REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7337480
Jayna Karina da Silva Lima;
Juliany Soares da Silva;
Orientador: Wollace Scantbelruy da Rocha.
RESUMO
Este artigo sugere um estudo do vínculo mãe e bebê a partir da identificação da depressão pós-parto. Este é considerado um transtorno de ordem depressiva, uma vez que os sintomas apresentados pela paciente no período puerperal configuram quadro depressivo e que podem variar a gravidade de leve a grave. O autor Donald Winnicott estudou a relação do vínculo existente entre a mãe e o bebê, considerando a relação e o papel que a mãe representa para o bebê principalmente durante os primeiros momentos da vida. O vínculo entre mãe e bebê é uma construção, e ela se dá a partir da relação de carinho, amor e compreensão que a mãe exerce para com o bebê, assim como a representação da mãe suficientemente boa, que dispõe um ambiente seguro e suficientemente bom para o bebê. Quando por ocasião de um transtorno, como o depressivo, está em cena, existe o sofrimento para ambos. Considerando estes dois aspectos, objetiva-se estudar a partir de uma pesquisa de cunho bibliográfico a relação do vínculo mãe e bebê com a depressão pós-parto. Neste contexto, consideramos ainda as mudanças hormonais que a mulher passa durante o período gestacional e que refletem no aspecto psicológico da mãe durante o puerpério.
Palavras-chave: Depressão pós-parto; Donald Winnicott; teoria winnicottiana; vínculo mãe e bebê.
ABSTRACT
This article suggests a study of the mother-baby bond from the identification of postpartum depression. This is considered a depressive disorder, since the symptoms presented by the patient in the puerperal period configure a depressive condition and that can vary in severity from mild to severe. The author Donald Winnicott studied the relationship of the bond that exists between the mother and the baby, considering the relationship and the role that the mother represents for the baby, especially during the first moments of life. The bond between mother and baby is a construction, and it is based on the relationship of affection, love and understanding that the mother exercises towards the baby, as well as the representation of the good enough mother, who has a safe and good enough environment. for the baby. When a disorder, such as depressive disorder, is on the scene, there is suffering for both. Considering these two aspects, the objective is to study, based on a bibliographic research, the relationship between the mother and baby bond with postpartum depression. In this context, we also consider the hormonal changes that the woman goes through during the gestational period and that reflect on the mother’s psychological aspect during the puerperium.
Keywords: Postpartum depression; Donald Winnicott; Winnicottian theory; mother and baby bond.
1 INTRODUÇÃO
A transformação de uma mulher em mãe requer naturalmente diversas mudanças. Uma das primeiras mudanças diz respeito às mudanças que seu corpo passará nos próximos meses até a completude do período gestacional e muitas vezes, após esse período também. Sabe-se que nos dias de hoje, a sociedade imprime um padrão de beleza que exige certa perfeição, principalmente em relação ao corpo da mulher. E lidar com as mudanças que uma gestação impõe nem sempre é tão fácil. A próxima mudança que a mulher precisa administrar são alterações hormonais que podem trazer instabilidade emocional em diversos momentos. Por fim, quando o período gestacional chega ao fim e o bebê nasce, a mulher precisa lidar com a ideia de que, de agora em diante, existe um outro ser que depende diretamente dela, e que, além de mulher, a partir de agora, passará a desempenhar também o papel de mãe, de cuidadora e esteio deste ser, que, a priori, está totalmente dependente.
No momento em que a mulher se dá conta que, além de mulher, é também mãe, uma série de sentimentos e emoções vêm à tona. É nesse momento que é fundamental o apoio da família e da rede que lhe auxiliarão nesse novo desafio que é a maternidade. Pode acontecer durante o puerpério o desenvolvimento da Depressão Pós-Parto, e isto pode ocorrer independente do apoio proporcionado à mulher pelo pai do bebê, por familiares, amigos e rede de apoio construída durante a gestação. Isso se dá pois os sintomas emergem principalmente da ansiedade e das variações de humor. Certamente que existem as características que subsidiam o diagnóstico do Transtorno Depressivo, e entre as mais comuns, encontramos as que têm associação direta com o processo puerperal ou no pós-parto, como é descrito no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM V (5ª edição, American Psychiatric Association, 2014). Podemos citar alguns dos principais sintomas relacionados à presença ou não de características psicóticas, alucinações, delírios e quadros de episódios de humor (depressivo ou maníaco), sendo que o desenvolvimento do quadro depressivo com sintomas psicóticos pode estar relacionado ao histórico anterior de um quadro de episódio de humor ou ainda, mais fortemente relacionado, a quadros de transtornos depressivo ou bipolar.
Ao desenvolver a Depressão Pós-Parto, a mãe não consegue proporcionar ao bebê o suporte emocional e o que ele mais precisa durante os primeiros momentos de sua vida. Diversos estudiosos dedicaram-se a estudar a relação do vínculo e apego entre mãe e bebê. Entre eles, destacam-se Donald Winnicott, John Bowlby, Melanie Klein, entre outros. Bowlby foi psicólogo, psiquiatra e psicanalista, e defendeu a ideia de que o senso de segurança e conforto experimentado pelo bebê está relacionado diretamente à figura de “apego”, que no primeiro momento, é representada pela mãe. A partir do estabelecimento desta “base segura”, lhe será permitido experimentar e explorar o resto do mundo. Já Donald Winnicott, pediatra e psicanalista, desenvolveu estudos partindo do pressuposto que a mãe precisa ser suficientemente boa para o filho e oferecer um ambiente suficientemente bom para o seu desenvolvimento.
Diante dos fatores acima mencionados, objetivou-se através desta pesquisa relacionar pensamento de autores que estudaram o desenvolvimento da Depressão Pós-Parto e a importância do vínculo mãe e bebê estudado por Winnicott. Pretendeu-se ainda demonstrar através da pesquisa as diversas mudanças tanto de cunho emocional como físico da mulher desde o início da gestação até o puerpério, bem como relacionar o desenvolvimento da Depressão Pós-Parto ao vínculo entre mãe e bebê após o nascimento deste. Para isso, trabalhou-se sobre a hipótese de o vínculo entre a mãe e o bebê ser afetado diretamente pela depressão Pós-Parto. Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa cujos dados foram analisados por meio de pesquisas bibliográficas de estudiosos que se dedicaram aos estudos relacionados à Depressão Pós-Parto e a teoria Winnicottiana. As pesquisas foram realizadas a partir de meios eletrônicos como acessos ao Scielo – Electronic Library, periódicos da Capes além de artigos disponibilizados na plataforma do Google Acadêmico. Todos os materiais pesquisados abrangeram um recorte temporal a partir do ano de 2010 até os dias atuais.
2 DEPRESSÃO PÓS-PARTO: SINTOMAS E DIAGNÓSTICO.
Considerada pela Organização Mundial da Saúde – OMS como o “mal do século”, a depressão é caracterizada a partir de sintomas que comumente conhecemos como tristeza profunda, desânimo, instabilidade do humor, perda do prazer por atividades que antes eram prazerosas, sentimento de culpa e/ou menos valia, dificuldade para tomada de decisões, entre outros. Comumente, relacionar um dos sintomas acima identificados, nos remete ao diagnóstico de Depressão. E, quando analisamos um quadro depressivo no pós-parto, considera-se o diagnóstico de Depressão Pós-Parto – DPP no caso da mãe, e ainda o cuidado necessário para com o bebê, que além de precisar dos cuidados médicos, necessita do afeto da mãe e do sentimento de segurança que a mãe é capaz de lhe proporcionar.
As mudanças as quais a mulher passa no período gestacional podem estar ligadas ao desenvolvimento da DPP, principalmente em situações em que a gestação não estava sendo desejada pela mesma. É durante esse período que, de acordo com Borsa, 2007 apud Caron, 2000, acontece um “terremoto hormonal, físico e psicológico, que encerra os maiores desafios, segredos e incertezas (…) ou seja, a gestação é cercada de mistérios insolúveis e estranhas reações que acompanham todo o desenvolver do processo até o parto” (p. 312). Ainda de acordo com a autora, a gestação é marcada por diversos sentimentos ambivalentes que estão intimamente relacionados à sua história de vida e às suas experiências pessoais vivenciadas no decorrer de sua existência.
As mudanças de ordem hormonal pelas quais a mulher passa durante o processo gestacional devem ser consideradas uma vez que estão ligadas diretamente ao sistema imunológico da gestante, pois tais
“mudanças hormonais e imunológicas acontecem no decurso da gravidez e são necessárias para que a gestação seja saudável […] as mudanças hormonais contribuem para as alterações imunológicas que ocorrem na gravidez. Os efeitos das hormonas associadas à gravidez na função imunológica são extensos, podendo afetar a resposta humoral e celular. (SOARES, 2014 p. 30).
Dessa forma, o cuidado para com a gestante e as mudanças pelas quais está passando tornam-se pontos de observação, pois tais mudanças podem estar ligadas diretamente a mudanças comportamentais e de humor. A partir da avaliação de um especialista, pode-se verificar a relação que tais mudanças podem ter no desenvolvimento da DPP e trabalhar o controle dos níveis hormonais com terapia medicamentosa. É fundamental que tais mudanças sejam consideradas pois chegará o momento pós gestação, e depois de ocorrido o parto,
[…] muitas transformações principalmente de ordem emocional acometem as mulheres, causada por alteração hormonal que se caracterizam por intensa tristeza, transformações no seu físico, medo, ansiedade e outros. Na maioria dos casos esses sintomas desaparecem rapidamente, mas, para algumas mães, eles persistem por um tempo maior, caracterizando a DPP. (CUNHA, et al 2012 p. 580).
O diagnóstico de qualquer tipo de transtorno deve ser avaliado criteriosamente por um especialista, no caso médico psiquiatra, que indica o tratamento adequado, medicamentoso e terapêutico, conforme avaliação do caso. Cada um dos sintomas que configuram a DPP deve ser cautelosamente analisado, pois de forma concomitante, a mulher está passando por diversas mudanças físicas e também emocionais. Por ter os sintomas originados no Transtorno Depressivo propriamente dito, a DPP apresenta-se na parturiente com um ou mais sintomas, sendo que no DSM-5, aparece como item especificador “com início no periparto”, ou seja, pode surgir durante a gestação como quadro depressivo ou aparecer nas quatro semanas seguintes ao parto. Concordando com a descrição do DSM-5, Santos (2015) salienta que “a manifestação do quadro de DPP acontece geralmente a partir das primeiras quatro semanas após o nascimento do bebê, alcançando sua intensidade máxima durante os seis primeiros meses posteriores” (SANTOS, 2015 p. 06 apud MORAES et al., 2006).
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM 5 é um dos manuais mais utilizados para identificação de sintomas e diagnósticos de transtornos de ordem mental. Dentre os transtornos encontrados neste manual, destacamos o Transtorno Depressivo, cujo especificador para o diagnóstico em mulheres no pós-parto parte do princípio de que
(…) episódios de humor podem ter seu início durante a gravidez ou no pós-parto. Embora as estimativas difiram de acordo com o período de seguimento após o parto, entre 3 e 6% das mulheres terão o início de um episódio depressivo maior durante a gravidez ou nas semanas ou meses após o parto. [..] Assim, esses episódios são designados coletivamente como episódios no periparto. As mulheres com episódios depressivos maiores no periparto com frequência têm ansiedade grave e até mesmo ataques de pânico. Estudos prospectivos demonstraram que os sintomas de humor e ansiedade durante a gravidez, bem como baby blues, aumentam o risco de um episódio depressivo maior no pós-parto (DSM-5 p. 186, 2014).
Assim, a identificação dos sintomas que configuram a Depressão em mulheres que passam pelo puerpério relacionam-se aos sintomas característicos do Transtorno Depressivo, com especificador “com início no periparto”. Pode apresentar-se com sintomas ansiosos, características melancólicas, mistas e psicóticas, e pode variar o nível de gravidade entre leve, moderado, moderado-grave e grave.
O DSM-5 relaciona os sintomas de acordo com os seus especificadores e específica a gravidade como sendo: leve – dois sintomas; moderada – três sintomas; moderada grave – quatro ou cinco sintomas; grave – quatro ou cinco sintomas e com agitação motora.
Para fins de diagnóstico do Transtorno Depressivo, o DSM – 5 relaciona diversos sintomas, sendo eles: Sintomas Ansiosos: Sentir-se nervoso ou tenso. 2. Sentir-se anormalmente inquieto. 3. Dificuldade de se concentrar devido a preocupações. 4. Temor de que algo terrível aconteça. 5. Sentimento de que o indivíduo possa perder o controle de si mesmo; Com características Mistas: 1. Humor elevado, expansivo. 2. Autoestima inflada ou grandiosidade. 3. Mais loquaz que o habitual ou pressão para continuar falando. 4. Fuga de ideias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão acelerados. 5. Aumento na energia ou na atividade dirigida a objetivos (seja socialmente, no trabalho ou na escola, seja sexualmente). 6. Envolvimento maior ou excessivo em atividades com elevado potencial para consequências prejudiciais (p. ex., comprar desenfreadamente, indiscrições sexuais, investimentos insensatos nos negócios). 7. Redução da necessidade de sono (sentir-se descansado apesar de dormir menos do que o habitual; deve ser contrastado com insônia); Com características melancólicas: A. Uma das seguintes está presente durante o período mais grave do episódio atual: 1. Perda de prazer em todas ou quase todas as atividades. 2. Falta de reatividade a estímulos em geral prazerosos (não se sente muito bem, mesmo temporariamente, quando acontece alguma coisa boa). B. Três (ou mais) das seguintes: 1. Uma qualidade distinta de humor depressivo caracterizado por prostração profunda, desespero e/ou morosidade ou pelo chamado humor vazio. 2. Depressão regularmente pior pela manhã. 3. Despertar muito cedo pela manhã (i.e., pelo menos duas horas antes do despertar habitual). 4. Acentuada agitação ou retardo psicomotor. 5. Anorexia ou perda de peso significativa. 6. Culpa excessiva ou inadequada (DSM-5, 2014 p. 184).
Embora a ocorrência do Transtorno Depressivo com características psicóticas não seja tão comum, o risco de acontecer é maior em mulheres que apresentaram episódios de humor em períodos anteriores e mais elevado em mulheres com histórico de transtorno depressivo ou bipolar. Quando ocorre, seu diagnóstico vem dos seguintes sintomas: Delírios e/ou alucinações estão presentes. Podem surgir com características psicóticas congruentes com o humor, cujos sintomas são: Delírios e alucinações cujo conteúdo é coerente com os temas depressivos típicos de inadequação pessoal, culpa, doença, morte, niilismo ou punição merecida. E podem, por fim, ocorrer com características psicóticas incongruentes com o humor com os sintomas de delírios ou alucinações cujo conteúdo não envolve temas depressivos típicos ou inadequação pessoal, culpa, doença, morte, niilismo ou punição merecida ou cujo conteúdo é uma mistura de temas incongruentes e congruentes com o humor. (DSM – 5, 2014 p. 186).
De todos os sintomas elencados pelo DSM-5 para configurar o diagnóstico de depressão, Santos (2015) resume os que mais se destacam na DPP, sendo eles:
(…) os mais comuns são desânimo persistente, irritabilidade, choro frequente, ansiedade, sentimentos de culpa, distúrbios do sono, ideias suicidas, temor de machucar o filho, autoacusação, redução do apetite e da libido, perda do prazer nas atividades cotidianas e ocorrência de ideias obsessivas. (SANTOS, 2015 p. 5 apud SANTOS JUNIOR; SILVEIRA; GUALDA, 2009; SILVA; SANCHES, 2008).
A associação de mais de um dos sintomas definirá a gravidade da DPP como sendo leve, moderada, moderada-grave e grave, como estabelecido no DSM-5. Ainda de acordo com a autora, a origem da DPP pode não ter um motivo aparente, porém existem fatores que podem contribuir para o surgimento e manutenção do transtorno, como
“relação conflituosa com o cônjuge, não desejo ou não planejamento da gravidez, abandono do parceiro, baixa escolaridade, baixo nível socioeconômico, histórico familiar de transtornos de humor, tempo de encontro com o bebê após o parto, eventos estressantes durante a gestação, frustração quanto ao papel de mãe, sentimentos de negação à criança e baixa autoestima”. (SANTOS, 2015 p. 05 apud MORAES et al., 2006; SANTOS JUNIOR; SILVEIRA; GUALDA, 2009).
Com o diagnóstico definido, o tratamento psicoterapêutico proporcionará segurança e sensação de compreensão, e devolverá à mulher a autoconfiança, através da verbalização e expressão dos seus medos, sentimentos e anseios em relação à maternidade e aos desafios por ela encontrados. O médico psiquiatra que acompanha o caso, definirá de acordo com a gravidade dos sintomas apresentados o tratamento adequado, se somente a psicoterapia será suficiente para a paciente ou se o tratamento medicamentoso se fará necessário (Lopes, 2020).
3. VÍNCULO ENTRE MÃE E BEBÊ: UMA ANÁLISE NA TEORIA WINNICOTTIANA
Diversos estudiosos analisaram a relação existente entre a mãe e o feto durante o período gestacional e a relação entre a mãe e o bebê após o nascimento deste. Os principais estudiosos que tiveram ricas contribuições na perspectiva da formação do vínculo, relação mãe e bebê e apego foram: John Bowlby, Donald Winnicott, René Spitz, Melanie Klein, Serge Lebovici e Margaret Mahler.
Os teóricos que embasaram seus estudos na relação do vínculo entre mamãe e bebê, foram John Bowlby e Donald Winnicott. Ambos
[…] destacam a relevância das primeiras relações entre a idade para o desenvolvimento do bebê, apesar de divergirem em diferentes aspectos em suas teorias. Para Bowlby, estar vinculado à figura materna é muito distinto da dependência à mãe, proposta na teoria de Winnicott, embora ambas tenham como base o vínculo mãe-bebê. Nas primeiras semanas de vida, o recém-nascido depende da figura materna para sobreviver, contudo, ainda não está apegado a ela. De acordo com a perspectiva de Winnicott, a dependência máxima do neonato ocorre no nascimento, diminuindo ao longo da vida. Já para Bowlby, o apego não está presente durante o nascimento e começa ao longo dos meses, a ser construído e fortalecido. (SILVA, BRAGA, 2019 p. 260)
Esses pensadores psicanalistas sugerem em seus estudos atenção especial às primeiras vivências do bebê e a formação do vínculo entre a mãe e o bebê, das quais emergem as relações ulteriores da criança (Borsa, 2007).
A expressão formação do vínculo relaciona-se ao
(…) investimento emocional dos pais em seu filho. É um processo que é formado e cresce com repetidas experiências significativas e prazerosas. Ao mesmo tempo, outro elo, geralmente chamado de apego, desenvolve-se nas crianças em relação a seus pais e a outras pessoas que ajudam a cuidar delas. É a partir dessa conexão emocional que os bebês podem começar a desenvolver um sentido do que eles são, e a partir do que uma criança pode evoluir e ser capaz de aventurar-se no mundo. (BARSA, 2007 p. 314 apud KLAUS, KENNEL & KLAUS, 2000 p. 167).
Donald Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, foi um dos estudiosos que mais se dedicou a analisar a relação do vínculo mãe e bebê. Em sua teoria, Winnicott defende a ideia de que “um bebê não pode existir sozinho, pois é essencialmente parte de uma relação onde se constitui a partir do outro, biologicamente e psiquicamente, e a mãe deve ser suficientemente boa, capaz de oferecer um ambiente suficientemente bom” (Andrade et al, 2017).
De acordo com o teórico, a definição do conceito de mãe suficientemente boa é a de um adulto que se adapte às necessidades do bebê. Ele denominou de função materna suficientemente boa um conjunto de três funções que a mãe deve desempenhar junto a seus filhos ao longo dos primeiros estágios do desenvolvimento emocional: holding, handling e apresentação dos objetos (Campana, 2019 p. 36).
Para Winnicott (1999), a relação mãe-bebê no primeiro semestre de vida do indivíduo baseia-se principalmente em total dependência e identificação do bebê para com a sua mãe, bebê este que acredita que ele e sua genitora, que representa todo o seu ambiente, sejam a mesma pessoa, o que faz parte de um processo natural. A construção deste primeiro vínculo afetivo é de extrema importância para a formação dos processos de configuração para o estabelecimento de vínculos posteriores. (GOMES, 2021 p. 13).
O bebê encontra na mãe a representação do seu mundo e estabelece uma relação de dependência, pois ambos são a mesma pessoa, não houve ainda o processo de separação. A fase de “dependência relativa da mãe e dos substitutos parentais, acontece aproximadamente dos 6 meses aos 2 anos e as possíveis falhas de adaptação da mãe são melhor toleradas pela criança neste período (…) a criança percebe melhor a realidade externa e a mãe separada de si” (Barbosa, 2015 p. 13).
[…] nos primeiros seis meses quase não há referência ao mundo externo, isto é, ao que há além da idade de mãe-bebê. Nos dois meses seguintes, outros objetos começam a atuar nessa interação, porém se a mãe não fornecer apoio a essas novas interações, através de uma possessividade e superproteção à criança, será possível passar à criança a ideia de que ela não é capaz, podendo afetar o seu desenvolvimento. (GONÇALVES, et al 2016, p. 114)
Ao nascer, o bebê procura na mãe a satisfação de todas as suas necessidades, tanto fisiológicas como emocionais. Sua referência de mundo está na figura materna, naquela que supre suas necessidades fisiológicas e emocionais. O processo de separação da figura da mãe desassociada de si, passa a ocorrer com o passar do tempo e com a apresentação e conhecimento dos outros objetos que o mundo tende a lhe oferecer. Sem o apoio e estrutura da mãe na apresentação desse mundo, demonstrando ao bebê o sentimento de capacidade, a consequência se refletirá posteriormente no seu desenvolvimento.
De acordo com o teórico, “os bebês precisam do carinho materno, de amor e compreensão. Deste modo, entende-se que a mãe conhecendo bem o seu bebê, é a pessoa mais indicada para prestar-lhe ajuda e o modo como ele solicita é por meio do choro” (Andrade et al, 2017 p. 03). O modo que o bebê encontra para comunicar-se com a mãe inicialmente, é através do choro. O atendimento às suas necessidades refletem o sentimento de cuidado, carinho, pertencimento e amor por parte da mãe. Tais fatores tendem a contribuir para a caracterização e fortalecimento da imagem da mãe suficientemente boa e que lhe proporciona um ambiente suficientemente bom, ambiente este que favorece este cuidado e amor por parte da mãe.
De acordo com o teórico, as transferências desses sentimentos por parte da mãe ao bebê, principalmente do cuidado e afeto, emergem de suas memórias e experiências mais primitivas. Assim,
[…] a capacidade da mãe para se adaptar às necessidades da criança não está relacionada à sua inteligência ou ao conhecimento racionalmente adquirido. O que a orienta é sua capacidade de identificação com o filho, e essa aptidão vem da sua própria experiência de ter sido um bebê e de ter recebido cuidados; ela guarda memórias corporais de conforto e segurança, além de experiências de intimidade pessoal. (CAMPANA, 20189 p. 36).
A construção do vínculo entre a mãe e o bebê inicia durante a gestação. Quando a mãe não consegue estabelecer este vínculo, o bebê é afetado diretamente. Isso pode ser percebido pois
(…) emoções positivas da mãe produzem no feto respostas como aumento da frequência cardíaca e, do mesmo modo, emoções negativas como temor, angústia e depressão produzem perturbações emocionais e alterações fisiológicas. Mães que vivem em constante estresse produzem maior quantidade de cortisol, que altera o cérebro tornando-o vulnerável a processos que destroem neurônios (SANTOS e SERRALHA, 2015 p. 08)
Desta forma, entendemos que o estabelecimento do vínculo mesmo que durante o período gestacional favorece o desenvolvimento do bebê na mesma medida que a falta dele, pode prejudicar em vários aspectos e refletir em etapas posteriores a essa fase. Desta forma, Winnicott reforça que,
(…) tanto a mãe quanto o ambiente devem ser suficientemente bons para que haja no bebê uma formação emocional saudável. Entretanto, caso a mãe não seja suficientemente boa e esse cuidado apresente falhas onde se estabeleça carências que não são corrigidas, o bebê poderá ter um comprometimento na constituição de sua subjetividade, devido a esta deficiente relação materna. A privação de relações objetais ao longo do primeiro ano de vida é prejudicial, que leva a sérios distúrbios emocionais na criança, como se esta estivesse sendo privada de algum elemento vital à sobrevivência. (BORSA, 2007 p. 316 apud Winnicott, 1998).
Winnicott em seus estudos, formula o conceito de ‘Preocupação Materna Primária’, que é definida “como sendo a capacidade de a mãe se identificar com o seu filho, condição que se inicia ao final da gestação e que dissipa-se algumas semanas após o nascimento do bebê, período também conhecido como ‘loucura normal’” (Weber, et al, 2021 p. 02).
Para o teórico,
[…] a preocupação materna primária proporciona um contexto para que a constituição da criança comece a se manifestar. Este conceito também é fundamental para a identificação adequada das necessidades do bebê. Em conseguinte, uma mãe suficientemente boa é aquela capaz de realizar adequadamente o holding, o handling e a apresentação de objeto ao bebê à medida em que se desenvolve. Uma vez que, inicialmente a criança é totalmente dependente da mãe e se desenvolve até a parcial independência, ou socialização. (ANDRADE, 2017 p. 7 apud PASSOS FERREIRA, 2014)
A partir da Preocupação Materna Primária, o teórico defende a ideia de que é fundamental que a mãe execute as três funções maternas: o holding, o handling e a apresentação do objeto. Podemos considerar que o holding relaciona-se a sustentação física e emocional, e a mãe representa estabilidade e o esteio para o bebê; já o handling diz respeito ao ato de proporcionar um bem-estar físico adequado ao bebê, o que favorece a introdução de sua vida psíquica; e por fim, a apresentação do objeto, que relaciona-se ao ato de entregar ao bebê o objeto desejado, indicando ao bebê que o mundo que lhe é apresentado aos poucos, pode lhe proporcionar o que precisa. (Andrade, et al, 2017 apud Winnicott 2000).
As três funções maternas acima relacionadas, podem ser comprometidas se, durante os primeiros meses de vida do bebê, a mãe desenvolver algum tipo de transtorno, como a DPP, pois,
A preocupação materna primária é um estado psicológico em que a mãe está mais sensível às necessidades emocionais e físicas do bebê. É um estado natural das mulheres no período da gravidez e algumas semanas após o nascimento do bebê. A mãe que desenvolve a preocupação materna primária pode facilitar ao bebê uma vivência mais tranquila nos primeiros momentos de sua vida. (TELLES, et al, 2010 p. 110).
A partir do momento em que há o comprometimento do vínculo entre a mãe e o bebê há também consequentemente o comprometimento da realização das tarefas que envolvem a preocupação materna primária. A mãe não consegue transmitir segurança, sustentação física e emocional ao bebê se ela mesmo não encontra estabilidade emocional para isso. Ou seja, não consegue efetivamente realizar o holding. De forma semelhante, com o desenvolvimento da DPP, é comum que a mãe não queira ter muito contato com o bebê, fazendo com que a função do handling não seja cumprida por ela, e sim por pessoas próximas, sejam da família ou da rede de apoio que prestam algum tipo de suporte à mãe nos cuidados para com o bebê. E por fim, a apresentação do objeto é prejudica pela falta do contato. De acordo com Coutinho (2016), “o afastamento ou separação da criança pela necessidade de ser cuidada por outra pessoa pode dificultar ainda mais o estabelecimento de vínculos afetivos e fortalecer a sensação de inadequação materna”.
De acordo com a teoria de Winnicott, esses cuidados podem refletir na idade adulta. Em sua teoria, o autor conserva a ideia de que o bebê não é uma única pessoa, separado de sua mãe, e que a mãe é o primeiro ambiente do qual o bebê será inserido. Portanto, através da maneira como a mãe irá oferecer os cuidados necessários ao bebê, consequentemente estará formando sua saúde mental futura (Silva, 2014 p. 17).
Winnicott (1975), aponta que o fato dos bebês se converterem em adultos saudáveis, em indivíduos independentes, mas socialmente preocupados, depende totalmente de que lhes seja dado um bom princípio, o qual está assegurado pelo vínculo do amor (Andrade, et al, 2017 apud Winnicott 1975). Assim, entende-se que a estrutura que a mãe proporciona ao bebê nos primeiros momentos de sua vida são considerados fatores determinantes para a formação de um adulto saudável e independente.
CONSIDERAÇÃO FINAL
Por ser considerado pela Organização Mundial da Saúde – OMS como o “mal do século”, encontramos atualmente diversos estudos sobre o Transtorno Depressivo, mas ainda carecemos de mais estudos de transtornos de ordem psicoafetiva e que tem origem no transtorno depressivo, como a DPP. Devido a existência de fatores que podem ser pré determinantes para o desencadeamento da DPP, não se tem definido exatamente uma causa identificada como motivo para a ocorrência do transtorno. Pode acometer qualquer mulher que esteja passando pelo puerpério.
Após a identificação dos sintomas e o diagnóstico preciso, o tratamento é indicado pelo especialista de acordo com a gravidade do caso. É indicado tratamento psicoterapêutico que proporcionará segurança e sensação de compreensão, e devolverá à mulher a autoconfiança, através da verbalização e expressão dos seus medos, sentimentos e anseios em relação à maternidade e aos desafios por ela encontrados. Quando somente o tratamento psicoterapêutico não é eficaz, o médico pode indicar, de acordo com a avaliação do caso, o tratamento medicamentoso associado com as terapias. (Lopes, 2020)
Neste sentido, se faz fundamental o apoio da família, seja o pai do bebê ou mesmo dos demais familiares ou pessoas que compõem a rede de apoio da mãe. O processo de formação do vínculo da mãe para com o bebê se dá com o passar do tempo, e o desenvolvimento da DPP retarda esse momento. A sensação de cuidado e segurança que o bebê precisa ter da mãe somente será percebida por ele quando a mãe sentir-se da mesma maneira, confiante e segura sobre esta nova fase de sua vida. Tal processo, conforme visto no decorrer deste artigo, pode variar entre 06 meses a 01 ano e requer paciência e compreensão.
É preciso ressaltar que com a chegada do bebê é comum o surgimento de muitas ansiedades. Os “lutos” vivenciados na transição gravidez-maternidade podem incluir a perda do corpo gravídico; o não retorno imediato do corpo original; a separação mãe/bebê; o bebê deixar de ser idealizado e passar a ser enxergado como um ser real e diferente da mãe; e a postergação das necessidades próprias em função das necessidades do bebê. Todos esses fatores contribuem para a fixação dos sintomas depressivos
O objetivo deste artigo baseou-se na perspectiva de demonstrar e esclarecer os principais sintomas que caracterizam a DPP assim como ratificar o quanto a falta do vínculo entre mãe e bebê reflete no desenvolvimento deste. Ao desenvolver a DPP, o vínculo entre a mãe e o bebê é afetado diretamente, pois a mãe não consegue cumprir com os aspectos primordiais e imprescindíveis para suprir as necessidades do bebê nos seus primeiros momentos de vida. A ausência do amor, do carinho, compreensão e dos aspectos que a tornam uma mãe suficientemente boa, refletem nos comportamentos do bebê e no futuro, podem ter relação com a formação de um adulto socialmente preocupado e dependente.
REFERÊNCIAS
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