DESAFIOS ANTRÓPICOS NA CONSERVAÇÃO DAS TARTARUGAS MARINHAS EM ÁREA URBANA – RELATO DE CASO – ENSEADINHA, PERNAMBUCO

ANTHROPIC CHALLENGES IN THE CONSERVATION OF SEA TURTLES IN URBAN AREA – CASE REPORT – ENSEADINHA, PERNAMBUCO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10501433


Bruna Roberta Santos Maldonado1


Resumo

Enseadinha é uma das seis praias que fazem parte dos 14 km de orla do Município do Paulista, Pernambuco. É considerada berço natural para as tartarugas marinhas, devido a grande quantidade de desovas e nascimentos que ocorrem todos os anos nesse local. Contudo, vários fatores antrópicos foram observados na Praia de Enseadinha que ameaçam diretamente a conservação das tartarugas marinhas em Paulista. Como fotopoluição, descarte inadequado de resíduos sólidos nas áreas de desovas, poluição sonora, trânsito de veículos, carroças e cavalos na faixa de areia, presença de animais domésticos próximo aos ninhos e a instalação de bares e barracas e a circulação intensiva de pessoas. As ameaças antrópicas foram constatadas pela própria autora in loco e através de relatos de moradores e frequentadores da Praia. Esse trabalho tem como objeto mostrar os desafios antrópicos observados pela autora durante os monitoramentos de ninhos e nascimentos de tartarugas marinhas realizados por ela, na Praia de Enseadinha, Município do Paulista, litoral norte do Estado de Pernambuco. Com intuito de contribuir com outros pesquisadores que vivenciam situações semelhantes em áreas urbanas e subsidiar a implementação de políticas públicas ambientais que garantam a conservação das tartarugas marinhas em Enseadinha e nas demais praias do município.

Palavras-chave: Tartarugas marinhas. Conservação. Ameaças antrópicas. Monitoramento reprodutivo.  

1. INTRODUÇÃO

Enseadinha é uma das seis praias que compõem os 14Km de orla do Município do Paulista. Considerada por moradores e frequentadores da praia como berço natural das tartarugas marinhas, devido a quantidade de desovas que ocorrem todos os anos. O que a torna uma das áreas mais importantes para a preservação desses animais em Paulista. Contudo, os impactos antrópicos que ocorrem, ao longo, dos seus poucos mais de 700 metros de extensão colocam em risco o desenvolvimento e a sobrevivência das tartarugas marinhas que desovam e nascem em Enseadinha. Os problemas oriundos do processo de urbanização e crescimento imobiliário desordenado, como iluminação artificial (fotopoluição), circulação de veículos na faixa de areia, construções irregulares, descarte inadequado de resíduos sólidos, como também, o uso constante de rede de pesca de espera e de arrasto provocam graves impactos na vida das tartarugas marinhas. Esses problemas para serem resolvidos ou minimizados, exigem do poder público uma gestão eficiente que implantem políticas públicas que garantam, efetivamente, a preservação das tartarugas em Paulista. Como também, a vontade política de investir recursos que permitam realizar as atividades de monitoramento desses animais nos 14 km de praia, de forma sistemática e organizada. Este trabalho tem como objetivo mostrar os desafios antrópicos observados, pela pesquisadora Bruna Maldonado, durante os monitoramentos reprodutivos das temporadas 2021-2022 e 2022-2023, na Praia de Enseadinha, Município do Paulista, Pernambuco, realizados por ela. E que ameaçam a conservação das tartarugas marinhas em uma praia urbanizada, como Enseadinha. E dessa forma, poder contribuir, no ponto de vista profissional, com outros pesquisadores que trabalham com o manejo e conservação de tartarugas marinhas em praias urbanas e que, por ventura, vivenciam ou vivenciaram situações semelhantes às que serão mostradas aqui e, no ponto de vista de gestão pública, subsidiar a elaboração de políticas públicas ambientais que atendam de maneira mais eficiente, o trabalho de monitoramento e a preservação das tartarugas marinhas em Paulista.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 

2.1 Área de Estudo – Praia de Enseadinha, Pernambuco

O Município do Paulista está localizado no Litoral Norte do Estado de Pernambuco, fazendo parte da Região Metropolitana do Recife. De acordo com o Censo 2022 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a população total do Paulista é de 342.167 mil pessoas e inseridas em uma área territorial é de 96,932 Km2. Ao todo, são seis praias que dividem os 14 km de faixa litorânea do Município: Enseadinha, Janga, Pau Amarelo, Nossa Senhora do Ó, Conceição e Maria Farinha, respectivamente. Com cerca de 700 metros de extensão, a Praia de Enseadinha é a menor de todas as praias do Paulista (Google, 2023). É a primeira praia, fazendo divisa, ao sul, com o município de Olinda. Pela Lei Estadual no 9931/86, Enseadinha está inserida na Área de Proteção Ambiental do Rio Paratibe, mas sem plano de manejo definido (Pernambuco, 1986, art. 2º, p. 1). 

2.2 Tartarugas Marinhas em Paulista

O litoral brasileiro se destaca como importante área para a conservação de tartarugas marinhas, pois, além de ser utilizado para eventos reprodutivos, o mesmo oferece áreas para alimentação, descanso e desenvolvimento desses animais. (ICMBio, 2017, p. 22).

As tartarugas marinhas pertencem a classe Reptilia (dos répteis) e da ordem Testudines, divididas em duas famílias, a Cheloniidae e a Dermochelyidae (ICMBio, 2023, p. 7).  Possuem respiração pulmonar com grande capacidade de permanecerem embaixo da água, por longo período de tempo, sem respirar. O período de postura varia de acordo com a região e a espécie. No Brasil a temporada de desovas, de forma geral, vai de setembro a abril nas praias do continente e de dezembro a junho nas ilhas oceânicas. Uma mesma fêmea pode fazer mais de uma desova em uma mesma temporada (ICMBio, 2011, p. 23). 

No mundo, existem sete espécies de tartarugas marinhas (ICMBio, 2023, p. 4). Cinco dessas espécies ocorrem no Brasil: tartaruga cabeçuda (Caretta caretta), Tartaruga de Pente (Eretmochelys imbricata), tartaruga verde (Chelonia mydas), tartaruga oliva (Lepidochelys olivácea) e tartaruga de couro (Dermochelys coriácea) (ICMBio, 2023, p. 5). Em Pernambuco, ocorrem desovas de quatro espécies, das cinco encontradas no Brasil. A única que não desova no Estado é a tartaruga de couro, cuja área de reprodução ocorre no Estado do Espírito Santo. Em Paulista, já foram registrados desovas e nascimentos das tartarugas de pente, verde, oliva e cabeçuda (Paulista, 2023). Com predominância da tartaruga de pente, seguida da tartaruga verde (Paulista, 2022). As posturas ocorrem, na sua grande maioria, nas praias de Enseadinha e Maria Farinha (Paulista, 2022). A Praia de Enseadinha é considerada pelos moradores como berço natural para desovas e nascimentos das tartarugas marinhas por abrigar uma grande quantidade de posturas todos os anos. Na temporada reprodutiva 2021-2022, o Projeto de Monitoramento e Conservação das Tartarugas Marinhas em Paulista, executado por servidores da Prefeitura do Paulista, constatou um total de 38 ninhos que foram identificados e monitorados nas praias do Município. Desses 38 ninhos, 23 foram encontrados na Praia de Enseadinha, 12 em Maria Farinha e 3 na Praia da Conceição. Em março de 2023, o Projeto já havia identificado 17 ninhos nas praias do município, sendo 11 em Enseadinha (Paulista, 2023). Dos 38 ninhos identificados e monitorados na temporada 2021-2022 em Paulista, nasceram um total de 3250 filhotes. Sendo 2670 filhotes de tartaruga de pente, num total de 31 ninhos identificados no litoral do município, 415 filhotes de tartaruga verde, em 5 ninhos e 165 de tartaruga oliva, em 2 ninhos identificados (Paulista, 2022). Foram registrados também um total de 18 tartarugas encalhadas, sendo 16 encontradas mortas e 2 resgatas vivas e levadas ao Centro de Tratamento e Reabilitação de Animais Silvestres – CETRA Tangará da Agência Estadual de Meio Ambiente – CPRH, vindo a óbito depois de alguns dias. As temporadas reprodutivas 2021-2022 e 2022-2023, em Paulista, iniciaram em dezembro com a primeira desova, em ambas temporadas.

O Projeto de Monitoramento e Conservação das Tartarugas Marinhas em Paulista surgiu em 2021 a partir do Programa Praia Viva de Conservação das Tartarugas Marinhas, desenvolvido e executado desde 2014 pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Paulista. Diante da necessidade de obter autorização SISBIO – Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade, do Centro Tamar – ICMBio, para realizar o monitoramento e manejo das tartarugas marinhas em Paulista de forma legal e seguindo as normas e protocolos existentes para estas atividades, a Analista Ambiental da Secretaria Executiva de Meio Ambiente, Bruna Maldonado, autora deste trabalho, criou o Projeto de Monitoramento e Conservação das Tartarugas Marinhas em Paulista/PE, com a colaboração de outros servidores da Secretaria, submetendo-o à plataforma SISBIO para avaliação e obtenção da Licença. Em maio de 2021, o Projeto obteve a autorização no 78452-1, começando as suas atividades em agosto do mesmo ano. A autorização tem validade de cinco anos. Bruna Maldonado, que é uma das pesquisadoras do Projeto de Monitoramento e Conservação das Tartarugas Marinhas em Paulista/PE, atua no município trabalhando em prol da conservação das tartarugas marinhas desde 2014, quando entrou na Secretaria de Meio Ambiente, ajudando no desenvolvimento e execução do Programa Praia Viva de Conservação das Tartarugas Marinhas, entre outros projetos.

2.3 Ameaças antrópicas à conservação das tartarugas marinhas

A Fundação Pró – TAMAR, no seu site destaca a destruição dos habitats pelo crescimento imobiliário desordenado do litoral, a fotopoluição, predação por animais domésticos e a circulação de veículos nas faixas de areias como ações antrópicas que dificultam os processos reprodutivos e nascimento dos filhotes de tartarugas. Como também, a poluição no ecossistema marinho, a captura incidental de tartarugas durante a pesca e as mudanças climáticas, que colocam em risco de extinção a biodiversidade marinha.

“As ameaças das atividades humanas impactam todos os estágios do ciclo de vida das tartarugas, desde a perda de áreas de desova e dos habitats de alimentação até a mortalidade na costa e em alto mar” pela prática intensa da pesca artesanal e industrial (ICMBio, 2011, p. 50). 

O Plano de ação nacional para a conservação das Tartarugas Marinhas – PAN (ICMBio, 2011) e o Guia de licenciamento tartarugas marinhas: diretrizes para avaliação e mitigação de impactos de empreendimentos costeiros e marinhos (ICMBio, 2017) trazem informações importantes sobre o monitoramento, manejo e conservação das tartarugas marinhas no Brasil, destacando várias ameaças antrópicas encontradas nas praias brasileiras, que colocam em risco a preservação desses animais, com respectivas, ações para mitigar esses impactos. O PAN aborda 11 ameaças às tartarugas marinhas e o Guia de Licenciamento mostra 14 “atividades geradoras de impactos”, apresentando medidas mitigadoras para todas elas. Todas as ameaças antrópicas encontradas na Praia de Enseadinha, são abordadas em ambos documentos.

Mundialmente, as sete espécies de tartarugas marinhas estão incluídas nas listas de animais ameaçados de extinção, atualmente. No Brasil, apenas a espécie Chelonia mydas encontra-se classificada como “quase ameaçada” e as outras permanecem ameaçadas de extinção (ICMBio, 2023, p. 5).

3. METODOLOGIA 

Os desafios e impactos antrópicos apresentados neste trabalho, a maioria foram observados, vivenciados e percebidos pela autora, in loco, durante os monitoramentos das desovas e identificação dos ninhos das tartarugas marinhas, desde as posturas até as caminhadas dos filhotes ao mar, realizados por ela. Os monitoramentos aconteceram nos períodos reprodutivos das temporadas 2021-2022 e 2022-2023, na Praia de Enseadinha, município do Paulista, estado de Pernambuco. O monitoramento reprodutivo faz parte do cronograma estabelecido no Projeto de Monitoramento e Conservação das Tartarugas Marinhas em Paulista/PE, com autorização do SISBIO do Centro Tamar/ICMBio para a realização destas atividades nas praias do município. A autora faz parte da equipe de pesquisadores do Projeto.

Alguns impactos antrópicos foram relatados por moradores da área e outros obtidos através de denúncias feitas ao Ministério Público de Pernambuco e à Ouvidoria da Prefeitura. As denúncias ocorreram de forma anônima, por meio de mensagens de WhatsApp ou ligação ou à própria autora, em conversas durante os monitoramentos.

Os monitoramentos ocorreram durante o dia, por volta das 6h30 até às 9h. E à noite, quando moradores ligavam para avisar sobre a desova que estava ocorrendo naquele momento. A metodologia do monitoramento obedeceu aos protocolos estabelecidos pelo Centro Tamar/ICMBio, atualizados em 2023, e pelo Projeto de Monitoramento e Conservação das Tartarugas Marinhas em Paulista/PE (2011).

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 Ameaças antrópicas encontradas em Enseadinha

Durante os monitoramentos realizados pela autora nas temporadas reprodutivas 2021-2022 e 2022-2023 puderam ser percebidos e vivenciados vários impactos de natureza antrópica na área de desova e nascimentos das tartarugas marinhas na Praia de Enseadinha, Paulista. Alguns desses impactos foram denunciados pelos moradores ao Ministério Público e à Ouvidoria da Prefeitura. Durante os monitoramentos, moradores relataram diretamente à autora alguns problemas vivenciados e vistos por eles na Praia de Enseadinha, como atividade pesqueira com rede de arrasto durante a noite e a colocação de rede de pesca de espera.

Vale salientar, que todos os relatos dos moradores, foram registrados de forma anônima, para preservar a identidade dos mesmos, e encaminhados ao Secretário Executivo de Meio Ambiente da época para tomar as devidas providências. As denúncias provenientes do Ministério Público e Ouvidoria da Prefeitura, foram checadas através de vistorias aos locais, com elaboração de Relatório de Constatação que foram encaminhados ao Secretário e Órgãos Responsáveis.

Durante os monitoramentos realizados nas duas temporadas reprodutivas, vários impactos antrópicos foram observados e constatados na Praia de Enseadinha: fotopoluição, construções irregulares, circulação de veículos, carroças e cavalos na faixa de areia, poluição sonora, presença de animais domésticos, atividades pesqueiras com redes de arrasto e espera, bares e barracas na praia nos finais de semana, faixa de areia estreita, circulação intensiva de pessoas na areia da praia, principalmente, no início da manhã e nos finais de semana, resíduos sólidos na praia, no mar e nas áreas de restinga. Desses impactos, o único não presenciado pela autora foi a poluição sonora, que foi relatada por moradores. Os demais, todos foram constatados in loco durante os monitoramentos. 

Com relação ao trânsito de veículos na praia, importante ressaltar que, na ocasião, a autora elaborou um relatório de constatação falando sobre os ocorridos, sugerindo que as vias de acesso à faixa de areia fossem fechadas e que placas informativas fossem instaladas, orientando sobre a proibição da circulação de veículos, carroças e cavalos e que a praia é área de desova de tartarugas marinhas. O relatório foi entregue ao Secretário Executivo da época, que solicitou ao Secretário da Pasta que tomasse as devidas providências. A circulação de carroças e cavalos também foram relatadas pelos moradores. Que chegaram a presenciar um cavalo que passou correndo por cima de um ninho, compactando-o, o que foi constatado na abertura do ninho, cuja maioria dos ovos não havia se desenvolvido, principalmente, os ovos que estavam mais próximos à superfície. Foi percebido o nascimento de filhotes que estavam mais no fundo do ninho e que tiveram dificuldade para subirem até a superfície por causa dos ovos não desenvolvidos. Foi observado também, deformidade no casco de um filhote que, provavelmente, foi provocado pelo impacto da pisada do cavalo. O ICMBio (2011) relata que o trânsito de veículos em área de praia, além do risco de atropelamento de fêmeas e filhotes, pode compactar os ninhos em incubação, dificultando o nascimento dos filhotes e a subida dos mesmos até a superfície. E destaca que as marcas de pneus dificultam a caminhada dos filhotes ao mar, exigindo das tartaruguinhas um esforço ainda maior, aumentando a vulnerabilidade à predação de aves e crustáceos.

A circulação intensiva de pessoas foi observada, principalmente, logo no início da manhã, quando as pessoas estavam fazendo exercícios na areia e caminhadas na praia. A circulação de pessoas na areia contribui para o apagamento dos possíveis rastros das tartarugas que foram desovar durante a noite ou madrugada e dos filhotes que nasceram espontaneamente, dificultando a identificação dos ninhos.

A poluição sonora foi presenciada pelos moradores nos finais de semana, provocada, principalmente, pela circulação intensiva de pessoas, a presença de bares com som e o trânsito de veículos na faixa de areia. Os ruídos em áreas de desovas podem interferir no comportamento reprodutivo das tartarugas marinhas (ICMBio, 2011, p. 51).

Animais domésticos também circulavam livremente na faixa de areia e próximo aos ninhos, principalmente, os cachorros. Estes podem danificar os ninhos ou inibir que as tartarugas marinhas desovem naquela praia, fazendo com que retornem ao mar por medo dos animais. Nas praias urbanas, como em Enseadinha, é bastante comum a presença de animais domésticos soltos ou acompanhados pelos donos. Mas é importante destacar que os animais domésticos não fazem parte da cadeia alimentar das tartarugas marinhas. E que pode haver punições aos seus respectivos donos, se um animal desses danificar algum ninho ou atacar uma tartaruga durante a desova ou comer algum filhote durante a sua caminhada ao mar.

A redução da faixa de areia ocasionada pelas construções irregulares que avançaram para a praia e o crescimento desordenado do litoral, provocam erosão costeira, afetando diretamente as áreas de desovas das tartarugas marinhas. Em Enseadinha, existem casas que foram construídas na faixa de areia, em áreas que já ocorreram desovas de tartarugas em outros anos. Uma dessas construções, inclusive, foi alvo de denúncia ao Ministério Público, que questionou a Prefeitura sobre a existência dessa construção. Recentemente, um edifício foi construído na praia, o que vai impactar na conservação das tartarugas, provocando fotopoluição.

Os resíduos sólidos encontrados nos mares e oceanos, principalmente, os plásticos, tornou-se um dos problemas ambientais mais graves no mundo todo. É complexo e difícil de ser resolvido. Milhares de animais marinhos morrem em função dos plásticos que chegam até aos oceanos. A Praia de Enseadinha, assim como outras de Pernambuco e de outros estados, recebe, diariamente, uma grande quantidade de lixo em suas areias. E na sua grande maioria, esses resíduos são oriundos de outros locais, outros municípios. Que chegam em Enseadinha através das correntes marítimas. Mesmo com a limpeza pública diária nessa área, a quantidade de resíduos é grande. Nos finais de semana essa quantidade aumenta ainda mais devido ao funcionamento de bares e barracas e de pessoas que consomem os produtos e acabam descartando de forma inadequada nas areias da praia e na restinga. Muitos resíduos chegam do continente ao mar através do Rio Paratibe. O lixo que é descartado no Rio pela população, chega ao mar e se deposita nas praias mais próximas, como Enseadinha, em Paulista, e Rio Doce, em Olinda. Esses resíduos também são transportados para outras praias por meio das correntes marítimas e dos ventos. Alcançando lugares até outros Estados e Países. É difícil prever onde os resíduos do Paulista vão chegar! O que se sabe é que esses resíduos causam impactos drásticos no ecossistema marinho e costeiro. Causando sérias degradações, poluindo mares, rios e oceanos, matando inúmeros animais, como as tartarugas marinhas. Seja por ingestão, confundindo com alimentos, seja por afogamento, quando os animais ficam presos e não conseguem se soltar. As tartarugas, como também os golfinhos e as baleias são animais que respiram como os humanos, com pulmões. E por isso, precisam subir até a superfície para respirar fora da água. 

Considerada como fenômeno global, a ingestão de resíduos sólidos por tartarugas marinhas que vem aumentando todos os anos, podendo ocorrer em todos os estágios de vida desses animais (ICMBio, 2017, p. 93).

As fontes do lixo marinho podem ser classificadas como fontes baseadas em terra e fontes baseadas no mar. As fontes baseadas em terra são as que incluem os frequentadores das praias, os sistemas de drenagem de rios e esgotos e a própria geração de resíduos nas cidades costeiras, e fontes baseadas no mar, são aquelas representadas por navios e barcos de pesca e pelas plataformas petrolíferas oceânicas. (ICMBio, 2017, p. 93).

4.2 Medidas de mitigações 

Contudo, algumas medidas podem ser adotadas para contribuir com as possíveis soluções e/ou reduções dos Impactos Antrópicos que ocorrem em Enseadinha, e que podem servir para outras áreas também.

Uma das principais e mais urgentes medidas que precisam ser efetivadas e que vai contribuir no ordenamento urbano, no zoneamento da área e na regulamentação do uso da praia, ajudando diretamente, na preservação das tartarugas marinhas, não apenas de Enseadinha, mas do município como um todo, é a elaboração do Plano de Manejo do APA do Rio Paratibe, incluindo toda Praia de Enseadinha como Área de Preservação para as tartarugas marinhas. 

O plano de manejo é um documento onde trará as diretrizes do que pode e o que não pode fazer na Praia de Enseadinha. Delimitará as áreas para desovas das tartarugas, como também, para bares e barracas. Determinará quando e como as atividades pesqueiras poderão ser exercidas, entre outras medidas

O plano de manejo não apenas beneficiará o município do Paulista, mas também, o de Olinda, ajudando na preservação do manguezal de Rio Doce.

A elaboração de um Plano de Educação Ambiental para ser executado com moradores, pescadores e representantes de bares e restaurantes do local. Sensibilizando as pessoas sobre o descarte correto dos resíduos sólidos. Esta ação também se estenderia para as comunidades que moram próxima ao Rio Paratibe. Conversar com os pescadores sobre as atividades pesqueiras no período reprodutivo das tartarugas. Falar sobre a importância de não deixar a rede de espera durante a noite e de recolher as redes fantasmas que encontraram no mar.

A Instalação de placas informativas orientando as proibições e que o local é área de desova das tartarugas marinhas é fundamental para que as pessoas fiquem informadas que naquela praia existe desovas e nascimentos de tartarugas marinhas e que, por isso, é proibido o trânsito de veículos, carroças, cavalos, bicicletas na faixa de areia. Muitas das vezes, as pessoas circulam com carroças e animais por não saberem que em Enseadinha existem tartarugas marinhas.

A mudança na iluminação pública de forma a reduzir a incidência direta da luz na direção da faixa de areia e do mar, é outra medida que precisa ser adotada urgentemente. E que depende só de a gestão pública realizar. Uma cartilha elaborada pela Fundação Pró-TAMAR traz orientações a respeito desse assunto, mostrando alternativas para a iluminação pública em áreas de reprodução das tartarugas. A Cartilha de Fotopoluição está disponível na internet no endereço http://tamar.org.br/arquivos/cartilha-fotopoluicao-projeto-tamar-V2015 (ICMBio, 2017).

É importante conversar com os moradores e solicitar que os mesmos, no período reprodutivo, desliguem as luzes das suas casas que iluminam a praia ou mudem a direção da luz.

Outra medida que pode ser adotada pela gestão pública é a instalação de câmeras em pontos estratégicos da Praia para monitorar o cumprimento das normas e leis estabelecidas para Enseadinha.

É importante que a fiscalização ambiental seja realizada de forma sistemática para impedir novas construções irregulares nas áreas de praia e manguezal de Enseadinha.

E por fim, estabelecer todas as medidas acima em forma de Lei Municipal para garantir como políticas públicas de preservação. Decretando, inclusive, Enseadinha como área de preservação das tartarugas marinhas, proibindo novos empreendimentos de serem construídos na área de praia.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi apresentado neste trabalho, percebe-se os desafios de realizar monitoramento e manejo de tartarugas marinhas em áreas urbanas. Os vários impactos antrópicos que interferem diretamente na conservação das praias, colocando em risco a preservação das áreas de desovas e a sobrevivência das tartarugas marinhas.

Um desafio importante, no ponto de vista do monitoramento e manejo de ninhos e filhotes é a dificuldade em se cumprir com alguns protocolos estabelecidos pelo Centro Tamar/ICMBio nas áreas urbanas. Principalmente, com relação ao nascimento espontâneo, sem interferência dos pesquisadores. Em áreas urbanas como a Praia de Enseadinha diria que é praticamente impossível os filhotes nascerem espontaneamente, durante a noite, de forma segura, sem se orientarem pela iluminação artificial dos postes públicos e das casas. Ouvi vários relatos de moradores falando sobre filhotes que nasceram e foram em direção às residências. Durante as temporadas, três nascimentos foram presenciados por moradores e pessoas que caminham na praia, de filhotes que seguiram em direção às ruas e avenida, sendo atropelados, por veículos e outros que foram em direção oposta ao mar, entrando nas casas, guiados pela luz dos postes. Como pesquisadora presenciei um nascimento sem monitoramento, onde os filhotes começaram a sair do ninho e caminharam no sentido da luz do poste. Percebi os rastros na areia, próximo ao poste, mas não encontrei nenhum filhote ou ninho aparente. Depois de um tempo no local, comecei a observar alguns filhotes saindo de um ninho que estava abaixo da linha da maré. E como era noite, a praia estava iluminada, os filhotes estavam caminhando em direção a luz artificial. Recolhemos os filhotes e os levamos para um local mais escuro, sem iluminação artificial, para que os filhotes pudessem caminhar em direção ao mar com segurança. O Centro Tamar/ICMBio lançou, em 2023, o “Manual de Técnicas e Procedimentos para Pesquisa, Conservação e Monitoramento de Tartarugas Marinhas em Áreas de Reprodução”, atualizando os protocolos de monitoramento e manejo de tartarugas marinhas, trazendo um tópico para áreas urbanas. Contudo, não foi apresentada uma metodologia específica para o monitoramento nessas áreas. Apenas dizendo que, na impossibilidade de seguir os protocolos nas áreas urbanas, que as alterações sejam justificadas no relatório anual do SISBIO. Mesmo com essa possibilidade, como pesquisadora, sinto falta de ter protocolos estabelecidos e escritos para as áreas urbanas com influência de iluminação artificial, mostrando as adaptações que podem ser adotadas pelos pesquisadores, dentro da realidade de monitoramento e manejo de tartarugas marinhas em áreas urbanas altamente iluminadas. De forma a respaldar legalmente os pesquisadores, evitando possíveis denúncias. Com relação aos protocolos, recomenda-se que o Centro Tamar/ICMBio elabore diretrizes específicas para as áreas urbanizadas, com grande interferência antrópica, como é o caso da Praia de Enseadinha, em Paulista, e Piedade, em Jaboatão dos Guararapes. Procurando conhecer in loco a realidade de cada lugar.

Embora os nascimentos e caminhadas de filhotes ao mar, com a presença do público, não seja recomendada no protocolo do Centro Tamar, observa-se que essa prática exerce uma influência importante na vida das pessoas que presenciam um momento como esse. Ouvi vários relatos de mães e crianças que estavam presentes nas solturas dos filhotes e que ficam encantadas e maravilhadas com os filhotes que caminhavam pelo mar. Esse tipo de atividade serve como instrumento para sensibilizar as pessoas para a preservação das tartarugas marinhas. É um momento que fica marcado na memória afetiva de quem vivencia um espetáculo da natureza, que é o nascimento. E as tartarugas marinhas têm esse poder, essa magia de cativar e encantar pessoas.

Os moradores, sem dúvida, são de grande Importância na conservação das tartarugas marinhas em praias urbanas. Em Enseadinha, os moradores protegem os ninhos, ajudam no monitoramento avisando quando tem tartaruga desovando, quando encontram rastros e “camas’ feitas pelas fêmeas. E nos informam também, quando existe algum risco com relação a proteção dos ninhos, veículos que circularam na faixa de areia, pessoas pescando com rede de arrasto. A participação dos moradores no monitoramento é fundamental para garantir a conservação das tartarugas marinhas em áreas urbanas, como em Enseadinha.

Com relação a participação dos moradores no monitoramento das tartarugas marinhas em Paulista, percebe-se que tanto o WhatsApp quanto o Instagram funcionam como ferramentas importantes na divulgação de informações de forma mais rápida e eficiente, ao ponto, de conseguir agir e resolver situações que, por ventura, venham ocorrer.

Outro ponto importante que garante o sucesso do monitoramento é o engajamento e compromisso da equipe de pesquisadores do Projeto. Contudo, mesmo desempenhando um trabalho com profissionalismo, percebe-se que a equipe do projeto é insuficiente e não consegue atender o monitoramento por completo e como deveria ser realizado. Devido à outras demandas de trabalho que precisa atender, pois, não tem só o monitoramento para ser realizado. O que acaba não conseguindo realizar o monitoramento em todos os 14 km de praia. O Pontal de Maria Farinha que também é área de desova não é monitorado, por exemplo. Só quando ocorre de alguém entrar em contato com a Secretaria através do WhatsApp ou pelo Instagram para comunicar alguma ocorrência de desova ou encalhe de tartaruga ou nascimento não monitorado de filhotes. Como aconteceu na temporada 2022-2023 que uma funcionária do Hotel Amoaras, que fica localizado no Pontal de Maria Farinha, entrou em contato comigo pelo Instagram e falou que estava com um filhote de tartaruga que havia sido encontrado por uma banhista e deixado lá porque a moça não sabia o que fazer. Imediatamente fui até o Hotel, peguei o animal, verifiquei que ele estava bem e fiz a soltura no mesmo local que foi encontrado. Depois caminhei pela praia na tentativa de encontrar o ninho de onde ele nasceu ou mais filhotes presentes na área. Mas não encontrei. O filhote resgatado era de tartaruga de pente. Em 2015, foram monitorados mais de cinco ninhos de tartarugas marinhas no Pontal de Maria Farinha. Em 2021, dois nascimentos aconteceram nessa praia. Um não monitorado e outro monitorado. Ambos de tartaruga de pente. E os moradores locais e pescadores relatam que já presenciaram várias desovas no Pontal de Maria Farinha. O Pontal está inserido da Área de Preservação Ambiental do Rio Timbó, sem plano de manejo estabelecido, que abriga uma grande área de vegetação de restinga com várias aves que fazem da vegetação, seu habitat, como a coruja buraqueira. Diante disso, o Pontal de Maria Farinha é uma área que precisa ser conservada e monitorada para garantir a preservação das tartarugas marinhas e outros animais que existentes no local. A APA do Rio Timbó precisa ter seu plano de manejo elaborado e executado para que as políticas públicas sejam estabelecidas e aplicadas no Pontal de Maria Farinha, regulamentando o uso da praia, de forma a garantir a sustentabilidade do turismo e da conservação das tartarugas marinhas.

E para que o monitoramento das tartarugas marinhas seja eficiente e atenda de forma completa os 14 km de praia, recomenda-se a contratação de instituição para realizar os monitoramentos com recursos do fundo municipal de meio ambiente ou por meio do pagamento de multas ou de compensações ambientais. A instituição será treinada e coordenada pela equipe de pesquisadores do Projeto, que acompanhará todo desempenho e cronograma da Instituição contratante.

Trabalhar com meio ambiente não é fácil. Os desafios são grandes e complexos. Fazer pesquisa no Brasil é difícil e pouco valorizado. E no contexto da preservação de espécies animais, os investimentos são ainda menores, quando comparado a outras áreas.

Trabalhar como pesquisadora em um projeto de monitoramento e conservação das tartarugas marinhas sendo servidora de um órgão público como a prefeitura, não apenas é difícil, como, às vezes, desestimulante. Porque não há investimentos, estrutura para atender exclusivamente o projeto e nem valorização profissional. A influência política é gritante colocando pressão para que os nascimentos sejam publicitados, ganhando destaque nas mídias sociais e redes de televisão. O que vai de encontro com os protocolos de monitoramento estabelecidos pelo Centro Tamar, onde o mais importante é a conservação dos animais e não, a audiência pública que um nascimento pode trazer para a Prefeitura. 

Por fim, que as políticas públicas para a preservação das tartarugas marinhas, bem como, para a conservação das áreas costeiras do município, principalmente, as áreas propícias à reprodução, incluindo os bancos de alimentação, sejam estabelecidas em forma de Lei Municipal. Para que a sazonalidade da gestão pública não interfira na continuidade dos programas e projetos de conservação da biodiversidade.

REFERÊNCIAS

FUNDAÇÃO PRÓ-TAMAR. Tartarugas Marinhas: Ameaças de extinção. Disponível em: https://tamar.org.br/interna.php?cod=100 . Acesso em: 08 jan. 2024.

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1Analista Ambiental da Prefeitura Municipal do Paulista, Pernambuco, Pesquisadora do Projeto de Monitoramento e Conservação das Tartarugas Marinhas em Paulista/PE e Pesquisadora voluntária da ONG BIOMATAS Desenvolvimento e Sustentabilidade Social e Ambiental – Pernambuco. e-mail: brunamaldonado@yahoo.com.br