REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202503181236
Letícia Delbianchi Yamada
Victor Delbianchi Yamada
Laura Aparecida Delbianchi Yamada
Resumo:
Introdução: O Adenoma é um tipo de neoplasia epitelial benigna que acomete diversos tecidos do corpo humano, dentre eles a glândula hipófise. Esses tumores podem ser funcionantes ou silenciosos, sendo esse último, nos quais manifestam sintomas quando comprimem estruturas adjacentes. O sintoma neurológico mais comum é a alteração de campo visual, e também baixa da acuidade visual (BAV), oftalmoplegia/diplopia, cefaleia, atrofia do nervo óptico, rinorreia de líquor e apoplexia hipofisária. O diagnóstico é feito a partir da Tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) de crânio associados com exame de campo visual e laboratoriais para avaliação de hipersecreção hormonal e hipopituitarismo. O tratamento pode ser através de neurocirurgia transesfenoidal, seguida ou não de radioterapia adjuvante. Detalhamento do caso: O presente trabalho relata um caso clínico de um Adenoma, focando nas suas alterações oftalmológicas, e mostra o desafio do diagnóstico em um paciente com glaucoma. A paciente foi encaminhada ao serviço para seguimento de glaucoma já em tratamento com hipotensor e na avaliação se queixou de baixa acuidade de olho esquerdo. A partir disso, com os exames clínicos oftalmológicos associado com campo visual e tomografia computadorizada de crânio teve o diagnóstico de Macroadenoma hipofisário, o tratamento foi ressecção cirúrgica com urgência e após a cirurgia, a paciente evoluiu com melhora da acuidade visual. Discussão: Na paciente em questão, a presença do glaucoma associado e ausência de atrofia do nervo fez com que o diagnóstico de Adenoma fosse postergado.
Palavra-chave: Adenoma, campo visual, glaucoma
Introdução:
Adenoma é um tipo de neoplasia epitelial benigna que acomete diversos tecidos do corpo humano, dentre eles a glândula hipófise. O adenoma hipofisário é classificado segundo o tamanho (sendo os microadenomas < 1cm e os macroadenomas ≥ 1cm) e o tipo histológico que o constitui (lactotrófico, somatotrófico, mamossomatotrófico, corticotrófico, tireotrófico ou gonadotrófico) (KUMAR V et al., 2021).
A causa do adenoma de hipófise ainda é desconhecida. Porém 10% podem estar associados a síndromes genéticas como a Neoplasia Endócrina Múltipla Tipo 1 (NEM1).Várias alterações genéticas tem sido encontrada , mas não está claro se os genes anormais são sempre necessário para formação do tumor ptuitário.
A estimativa de prevalência dos adenomas hipofisários é variável, já que a incidência de pacientes assintomáticos, assim como de “incidentalomas” (termo utilizado para descrever tumores que são não induzem sintomas e são encontrados no decorrer da investigação do paciente por outra patologia) é alta. Tal panorama, leva a existência de estatísticas incertas. Os estudos disponíveis são baseados em ressonância nuclear magnética (RNM) de crânio ou estudos de autópsias. Estima-se que correspondam de 7 a 18,7% dos tumores intracranianos (RIBEIRO BB et al., 2014).
A clínica dos adenomas hipofisários é variável. Pode transcorrer tanto com hipopituitarismo (devido produção insuficiente de hormônio pela glândula ou produção insuficiente de hormônio devido compressão das células não-cancerígenas pelas células tumorais), quanto com hipersecreção hormonal (cursando com cliníca, por exemplo, de hiperestimulação ovariana ou puberdade precoce)3. Além disso, há casos que são não funcionantes (ou silenciosos) (KUMAR et al., 2021 ; MOLITCH et al., 2008).
Adenomas não funcionantes geralmente manifestam sintomas quando atingem tamanho suficiente para causar efeito de massa e comprimir estruturas adjacentes. O sintoma neurológico mais comum é a alteração de campo visual, sendo que as mais encontradas são perda de visão em campo superior-temporal ou hemianopsia bitemporal (ao comprimir o quiasma óptico; sendo que o acometimento pode ser uni ou bilateral). Além disso, sintomas como baixa da acuidade visual (BAV, que acontece quando o quiasma óptico é severamente comprimido), oftalmoplegia/diplopia (decorrente de compressão devido extensão lateral do adenoma), cefaleia (devido presença de processo expansivo intra-craniano), rinorreia de líquor (causado por extensão inferior do tumor) e, até, apoplexia hipofisária (decorrente de hemorragia no interior do tumor e cursando com BAV e dor de cabeça excruciante) são relatados. No exame de fundoscopia pode ser observado atrofia do nervo óptico (ocorre por compressão direta da lesão no nervo óptico levando a desvascularização nervosa)( DANTAS AM et al., 2009; CASARIN P et al., 2004).
A avaliação complementar de pacientes com suspeita de lesões selares deve ser feita com exames de imagem. A ressonância nuclear magnética, é o método de escolha para região selar e suprasselar pois define a localização da lesão e o comprometimento das áreas adjacentes. A tomografia computadorizada focada nos seios paranasais e base de crânio é importante no planejamento cirúrgico e estudos vasculares.
É necessário a dosagem sérica dos hormônios da glândula hipófise (prolactina, TSH, FSH, LH, GH, ACTH) e os hormônios dos órgãos efetores (T4, CORTISOL, IGF-1, erstrógeno, testosterona) para avaliação dos eixo hipotálamo-hipofisário.
Deve-se realizar exame de campimetria que é um método para avaliar campos visuais e exame oftalmológico completo. (CASARIN P et al., 2004; MONTEIRO ML et al., 2003).
O tratamento destes casos pode ser através de neurocirurgia, radioterapia, terapêutica médica ou vigilância. A vigilância é apropriada para adenomas menores assintomáticos. A terapêutica médica com agonistas de dopamina (bromocriptina) ou análogos de somatostatina (octreotido) é usada em casos onde outras opções de tratamento falharam ou são contraindicados, porém esses medicamentos ainda não são claramente eficazes nos adenomas de hipófise não funcionante. A radioterapia é usada em casos que o tumor não pode ser removido completamente. A neurocirurgia é usada na maioria dos casos e geralmente é realizada através do nariz (cirurgia transfenoidal) que é uma técnica menos invasiva com acesso direto ao aparato óptico. Estudos demonstram que a eficácia da abordagem endoscópica nasal tem apresentado resultados até mesmo superiores a técnica transcraniana (COPPABIANCA P et al., 2014).
Uma avaliação hormonal deve ser feita no pré-operatório, para analisar necessidade de reposição antes do procedimento. O seguimento deve ser individualizado e se guiar através de exames de imagem seriados, de modo a notar qualquer recidiva / massa tumoral remanescente (SARWAR et al., 2010; MITHRA R et al., 2012).
A avaliação da acuidade visual deve ser realizada no pós-operatório assim como ressonância nuclear magnética e campimetria visual. A ressonância avalia o grau de ressecção da lesão que pode ser classificado como completa (quando a ressonância não mostra resquícios tumorais), ressecção subtotal (ressecção de mais de 90% do tumor) e ressecção parcial (ressecção inferior a 90% do tamanho inicial do tumor.
O objetivo do presente trabalho é descrever como o diagnóstico de macroadenoma hipofisário é dificultado em pacientes com glaucoma, decorrente das alterações compimétricas inerentes as duas patologias, e pode passar desapercebido.
Detalhamento do caso:
Paciente feminino, 66 anos, encaminhada ao ambulatório de glaucoma do Centro Oftalmológico da Santa Casa de Ribeirão Preto para seguimento. Relatava que, há 5 meses, tinha percebido piora da acuidade visual de olho esquerdo, o que a fez procurar um oftalmologista. Trouxe um laudo dessa consulta prévia, mostrando que sua acuidade visual com a melhor correção era de 20/27 em olho direito e 20/67 em olho esquerdo. Ao exame fundoscópico havia sido evidenciado aumento de escavação bilateral e tonometria de 16 mmHg em ambos os olhos. Dessa forma, foi levantada hipótese diagnóstica de glaucoma de pressão normal e iniciando tratamento com Tartarato de Brimonidia 0,2% em ambos os olhos. Referiu que estava em uso correto do colírio hipotensor, porém percebia piora progressiva da acuidade visual em olho esquerdo, o que motivou o encaminhamento ao serviço oftalmológico da Santa Casa de Ribeirão Preto.
Ao exame de admissão apresentava acuidade visual com melhor correção de 20/27 parcial em olho direito e 20/333 em olho esquerdo, com reflexos pupilares direto e indireto preservados. Biomicroscopia: catarata nuclear grau 1 em ambos os olhos. Reflexos pupilares direto e consensual preservados. Tonometria: 14 mmHg em ambos os olhos. Fundoscopia: apresentava disco óptico com escavação de 0,7 em olho direito e 0,8 com notch inferior em olho esquerdo. Paquimetria: 530 em ambos os olhos. O campo visual apresentava hemianopsia bitemporal (Figura 2), o que despertou a hipótese de lesão compressiva de Sistema Nervoso Central.
Tomografia de Coerência Óptica de Nervo Óptivo demonstrou perda de camadas de fibras nervosas em região inferior em ambos os olhos. Desta forma, a paciente foi encaminhada ao Serviço de Neurocirurgia para avaliação complementar. Além disso, foi fechado o diagnóstico de Glaucoma de Pressão Normal e trocado a brimonidina 0,2% pela bimatoprosta 0,03%.
Após a realização de Tomografia Computadorizada de Crânio (Figura 1), Ressonância Magnética de Crânio além de exames complementares, foi fechado o diagnostico de Macroadenoma Hipofisário nas regiões intra e supraselar, lesão essa que exercia efeito compressivo sobre as vias ópticas de maneira assimétrica. Devido à perda progressiva de visão, foi indicado a ressecção neurocirúrgica com urgência, pela técnica de ressecção transesfenoidal. Após a cirurgia paciente evoluiu bem, recebeu alta hospitalar e retornou ao ambulatório para nova avaliação.
No exame oftalmológico pós tratamento cirúrgico, a paciente apresentava acuidade visual com melhor correção de 20/27 em olho direito e 20/40 em olho esquerdo, caracterizando melhora importante após resolução do efeito compressivo gerado pelo Macroadenoma de hipófise.
Foi realizado novamente a ressonância nuclear magnética que demonstrou ressecção completa, ou seja, não foram observados resquícios tumorais. Paciente segue em acompanhamento no setor de oftalmologia e neurocirurgia.


Discussão:
O adenoma hipofisário é uma neoplasia comum em adultos, de crescimento lento, responsável por cerca de 10% de todos os tumores intracranianos. São classificados em adenomas funcionantes e não funcionantes. Aproximadamente 30% dos adenomas de hipófise são considerados não funcionantes, normalmente são detectados quando se tornam maiores levando a compressão ou destruição de estruturas adjacentes. (KUMAR V et al., 2021)
Esse tumor pode ser assintomático ou apresentar sintomas associados a massa ou alterações hormonais. Os principais sintomas do macroadenoma de hipófise não funcionantes são cefaleia e baixa acuidade visual, fazendo com que o paciente procure frequentemente um oftalmologista. A cefaleia é de característica inespecífica e pode variar de suave a intensa, mas a intensidade nem sempre é proporcional ao tamanho do adenoma e podem estar presentes muito antes do diagnóstico, pelo fato do adenoma geralmente apresentar crescimento lento. A diminuição da acuidade visual normalmente inicia na periferia, sendo mais difícil para que o paciente perceba. (RIBEIRO BB et al., 2014).
A paciente em questão apresentava como queixa baixa acuidade visual principalmente em olho esquerdo de caráter progressivo. As lesões hemianópticas podem ser congruentes ou incongruentes. No caso a paciente apresentava um defeito incongruente, com um dos olhos sendo mais afetado do que o outro. É importante lembrar que outros distúrbios visuais podem estar presentes como diplopia, paralisia dos nervos oculomotores, proptose e nistagmo (MOLITCH MER et al ., 2008)
Na fundoscopia foi observada uma escavação aumentada e ausência de atrofia óptica. A atrofia óptica resulta no processo compressivo do tumor sendo encontrado na maioria dos pacientes portadores de adenoma hipofisário com alterações no campo visual. Foi realizado uma tomografia de coerência óptica que demonstrou perda de camadas de fibras nervosas em região inferior. A paciente apresentava uma tonometria de 16mmhg em ambos os olhos associado a uma paquimetria de 530 em ambos os olhos, sendo assim, foi fechado o diagnóstico de glaucoma de pressão normal e iniciado bimatoprosta. (KUMAR V et al., 2021)
O campo visual demonstrou a presença de uma hamianopsia bitemporal, que é uma característica dos adenomas hipofisários, após isso o paciente foi encaminhado ao serviço de neurocirurgia. As alterações é resultado da compressão e destruição das fibras no quiasma óptico. O defeito campimétrico depende da localização da lesão (CASARIN P et al., 2004).
Na paciente em questão, a presença de glaucoma associado a ausência de atrofia do nervo fez com que o diagnóstico fosse postergado. A presença de hemianopsia bitemporal no campo visual associada a baixa acuidade visual não correspondente ao estágio quadro clínico de glaucoma auxiliou na elucidação diagnóstica.
A ressonância magnética demonstrou uma lesão expansiva em região intra e supresselar comprimindo as vias ópticas assimetricamente com mais de 10mm, sendo assim foi fechado a diagnóstico. Os adenomas podem ser classificados em microadenoma <10mm e macroadenoma >= 10mm. Além do exame de imagem é importante no segmento do paciente a realização da dosagem dos hormônios relacionados a função hipofisária, pois quando os adenomas de hipófise não funcionamente crescem eles podem comprimir a glân dula e interferir na sua função ( MONTEIRO ML et al., 2003).
A presença de tumor causando alterações no campo visual associado a baixa acuidade visual de caráter progressivo fez com que a equipe da neurocirurgia indicasse a cirurgia para retirada do macroadenoma hipofisário com urgência. O tratamento tem como objetivo a melhora da deficiência visual e dos outros sintomas neurológicos. É necessário a remoção do macroadenoma o mais completo possível para evitar recidiva, a principal técnica cirúrgica é a exérese transesfenoidal. Outras formas de tratamentos podem ser através de modulação hormonal, radioterapia ou vigilância médica. A vigilância normalmente é apropriada nos casos de adenomas de menores dimensões que não causam sintomas (DEKKERS OM et al., 2008).
Após a cirurgia ocorreu melhora significativa da acuidade visual no olho esquerdo que foi de 20/333 com correção para 20/40 com correção. Foi realizado novamente a ressonância magnética que demonstrou ressecção completa.
Esse caso demonstra a importância em realizar a correlação do exame clínico da paciente com os dados do campo visual e o aspecto da fundoscopia ocular para um diagnóstico precoce, pois estudos demonstram que o diagnóstico e a intervenção precoce do adenoma hipofisário pode levar a reversão da alteração visual. O fato da paciente apresentar glaucoma fez com que o diagnóstico fosse postergado (DEKKERS OM et al., 2008).
É importante realizar a conscientização dos oftalmologistas para que estejam atentos a possiblidade da existência desse tumor. Pois em muitos casos pacientes são submetidos a tratamento para catarata e/ou glaucoma sem melhora da acuidade visual, sendo postergado o diagnóstico com risco de perda parcial ou até total da visão.
Referência:
1 – Kumar V, Abbas AK, Aster JC. Robbins & Cotran Patologia – Bases Patológicas das Doenças. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.
2 – Ribeiro BB, Rocha MAB, Acácio G, Rocha RTB. Macroadenoma hipofisário: alterações campimétricas visuais. Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (2): 120-2
3 – Molitch ME. Nonfunctioning pituitary tumors and pituitary incidentalomas. Endocrinology and Metabolism Clinics North America. 2008 Mar;37(1):151-71, xi.
4 – Dantas AM, Monteiro ML. Neuro-oftalmologia. 2ª edição. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2009.
5 – Casarin P, Lague Junior PA, Castagno VD, Vilela MA. Distúrbio visual campimétrico associado a adenoma de hipófise e acromegalia. Rev Med UCPEL, 2004; 2 (1): 24-6.
6 – Monteiro ML, Pereira A. Perimetria computadorizada na detecção de defeitos campimétricos discretos (ao perímetro de Goldmann) causados por tumores hipofisários. Arq Bras Oftalmol. 2003;66(6):803-9.
7 – Dekkers OM, Pereira AM, Romijn JA. Treatment and follow-up of clinically nonfunctioning pituitary macroadenomas. Journal Clin Endocrinol Metab 2008; 93:3717
8 – COPPABIANCA P, CAVALLO LM, SOLARI D, STAGNO V, ESPOSITO F, DE ABGELIS M. Endoscopic endonasal surgenry for pituitary adenomas. World neurosurg [internet]. 2014;82(6): s3-1. Aviable from: http;dx.doi.org/10.1016qj.wneu.2014.07.019.