“DE CIDADÃOS A COCRIADORES: ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA DA COLABORAÇÃO COMUNITÁRIA E ARQUITETÔNICA NO DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL”

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202408101626


Carolina de Sousa dos Santos1;
Patricia Maria Dusek2;
Kátia Eliane Santos Avelar3


Resumo:

Tendo em vista que atualmente temos projetos de planejamento urbano que não atendem totalmente as necessidades das populações e que muito menos promovem o desenvolvimento sustentável, o presente estudo trata de buscar a participação cidadã no planejamento urbano, uma colaboração entre as comunidades e arquitetos na promoção do desenvolvimento sustentável, afim de conseguir concretizar algumas das metas estipuladas pela Agenda 2030 em relação a cidade. Para tanto, foi necessário identificar as principais formas de colaborações entre as comunidades locais e arquitetos documentados na literatura, investigar os impactos que essa colaboração geram e os desafios encontrados na implementação de uma arquitetura mais sustentável e por último comparar as abordagens utilizadas em outros pontos geográficos que podem servir de exemplo para as abordagens de planejamento participativo. Realizou-se, então, uma pesquisa de natureza básica e qualitativa, utilizando-se de uma pesquisa exploratória através de materiais acadêmicos e de cunho governamental. Diante disso, verificou-se que é essencial uma participação mais efetiva da população nas decisões referentes ao planejamento urbano e a tudo aquilo ao seu entorno, que a participação e colaboração dos arquitetos com a interação da população gera resultados muito mais eficazes em relação ao atendimento das necessidades da população e que um dos melhores caminhos para cidades sustentáveis e atendimento da Agenda 2030 é a cooperação entre esses grupos. Assim conclui-se que existe um caminho inicial para alcance dos ODS, mas que ainda requerem muito estudo para a resolução dos desafios pertinentes e que demandam comprometimento maior para sua realização.

Palavras – Chaves: Planejamento Urbano; Arquitetura; desenvolvimento sustentável; Poder local.

1. Introdução

É de conhecimento geral que o planeta tem cada vez mais se deteriorado, que é preciso um plano de ação para que a situação não piore cada vez mais.  O presente estudo tem como foco principal abordar como a participação cidadã no planejamento urbano, pode contribuir junto da arquitetura na promoção de um desenvolvimento mais sustentável. Atualmente muito se ouve ao falar do governo, como ele aparenta não entender os desafios e o cotidiano do povo brasileiro, mas pouco se procura inteirar sobre as formas participativas que a população tem em algumas decisões. Como Dowbor (2016) alega, a população foi condicionada, desde a sua infância, a acreditar que as formas de organização do cotidiano pertencem de forma natural a uma esfera superior, o “Estado”. E que a única opção é se ajustar a ela, da melhor maneira possível.

Bem como, é fundamental destacar como a colaboração dos arquitetos e urbanistas, desempenha um papel crucial na mediação das necessidades comunitárias, das exigências ambientais e das metas de desenvolvimento sustentável para um planejamento urbano mais eficaz.  Segundo Camargo (2020) o termo desenvolvimento sustentável envolve todas as questões que relacionam o meio ambiente com o desenvolvimento humano. Na atualidade, o desenvolvimento sustentável tem estado constantemente em pauta nas grandes reuniões que envolvem diversos países, a crise ambiental tem assustado a todos, e cada país tem trabalhado e definido metas para enfim evitar o pior cenário. A agenda 2030, muito tem a ver com isso, já que ela mescla de forma equilibrada as três dimensões do desenvolvimento sustentável: econômica, social e ambiental.

O presente estudo busca abordar a problemática relacionada a como os grupos, população e arquitetos, podem em conjunto influenciar a implementação de projetos de planejamento urbano sustentável, esse trabalho tem como foco aprofundar-se na sua relevância social, devido à crescente conscientização sobre a necessidade desse desenvolvimento. Lugares em todo o mundo enfrentam desafios relacionados ao crescimento urbano não planejado, desigualdades sociais e ambientais. A participação cidadã no planejamento urbano não apenas promove uma maior inclusão das necessidades e desejos das comunidades locais, mas também fortalece a governança democrática e a transparência nas decisões que impactam diretamente a vida urbana. Portanto, investigar como essa colaboração entre comunidades e arquitetos pode influenciar o desenvolvimento urbano sustentável é crucial para promover cidades mais habitáveis, equitativas e resilientes.

Além disso, o trabalho tem como foco contribuir significativamente para a área de desenvolvimento local e arquitetura ao oferecer insights valiosos sobre práticas colaborativas que podem melhorar a eficácia e a aceitação de projetos urbanos sustentáveis. Academicamente, esse tema é importante porque permite uma revisão crítica da literatura existente, identificando melhores práticas, desafios comuns e lacunas de conhecimento. Além disso, ao alinhar a análise com os objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, o estudo pode ajudar a orientar políticas públicas e práticas profissionais que promovam um desenvolvimento urbano mais integrado e sustentável. Portanto, investigar como a colaboração entre comunidades e arquitetos pode contribuir para o avanço desses objetivos é essencial para o progresso da pesquisa e da prática no campo da arquitetura e do desenvolvimento local.

De forma mais específica, a presente pesquisa busca identificar as principais formas de colaboração entre comunidades locais e arquitetos documentadas na literatura acadêmica sobre desenvolvimento urbano sustentável; investigar os impactos positivos e desafios enfrentados na implementação de projetos que envolvem colaboração ativa entre comunidades e profissionais da área e comparar as abordagens de planejamento participativo adotadas em diferentes contextos geográficos e culturais, examinando como essas práticas contribuem para os objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030.

2. Metodologia

A metodologia deste estudo consiste em uma pesquisa de natureza básica, cujo objetivo é gerar conhecimento focado na melhoria e aperfeiçoamento de teorias científicas existentes. Para alcançar os objetivos propostos e aprimorar a análise deste trabalho, foi adotada uma abordagem mista, integrando tanto métodos quantitativos quanto qualitativos. Esses métodos são essenciais na elaboração da metodologia de um projeto, pois definem os direcionamentos que o estudo seguirá em sua execução. De acordo com Apollinário (2004), a pesquisa qualitativa permite a compreensão e a interpretação dos temas e fenômenos abordados, enquanto a pesquisa quantitativa trata de dados e fatos.

Com o objetivo de explorar a problemática da área de estudo, foi realizada uma pesquisa exploratória. Segundo Gil (2017), a pesquisa exploratória visa proporcionar maior familiaridade com o problema, tornando-o mais claro e facilitando a construção de hipóteses.

As fontes de busca foram restritas a materiais digitais, disponibilizados em sites como SCIELO, Google Scholar, revistas acadêmicas, além de livros e bases de dados governamentais. A pesquisa foi conduzida utilizando palavras-chave como “Planejamento Urbano”, “Poder Local”, “Agenda 2030” e “Desenvolvimento Sustentável”, bem como seus correspondentes em inglês: “Urban Planning”, “sustainable development” e “Communities Decision Making”. O período de coleta de materiais foi entre os meses de maio e junho de 2024, com uma limitação dos anos revisados a partir de 2020. Foram encontrados aproximadamente 15.400 artigos, dos quais cerca de 30 foram analisados para o presente estudo.

3. Referencial Teórico

Neste capítulo estão inseridos os principais conceitos teóricos necessários para o desenvolvimento deste trabalho. Primeiramente com o tema de o conceito e importância do poder local no desenvolvimento comunitário, em seguida definição e conceitos relacionados ao desenvolvimento sustentável e sua relação com a agenda 2030, por sequência a interseção entre a arquitetura, as comunidades e o planejamento urbano sustentável.

3.1 O conceito e importância do poder local

Poder local tem a ver com a descentralização do poder político como principal força de decisão de questões locais e que afetam diretamente a população. Ele tem como foco a ideia de uma participação ativa da população nas decisões em relação ao seu bairro, comunidade e sobre as formas que afetam seus desenvolvimentos para uma qualidade de vida melhor. Segundo Dowbor (2016), quanto mais distantes as decisões são tomadas do cidadão, muito pouco correspondem realmente às suas necessidades.

Para Jane Jacobs (2011) a descentralização em relação ao planejamento urbano, tem como objetivo melhorar o planejamento e a organização das cidades e atender de fato a população. Pois como relata, o governo tem uma visão muito ampla da cidade e é preciso uma visão mais local para o assunto ser tratado com precisão de fato. Em seu texto, Jacobs fala sobre como a relação da gestão pública e a comunidade podem de fato se favorecerem.

“Os cidadãos das cidades grandes precisam de pontos de apoio para pressionar e fazer com que sejam reconhecidos e respeitados seus desejos e seu conhecimento. Os distritos administrativos teriam de ser esses pontos de apoio […] isso é indispensável para a autogestão das cidades grandes, mesmo que ela seja vista como um processo criativo ou um processo de supervisão (claro que ela é ambas as coisas).” (JACOBS, 2011, p.279)

Diante disso, tem-se a Constituição, que em 1988, formalizou a divisão de responsabilidades e a descentralização administrativa no Brasil, estabelecendo a participação dos cidadãos no processo de planejamento das gestões públicas. Esse fato incluiu, por consequência, o planejamento urbano, promovendo um maior envolvimento da comunidade nas decisões que afetam o desenvolvimento das cidades. Segundo Miranda (2015), essa divisão de responsabilidades e ações do governo, contribui para o surgimento de um novo papel exercido pela sociedade civil, estimulando que os cidadãos sejam mais atuantes e participativos nas decisões e definições de demandas governamentais.

Como forma de marcar uma nova visão acerca da política urbana, foi então elaborado o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), no qual reserva um capítulo inteiro (Cap. IV) para garantir uma gestão urbana participativa. Consolidando uma gestão mais democrática e transparente. Neste capítulo, estabelece a utilização de debates, órgãos colegiados de política urbana, audiências e consultas públicas como forma de garantir essa gestão.

Nesse sentido, Pina (2019) ressalta que esse paradigma de atuação dos governos, que exigem esforços tanto do poder público quanto da população, apesar de lógica e vir de encontro com a democracia participativa, é demorada e cansativa, pois ainda é preciso aprender a trabalhar em equipe, unindo esforços para alcance dos objetivos públicos.

Em um estudo, realizado em Florianópolis, o estudo revela que a participação efetiva da sociedade, assim como a transparência do processo, foram os principais fatores que ocasionaram um processo lento e desgastante da elaboração e revisão do plano diretor da região. (Chaves; Gonçalves; Siqueira; 2020)

Ainda segundo o estudo mencionado, concluiu-se que ainda há um longo caminho a percorrer para a plena implementação dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade.

“É imprescindível o fortalecimento dos órgãos de planejamento urbano locais, em como a existência de um corpo técnico qualificado e capaz de fornecer subsídios para a discussão pela população, de forma a fomentar propostas que visam a melhoria do espaço urbano. É necessário também que a população conheça e exerça seus direitos garantidos pela Constituição e que o Ministério Público continue a sua ação vigilante diante deste processo.” (Chaves; Gonçalves; Siqueira; 2020, p. 57)

Para a cidade de Florianópolis, um saldo positivo foi a ampla exposição da política urbana, que gerou um debate mais amadurecido entre a população, evidenciado nas manchetes dos jornais e nas dificuldades enfrentadas no período. (Chaves; Gonçalves; Siqueira; 2020)

Um outro estudo, realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) demonstrou que o aumento da participação popular na elaboração de políticas públicas eleva sua eficácia, ampliando o acesso a serviços públicos e melhorando o desempenho administrativo. Em cidades com mais de 100 mil habitantes, aquelas com maior participação popular apresentaram um número significativamente maior de creches, matrículas no ensino fundamental, consultas e leitos do SUS. Além disso, essas cidades tiveram uma receita corrente 70% maior e uma receita tributária 112% superior em comparação com municípios de baixa participação (MATEOS, 2011).

Diante das reflexões, percebe-se que o poder local é necessário para melhorias, principalmente por promover uma maior proximidade entre a política e a comunidade, e assim proporcionando uma maior transparência e confiabilidade na gestão pública. Além de fortalecer o capital social e criando um senso de pertencimento e responsabilidade coletiva, o empoderamento do cidadão. 

3.2 Desenvolvimento Sustentável e sua relação com a Agenda 2030

“Uma nova forma de civilização, fundamentada no aproveitamento sustentável dos recursos renováveis, não é apenas possível, mas essencial.” (M.S Swaminathan apud Sachs, 2002, p.29)

Segundo Ferreira (2021), foi na Conferência de Estocolmo (1972), onde se ouviu pela primeira vez a palavra desenvolvimento sustentável, em função da preocupação com o meio ambiente em detrimento do crescimento econômico. Porém só realmente ganhou força em 1992, quando realizou-se a Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como RIO-92, da qual resultou na importante iniciativa do desenvolvimento sustentável – a Agenda 21.

A agenda 21 pode ser definida como um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. (MMA, [21- -])

No ano de 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU BRASIL, 2022), juntamente com os representantes de seus estados membros, criaram a Agenda 2030.  Seu objetivo é combater diversos problemas mundiais, como a erradicação da pobreza, o uso consciente dos recursos do meio ambiente, redução das desigualdades, igualdade de gênero em busca de um desenvolvimento mais sustentável.

“O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades dos presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades […] O desenvolvimento supõe uma transformação progressiva da economia e da sociedade.” (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1991)

A Agenda 2030 é um marco para o desenvolvimento sustentável e coletivo, promovendo a evolução cooperativa e tecnológica em âmbito global. Sua implementação trará benefícios significativos para as gerações atuais e futuras. A introdução da Agenda 2030 na sociedade será feita de forma consistente e segura, amparada por obrigações de leis internacionais. (ONU BRASIL, 2022)

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram estabelecidos pela ONU como um plano de ação global para acabar com a pobreza, proteger o planeta e garantir o bem-estar de todos até 2030. São 17 objetivos interconectados que compreendem os temas: saúde, educação, igualdade de gênero, energia limpa, crescimento econômico sustentável, entre outros. Cada objetivo possui metas específicas a serem alcançadas, com o compromisso de todos os países em implementar medidas para transformar o mundo de forma sustentável e inclusiva. (UNIC Rio, 2024)

O Brasil enfrenta dois desafios significativos para avançar em direção a uma sustentabilidade em seu desenvolvimento sócio-econômico-ambiental conforme estabelecido pela Agenda 2030. O primeiro é a falta de elaboração e implementação das Agendas 21 locais e regionais. O segundo desafio é a carência de indicadores regionais adequados para avaliar o desempenho de projetos e planos, levando em consideração o respeito às especificidades regionais da sociedade, um princípio fundamental do desenvolvimento sustentável. (Santos; Medeiros, 2020)

Segundo Santos e Medeiros (2020), algumas soluções poderiam ser aplicadas para contribuir no desenvolvimento:

“Alguns indicadores poderiam ser incorporados, como por exemplo, o desmembramento do indicador “áreas protegidas”. Além daqueles propostos pela CDS-ONU (Proporção de áreas terrestres protegidas, totais e por região ecológica; Gerenciamento efetivo de áreas protegidas; Áreas de ecossistemas-chave selecionadas; Áreas de floresta sob gerenciamento sustentável; Proporção de áreas marinhas protegidas) a adição de dois outros indicadores: áreas protegidas de proteção integral e áreas protegidas de uso sustentável.” (SANTOS; MEDEIROS, 2020, p. 18)

No livro “Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável” (2002), Sachs argumenta que a ecologia moderna abandonou os modelos de equilíbrio, originários da economia, para se tornar uma história natural abrangendo centenas de milhares de anos. Ele destaca que toda a história da humanidade, muito mais breve, deve ser reexaminada em termos da integração entre a ecologia e a economia, com a coevolução como conceito central. Sachs também observa como a economia consegue ironicamente ter uma orientação temporal contrária à de todas as outras disciplinas científicas.

“De modo geral, o objetivo deveria ser o do estabelecimento de um aproveitamento racional e ecologicamente sustentável da natureza em benefício das populações locais, levando-as a incorporar a preocupação com a conservação da biodiversidade aos seus próprios interesses, como um componente de estratégia de desenvolvimento.” (Sachs, 2002, p. 53)

De acordo com estudo feito por Medina (2020), para os governos locais e regionais (GLR), o trabalho cooperativo e coerente, em aliança com todos os agentes territoriais de interesse, será a chave para potencializar suas contribuições ao desenvolvimento sustentável. Alcançar as 169 metas requer estratégias inovadoras, participação ativa de todos os atores do desenvolvimento e políticas públicas coerentes em todos os níveis de governo. Além disso, é essencial uma forte cooperação e troca de experiências, recursos, tecnologias e informações entre os atores-chave.

Medina (2020), após seus estudos sobre “o papel estratégico dos governos locais e regionais na implementação da Agenda 2030”, chega à conclusão sobre como a participação conjunta dos governos e da comunidade devem trabalhar para atingir as metas da Agenda 2030.

“Os governos locais e regionais (GLR) na América Latina deverão enfrentar desafios internos, locais e nacionais para cumprir os compromissos assumidos na implementação da Agenda 2030. Entre esses desafios estão: fortalecer capacidades institucionais e de gestão, alinhar as planificações locais com as nacionais no contexto dos ODS, obter os recursos adequados para as ações implementadas, gerar e sistematizar dados úteis para as medições nacionais de cumprimento dos ODS, e colaborar com outros atores locais, sociais e privados. […]O nível de articulação entre o local e o nacional ainda é incipiente em muitos países da América Latina. Portanto, é necessário avançar na consolidação dos sistemas nacionais de desenvolvimento e cooperação com a participação ativa e significativa de todos os atores. Isso implica, no mínimo, a revisão e atualização dos marcos institucionais e normativos para a adequada distribuição de competências, orçamentos e responsabilidades. Além disso, é crucial conhecer e reconhecer as formas de trabalho dos diversos atores para elaborar fórmulas de atuação mutuamente acordadas, que respondam à realidade e apontem para objetivos comuns.” (Medina, 2020, p. 27)

3.3 A interseção entre a Arquitetura, as comunidades e o planejamento urbano sustentável.

Durante o evento Summit Cidades 2024, a atual presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), Patricia Sarquis Herden destacou a importância dos arquitetos na discussão sobre o desenvolvimento urbano, reforçando o compromisso do conselho em contribuir ativamente para as discussões sobre o futuro das cidades brasileiras.

Das atividades e atribuições declaradas pela lei n° 12.378/2010, consta no art. 2 que um dos campos de atuação da profissão é o “planejamento urbano e regional, planejamento físico-territorial, planos de intervenção no espaço urbano, metropolitano e regional fundamentados nos sistemas de infraestrutura, saneamento básico e ambiental[…]plano diretor, traçado de cidades, desenho urbano[…] e requalificação de áreas urbanas e rurais.”

A produção e desenvolvimento do ambiente construído está fortemente relacionado aos campos da arquitetura e urbanismo. O ambiente construído sofre impactos severos de desastres que se tornaram mais frequentes, intensos e generalizados em todo o mundo devido às mudanças climáticas e outras ações humanas, exigindo pesquisas sobre design arquitetônico e planejamento urbano que contribuam para a resiliência a longo prazo. (Ahmed et al., 2023, p.9)

No ambiente construído, o design é um processo de resolução de problemas que utiliza pensamento sistêmico interdisciplinar, inovação espacial e criatividade. Envolve observação iterativa para compreender as necessidades das pessoas através de sua participação, prototipagem rápida e teste de designs socioespaciais, desenvolvimento de design, implementação e avaliação de projetos. Essas são habilidades essenciais para arquitetos e designers de ambientes construídos e paisagens. (Boer et al., 2013 apud Charlesworth; Fien, 2022, p.31)

Na “Harvard Business Review”, Brown (2008) explica que o processo de design é melhor entendido como um sistema de espaços que delineiam diferentes atividades inter-relacionadas, formando um contínuo de inovação. E que embora o design thinking possa parecer caótico inicialmente, os participantes percebem que ele faz sentido e é eficaz ao longo do tempo, mesmo com uma estrutura diferente dos processos lineares típicos de outras atividades.

Segundo o estudo de Braga (2021), todo projeto de intervenção urbana que seja desenvolvido no âmbito de uma gestão pública, deve buscar formas de participação, almejando novos rumos de ordenamento espacial, comprometidos com a sustentabilidade ambiental, social e econômica da sociedade. Dessa forma ele relata a possibilidade do uso de um design mais focado nesse lado empático.

“O método do design thinking demonstrou possuir ferramentas para a construção de ambientes centrados no cidadão. Baseado na empatia, colaboração e experimentação pode ser rica no entendimento do jogo social e elaboração do planejamento do Hub Internacional de Desenvolvimento Sustentável.” (BRAGA, 2021, p. 111)

Jacobs (2014), também fala sobre um planejamento mais humanizado, sendo colocado por ela como o planejamento para a vitalidade, que deve estimular e catalisar o maior espectro e a maior quantidade possível de diversidade em meio aos usos e às pessoas em cada distrito da cidade grande; esse é o alicerce fundamental da força econômica, da vitalidade social e do magnetismo urbanos. Para obtê-lo, os planejadores devem diagnosticar com precisão, em lugares específicos, o que falta para gerar diversidade e, depois, ter como meta suprir essas lacunas da melhor maneira possível. (JACOBS, 2011)

Ao buscar o conhecimento, habilidades e decisões de um coletivo comunitário, o projeto se torna mais adaptado às necessidades locais, melhor desenhado para integrar-se ao contexto específico, e uma plataforma para troca de técnicas e habilidades vernaculares. Isso também promove um senso geral de pertencimento nas comunidades, capacitando os usuários a reivindicar autoridade sobre o ambiente ao seu redor. (Yakubu, 2023)

Yakubu (2023) menciona o projeto “La Borda Housing”, onde a comunidade de futuros moradores colaborou ativamente nas decisões sobre o design, operação e necessidades legais, econômicas e de infraestrutura com os arquitetos responsáveis.  Outro projeto mencionado foi o “Women’s Opportunity Center” criado pela Sharon Davis Design, adota o uso de materiais locais e técnicas de construção para envolver os usuários no processo de design, assim promovendo o empoderamento da comunidade e impulsionar o uso do espaço.

Diante disso, é possível perceber a necessidade do trabalho conjunto da comunidade aos profissionais da arquitetura, cujo uma das funções tem relação direta com o planejamento urbano, para a melhoria das cidades e da qualidade de vida daqueles que ali habitam. Felipe et al. (2020) inclusive explica em seu estudo a importância que esse planejamento tem para o desenvolvimento sustentável.

“Compreende-se através das conceituações dos termos que o Planejamento Urbano, como o próprio nome diz, se trata de uma forma de planejar ações para alcançar objetivos pré-estabelecidos, o que o torna imprescindível para o êxito do Desenvolvimento Sustentável, assim como das mais diversas formas do processo de desenvolvimento. Para que a evolução e o progresso dos processos produtivos, bem como da qualidade de vida dos seres humanos se torne realidade, é necessário que sejam analisados elementos do contexto urbano local e as ferramentas apropriadas a ele, e também a forma que estas devem ser aplicadas, tornando o Planejamento Urbano instrumento indispensável para o Desenvolvimento.” (Felipe, et al, 2020, p. 184)

Como Silva e Gomes (2020) abordam, a questão de alcançar cidades sustentáveis conforme a agenda 2030 em nível local é desafiadora. E o caminho proposto envolve planejamento urbano que integre conservação cultural, ambiental e participação pública. Assim, necessitando estudos mais aprofundados e rigorosos sobre as reais finalidades das decisões dispostas no planejamento e a execução dele.

4. Considerações Finais

O planejamento urbano é uma das principais ferramentas para elaboração das “cidades sustentáveis” discutidas na Agenda 2030, sendo inegável a sua relação com os arquitetos e a população em si. Desta forma, é evidente que uma participação mais efetiva da comunidade, o incentivo do poder local, com a colaboração dos arquitetos e urbanistas, pode levar à criação de ambientes construídos mais sustentáveis e alinhados com os ODS.

A importância dessa colaboração fica ainda mais em evidência no estudo de Nassif (2020), onde ela aborda o desafio da linguagem técnica durante o planejamento urbano participativo, dificultando o entendimento e apropriação da população.  Sendo fundamental a participação e auxílio dos arquitetos, em servir de ponte para esse entendimento. Como Nassif (2020) relata em seu estudo, a linguagem técnica pode provocar insegurança, constrangimento e hesitação nos participantes, afetando sua confiança em participar dos debates participativos.

Os objetivos de estudo foram alcançados, visto que foi possível identificar as principais formas que as comunidades locais e arquitetos se relacionam para a possibilidade de um desenvolvimento sustentável. Além de citar exemplos onde isso ocorreu e seus impactos e desafios. Com isso foi possível constatar que de fato existe uma lei que permite a participação direta da população nas decisões de seus ambientes urbanos, porém que ainda assim encontram alguns desafios, sejam eles de linguagem, como de envolvimento com a Agenda 2030 e suas metas, e principalmente o conhecimento que a população tem sobre seus direitos e sua procura para no processo de melhoria da qualidade de vida. Como Schadlick e Meza (2023) informam em seu estudo, os municípios devem usar o Plano Diretor, conforme o Estatuto da Cidade, como ferramenta de planejamento urbano para garantir a sustentabilidade e promover o desenvolvimento sustentável.

Assim conclui-se, que esse estudo contribuiu para maior entendimento do poder que a população possui referente às organizações do seu cotidiano e do seu entorno, como também para as limitações que a lei 10.257/2001 apresenta para de fato ter sucesso e aumento da participação ativa da população. Sem que os desafios apresentados no estudo sejam resolvidos, o caminho para um desenvolvimento sustentável e alcance das ODS, será cada vez mais tortuoso. Em suma, o exercício do poder local atrelado com os profissionais responsáveis também pelo planejamento urbano, como os arquitetos, em conjunto pode sim desenvolver e contribuir para a realização dos objetivos da Agenda 2030, mas que precisa ainda de muito estudo e trabalho de fato para isso ocorrer.

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YAKUBU, Paul. Designing with Users: 7 Projects Where Architects Collaborated with Communities. ArchDaily, 14 de Julho de 2023. Disponível em: https://www.archdaily.com/1003936/designing-with-users-7-projects-where-architects-collaborated-with-communities. Acesso em: 24/06/2024.


1Formada em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário Augusto Motta
E-mail: carolinassantoa94@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0009-0004-9856-8311

2Pós doutora em Justiça Constitucional pela Università di Pisa. Doutora em Direito pela Universidade Gama Filho. Coordenadora e Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Local do Centro Universitário Augusto Motta, UNISUAM, Rio de Janeiro, RJ.
E-mail: patricia.dusek@unisuam.edu.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3911-6943

3Doutora em Ciências pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisadora em Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora do CNPq. Docente e Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local no Centro Universitário Augusto Motta, UNISUAM.
E-mail: katia.avelar@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7883-9442