreve a prática da preceptoria em um Hospital Universitário Federal, enfatizando os desafios encontrados entre a rotina clínica e o papel educativo. Os resultados revelam a sobrecarga de trabalho enfrentada pelos preceptores, a escassez de tempo para orientação adequada e a falta de incentivo financeiro. Além disso, são discutidos obstáculos na avaliação de desempenho dos residentes e na transmissão de conhecimento em ambientes muitas vezes inadequados. Conclui-se que abordar esses desafios de forma holística é essencial para promover uma preceptoria eficaz e, consequentemente, uma formação mais alinhada com as demandas da prática profissional, contribuindo para a melhoria dos serviços de saúde e o fortalecimento do sistema de saúde como um todo.

Palavras-chave: Ensino em saúde. Preceptoria. Hospital. Residência em Enfermagem.

1. INTRODUÇÃO

Os serviços de saúde têm como alicerce vital os recursos humanos da saúde. Investir na formação qualificada destes profissionais é a chave para alcançar assistência qualificada aos usuários, bem como melhoria da saúde pública e o progresso econômico e social. Uma das categorias que representam parte dessa força de trabalho é a categoria de enfermagem.

Anualmente, milhares de enfermeiros são lançados ao mercado de trabalho com pouca ou nenhuma experiência, e vivenciam uma realidade bem diferente da encontrada como acadêmico. A fim de garantir uma transição positiva entre teoria e prática e uma assistência de enfermagem segura, o Ministério da Saúde apelou à implementação de Programas de Residência, para proporcionar oportunidades contínuas de desenvolver conhecimentos importantes ao cuidado ao paciente e adquirir mais experiência prática.

Um exemplo é a Residência Multiprofissional em Saúde, uma modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu, estabelecido pelo Ministério da Saúde em 2002, que envolve diferentes profissões em um ambiente de aprendizado conjunto (MAIA et al., 2020). Para facilitar a execução desses programas, a figura dos enfermeiros preceptores se consolida como papel essencial no acompanhamento aos novos enfermeiros graduados na transição tranquila e segura para a prática profissional.

A experiência na preceptoria aponta inúmeros desafios em sua prática cotidiana dando origem a algumas limitações na transmissão desses conhecimentos. É necessário entender que a preceptoria é prática educativa que se configura numa atividade que demanda planejamento, competência, criatividade e sensibilidade (SKARE, 2012).

Compreender as dificuldades encontradas pelos enfermeiros em sua vivência enquanto preceptores é decisivo para uma formação exitosa dos residentes para o SUS. Nesse sentido, este estudo tem como objetivo expor a percepção dos enfermeiros enquanto preceptores, no contexto da Residência Multiprofissional em Saúde, enfatizando os desafios encontrados durante sua atuação nessa modalidade de ensino.

2. METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa, caracterizado como relato de experiência. Ele aborda a prática da preceptoria conduzida por enfermeiros em um Hospital Universitário Federal vinculado à rede EBSERH, no contexto do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde na cidade de São Luís – MA.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os hospitais universitários, também conhecidos como hospitais-escola, são instituições que auxiliam na formação de recursos humanos dos serviços de saúde através do binômio ensino-serviço. Os programas de Residência são extremamente importantes uma vez que fornecem aos profissionais de saúde, incluindo os enfermeiros, o apoio de que necessitam para desenvolverem a confiança e as competências de raciocínio clínico necessárias para a prestação de cuidados seguros ao paciente.

O gerenciamento de plantões, o dimensionamento de pessoal, os sistemas de classificação de pacientes e as escalas de avaliação de riscos assistenciais são alguns dos temas que os residentes de enfermagem têm a oportunidade de aprimorar. Além disso, eles também se envolvem na Sistematização da Assistência de Enfermagem e na aplicação de técnicas e procedimentos específicos do enfermeiro.

A oportunidade de vivenciar na prática os conceitos previamente estudados de forma teórica é verdadeiramente enriquecedora para esses profissionais em formação. Nota-se que a presença do enfermeiro preceptor para esclarecer dúvidas e oferecer orientação direta é um benefício adicional, que contribui para integrar de maneira efetiva a teoria aprendida em sala de aula com a realidade profissional. 

A expectativa de acompanhar residentes proativos e cheios de entusiasmo muitas vezes é frustrada. Essa circunstância parece ter sua origem na carga horária de 60 horas semanais, considerada por alguns, excessiva ou nas frustrações trazidas por eles de outras unidades do hospital durante os períodos de rodízio entre setores.

A vivência de desempenhar o papel de preceptor em hospitais universitários se revela como um desafio intrigante. Isso ocorre devido à dualidade presente nesse contexto, em que, por um lado, existe uma rotina frenética de atendimentos e administração de cuidados que demandam agilidade. E por outro lado, é necessário transmitir conhecimentos técnico-científicos aos profissionais residentes, os quais, frequentemente, possuem escassa ou nenhuma experiência profissional.

O enfermeiro que desenvolve atividades de preceptoria mergulha na realidade local e vai construindo no dia a dia habilidades que não se encontram em livros acadêmicos e tampouco nos protocolos das instituições de saúde. Segundo Azevedo et al. (2024), exercer o papel de formador dentro desse contexto exige aperfeiçoar aptidões que extrapolam a prática assistencial propriamente dita. 

Cada preceptor encara a responsabilidade pela formação dos residentes de forma única, vivenciando não apenas conquistas e avanços, mas também desafios e sofrimentos. O entendimento do ser enfermeiro preceptor é construído quando se passa a conviver com o residente, muitas vezes, inexistindo qualquer tipo de formação específica para atuar nessa função. Vários profissionais desenvolvem essa atividade sem ter noção do que seja preceptoria. Segundo BOTTI (2012), o preceptor precisa dominar não apenas a prática clínica como também os aspectos pedagógicos relacionados a ela.

Um dos principais desafios observados é que os enfermeiros preceptores já desempenham inúmeras funções clínicas e administrativas e ao assumirem a responsabilidade adicional de preceptoria, acabam enfrentando sobrecarga de trabalho. Atrelado a isso, tem-se a escassez de tempo para orientar, ensinar e acompanhar adequadamente os residentes. Essa limitação temporal, por vezes, impacta negativamente a experiência de aprendizado desses profissionais (AUTONOMO et al., 2015).

A ausência de incentivo financeiro também é um fator dificultador. E ainda que houvesse tal incentivo, faz-se necessário o desejo e a identificação com a atividade educativa para que a condução do ensino em serviço ocorra de forma apropriada (RODRIGUES & WITT, 2013). 

Outrossim, a disponibilidade de recursos apropriados, como material didático, equipamentos e um espaço dedicado especificamente para a preceptoria também é uma dificuldade encontrada (BRASIL, 2006). Frequentemente, a transmissão do conhecimento ocorre em áreas de alta atividade, como postos de enfermagem, corredores e enfermarias, onde a presença de ruídos e fluxo intenso de pessoas pode comprometer a eficácia do processo educacional dos residentes.

A avaliação de desempenho dos residentes e o fornecimento de feedback construtivo são partes essenciais da preceptoria. No entanto, enfrentam-se impasses ao realizar avaliações justas e oferecer feedback após treinamento em serviço, como: medo de causar desconforto ou desmotivação nos residentes, equilíbrio entre honestidade e delicadeza no feedback, receio de confronto e interpretação de críticas de maneira subjetiva, atribuindo-as à esfera pessoal.

As avaliações dos residentes são realizadas trimestralmente e podem representar o desligamento destes no caso de não atender às pontuações mínimas necessárias. Essa pressão por resultados positivos, em alguns casos, leva os preceptores a serem mais lenientes em suas avaliações ou a oferecerem feedbacks menos críticos do que seria necessário para um desenvolvimento realista.

Evidenciou-se ao término que esses problemas requerem uma abordagem holística, que inclua investimentos em capacitação, apoio institucional, e a promoção de ambientes propícios à preceptoria eficaz em Residências Multiprofissionais em Saúde.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aprendizado técnico-científico em diferentes contextos está associado à orientação de um profissional preceptor, que está inserido na unidade de saúde e estará voltado para o processo ensino-aprendizagem do residente, qualificando a formação em saúde (ALBUQUERQUE, 2008).

A compreensão dos desafios enfrentados pelo preceptor possibilita identificar áreas de dificuldade e promover uma formação mais alinhada com as demandas da prática profissional, valorizando a preceptoria e melhorando a qualidade do ensino (PACZEK & ALEXANDRE, 2019).

Essa visão contribui para a melhoria dos serviços de saúde e o fortalecimento do sistema de saúde como um todo. É necessário o desenvolvimento de programas de formação contínua e a implementação de estratégias para fortalecer as habilidades do preceptor de enfermagem nas residências multiprofissionais em saúde, alcançando assim a integração, a colaboração e a visão ampliada do cuidado ao paciente. 

Apesar dos desafios enfrentados, foi possível proporcionar crescimento pessoal e profissional aos residentes, através de insights valiosos e aprendizado mútuo, bem como promover um ambiente de aprendizado mais eficiente e alinhado às expectativas e necessidades dos residentes.

REFERÊNCIAS

  1. ALBUQUERQUE, Verônica. A integração ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da saúde. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 32, n.3, p.356-362, 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0100- 55022008000300010. Acesso em: 20 de fevereiro de 2024.
  2. AUTONOMO, Francine, et al. A Preceptoria na formação médica e multiprofissional com ênfase na atenção primária: análise das publicações brasileiras. Revista Brasileira de Educação Médica. 2015;39(2):316-27. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-52712015v39n2e02602014. Acesso em: 05 de janeiro de 2024.
  3. AZEVEDO, Gabriela, et al. Preceptoria e formação na residência de Enfermagem em Saúde da Família. Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.2, p. 01-20, 2024. Disponível em: https://ojs.revistacontribuciones.com/ojs/index.php/clcs/article/download/5157/3350/15190. Acesso em: 17 de fevereiro de 2024.
  4. BOTTI, Sérgio. Desenvolvendo as competências profissionais dos residentes. Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, Rio de Janeiro, v.11, suppl.1, p.102-6, 2012. Disponível em: http://revista. hupe.uerj.br/detalhe_artigo.asp?id=317. Acesso em: 12 de fevereiro de 2024.
  5. BRASIL. Residência multiprofissional em saúde: experiências, avanços e desafios. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.
  6. MAIA, Jessica, et al. Residência multiprofissional: contribuições durante a pandemia. Cadernos ESP, Fortaleza-CE, Brasil, v. 14, n. 1, p. 128–132, 2020. Disponível em: https://cadernos.esp.ce.gov.br/index.php/cadernos/article/view/365 . Acesso em: 10 de fevereiro de 2024.
  7. PACZEK, Rosaura; ALEXANDRE, Elaine. Preceptoria em enfermagem em um serviço público de saúde. Revista de Enfermagem UFPE.2019;13:e242697. Disponível em: https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.242697. Acesso em: 12 de janeiro de 2024.
  8. RODRIGUES, Carla; WITT, Regina. Competencies para preceptorship in the Brazilian Healthcare System. Journal of continuing education in nursing. 2013 Nov;44(11):507-15. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24024502/. Acesso em: 30 de janeiro de 2024.
  9. SKARE, Thelma. Metodologia do ensino na preceptoria da residência médica. Revista do Médico Residente, Curitiba, v. 4, n. 2, p.116-20, 2012. Disponível em: http://www.crmpr.org.br/publicacoes/cientificas/index.php/revista-do-medicoresidente/article/download/251/241. Acesso em: 7 de março de 2024.

1Enfermeira. Especialista em Clínicas Médica e Cirúrgica. E-mail: suelen.pacheco@ebserh.gov.br
2Enfermeira. Pós-graduada em Saúde do Adulto. E-mail: thays.barbosa@ebserh.gov.br
3Enfermeira. Mestre em Enfermagem. E-mail: andreia.cristina@ebserh.gov.br
4Enfermeira. Especialista em Urgência e Emergência. E-mail: allana.serra@ebserh.gov.br
5Enfermeira. Pós-graduada em Saúde Coletiva. E-mail: jocilene.silva@ebserh.gov.br
6Enfermeira. Pós-graduada em Saúde Materno Infantil. E-mail: renata.campos@ebserh.gov.br
7Enfermeira. Mestre em Enfermagem. E-mail: jordana.alves@ebserh.gov.br
8Enfermeira. Pós-graduada em Epidemiologia. E-mail: luana.silva.5@ebserh.gov.br
9Enfermeira. Pós-graduada em Saúde da Família. E-mail: luciany.fernandes@ebserh.gov.br
10Enfermeira. Especialista em Enfermagem do Trabalho. E-mail: helen.ribeiro@ebserh.gov.br