DECOLONIZAÇÃO COMO FORMA DE LIBERTAÇÃO E EVOLUÇÃO DOS POVOS HISTÓRICO E CULTURALMENTE INFERIORIZADOS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102502171052


  Olinda Beatriz Trevisol Meneghini
Luiza Orrigo Silva
Josemar  de Campos Maciel


 RESUMO

O presente artigo trata dos conceitos de: colonialismo como forma de inferiorizar os colonizados e o decolonialismo como forma de libertação dos povos humilhados por seus colonizadores. Foram abordados os conceitos e suas implicações nas práticas culturais, históricas e econômicas fora da Europa, do ponto de vista de Aníbal Quijano.

O autor, sociólogo peruano, foi um dos primeiros a tecer um estudo científico a respeito do tema. Em suma, o artigo trata sobre os pressupostos históricos, as produções científicas que ganharam espaço institucional e visibilidade global sob a insígnia do pós-colonialismo.

A ideia de superioridade europeia chega na America com a corrida do ouro, prata e outras mercadorias de valor através do trabalho forçado dos indígenas, negros e mestiços.  Em síntese, o artigo apresenta a complexidade do conceito de Estado-nação moderno na américa latina que se conceitua como um fenômeno histórico e político específico que pode ser definido como uma sociedade nacionalizada, com organização estatal, instituída com o modelo de governança democrático e cidadão.

Palavraschave:  decolonização, domínio político, racismo, práticas culturais

 ABSTRACT

This article deals with the concepts of: colonialism as a way of inferiorizing the colonized and decolonization as a form of liberation of peoples humiliated by their colonizers. The concepts and their implications in cultural, historical and economic practices outside Europe were addressed, from the point of view of Aníbal Quijano. The author, a Peruvian sociologist, was one of the first to weave a scientific study on the subject. In short, the article deals with the historical assumptions, the scientific productions that have gained institutional space and global visibility under the banner of postcolonialism.  The idea of European superiority arrived in America with the rush of gold, silver and other valuable commodities through the forced labor of indigenous, black and mestizo people.  In summary, the article presents the complexity of the concept of the modern nation-state in Latin America, which is conceptualized as a specific historical and political phenomenon that can be defined as a nationalized society, with state organization, instituted with the democratic and citizen governance model.

Keywords: decolonization, political domination, racism, cultural practices

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas muitas produções teóricas a respeito do tema de decolonialismo ganharam espaço institucional e visibilidade, no conceito de colonialismo, colonialidade, pós-colonialismo, decolonização e colonialidade que, com todas suas nuances supõe não só uma adesão de ideias abstratas, mas uma forma de atitude prática.

Segundo TOLEDO, Aureo (2021) o colonialismo é uma prática de domínio político, cultural ou religioso de um território sobre outro, exercida por uma potência externa. O colonialismo foi um período histórico marcado pela expansão territorial e pela dominação de metrópoles sobre colônias.

A Colonialidade é a ideia de que, mesmo após o fim do colonialismo, uma lógica de relação colonial permanece entre os povos colonizados.  É um termo que se refere a um conjunto de práticas, estudos, pesquisas e conceitos cujo objetivo é diminuir ou reverter os efeitos da colonização em sociedades colonizadas.

 A decolonização busca valorizar os saberes de grupos, comunidades e indivíduos subalternizados, e produzir formas de conhecimento que não sigam a lógica da colonialidade. Pode ser compreendida como uma contraposição à colonialidade, que é a ideia de que mesmo após o fim do colonialismo, uma lógica colonial permanece entre os modos de vida, os saberes, os Estados-Nação e os diferentes grupos humanos. Uma atitude decolonial pode ser, por exemplo, questionar a imagem construída dos indígenas como um povo supostamente “preguiçoso”, que “só quer mais e mais terras”. O pensamento decolonial se coloca como uma alternativa para dar voz e visibilidade aos povos subalternizados e oprimidos que durante muito tempo foram silenciados.

Pós-colonialismo é uma abordagem teórica que analisa as consequências do colonialismo e do imperialismo, tanto nos países colonizados quanto nos colonizadores. A decolonização é um conjunto de práticas, conceitos, pesquisas e estudos que visam diminuir ou reverter os efeitos da colonização nas sociedades. O decolonialismo é uma luta contra o racismo como herança do colonialismo. O pensamento decolonial busca o direito à diferença e uma abertura para um pensamento-outro. 

Foi adotado o método de revisão bibliográfica, com levantamento, análise e descrição de publicações científicas a respeito de decolonização especialmente de Aníbal Quijano. O estudo tem como objetivo fornecer uma visão geral do estado da arte do tema abordado e identificar as principais contribuições no assunto pesquisado.

O eixo central de análise baseia-se na obra de Anibal Quijano (2005) A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Quijano foi um dos primeiros pesquisadores a respeito do colonialismo na América Latiana.

  1. PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS

 Após estudos científicos, as teorias pós-coloniais se disseminaram no sentido comum de questionar a narrativa ocidental da modernidade e, a partir de suas margens, revelar o subalterno como parte constitutiva dessa experiência histórica.

Para tais teorias, a narrativa hegemônica da modernidade conferiu à Europa um lócus privilegiado de enunciação, que, mesmo após o fim do período colonial, permaneceu favorecendo aspectos da cultura européia em detrimento de outras referências de vida. Sérgio Costa (2006) concebe esse conjunto de movimentos teóricos como novas propostas epistemológicas definidas pelo “método da desconstrução dos essencialismos”. (COSTA, 2006, p.117)

Essas contribuições intelectuais, segundo ele, colocaram a si a incumbência de desconstruir a fronteira cultural constituída historicamente no seio da colonização, mas que reproduz até hoje, entre o primeiro e o terceiro mundo, uma relação dicotômica. 

 Principais teóricos Aníbal Quijano: Sociólogo peruano que escreveu sobre a Colonialidade do poder. Catherine Walsh: Pedagoga e estudiosa do grupo MCD (Modernidade, Colonialidade e Decolonialidade), Immanuel Wallerstein: Sociólogo que escreveu sobre a teoria do sistema-mundo, Nelson Maldonado-Torres: Filósofo que cunhou o termo “Giro Decolonial” ,Walter Mignolo: Semiólogo e estudioso do grupo MCD, Ramón Grosfoguel: Sociólogo, Aimé Césaire: Clássico do pensamento negro, Frantz Fanon: Clássico do pensamento negro, Ernesto Dussel: Filósofo que escreveu sobre a filosofia da libertação e Joaquín Torres Garcia: Uruguaio que propôs a “Escuela del Sur” em 1935.

Figura 1: Anibal Quijano

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/An%C3%ADbal_Quijano (acesso em 10 de janeiro de 2025)

Desde o final da década de 1990, com as pesquisas de Aníbal Quijano (1928-2018) sobre a colonialidade, um conjunto de estudos passou a ser articulado que, a partir de então, tem procurado retomar uma série de problemáticas histórico-sociais que eram consideradas encerradas ou resolvidas nas ciências sociais latino-americanas. A revisão da constituição histórica da modernidade e de suas transformações na América Latina foi o nodo a partir do qual essas questões se articularam, à luz da categoria colonialidade como o reverso da modernidade.

Quijano cita a globalização e o capitalismo como fatores para constituir a modalidade de conquistadores e conquistado na América, subjugando as raças como supostamente inferiores biologicamente a ponto de situar a inferioridade natural dos colonizados. Além disso, relações sociais fundadas nessa ideia, produziu na América identidades sociais historicamente novas: índios, negros e mestiços, e redefiniu outras.

Figura 2:  Charge da chegada dos portugueses em solo brasileiro Fonte:https://enemdescomplicado.com.br/exercicios-de-historia-brasil-colonia-03 Acesso: 05/01/2025

Questão de prova da UFRS a respeito da passividade dos indígenas com a chegada dos Portugueses ao Brasil, avaliando a falsidade da retórica expressa pelos colonizadores.

Assim, o espanhol e português, e mais tarde europeu, que até então indicavam apenas procedência geográfica ou país de origem, desde então adquiriram também, em relação às novas identidades, uma conotação racial. E enquanto as relações sociais que se estavam configurando eram relações de dominação, tais identidades foram associadas às hierarquias, lugares e papeis sociais correspondentes, com constitutivas delas, e, consequentemente, ao padrão de dominação que se impunha. Em outras palavras, raça e identidade racial foram estabelecidas como instrumentos de classificação social básica da população.

Com o tempo, os colonizadores codificaram como cor os traços fenotípicos dos colonizados e a assumiram como a característica emblemática da categoria racial. Essa codificação foi inicialmente estabelecida, provavelmente, na área britânico-americana. Os negros eram ali não apenas os explorados mais importantes, já que a parte principal da economia dependia de seu trabalho. Eram, sobretudo, a raça colonizada mais importante, já que os índios não formavam parte dessa sociedade colonial. Na América, a questão da raça, foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de dominação impostas pelas suas conquistas.

Por outro lado, no processo de constituição histórica da América, todas as formas de controle e de exploração do trabalho e de controle da produção-apropriação-distribuição de produtos foram articuladas em torno da relação capital-salário (de agora em diante capital) e do mercado mundial. Incluíram-se a escravidão, a servidão, a pequena produção mercantil, […] (Qijano 2005 p. 118)

Segundo MELO (2017), na África do Sul colonizada por holandeses a divisão de raças de dava através do “teste do lápis” se um lápis ficasse preso no cabelo do indivíduo era porque ele era de raça negra, se escorregasse seria branco (no auge do apartheid) aos poucos este processo ficou difícil pela presença de indianos e mestiços com cabelos lisos e cor da pele negra. O apartheid foi um regime de segregação racial que vigorou na África do Sul entre 1948 e 1994.

  1. A AMÉRICA E O NOVO PADRÃO DE PODER MUNDIAL COLONIALIDADE DA AMÉRICA DO SUL

2.1 A AMÉRICA E O NOVO PADRÃO DE PODER MUNDIAL

A ideia de superioridade europeia chega na América com a corrida do ouro, prata e outras mercadorias de valor através do trabalho gratuito dos indígenas, negros e mestiços. Isto possibilitou o intercâmbio com China, Índia, Ceilão, Egito e Síria. E tudo isso, foi, posteriormente, reforçado e consolidado através da expansão e da dominação colonial branca sobre as diversas populações mundiais.

Até o século XIX e virtualmente até a crise mundial ocorrida em meados de 1870, a Europa se transformou também, na sede central do processo de mercantilização da força de trabalho, ou seja, do desenvolvimento da relação capital-salário como forma específica de controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos. Enquanto isso, as demais regiões e populações incorporadas ao novo mercado mundial e colonizadas ou em curso de colonização sob domínio europeu permaneciam basicamente sob relações não-salariais de trabalho, ainda que desde cedo esse trabalho, seus recursos e seus produtos se tenham articulado numa cadeia de transferência de valor e de benefícios cujo controle cabia à Europa Ocidental. Nas regiões não-europeias, o trabalho assalariado concentrava-se quase exclusivamente entre os brancos.

 O fato é que já desde o começo da América, os futuros europeus associaram o trabalho não pago ou não-assalariado com as raças dominadas, porque eram raças inferiores. O vasto genocídio dos índios nas primeiras décadas da colonização não foi causado principalmente pela violência da conquista, nem pelas enfermidades que os conquistadores trouxeram em seu corpo, mas porque tais índios foram usados como mão de obra descartável, forçados a trabalhar até morrer. A eliminação dessa prática colonial não termina, de fato, senão com a derrota dos encomendeiros, em meados do século XVI (Qijano 2005 p. 120).

As formas de controle do trabalho não pago não assalariado, desenvolveu entre os europeus ou brancos a específica percepção de que o trabalho pago era privilégio dos brancos aos colonizados implicava que não eram dignos do pagamento de salário. Estavam naturalmente obrigados a trabalhar em benefício de seus amos. Não é muito difícil encontrar, ainda hoje, essa mesma atitude entre os terratenentes brancos de qualquer lugar do mundo. E o menor salário das raças inferiores pelo mesmo trabalho dos brancos, nos atuais centros capitalistas, não poderia ser, tampouco, explicado sem recorrer-se à classificação social racista da população do mundo. Em outras palavras, separadamente da colonialidade do poder capitalista mundial.

A modernidade e a racionalidade foram imaginadas como experiências e produtos exclusivamente europeus. Desse ponto de vista, as relações intersubjetivas e culturais entre a Europa, ou melhor dizendo, a Europa Ocidental, e o restante do mundo, foram codificadas num jogo inteiro de novas categorias: Oriente-Ocidente, primitivo-civilizado, mágico/mítico científico, irracional-racional, tradicional-moderno. Em suma, Europa e não-Europa. Mesmo assim, a única categoria com a devida honra de ser reconhecida como o Outro da Europa ou “Ocidente”, foi “Oriente”. Não os “índios” da América, tampouco os “negros” da África. Estes eram simplesmente “primitivos”.

Sob essa codificação das relações entre europeu/não-europeu, raça é, sem dúvida, a categoria básica. Essa perspectiva binária, dualista, de conhecimento, peculiar ao eurocentrismo, impôs-se como mundialmente hegemônica no mesmo fluxo da expansão do domínio colonial da Europa sobre o mundo. Não seria possível explicar de outro modo, satisfatoriamente em todo caso, a elaboração do eurocentrismo como perspectiva hegemônica de conhecimento, da versão eurocêntrica da modernidade e seus dois principais mitos fundacionais: uma ideia-imagem da história da civilização humana como uma trajetória que parte de um estado de natureza e culmina na Europa. E dois, outorgar sentido às diferenças entre Europa e não- Europa como diferenças de natureza (racial) e não de história do poder. Ambos os mitos podem ser reconhecidos, inequivocamente, no fundamento do evolucionismo e do dualismo, dois dos elementos nucleares do eurocentrismo.

Mesmo depois da nova política de reorganização populacional entre os indígenas e colonizadores, se tornaram trabalhadores livres e assalariados. Foram delegados à servidão não remunerada, que pode ser equiparada ao sistema Feudal europeu. Assim, o único grupo racial que fora obrigado a dar sua força de trabalho exclusivamente no sistema escravista foi a população negra trazida da África.

          A classificação racial da população e de sua identidade racial partiu exclusivamente do ponto de vista dos colonizadores, uma vez que todos os tipos de trabalho não pago, não assalariado foram ativamente atribuídos a raças colonizadas. Quijano (2005) afirma que, estes não se tratavam como grupos merecedores de salário, tendo que servir aos seus amos.

Essa colonialidade do controle do trabalho determinou a distribuição geográfica de cada uma das formas integradas no capitalismo mundial. Em outras palavras, determinou a geografia social do capitalismo: o capital, na relação social de controle do trabalho assalariado, era o eixo em torno do qual se articulavam todas as demais formas de controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos. Isso o tornava dominante sobre todas elas e dava caráter capitalista ao conjunto de tal estrutura de controle do trabalho. Mas ao mesmo tempo, essa relação social específica foi geograficamente concentrada na Europa, sobretudo, e socialmente entre os europeus em todo o mundo do capitalismo. E nessa medida e dessa maneira, a Europa e o europeu se constituíram no centro do mundo capitalista. (Qijano 2005 p. 120).

2.2 COLONIALIDADE DO PODER E EUROCENTRISMO

      O colonial/moderno vem demonstrando um modo de produzir conhecimento que demonstram o caráter do padrão mundial de poder, o eurocentrismo.

        O eurocentrismo aqui sob a perspectiva sistemática da Europa Ocidental que começou no século XVII, talvez até antes, na época do domínio da Europa burguesa, constitui-se associando a burguesia europeia e pensamento do padrão mundial do poder capitalista.

        Na América a escravidão foi deliberadamente estabelecida e organizada como mercaria para produzir para o mercado mundial e deste molde servir ao capitalismo. Do mesmo modo que a servidão indígena tinha o mesmo fim.

       Isso significa que todas essas formas de trabalho e de controle do trabalho na América não só atuavam simultaneamente, mas foram articuladas em torno do eixo do capital e do mercado mundial. Consequentemente, foram parte de um novo padrão de organização e de controle do trabalho em todas as suas formas historicamente conhecidas, juntas e em torno do capital. Juntas configuraram um novo sistema: o capitalismo.

  1. EUROCENTRISMO E EXPERIÊNCIA HISTÓRICA NA AMÉRICA LATINA

A complexidade do conceito de Estado-nação moderno na américa latina se conceitua como um fenômeno histórico e político específico que pode ser definido como uma sociedade nacionalizada, com organização estatal, instituída com o modelo de governança democrático e cidadão. Esse modelo resulta em processos históricos de democratização que, de certa forma, tem limitação, por conta do capitalismo, o controle sobre o trabalho, recursos para produção e instituições políticas.

O estado-nação reflete a dinâmica de estrutura de poder que organiza as diversas formas de existência social. Esse poder reflete a imposição de alguns grupos sociais em detrimento de outros. Sendo produto e expressão de disputas políticas por controle em diversas dimensões de recursos, autoridade e conhecimento. Esse estado é percebido pelos seus membros como uma identidade, requerendo elementos compartilhados como a participação democrática parcial no controle de poder.

Sendo esse estado uma estrutura de poder, o processo começa com o poder político centralizado sobre um território e a sua população, pois, qualquer processo deve ocorrer num espaço dado e ser estável por certo período, logo o poder político deve ser centralizado e estável. Esse espaço e tempo é necessariamente disputado e conquistado por outros rivais.

          Quijano (2005), aponta diversos fatores na formação dos Estados Unidos, suas complexidades políticas, econômicas, e sociais, e a sua formação em relação ao colonialismo. A análise do autor foca em relações do colonialismo no estado americano considerando a moldagem de diferentes grupos sociais, como os povos indigenas, negros e imigrantes.

Em primeiro lugar, apesar da relação colonial de dominação entre brancos e negros e do extermínio colonialista da população índia, dada a condição avassaladoramente majoritária dos brancos, é inevitável admitir que esse novo Estado-nação era genuinamente representativo da maioria da população. Essa branquitude social da sociedade estadunidense foi inclusive aprofundada com a imigração de milhões de europeus durante o século XIX. (Quijano, 2005. p 32)

Outro ponto destacado, sobre a conquista dos territórios e recursos indígenas nos Estados Unidos, os colonizadores tiveram acesso aos recursos antes pertencentes à população indígena, sendo apropriado e distribuído de maneira que abrangesse poucas pessoas, ou também por grandes latifundiários, como também pequenos proprietários. Quijano (2005) afirma que “Isso fundou para os brancos uma participação notavelmente democrática no controle da geração e da gestão da autoridade pública. A colonialidade do novo padrão de poder não foi anulada, no entanto, já que negros e índios não podiam ter lugar, em absoluto, no controle dos recursos de produção, nem das instituições e mecanismos da autoridade pública.”

          Já na América do Sul, a relação racial se deu de forma em que mestiços cada vez mais embranquecidos pela política de clareamento populacional dos colonizadores, deu cada vez menos espaço para que negros e indígenas tivessem acesso a cargos e postos de poder ou ascensão social.

A dependência dos capitalistas senhoriais desses países tinha como consequência uma fonte inescapável: a colonialidade de seu poder levava-os a perceber seus interesses sociais como iguais aos dos outros brancos dominantes, na Europa e nos Estados Unidos. Essa mesma colonialidade do poder impedia-os, no entanto, de desenvolver realmente seus interesses sociais na mesma direção que os de seus pares europeus, isto é, transformar capital comercial (benefício igualmente produzido na escravidão, na servidão, ou na reciprocidade) em capital industrial, já que isso implicava libertar índios servos e escravos negros e transformá-los em trabalhadores assalariados. (Quijano, 2005. p 135)

          Dito isso, as colônias como novos Estados independentes, não podiam ser mais que meros sócios dos colonizadores europeus. Quando necessário após a libertação dos escravos, não para tornarem-se trabalhadores assalariados, mas para substituí-los por mão de obra imigrante de países europeus e asiáticos.

          Por outro lado, após diversos processos de desestruturalização da colonização, os países latino-americanos tomaram um caminho para a substituição de bens anteriormente importados e a maior produção de produtos locais para consumo. Esse processo de independência dos países latinos, embora com o rompimento de laços com o colonialismo, não estabeleceu Estados-nação modernos, foram re-articulados das relações de poder em novas bases institucionais, porém mantiveram a exclusão e desigualdade como características estruturais. De forma geral, Quijano (2005) critica o eurocentrismo, onde não se aplica à América Latina onde o capital existe apenas como eixo dominante da articulação de formas de controle e exploração de poder como único padrão. A burguesia organiza a classe operária atualmente, os camponeses e grupos minoritários eram dominados pelos senhores feudais, e o estado reorganiza a sociedade nos termos de capital e burguesia. O autor supõe que, a América Latina é fundamentalmente feudal, semifeudal, ou nos termos capitalista, marginal e subordinado.

A dominação é o requisito da exploração, e a raça é o mais eficaz instrumento de dominação que, associado à exploração, serve como o classificador universal no atual padrão mundial de poder capitalista. Nos termos da questão nacional, só através desse processo de democratização da sociedade pode ser possível e finalmente exitosa a construção de um Estado-nação moderno, com todas as suas implicações, incluindo a cidadania e a representação política. (Quijano, 2005. p. 138)

          Em comparação a revolução socialista que, erradica a burguesia do controle do estado e coloca a classe operária e trabalhadora, que antes dominadas por esse sistema possam ter o controle dos meios de produção e sua independência em relação a mais valia. Quijano não dá nenhuma solução específica para o problema da “síndrome de vira-lata”, que sofremos não só no Brasil, mas também em toda a América Latina.

          O autor afirma que não foi acidente que a América Latina tenha sido derrotada em diversos projetos revolucionários. O que pudemos avançar no sentido de conquista de direitos civis e políticos, numa eventual e necessária redistribuição de poder, onde a colonização tem como pressuposto a concentração deste mesmo poder, está sendo desmantelada e havendo um novo processo de concentração de capital (o novo poder, não mais recursos, mas sim dinheiro), fazendo com que volte para a gestão dos Estados colonizadores.

CONCLUSÃO

Ao discutir o conceito de colonialidade, diferenciou-se o colonialismo do neocolonialismo e esboçamos algumas de suas características. No centro da discussão colocou-se a modernidade ocidental frente aos povos indígenas das Américas. E discutiu-se dois movimentos através dos quais a colonialidade funciona na política internacional – por um lado, reconhecendo a diferença, mas colocando-a em uma estrutura hierárquica de superioridade/inferioridade e, por outro lado, não percebendo-a de todo, o que leva à assimilação.

As problematizações são cruciais à compreensão da colonialidade, são emblemáticas em relação ao movimento duplo por meio do qual a colonialidade é operacionalizada, mas são fundamentais para a cristalização da colonialidade na política internacional. Consequentemente, sendo a colonialidade o lado mais escuro da modernidade, uma realidade internacional como a nossa, que é ancorada em pilares modernos, não escapa ao fato de ter colonialidade como seu elemento fundamental, reproduzindo seu movimento duplo e mantendo a matriz colonial de poder direcionada às margens da população global. É precisamente por meio do esforço de chamar a atenção à noção de colonialidade, e sua cristalização na política internacional, que se pode não somente perceber a sua operacionalização e ver que a mesma continua viva e operante na realidade internacional, como também se buscar superar esta condição ainda estruturante da política internacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina – Buenos Aires LCLACSO 2005.  Consejo Latinoamericano de Cienc p. 117 a 142 Disponível em:http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/clacso/sur-sur/20100624103322/12_Quijano.pR7df   Acesso em: 25/12/2024