DADOS, INFORMAÇÕES, TECNOLOGIA E REPRESENTAÇÃO GRÁFICA COMO FATORES AGREGADORES DE VALOR AO LAUDO PERICIAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10067649


Daniel Veríssimo Teles de Faria


RESUMO

Este estudo de caso refere-se à contribuição da perícia em um caso de Latrocínio ocorrido em uma fazenda. A perícia teve papel fundamental na resolução do crime ao atingir os principais objetivos do trabalho pericial na materialização do delito, esclarecimento da dinâmica e identificação da autoria. A dinâmica e a materialização do crime foram representadas de forma didática, clara e objetiva com a utilização da fotografia, softwares de representação gráfica 2D, 3D e emprego de ferramentas de geoposicionamento. A identificação da autoria foi realizada por meio de exames de DNA entre os suspeitos e os vestígios colhidos no local. As informações obtidas no local associadas à tecnologia e a representação gráfica empregadas no caso foram fatores essenciais que agregaram valor ao Laudo Pericial, tornando-o uma peça diferenciada no processo.

PALAVRAS-CHAVE: Perícia; representação gráfica; tecnologia; dados; informação; geoposicionamento; DNA. 

1. INTRODUÇÃO

O avanço tecnológico dos últimos tempos proporcionou várias mudanças na sociedade, aumentando o leque de possibilidades em vários setores e simplificando vários processos que antes eram considerados inviáveis ou impossíveis de serem executados. Um dos setores onde o avanço tecnológico teve maior influência foi na área da Perícia, facilitando e expandindo as possibilidades do trabalho Pericial e proporcionando uma maior valorização e destaque da Perícia Criminal. 

A valorização e destaque da Perícia Criminal aliada às várias possibilidades proporcionadas pela tecnologia, aumentaram a exigência em relação à qualidade do trabalho do Perito, que tem como peça principal o Laudo Pericial. É importante que o laudo contenha uma estética agradável, com uma representação gráfica didática, clara e objetiva. Nesse sentido, o presente trabalho se propõe abordar um Estudo de Caso em que o uso das informações do local em conjunto com a tecnologia e a representação gráfica, se tornaram fatores fundamentais na valorização do Laudo Pericial e conseqüentemente na resolução do crime. 

2. HISTÓRICO

O objeto deste Estudo de Caso é um crime ocorrido na Fazenda Rio Corrente no interior de Goiás, próximo a cidade de Alvorada do Norte, no dia 01 de Novembro de 2010, por volta das 19h30min. A perícia foi acionada às 21h30min, comparecendo ao local às 23h50min da mesma data. 

Por se tratar de uma fazenda o local estava bem preservado. Lá havia ocorrido o crime de latrocínio. A sede da fazenda foi invadida por três pessoas encapuzadas e usando luvas. Os autores renderam uma funcionária da fazenda, a esposa do proprietário da fazenda e o filho do proprietário, que foram colocados em um dos banheiros da sede. Enquanto os autores do crime vasculhavam a casa, os três reféns se deslocaram para um dos quartos da sede, onde havia um rifle. Após os autores perceberem a movimentação dos reféns, iniciou-se uma intensa troca de tiros, onde um dos autores foi ferido e o filho do proprietário da fazenda veio a óbito. Os autores fugiram e no momento da fuga alvejaram o outro filho do proprietário da fazenda.

A sede da fazenda era muito grande e havia vestígios por toda a parte. Os autores haviam vasculhado todos os cômodos da casa. Haviam várias cápsulas, projéteis e fragmentos de projéteis. A vítima, após ter sido atingida pelo primeiro tiro, ainda conseguiu sair da sede e ir para o quintal, onde o autor a perseguiu e efetuou outros tiros. 

O processamento do local se estendeu ininterruptamente até as 15h30min do dia seguinte, quando foi possível traçar, através dos vestígios deixados no local, parte da trajetória de fuga dos autores por cerca de 1.177 metros. A Perícia teve duração de mais de 15 horas.

3. DESAFIOS DO LOCAL

Haviam vários obstáculos e dificuldades nesse caso. Um deles foi chegar ao local, sendo necessário viajar por cerca de duas horas onde boa parte do percurso era de estrada de terra. A complexidade do local era um grande desafio por se tratar de uma fazenda onde os locais mediato e imediato eram muito extensos. Uma grande quantidade de vestígios estavam espalhados por várias partes, necessitando de muitas horas para o processamento desses locais. Acrescenta-se também o agravante de que boa parte da Perícia foi realizada em período noturno. 

4. SOLUÇÕES NO LOCAL

Os desafios do local proporcionaram o encontro de soluções e por meio de estratégias, algumas até criativas, possibilitaram uma dinamização e organização inteligente de dados e informações do local. 

Tendo a ajuda do equipamento fotográfico de alta resolução, do GPS e um pouco de criatividade e paciência, foi possível traçar estratégias importantes, que ajudaram na materialização da cena do crime com o máximo de fidelidade e uma melhor seleção dos vestígios relevantes para a determinação da dinâmica e autoria do fato. 

As estratégias adotadas no local juntamente com os instrumentos tecnológicos disponíveis, contribuíram fortemente para se obter elementos necessários para o enriquecimento do Laudo Pericial e consequentemente o sucesso do caso.

4.1. Estratégias Para Medição Do Local e Amarração Dos Vestígios

Como fazer o croqui com medições e amarrações precisas em um local tão grande? A sede era composta por vários cômodos e estava repleta de cápsulas, projéteis e fragmentos. A resposta estava no piso da sede, que era quase todo formado por revestimento de cerâmica com peças de tamanho padronizado, então a solução era simples nessa situação, era só fazer a medição de uma peça de cerâmica e fotografar toda a sede de vários ângulos diferentes, fazendo um croqui básico com todas as partes nomeadas. Com isso foi possível fazer a amarração e medição de quase todos os vestígios e moveis da sede, utilizando as fotos do local para fazer a contagem das peças de cerâmica em relação aos vestígios e obter as medidas necessárias.

Outro desafio era a medição e amarração dos vestígios na parte externa, que era muito extensa. A solução foi o uso do GPS com a marcação de pontos de coordenadas geográficas e trajetórias, possibilitando determinar distâncias entre os vestígios e a orientação por pontos cardeais. Por meio do GPS e vestígios encontrados, foi possível traçar parte da trajetória de fuga dos autores e com isso determinar a origem de alguns projéteis encontrados na parte externa da sede. 

4.2. Estratégias Para Organização De Dados e Informações Do Local

Com tantos vestígios, dados e informações no local, surge o obstáculo da organização. Como materializar tudo que é importante de forma organizada sem perder o ponto de origem de cada vestígio? Como foi dito anteriormente, foi elaborado um croqui básico no momento da Perícia, onde cada parte foi nomeada. Essa nomeação seguiu uma lógica, que dividia as partes de acordo com alguns critérios baseados na localização, vestígios encontrados e oitiva realizada com as vítimas. Os vestígios encontrados foram confrontados com os relatos das vítimas, facilitando o processamento do local. 

A nomeação seguiu critérios de divisão das áreas interna e externa da sede, separação das partes onde ocorreu atuação somente dos autores, somente das vítimas e das vítimas e autores. 

Nos locais mais afastados, como o quintal e partes mais externas, foram criados marcos com o GPS, esses marcos foram nomeados de acordo com os vestígios encontrados, formando uma trajetória de 1.177 metros que se estendia em linha reta por 907 metros à oeste da sede da fazenda.

Os vestígios foram numerados e acondicionados separadamente de acordo com a sua localização no croqui, portanto foi feito um tipo de endereçamento de cada vestígio, com numeração e nome da área em que o vestígio foi encontrado. Essa ação permitiu traçar a posição das vítimas e dos autores em determinados momentos no decorrer da execução do delito. 

A divisão do local em partes de acordo com a atuação de autores e vítimas, facilitou a busca de forma lógica e organizada dos vestígios importantes que puderam determinar parte da dinâmica e a autoria do crime, permitindo que a Perícia pudesse selecionar melhor os vestígios a serem analisados para um futuro confronto com os suspeitos, o que de fato ocorreu.

4.3. Estratégias Para o Registro Fotográfico Do Local

A materialização do local por registro fotográfico buscou inicialmente ajudar na amarração e medição dos vestígios na sede da fazenda, como já foi mencionado antes. O piso formado por peças de cerâmica funcionou como um tipo de papel milimetrado, permitindo obter as medidas necessárias para a versão final do croqui com a localização dos vestígios e dimensões dos cômodos. Após essa primeira tomada fotográfica abordando os vestígios em plano geral e relacionando-os ao croqui, iniciou-se outra fase, onde o foco principal era somente os vestígios, que foram fotografados de forma a retratar uma dinâmica partindo do plano geral ao plano detalhe, contribuindo para uma melhor compreensão do fato ocorrido e interpretação do texto que comporia o Laudo Pericial.

5. DADOS E INFORMAÇÕES DO LOCAL

Relacionando conceitos de teoria da comunicação, elaborados por Shannon e Weaver (1949), com locais de crime, pode-se dizer que os autores e vítimas são um tipo de emissores, o conjunto de vestígios é a mensagem, o local do crime é o canal e o Perito é o receptor. O receptor é um elemento de fundamental importância no processo de comunicação, pois é ele que vai receber a mensagem e decodificá-la, portanto o receptor deve ser conhecedor do código utilizado na transmissão da mensagem. A comunicação só se concretizará se o receptor souber decodificar a mensagem, que é o conjunto de informações transmitidas pelo emissor ao receptor por meio de um canal.

Os vestígios de um local de crime são dados. Dados por si só não dizem nada e precisam de ferramentas para serem transformados em informação. Cabe ao Perito tentar, por meio do seu conhecimento e ferramentas, atribuir sentido aos dados, transformando-os em informações relevantes que possam esclarecer a dinâmica e indicar a autoria do crime. No presente Estudo de Caso, alguns dados e informações obtidas no local fizeram toda a diferença para o sucesso na resolução do crime. 

No local foram encontrados cápsulas, projéteis e fragmentos de quatro armas diferentes. Segundo informações das vítimas sobreviventes, a vítima que faleceu usou um rifle para trocar tiros com os autores. O rifle estava caído no quintal próximo ao corpo no momento da Perícia. Com analise desses dados, foi possível determinar o calibre das armas usadas pelos autores e suas posições em vários momentos. 

Na cozinha da residência, havia sinais que indicavam que os autores poderiam ter se alimentado no local. Foram encontradas três latas de cerveja sobre a mesa e alimentos espalhados no chão e na pia. As latas de cerveja foram recolhidas e acondicionadas para futura analise de DNA com os suspeitos, o que de fato ocorreu e possibilitou colocar os suspeitos no local do crime. 

Após várias horas analisando o local e buscando por longas distâncias os vestígios provenientes da fuga dos autores, foram encontrados, dentre outros vestígios, uma calça jeans e um par de luvas. No par de luvas, evidenciava-se a presença de substância hematoide com tonalidade pardo-avermelhada, de imediato a informação que um dos autores poderia estar ferido foi repassada ao Delegado de Polícia. Essa informação, repassada de forma rápida, foi determinante para nortear o início das investigações da Polícia Civil e chegar a um dos autores envolvidos. 

O conjunto de dados e informações obtidos e analisados no local contribuiu para a materialização do delito, esclarecimento da dinâmica e identificação da autoria. 

6. ELABORAÇÃO DO LAUDO PERICIAL

O Laudo Pericial é um documento oficial com grande valor no conjunto probatório. É composto e fundamentado a partir de provas materiais. Uma de suas funções é remontar a cena do crime, e por meio da análise e investigação dos vestígios do local, conduzir racionalmente a decisão da justiça. 

Devido a importância do Laudo Pericial, este deve ser elaborado da melhor forma possível, sobre esse assunto Ornelas (2003, p.95), autor do livro sobre Perícia Contábil, afirma:

“Organizar e desenvolver o conteúdo do laudo pericial contábil de forma lógica e tecnicamente correta obriga o perito a pensar criativamente como oferecer uma peça técnica inteligível para seus leitores, com qualidades técnicas impecáveis, que permitam, por meio de sua leitura, entender os contornos do processo, os fatos controvertidos que ensejaram o próprio pedido ou determinação da prova técnica, bem assim a certificação positiva ou negativa desses mesmos fatos.”  

ORNELAS, Martinho Maurício Gomes de. Perícia Contábil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

6.1. A Importância Da Representação Gráfica No Laudo Pericial

O principal objetivo da comunicação é transmitir uma mensagem da melhor forma possível. Para isso é necessário eliminar ao máximo os ruídos de comunicação, que são barreiras que afetam a transmissão da mensagem. Na comunicação do Laudo Pericial, o Perito se torna o emissor e o conteúdo do Laudo, a mensagem. Nesse processo o Perito tem a possibilidade, por meio da Representação Gráfica, de melhorar a transmissão da mensagem, torná-la mais eficaz e diminuir os ruídos. 

Reis (2003), autor do livro Desenho para criminalística e retrato falado, argumenta sobre a importância das diversas formas de representação gráfica, quando bem utilizadas, como meios eficientes de comunicação, linguagem, expressão e apresentação de idéias.

É por meio do Laudo Pericial que o Perito vai perpetuar a cena do crime. Parte dessa perpetuação ocorre de forma descritiva, onde o perito vai descrever a forma que encontrou o local e as demais informações relevantes, porém a descrição de forma escrita pode confundir o leitor e não permitir um total entendimento. A representação gráfica se torna uma forte aliada na forma de comunicação do Laudo Pericial. 

A representação gráfica pode conter desenhos, fotos, imagens de satélite, animações, filmagens, esquemas gráficos e qualquer outro artifício que possa representar graficamente alguma idéia, dinâmica ou qualquer outro tipo de informação que o Perito necessite comunicar.

A representação por meio de desenhos pode ser dividida em 2D e 3D. Desenhos em 2D são representados em um plano com duas dimensões. Já as representações em 3D apresentam três dimensões, sendo mais fieis ao modo como os seres humanos vêem o mundo. 

No presente Estudo de Caso, foram utilizados vários recursos de representação gráfica, havendo inclusive a mescla desses recursos em diversas ocasiões. Esse mecanismo foi utilizado para combater os ruídos da comunicação por meio da redundância, que consiste na utilização de diferentes processos para transmitir a mesma mensagem. Portanto, o uso de textos, desenhos, esquemas gráficos, imagens, explicações e esclarecimentos adicionais tiveram o objetivo de melhorar a clareza, compreensão e assimilação da mensagem.

De posse de um grande arsenal de dados e informações obtidos no local do crime, foi realizado inicialmente o desenho da sede da fazenda utilizando o Corel Draw, que é um software de desenho vetorial bidimensional. Baseando-se nas fotos da sede da fazenda, onde as peças do revestimento de cerâmica do piso revelavam as medidas dos cômodos e posicionamento dos vestígios, juntamente com as informações do croqui realizado no local, foi possível fazer a planta bidimensional da sede da fazenda.

A planta bidimensional da sede foi utilizada como referência para a modelagem 3D no Sweet Home 3D, que é um software muito utilizado para projetos de arquitetura e design de interiores. A planta em 3D da sede da fazenda, somada com os dados e informações do local, possibilitaram que fosse feita a reprodução em 3D de parte da dinâmica do crime, remontando as principais atuações dos autores e vítimas no decorrer do delito.

Para a reprodução das áreas mais externas da fazenda, foram utilizadas imagens de satélite. As coordenadas geográficas e trajetórias colhidas no local, por meio do GPS, possibilitaram remontar parte da trajetória de fuga e posicionamento dos vestígios deixados pelos autores.

As fotografias no Laudo Pericial foram utilizadas de forma clara, objetiva e didática, sendo mescladas com outras formas de representação gráfica, relacionando os vestígios e reproduzindo partes da dinâmica do crime. 

Foram criados esquemas gráficos indicadores, como setas e balões, que conduziam ao entendimento das cenas. A disposição das fotografias no Laudo buscava relacionar as fotos de plano geral com as fotos de plano detalhe. Esse recurso também foi utilizado para mesclar as formas de representação gráfica, onde os desenhos, imagens de satélite e fotografias eram relacionadas para facilitar e ampliar o entendimento.do.Laudo. 

Ornelas (2003), em seu livro sobre Perícia Contábil, argumenta sobre a valorização do conteúdo do Laudo Pericial através da clareza de como este é apresentado. Desta forma a representação gráfica realmente atua como um elemento necessário de agregação de valor ao Laudo Pericial, muito importante para atrair a atenção e facilitar o entendimento do seu público alvo. 

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Laudo Pericial é a extensão do Perito e inicia-se no local do crime, fase em que o Perito seleciona os dados e informações relevantes que irão compor o conteúdo do Laudo. A tecnologia torna-se uma ferramenta essencial na obtenção, materialização e análise dos dados e informações do local. A representação gráfica valoriza o conteúdo do Laudo Pericial e o torna mais compreensível para o receptor, facilitando o processo de comunicação das informações.

7.1. Contribuições da Perícia no Estudo de Caso

a]  No local constatou-se, por meio da dinâmica, que um dos autores foi atingido por tiro efetuado pela vítima. Essa informação foi determinante para o início das investigações da polícia civil.

b] Foram coletados vestígios relevantes para a realização de exame de constatação de material biológico, possibilitando a identificação dos autores por meio de exame de DNA.

c] Com uso de ferramentas de representação gráfica e auxilio de GPS, baseando-se nas informações das vítimas e vestígios do local, foi possível traçar a dinâmica do crime de forma didática, clara e objetiva, tornando o laudo uma peça diferenciada de grande valor no processo.

d]  O resultado final foi a prisão dos autores e por meio da dinâmica foi possível relacioná-los a outros crimes ocorridos na região.

8. REFERÊNCIA

ORNELAS, Martinho Maurício Gomes de. Perícia Contábil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

REIS, Albani Borges dos. Desenho para criminalística e retrato falado /Albani Borges dos Reis. — Campinas, SP : Millennium, 2003. SHANNON, C.; WEAVER, W. The mathematical theory of communication. Urbana, IL: University of Illinois Press, 1972. (Original work published in 1949).


Daniel Veríssimo Teles de Faria
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Perícias Forenses
Instituto de Pós-Graduação – IPOG
Goiânia, GO, 05 de dezembro de 2013.