DEFICIÊNCIA RELATIVA DE ENERGIA NO ESPORTE (RED-S) COMO CAUSA DE HIPOGONADISMO EM ATLETAS HOMENS: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202508270945


Thales Peixoto Pimenta
Orientador: Prof. Paulo Henrique Oliveira Lage


RESUMO

Esta revisão bibliográfica sistemática teve como objetivo analisar as evidências científicas que estabelecem a Deficiência Relativa de Energia no Esporte (RED-S) como a principal causa de hipogonadismo em homens atletas de endurance. A busca por artigos foi conduzida na plataforma Google Scholar, abrangendo publicações de 2005 a 2025, utilizando descritores como “hipogonadismo”, “RED-S”, “baixa disponibilidade energética”, “atletas masculinos” e “hormônios”, combinados por operadores booleanos. Foram incluídos estudos originais, revisões e teses em inglês ou espanhol, com foco na etiologia do hipogonadismo relacionado ao RED-S e excluindo outras causas ou uso de doping. A análise da literatura consolidou que a baixa disponibilidade energética crônica suprime o eixo hipotálamo-hipófise-gonadal (HHG), resultando na redução da testosterona. As manifestações clínicas, embora por vezes sutis, acarretam impactos significativos na saúde óssea, função imunológica, desempenho e longevidade esportiva. O diagnóstico exige abordagem clínica detalhada e exames laboratoriais criteriosos. Conclui-se que o RED-S é um fator etiológico predominante para o hipogonadismo em homens atletas, reforçando a necessidade de uma abordagem preventiva e multidisciplinar para sua identificação e manejo, visando à saúde integral e otimização do potencial atlético. Lacunas em estudos longitudinais de intervenção e biomarcadores precisos demandam futuras investigações.

Palavras-chave: Hipogonadismo. Testosterona. Deficiência Relativa de Energia no Esporte (RED-S). Atletas Masculinos. Endocrinologia Esportiva. 

 ABSTRACT

This systematic literature review aimed to analyze the scientific evidence establishing Relative Energy Deficiency in Sport (RED-S) as the primary cause of hypogonadism in male endurance athletes. The literature search was conducted on the Google Scholar platform, covering publications from 2005 to 2025. Search terms included “hypogonadism,” “RED-S,” “low energy availability,” “male athletes,” and “hormones,” combined using Boolean operators. Original studies, reviews, and theses published in English or Spanish were included, focusing on the etiological relationship between RED-S and hypogonadism, while excluding other causes or the use of doping. The analysis of the literature consolidated the understanding that chronic low energy availability suppresses the hypothalamic-pituitary-gonadal (HPG) axis, leading to reduced testosterone levels. Clinical manifestations, though sometimes subtle, significantly impact bone mineral density, immune function, athletic performance, and longevity in sports. Diagnosis requires a detailed clinical approach and careful interpretation of laboratory tests. It is concluded that RED-S is a predominant etiological factor for hypogonadism in male athletes, reinforcing the imperative need for a preventive and multidisciplinary approach to its identification and management, aiming at integral health and optimization of athletic potential. Gaps in longitudinal intervention studies and precise biomarkers demand future investigations.

Keywords: Hypogonadism. Testosterone. Relative Energy Deficiency in Sport (REDS). Male Athletes. Sports Endocrinology.

1 INTRODUÇÃO

No cenário do esporte de alto rendimento, a busca incessante por otimizar a performance e alcançar resultados expressivos frequentemente leva atletas a regimes de treinamento extenuantes e, por vezes, a restrições nutricionais significativas. Contudo, essa dedicação intensa, embora crucial para o sucesso esportivo, pode inadvertidamente desencadear uma série de desafios homeostáticos e fisiológicos, com implicações diretas para a saúde hormonal desses indivíduos. Entre as diversas condições que emergem nesse contexto, o hipogonadismo em atletas masculinos se destaca como uma preocupação clínica crescente. 

O hipogonadismo em homens é uma condição médica caracterizada pela redução dos níveis circulantes de testosterona, sendo causada por uma deficiência da função testicular, onde o hormônio sexual é secretado a partir das células de Leydig, em resposta ao hormônio luteinizante (LH) (HACKNEY; MOORE; BROWNLEE, 2005). Essa condição pode se manifestar de maneiras variadas, incluindo baixa libido, fadiga persistente, redução da massa muscular e alterações de humor, impactando não apenas o desempenho atlético, mas a qualidade de vida geral (HOOPER et al., 2017; DI LUIGI et al., 2010).

Historicamente, as discussões sobre desregulações hormonais relacionadas ao exercício tendiam a focar predominantemente em atletas femininas, particularmente na Tríade da Atleta Feminina. No entanto, pesquisas mais recentes vêm destacando que os atletas masculinos também são suscetíveis a distúrbios hormonais induzidos pelo treinamento intenso, revelando um paralelo importante e frequentemente subestimado (TENFORDE et al., 2016). 

Dentro dessa perspectiva mais ampla, a Deficiência Relativa de Energia no Esporte (RED-S) surge como um conceito chave, descrevendo uma síndrome multifacetada onde a baixa disponibilidade de energia — uma assimetria persistente entre a energia consumida e a energia gasta no treinamento e nas funções fisiológicas basais — compromete inúmeros sistemas fisiológicos (DIPLA et al., 2021; ANGELIDI et al., 2024; DAVE; FISHER, 2022). 

Dessa forma, não se trata meramente de distúrbios alimentares, mas de um balanço energético cronicamente negativo que, sem a devida atenção, pode degradar a saúde do atleta de forma silenciosa e progressiva. A conexão entre a baixa disponibilidade energética do RED-S e o desenvolvimento do hipogonadismo em atletas masculinos é um campo de crescente interesse e com relevantes implicações clínicas. Evidências sugerem que a energia insuficiente para sustentar as demandas metabólicas do corpo e do treinamento pode suprimir o eixo hipotálamo-hipófisegonadal, resultando na diminuição da produção de testosterona (CUPKA; SEDLIAK, 2023; DIPLA et al., 2021; ANGELIDI et al., 2024). 

Essa supressão acarreta consequências significativas, variando desde a redução da densidade mineral óssea e o aumento do risco de lesões por estresse até impactos negativos no sistema imunológico e na saúde cardiovascular a longo prazo, adicionalmente, compromete diretamente a capacidade de recuperação e adaptação ao treinamento (SKILES, 2021; MCCALL; ACKERMAN, 2019). 

Diante da complexidade e da relevância do tema, faz-se imperativa uma análise aprofundada das bases etiológicas do hipogonadismo em atletas masculinos no contexto do RED-S. Apesar do crescente corpo de literatura, ainda há a necessidade de sintetizar o conhecimento existente para oferecer uma compreensão clara e consolidada dos mecanismos envolvidos e de suas implicações clínicas e práticas. 

Esta revisão bibliográfica tem, portanto, como objetivo analisar as evidências científicas atuais que sustentam a Deficiência Relativa de Energia no Esporte (RED-S) como causa de hipogonadismo em homens atletas de alto rendimento, explorando a apresentação clínica, os mecanismos fisiológicos subjacentes, o diagnóstico e suas repercussões na saúde e performance, a curto e longo prazo. Dessa forma, a consolidação dessas informações poderá contribuir para auxiliar profissionais de saúde e do esporte na identificação precoce e no manejo adequado dessa condição, promovendo a longevidade e o bem-estar dos atletas.

2 METODOLOGIA 

Para alcançar os objetivos propostos por esta revisão, optou-se por uma abordagem de revisão bibliográfica sistemática, visando à identificação, seleção e análise criteriosa da literatura científica pertinente. A busca por artigos foi conduzida exclusivamente na plataforma Google Scholar, utilizando-se um conjunto de descritores controlados e suas combinações. Foram empregados termos como “hipogonadismo”, “RED-S”, “baixa disponibilidade energética”, “atletas masculinos” e “hormônios”, combinados por operadores booleanos (“AND”, “OR”), a fim de maximizar a abrangência da pesquisa em relação ao tema central.

A busca inicial resultou em 34 artigos, através do uso dos descritores. A seleção dos artigos abrangeu artigos publicados de 2005 a 2025, a fim de buscar fontes consolidadas e recentes, obras anteriores a 2005 foram excluídas por correrem o risco de estarem desatualizadas, garantindo a análise de um corpo de conhecimento com relevância contemporânea para o campo. 

Os critérios de inclusão abarcaram estudos originais, artigos de revisão e teses, publicados em idiomas inglês ou espanhol, que abordassem diretamente a relação etiológica entre a Deficiência Relativa de Energia no Esporte (RED-S) e o hipogonadismo em atletas do sexo masculino. Excluíram-se trabalhos que não se enquadram nesses critérios temáticos ou populacionais, bem como aqueles que se concentravam exclusivamente em outras causas de hipogonadismo não relacionadas ao balanço energético esportivo, ou que discutiam o uso de substâncias proibidas (doping).

Após a aplicação desses critérios, 18 artigos foram rejeitados na primeira triagem, realizada a partir da leitura de títulos e resumos, por não atenderem aos parâmetros de elegibilidade. Os 16 artigos restantes, que atenderam aos requisitos, foram submetidos à leitura completa. Desses, 10 foram excluídos após a análise plena do texto, por não atender aos critérios descritos, resultando em um total de 6 artigos que compuseram o corpus final desta revisão. A extração e síntese das informações mais relevantes desses artigos subsidiaram a discussão e as conclusões deste trabalho.

3 DESENVOLVIMENTO

3.1 DEFINIÇÃO DE “EXERCISE-HYPOGONADAL MALE CONDITION”

A testosterona é um hormônio indispensável para o desenvolvimento das características masculinas e também exerce um papel fundamental na síntese de proteínas. Contudo, apesar dos reconhecidos benefícios do exercício aeróbico, volumes elevados de atividade física, como os observados em treinamentos para maratonas, ultramaratonas e endurance no geral, têm sido consistentemente associados à redução das concentrações de testosterona (HOOPER, 2015).

Nesse contexto de alterações hormonais induzidas pelo exercício, o hipogonadismo em homens atletas não é um fenômeno homogêneo, e a literatura científica tem dedicado atenção crescente a uma condição específica denominada “Exercise-Hypogonadal Male Condition” (EHMC), cunhada anteriormente por Hackney e colaboradores, essa terminologia descreve um estado testosterona abaixo de níveis fisiológicos esperados para idade e sexo masculino, que se submeteram a treinamento físico intenso e crônico, especialmente em modalidades de endurance (HACKNEY, 2008; HACKNEY; MOORE; BROWNLEE, 2005). 

O EHMC se caracteriza pela supressão do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, resultando em níveis reduzidos de testosterona circulante, frequentemente acompanhados por sintomas como diminuição da libido, fadiga, lesões por estresse, alterações de humor e perda de massa muscular e óssea (HOOPER, 2015; HOOPER et al., 2017).

Inicialmente, a discussão em torno do EHMC levantou questões sobre se essa condição representava uma adaptação fisiológica benigna ao estresse do exercício, ou uma verdadeira disfunção clínica que poderia acarretar consequências adversas à saúde e ao desempenho do atleta (HACKNEY, 2020). 

Embora o debate sobre a natureza adaptativa ou disfuncional persista em certos aspectos, o consenso atual aponta para a importância de investigar as causas subjacentes dessa supressão hormonal, especialmente quando os sintomas clínicos são evidentes e impactam negativamente o bem-estar do indivíduo. 

É nesse ponto que a Deficiência Relativa de Energia no Esporte (REDS) emerge como um fator etiológico predominante, fornecendo uma explicação robusta para grande parte dos casos de EHMC observados na prática clínica e na pesquisa. Para compreender a fundo essa relação etiológica, faz-se necessário, portanto, detalhar a natureza do RED-S e os complexos mecanismos fisiopatológicos que o conectam à supressão hormonal em homens atletas.

3.2 DEFINIÇÃO DE “RELATIVE ENERGY DEFICIENCY IN SPORT” E MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS

A Deficiência Relativa de Energia no Esporte (RED-S), um conceito amplamente reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional (DIPLA et al., 2021), transcende a noção simplista de distúrbios alimentares, configurando-se como uma síndrome complexa resultante de uma disponibilidade energética cronicamente baixa. Isso ocorre quando a ingestão calórica é insuficiente para cobrir o gasto energético do exercício e as necessidades metabólicas básicas para a manutenção das funções fisiológicas essenciais do corpo (ANGELIDI et al., 2024; DAVE; FISHER, 2022). 

Embora o RED-S seja frequentemente associado a atletas femininas, particularmente pela manifestação da amenorreia, é crucial destacar que homens atletas também são suscetíveis, apresentando uma gama similar de comprometimentos sistêmicos, incluindo disfunções endócrinas. Contudo, essas alterações nem sempre são tão perceptíveis pelos pacientes, o que pode não gerar queixas e, consequentemente, dificultar a investigação, resultando em uma menor taxa de diagnósticos baseados em manifestações clínicas (TENFORDE et al., 2016).

Os mecanismos fisiológicos pelos quais o RED-S induz o hipogonadismo em homens atletas são multifatoriais e interligados, centrando-se na desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal (HHG) (CUPKA; SEDLIAK, 2023). A baixa disponibilidade energética atua como um estressor metabólico, sinalizando ao hipotálamo a necessidade de conservar energia, resultando na supressão da secreção de hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH). 

Essa supressão hipotalâmica, por sua vez, leva a uma diminuição na liberação de hormônio luteinizante (LH) e hormônio folículo-estimulante (FSH) pela hipófise, que são os principais estimuladores da produção de testosterona pelas células de Leydig nos testículos (MCCALL; ACKERMAN, 2019). 

Adicionalmente, alterações em outros hormônios e metabólitos, como a leptina (que reflete os estoques de energia), a grelina, o cortisol e os hormônios tireoidianos, também contribuem para a modulação negativa do eixo HHG, exacerbando a redução dos níveis de testosterona circulante (DIPLA et al., 2021; ANGELIDI et al., 2024). 

A cronicidade desse estado de baixa energia impede a recuperação e a normalização hormonal, consolidando o quadro de hipogonadismo e suas repercussões na saúde geral e no desempenho esportivo (BAILEY, 2023; KUIKMAN et al., 2021). Tendo em vista a consolidação do quadro de hipogonadismo, a próxima seção se aprofunda em suas repercussões sistêmicas e no impacto prático sobre a saúde e a performance de atletas com RED-S.

3.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO HIPOGONADISMO EM ATLETAS COM REDS E O IMPACTO NA SAÚDE E PERFORMANCE

As alterações hormonais induzidas pela Deficiência Relativa de Energia no Esporte (RED-S) não se restringem a meras flutuações laboratoriais; elas se traduzem em um espectro de manifestações clínicas que podem comprometer significativamente a saúde e o desempenho de homens atletas. A redução crônica dos níveis de testosterona, característica do hipogonadismo nesse contexto, está associada a uma série de sinais e sintomas que, embora por vezes sutis, podem ter um impacto cumulativo considerável. 

Sendo assim, as queixas mais frequentemente relatadas, destacam-se a diminuição da libido, a fadiga persistente que não melhora com o repouso adequado, e alterações no humor, como irritabilidade ou sintomas depressivos (HOOPER et al., 2017; DI LUIGI et al., 2010). Além disso, a perda de massa muscular e a dificuldade em ganhar força, mesmo com treinamento adequado, são observações comuns, refletindo o papel anabólico crucial da testosterona (HOOPER, 2015).

Para além dos sintomas percebidos pelo atleta, o hipogonadismo induzido pelo RED-S acarreta repercussões sistêmicas de maior gravidade. A saúde óssea é particularmente vulnerável, com a testosterona desempenhando um papel fundamental na manutenção da densidade mineral óssea (DMO). Níveis cronicamente baixos desse hormônio podem levar à osteopenia e, em casos mais graves, à osteoporose, aumentando o risco de fraturas por estresse, uma preocupação significativa para atletas (SKILES, 2021). 

Adicionalmente, o sistema imunológico também pode ser afetado, tornando o atleta mais suscetível a infecções e prolongando o tempo de recuperação de doenças (MCCALL; ACKERMAN, 2019). Há, ainda, implicações para a saúde cardiovascular, embora essa relação no contexto do RED-S em atletas masculinos ainda seja um campo em evolução, mas que merece atenção (MCCALL; ACKERMAN, 2019).

No que tange ao desempenho esportivo, o impacto do hipogonadismo é multifacetado. A fadiga crônica e a diminuição da força muscular podem levar a uma redução na capacidade de treinamento e na performance em competições (HACKNEY; HOOPER, 2019). A recuperação pós-exercício é comprometida, o que pode exacerbar o estado de baixa energia e criar um ciclo vicioso. 

Além disso, a capacidade de adaptação ao treinamento, incluindo o ganho de massa muscular e a otimização da composição corporal, é prejudicada, limitando o potencial atlético do indivíduo (HACKNEY; AGGON, 2018). Em suma, o hipogonadismo associado ao RED-S não é apenas uma questão de bem-estar, mas um fator limitante para a performance esportiva e a longevidade na prática esportiva. Tendo em vista as manifestações e os impactos discutidos, a identificação do hipogonadismo em homens atletas requer uma abordagem diagnóstica específica, que será detalhada a seguir.

3.4 DIAGNÓSTICO

O diagnóstico do hipogonadismo em homens atletas, particularmente quando associado à Deficiência Relativa de Energia no Esporte (RED-S), apresenta desafios específicos que exigem uma abordagem cuidadosa e multifacetada por parte dos profissionais de saúde. Diferentemente do sexo feminino, onde os sintomas clássicos podem ser mais evidentes, a apresentação clínica em homens pode ser sutil ou mascarada pela fadiga inerente ao treinamento intenso, como já mencionado. Portanto, a suspeita clínica, fundamentada na análise de queixas do paciente (mesmo que inespecíficas) e na experiência do profissional, constitui a etapa inicial e decisiva para o diagnóstico de EHMC associada ao RED-S.

A investigação diagnóstica inicia-se com uma anamnese detalhada, que deve incluir não apenas a avaliação dos sintomas de hipogonadismo (como alterações na libido, humor, energia, sono e recuperação), mas também um questionamento aprofundado sobre os hábitos alimentares, o volume e a intensidade do treinamento, caracterizados pela quantidade de dias de treino na semana, e a quantidade em horas de exercício físico, além da modalidade, histórico de lesões e a percepção do atleta sobre seu balanço energético e fadiga (HOOPER et al., 2017). 

É fundamental identificar sinais de baixa disponibilidade energética, como rápida perda de peso não intencional, restrição calórica excessiva, aumento de infecções e recuperações lentas, excesso de fadiga subjetiva discrepante com o padrão de exercício praticado ou padrões alimentares disfuncionais (HOOPER et al., 2017).

Complementarmente à avaliação clínica, a mensuração dos níveis séricos de testosterona é essencial para a confirmação laboratorial do hipogonadismo. Recomenda-se a dosagem da testosterona total, preferencialmente pela manhã, e, se clinicamente indicado, a testosterona livre ou biodisponível. No entanto, é importante interpretar esses resultados com cautela no contexto do atleta,  os níveis podem flutuar devido ao estresse do exercício e ao ritmo circadiano. 

É recomendado repetir os exames em diferentes momentos do ciclo de treinamento e a avaliação de outros marcadores hormonais, como o hormônio luteinizante (LH) e o hormônio folículo-estimulante (FSH), são importantes para diferenciar entre hipogonadismo primário (problema testicular) e secundário (problema hipotalâmico-hipofisário), sendo este último o mais comum no RED-S (MCCALL; ACKERMAN, 2019). 

Outros exames, como a densitometria óssea, podem ser indicados para avaliar as consequências a longo prazo na saúde óssea (SKILES, 2021). O diagnóstico diferencial é crucial para excluir outras condições que possam mimetizar os sintomas ou causar baixa testosterona, como o overtraining não relacionado à baixa energia, doenças crônicas ou o uso de substâncias proibidas (HACKNEY, 2020). 

Assim, a colaboração entre médicos, nutricionistas e treinadores é, portanto, indispensável para uma avaliação diagnóstica precisa e um plano de manejo eficaz. Embora as abordagens diagnósticas e de manejo sejam cruciais, uma análise mais aprofundada da literatura revela que muitos desafios metodológicos e lacunas no conhecimento ainda persistem, os quais serão discutidos a seguir.

3.5 DISCUSSÃO CRÍTICA

Apesar do crescente corpo de evidências que solidificam a Deficiência Relativa de Energia no Esporte (RED-S) como uma etiologia primária para o hipogonadismo em homens atletas, é imperativo que a literatura existente seja analisada sob uma perspectiva crítica, reconhecendo suas limitações e as lacunas no conhecimento que ainda persistem. Muitos dos estudos que investigam essa relação, embora valiosos, frequentemente apresentam desafios metodológicos que podem influenciar a generalização de seus achados.

Uma das principais limitações reside no tamanho e na diversidade das amostras estudadas. Frequentemente, as pesquisas são conduzidas com grupos relativamente pequenos de atletas, concentrados em modalidades específicas de endurance (HACKNEY; LANE, 2018; HOOPER et al., 2019), o que pode dificultar a extrapolação dos resultados para uma população atlética mais ampla, incluindo atletas de força ou de esportes intermitentes. 

Além disso, a natureza transversal de muitos desses estudos impede o estabelecimento de uma relação de causalidade definitiva, permitindo apenas a identificação de associações. Embora revisões sistemáticas e meta-análises busquem consolidar essas associações, a heterogeneidade nos métodos de avaliação da disponibilidade energética e dos níveis hormonais entre os estudos pode introduzir vieses e dificultar comparações diretas (BAILEY, 2023).

Outro ponto crítico é a complexidade do diagnóstico do RED-S em si. A mensuração precisa da disponibilidade energética é desafiadora na prática, dependendo de relatos dietéticos e de atividade física que podem ser imprecisos. A ausência de um biomarcador único e universalmente aceito para a baixa disponibilidade energética dificulta o diagnóstico objetivo e a padronização das pesquisas (KUIKMAN et al., 2021). Consequentemente, a identificação do hipogonadismo causado pelo RED-S, e não por outras comorbidades ou fatores de estresse não energéticos, permanece um desafio diagnóstico e de pesquisa (HACKNEY, 2020).

Adicionalmente, as lacunas no conhecimento são notáveis em diversas áreas. Há uma carência de estudos longitudinais de intervenção que acompanhem atletas ao longo do tempo, avaliando a reversão do hipogonadismo com o aumento da disponibilidade energética e a modificação do treinamento. Tais estudos seriam cruciais para fortalecer a evidência causal e determinar as estratégias de manejo mais eficazes (KUIKMAN et al., 2021). 

A compreensão das diferenças individuais na suscetibilidade ao hipogonadismo induzido pelo RED-S, considerando fatores genéticos, epigenéticos e a variabilidade na resposta adaptativa ao estresse, também é uma área que necessita de maior investigação. Finalmente, a implementação de estratégias de prevenção e educação sobre o RED-S e suas consequências hormonais em ambientes esportivos ainda é incipiente em muitas regiões, destacando a necessidade de pesquisas aplicadas que avaliem a efetividade de programas de intervenção.

As análises acima estão diretamente relacionadas ao conceito de Deficiência Relativa de Energia no Esporte (RED-S), apresentado por Mountjoy et al. em 2014, no Consenso do Comitê Olímpico Internacional. Diante de todas as informações apresentadas até aqui, é possível notar que o RED-S é um fator etiológico predominante para o hipogonadismo em homens atletas, com importantes implicações para a saúde e o desempenho esportivo, embora a sua identificação e o manejo ainda enfrentem desafios. E, assim, no próximo capítulo, serão apresentadas as considerações finais desta revisão, sintetizando os principais achados e reforçando a necessidade de uma abordagem multidisciplinar e de futuras investigações para aprimorar o cuidado com essa população.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta revisão bibliográfica teve como objetivo principal analisar as evidências científicas que estabelecem a Deficiência Relativa de Energia no Esporte (RED-S) como a principal causa de hipogonadismo em homens atletas de endurance. Através de uma análise sistemática da literatura, foi possível consolidar o entendimento de que a baixa disponibilidade energética crônica, resultante de um desequilíbrio entre a ingestão calórica e o gasto energético do treinamento e das funções basais, representa um fator etiológico predominante para a supressão do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal (HHG) e, consequentemente, para a redução dos níveis de testosterona nesses indivíduos (DIPLA et al., 2021; ANGELIDI et al., 2024; CUPKA; SEDLIAK, 2023).

As manifestações clínicas do hipogonadismo induzido pelo RED-S em homens atletas, embora por vezes sutis e de difícil percepção inicial (TENFORDE et al., 2016), podem acarretar consequências significativas para a saúde, incluindo impactos na densidade mineral óssea (SKILES, 2021), na função imunológica e, notavelmente, no desempenho e na longevidade na prática esportiva (HACKNEY; HOOPER, 2019; HACKNEY; AGGON, 2018). O diagnóstico, portanto, exige uma abordagem clínica detalhada e a interpretação criteriosa de exames laboratoriais, considerando as particularidades da população atlética.

Profissionais de saúde, incluindo médicos, nutricionistas e preparadores físicos, devem estar atentos aos sinais e sintomas inespecíficos, bem como aos padrões de treinamento e alimentação que possam indicar baixa disponibilidade energética. A intervenção primária deve focar na restauração do balanço energético adequado, através de ajustes nutricionais e, quando necessário, da modulação da carga de treinamento (KUIKMAN et al., 2021). 

A abordagem multidisciplinar é essencial não apenas para reverter o quadro de hipogonadismo, mas para manter a saúde integral e otimizar o potencial atlético a longo prazo. Em termos de implicações clínicas e práticas, a presente revisão reforça a necessidade imperativa de uma abordagem preventiva na identificação e manejo do RED-S em homens atletas. 

Apesar dos avanços, o campo ainda apresenta lacunas significativas que demandam investigação futura. A carência de estudos longitudinais de intervenção, que avaliem a eficácia de estratégias de manejo e a reversão do hipogonadismo ao longo do tempo, é uma limitação notável na literatura atual. Além disso, a pesquisa sobre biomarcadores mais precisos para a baixa disponibilidade energética e a compreensão das diferenças individuais na suscetibilidade ao RED-S e suas consequências hormonais permanecem como áreas prioritárias. A implementação e avaliação de programas de prevenção e educação em ambientes esportivos também se mostram como um caminho promissor para mitigar a incidência dessa condição.

REFERÊNCIAS

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