REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102410131533
Elaine Nayara Gonçalves da Silva
Resumo: O objetivo geral deste artigo se baliza na busca de identificação dos aspectos utilizados por Flaubert na França para construir a personagem Emma Bovary e quais desses aspectos primários são determinantes e influenciadores sobre a obra de Eça de Queiroz em Portugal para construir sua personagem Luiza, busca-se investigar aspectos comuns entre ambos os autores e que são características gerais do realismo, as construções das personagens, os motivos comuns que levam ambas as heroínas a cometer o adultério motivadas por uma insatisfação conjugal e distanciamento sentimental do cônjuge bem como as diferentes motivações que unem o destino trágico de Emma e Luiza. Utilizando-se como aporte teórico para as investigações os estudos literários de Nabokov, Carpeaux e Abdala, além dos estudos psicanalíticos de Freud.
Palavras–chave: adultério feminino; sexualidade; literatura realista.
Abstract: The general objective of this article is based on the search for identifying the aspects used by Flaubert in France to construct the character Emma Bovary and which of these primary aspects are determining and influencing the work of Eça de Queiroz in Portugal to construct his character Luiza, We seek to investigate common aspects between both authors and which are general characteristics of realism, the constructions of the characters, the common reasons that lead both heroines to commit adultery motivated by marital dissatisfaction and sentimental distance from their spouse, as well as the different motivations that unite the tragic fate of Emma and Luiza. Using the literary studies of Nabokov, Carpeaux and Abdala as a theoretical basis for investigations, in addition to the psychoanalytic studies of Freud.
Keywords: female adultery; sexuality; realistic literature.
O gênero romance
O século XIX pode ser considerado o apogeu do romance como gênero literário moderno conhecido atualmente, segundo Watt o objetivo do romance é retratar experiências humanas em suas totalidade, não apenas aquelas que fornecem certo cunho literário pois todas elas podem atender a tal requisito. O romance é um conjunto de técnicas literárias que coloca a disposição do romancista a possibilidade de expor aspectos sociais aos olhos do público em geral, ele surge da necessidade intrínseca ao homem moderno de encontrar uma forma (de cunho literário) que possibilite o retrato fiel das peculiaridades do indivíduo humano em meio social através do realismo formal.
O romance realistas usa dessas técnicas e possibilidades para escancarar aos olhos do mundo as mazelas da burguesia provinciana da europa do século XIX, em especial na França, onde surge o primeiro romance realista de renome: “Madame Bovary” de Gustave Flaubert, porém, essas perspectivas de narrativas reais estão presentes na sobras de grandes mestres da literatura francesa que serviram de inspiração para Flaubert como Zola e Balzac.
O romance realista rompe com a tradição clássica onde a narrativa era manuseada de forma a retratar histórias que atravessaram gerações, carregadas de valores morais inalteráveis. O romance realista usa de experiências refeitas sob a ótica de um novo prisma: as consequências das ações no presente são geradas por uma relação de causa e consequências estabelecendo e abdicando de disfarces e coincidências, adotando um tom cru e desinibido de expor a estrutura interna do caráter da personagem. Dessa forma, as novas heroínas realistas marcam uma ruptura de padrões estéticos clássicos de comportamento, são mulheres dispostas a abdicar de seus tradicionais valores do seio familiar.
Introdução ao movimento realista
O realismo é influenciado pelo seu contexto histórico de Segunda Revolução Industrial que traz para as obras uma urbanização dos fatos, colocando as cidades como elemento espacial na maioria de seus romances e servindo como observatório para escritores realistas que observavam as camadas mais densas da sociedade. desenvolvendo novas tecnologias e meios de produção cada vez mais eficientes gerando a desvalorização da mão de obra em virtude da operação das máquinas. No âmbito urbano de convívio social, observa-se elementos como a superpopulação derivada do êxodo rural, as condições insalubres de moradias em meio aos dejetos provenientes das grandes fábricas e as longas e exaustivas jornadas de trabalho que se entendiam por até 16 horas
Como frutos de seu tempo, os autores que seguiram a estética realista prestaram um tributo a seu contexto e tomaram como base as teorias em vigor na sociedade europeia do século XIX, utilizando em seus romances aspectos científicos como, as teorias do evolucionismo de Darwin e os ideias filosóficas de Comte e sua filosofia positivista, o determinismo científico de Taine que compreendia o comportamento humano determinado pelas influências do meio no qual cada diferente classe social estava inserida de acordo com a sua estratificação social, resultando em uma hierarquização fortalecida pela teoria do evolucionismo de Darwin e sua evolução das espécies alocada às relações sociais (darwinismo social) identificando culturas e povos desenvolvidos intelectual e economicamente em detrimento das outras, fortalecendo o eurocentrismo com enfraquecimento da cultura de povos africanos, ameríndios e orientais.
Os autores realistas têm como focalização artística fazer da realidade social um laboratório de observação analítica, enfatizando as faces da natureza humana influenciada por circunstâncias externas que entram em conflito com seus anseios individuais resultando no conflito do herói realista com as condições do meio coletivo que circundam a sua permanência na sociedade .
O realismo de Emma Bovary
O realismo literário do século XIX teve seu apogeu na França onde o primeiro romance que segue os preceitos da estética foi publicado por Gustave Flaubert, Madame Bovary. Em sua obra, Flaubert procurava exatidão máxima da correspondência entre objetos e palavras, movimentos e frases, para conseguir a representação objetiva da realidade em um enredo que conta a insatisfação de Emma descobrindo a realidade da vida conjugal que idealizou pautando-se nas experiências de suas leituras, deparando-se com uma vida monótona de hábitos e costumes modestos e um cotidiano doméstico que destoa da vida burguesa a apaixonante que formalizou metalmente, durante seus anos no convento em que estudou.
A obra de Flaubert simboliza o bovarismo do mundo como uma forma de engano acerca da natureza fundamental das coisas (a realidade que é responsável pelo final ruidoso da heroína), Madame Bovary é mascarada pela dubiedade dos romances que lê, sendo assim uma alegoria do engano da França pela ideologia romântica de 1849, este mesmo engano está presente também em outra obra do mesmo autor “A tentação de santo antão” que simboliza o engano da humanidade pelos deus e dogmas religiosos que o indivíduo criou para sustentar suas crenças. Com base nas ideias de Otto Maria Carpeaux, pode-se dizer que Flaubert foi um moralista, tendo em vista que na língua francesa “moralista” significa “aquele que serve incuravelmente as fraquezas humanas”, Flaubert é, a partir disso, um dos grandes escritores da literatura franceses e entra para o cânone da literatura mundial entre seus conterrâneos, Balzac, Zola, Dumas e Vitor Hugo que serviram com sua literatura de retratista das sociedades de seus respectivos períodos históricos.
No que tange ao papel da protagonista Emma Bovary ou Madame Bovary como é referida no título da obra, é o que estudiosos chamam de personagem redonda, sua caracterização vai sofrendo modificações e sua personalidade será explorada e aprofundada com base nas complexidades psicológicas de seu íntimo. Emma encontra-se emergida por um mal individual vivido frente a um conflito interno com seus anseios e desejos, esses por sua vez, adquiridos em suas muitas leituras de caráter romântico entrando em desacordo com a vida na qual está inserida, vivendo de maneira simplista em uma cidade pequena sem muitas emoções, assim como sua vida conjugal que não passa de uma experiência tediosa sem aventuras romanescas que a mesma desejava. Essa busca pela satisfação a conduz na busca do seu princípio de prazer, cedendo aos seus impulsos voláteis e buscando nos amantes com quem se envolve na tentativa de preencher seu vazio existencial de sentido na vida em plenitude que move seus devaneios. Vendo em seus amantes essa chance de livrar-se de sua realidade, Emma deposita neles todas as suas energias para parecer graciosa, agradável, e acima de tudo de boa aparência, para isso a personagem contrai dívidas incalculáveis com Monsieur Lheureux, um comerciante da cidade que incentiva Emma a gastar além de sua viabilidade financeira, seduzida pela possibilidade remota da vida aristocrata, Emma encontra-se em um círculo de deslocamento no qual não a possibilita conectar-se com o casamento que aceitou para fugir da vida campestre que vivia com seu pai.
Com o dilaceramento de suas emoções pelo abandono de seus amantes em quem Emma depositava sua satisfação e o retorno de Paris, cidade que sempre foi para ela sinônimo de felicidade e satisfação, a personagem encontra-se em meio a uma angústia fruto das dívidas contraídas para elevação de seu ego como senhora da sociedade, título que desejava ocupar, somando ao abandono de seus amantes e desamparo emocional da família e da sociedade, para os quais não pode assumir seus erros. Emma visa como saída para suas inquietações a morte já que para ela não há saída como achou que havia no casamento que não lhe foi favorável, a heroína do romance resolve pôr um fim em seu sofrimento encerrado sua vida terrena.
“Emma Bovary é inteligente, sensível, comparativamente bem-educada, mas tem uma mente rasa: seu encanto, sua beleza e seu refinamento não impedem que possua um veio fatal de filistinismo. Seus devaneios extravagantes não a eximem de ser, no fundo, uma burguesa do interior, aferrando-se às convenções ou cometendo uma ou outra violação convencional das regras convencionais, sendo o adultério um modo bem convencional de escapar do convencional.” (Nabokov, 2015)
Como escreveu Flaubert, Emma deseja saber o real significado das palavras “felicidade”, “paixão” e “exaltação”, que lhe pareciam tão belas nos livros que lia.
O momento da morte da protagonista em Madame Bovary possui um dos tons mais dramáticos da literatura, é o momento em que a personagem busca redenção pelos atos, demonstrando pelo marido tal afeto que o mesmo nunca experimentou em vida, é o simbolismo da decadência do que Emma sempre buscou preservar, sua vivacidade, juventude, beleza, e as artimanhas utilizadas para essas manutenções a levou ao afogamento financeiro do qual saiu desistindo de viver. Seus últimos momentos representam um pedido de desculpas ao seu companheiro Charles bovary “A doçura daquela sensação aumentava a tristeza do médico; ele sentia todo o seu ser encher-se de desespero à ideia de perdê-la, quando ao contrário, ela confessava-lhe mais amor que nunca” é no momento de sua morte que Emma olha para si mesma através de um espelho como se estivesse olhando sua decadência através da deformação que seu semblante, sempre bem apresentável, demonstrava, é o último ato de vaidade da personagem, “… com voz nítida, pediu o espelho e estava inclinada sobre ele algum tempo, até que dos olhos se desprenderam duas grossas lágrimas. em seguida, soltou um profundo suspiro e deixou cair a cabeça no travesseiro” Emma buscou através do pecado do suicídio a remissão para as traições cometidas, mostrando ao público o fim de uma mulher adúltera. Dessa forma trágica encerra-se a trajetória de uma personagem que buscou na realidade a vida que idealizou nos seus sonhos mais românticos e que foram frustrados pelo meio em que viveu.
A senhora Bovary não perturba o ordenamento do patriarcado; ela o articula, para que invertam-se as posições e ela mesma passe ao papel opressora, sem confrontar a opressão. tirar a própria vida é sua maneira mostrar seu controle sobre a situação antes de admitir perder o controle sobre seus feitos. Emma torna-se dona da situação mostrando-se senhora de sua vida a qual só ela poderia perturbar.
O bovarismo em Luísa
Em 1878, Eça de Queiroz publica a obra “O Primo Basílio” com intuito de realizar por meio de sua escrita uma crítica a sociedade burguesa lisboeta do século XIX, estabelecida em bases instáveis de moralidade dúbia, se contrapondo aos preceitos românticos na obra de Eça está representado os estereótipos característicos das classes sociais “A fim de ilustrar suas observações, Eça critica acerbamente o romantismo e defende o realismo, como a corrente estética que realiza o exato consórcio entre a obra de arte e o meio social.” (MOISÉS, 1975, p. 197)
Na página 266 de seu livro sobre realismo, Carpeaux afirma que Eça de Queiroz teria sido capaz de escrever a Comédia Humana da sociedade portuguesa que ele perspicazmente retratava em suas obras. Eça, como grande admirador da literatura francesa (sobretudo de Balzac) sofre grandes influências também de Flaubert, influências essas mais claramente perceptíveis no seu segundo romance “O Primo Basílio”, uma obra de caráter novelístico e caracterização narrativa das personagens personificadas em integrantes da sociedade lisboeta.
Luisa, personagem principal da obra é inspirada em Emma Bovary mas, ao contrário de Emma, pode ser definida como uma personagem plana a qual devido a suas ações remontam um padrão narrativo já estabelecido, suas atitudes passam por um viés de previsibilidade. As nuances que caracterizam Luísa ao longo da obra são os estereótipos de uma mulher romântica, ociosa, que habita um ambiente tedioso, sentimental e melancólico. Características como essas deixam a personagem mais suscetível para fantasiar com cenários de satisfação e aventura, algo que instigue suas emoções e a tire de sua zona de conforto além de buscar uma saciedade para sonhos românticos observados em suas leituras romanescas.
Enquanto Emma enxerga sua fuga com Rodolphe como uma aventura amorosa que se assemelha às histórias lidas, Luísa por sua vez vê em Basílio apenas uma realização de uma fantasia antiga reacendida pelo tédio, Luísa é uma vítima de sua própria sensualidade e desejo ao passo que Emma possui um objetivo evasivo que a levasse além da mediocridade de sua realidade com a qual não era satisfeita.
Luísa era muito mais efusiva em suas paixões, não possuía o freio religioso de modo tão acentuado como Emma que fora criada em convento, a burguesinha da baixa, como foi chamada Luísa, é representada por Eça como uma mulher ardente e voluptuosa em suas paixões e que, diferente das heroínas literárias de sua época, sentia prazer no envolvimento sexual proibido.
“Não há sedução. Não há paixão. Não há amor. Basílio vê em Luísa nada mais que a satisfação sexual dos seus desejos, aproveitando-se da solidão em que se encontra a prima. O relacionamento erótico de Luísa e Basílio se desenvolve num lugar ironicamente batizado de Paraíso” (OLIVA, 2001,p. 191).
Para o leitor atual é possivel compreender o que Machado de Assis expressou sobre a obra de Eca de Queiroz, “Luisa não tem remorso, tem medo” medo da descoberta de seu marido, medo do julgamento social, e medo dos preceitos biblicos cristãos que condenam o aduluetio e o sexo como pecado.
“Mas era o seu marido; era novo, era forte, era alegre; pôs-se a adorá-lo. Tinha uma curiosidade constante da sua pessoa e das suas cousas; mexia-lhe no cabelo, na roupa, nas pistolas, nos papéis. Olhava muito para os maridos das outras, comparava, tinha orgulho nele (…) Ele era o seu tudo, – a sua força, o seu fim, o seu destino, a sua religião, o seu homem!” (QUEIRÓS, 1997, p. 13).
Luisa ama o marido Jorge, e não sente por seu primo uma paixão efusiva e duradoura, apenas o considera um consolo para seu momento de solidão durante a viagem de Jorge. Sua idealização de fuga com Basílio tem como objetivo não encarar seu marido diariamente para que não tenha que lidar com a desmoralização da honra dele, algo que provavelmente a impediria de seguir adiante com sua traição conjugal, sendo seu adultério uma aventura momentânea e concretização de uma frustração passada, quando Basílio era seu amor de adolescência.
Basílio é a caricatura de um bom divã que ao ver a prima a enxerga como uma distração de sua estadia e busca seduzi-la para satisfação de seus anseios eróticos pessoais, “não se dava ao incômodo de se constranger; usava dela, como se apagasse!” (QUEIRÓS, 1997, p. 117), chegando a comparar seu envolvimento com a prima como o relacionamento que poderia ter com qualquer prostituta. Luisa, como muitas mulheres de sua época, reprimia seus desejos sexuais e suas fantasias amorosas para encaixar-se nos países designados as mulhere da sociedade burguesa do século XIX, restrito a papéis domésticos e secundário na vida pública, essa repressão descrita por Freud com indício do mal estar geral e sentimento de insatisfação na sociedade a leva a desejar viver paixões avassaladoras e Basílio, com suas intenções de igual teor sexual fazia o possível para excitá-la e concretizar as vias do adultério.
“(Luísa) Todo o prazer que sentia ao princípio, que lhe parecera amor ? vinha da novidade, do saborzinho delicioso de comer a maçã proibida, das condições do mistério do Paraíso, de outras circunstâncias talvez que ela queria confessar a si mesma, que faziam corar por dentro!” (QUEIRÓS, 1997, p. 123).
Após algumas semanas durante as quais o fascínio do início da aventura erótica dissipa-se, as comoções das descobertas se esvaem, Luisa tem a possibilidade de recomeçar, deixando suas aventuras como um evento turbulento de seu passado, tratar sua doença, mas prefere entregar-se a morte mesmo após a morte de Juliana e o perdão de Jorge, Luísa tem a possibilidade do recomeço, mas não consegue, entrega-se à morte como solução para o conflito em que vivia, “O amor foi interditado pela morte da protagonista adúltera.” (OLIVA, 2001, p. 192).
Na figura de Luísa que teve seu amor por jorge foi corrompido e não sentiu-se capaz de restabelecê-lo, Eça presta tributo a literatura do século XIX quando coloca Luísa como uma mulher submissa aos costumes da época incapaz de conviver com a vergonha e desonra que causou a seu marido por meio dos seus atos, assim como Emma enxerga a morte com o escape final de seus atos.
Da França para Portugal
Os temas do vazio existencial, da insatisfação pessoal e da busca da satisfação por meio do princípio do prazer a fim driblar o mal estar da sociedade burguesa; são experiências narrativas muito semelhante em Flaubert e Eça que utilizam-se de elementos narrativos de tempo, espaços físicos que dão conta de representar suas ideias, colocando em evidências a construção das personagens como o elemento que dá vida ao enredo narrado, a literatura é a representação da realidade, portanto, a personagem é um ser fictício criado para incorporar a verossimilhança do real, a partir de vertentes poéticas criadas pelo autor, dessa forma seus aspectos físicos, nuances sociais e profundidade psicológica determinadas por ele fazem a obra tomar, ao decorrer do processo de criação, rumos diferentes daqueles inicialmente planejados pois elas vão se adequando ao foco narrativo do escritor.
Emma e Luísa, são vítimas de suas leituras demasiadamente românticas e com a suscetibilidade a esse espírito realizador (mais adiante chamado de bovarismo), ambas desenvolvem uma angústia gerada pela situação sufocante que se torna o casamento mirado como alvo de uma vida romântica constituída de aventuras romanescas mas que lhes oferece o ócio e o deslocamento psicológico do real.
A escassez de aventuras amorosas inexistentes no casamento abrem brecha às penetrantes ideias de suas leituras, privilégio de mulheres burguesas que não possuem demasiadas preocupações senão a coordenação das tarefas domésticas realizadas pela criadagem. Essas histórias despertam a busca pela felicidade plena, e nessa jornada de busca, as ações das personagens desmistificam a ideia do adultério como ato repudiado e violação das convenções sociais vigente para passar ao patamar de espectáculo onde elas são personagens de seus próprios romances na qual ficção e realidade se fundem em um círculo vicioso de necessidade, vaidade e luxúria.
Uma das ideias defendidas por Freud no século XX em “O mal estar na civilização” é de que para progredir, o indivíduo em sociedade precisa reprimir a sexualidade, tornando-a amor inibido em sua finalidade, dessa maneira pode-se assegurar a formação dos vínculos afetivos necessários para manter unidos os membros de uma comunidade e custear as aparências tão valorizadas na sociedade burguesa do século XIX. levando essa ideia para as narrativas de “Madame Bovary” e “O primo basílio”, identifica-se o aparecimento dessa repressão inconsciente no caso de Emma a busca de novos amantes, no caso de Luísa o adúltero é resultado da situação proporcional ao desagrado em que se encontra.
Por fim as heroínas dos romances possuem um destino em comum, a busca da morte, seja como válvula de escape ou como efeito redentor, ao final das narrativas as personagens morrem em busca de redenção para o abalo moral resultado do adultério decorrente das circunstâncias emocionais em que vierem, cercadas de insatisfação na busca pela realidade fictícia que tanto almejavam.
Considerações finais
O adultério é tema central da humanidade desde as narrativas antigas da mitologia grega e das epopeias que fundaram o cânone da literatura ocidental como Ilíada e odisseia que narra a fuga de Helena, esposa de menelau que fugiu (ou foi raptada) por Páris, príncipe de tróia. Desde então o adultério está presente no imaginário literário de escritores e leitores, as adúlteras mais famosas da literatura como Anna kariënina, Capitu, Emma Bovary, Luisa e Constance, conquistar a empatia do público no século XIX. O adultério sempre esteve engendrado em bolhas sexistas onde o adultério da parte masculina da relação era algo tido como comum pois o homem é “sempre mais suscetível aos desejos da carne” deliberado por seu “instinto animalesco de predador sexual”, os autores desses clássicos da literatura mostraram uma realidade não contada, deram voz ao lado da protagonista feminina que sente inquietações de infelicidade com suas atribuições conjugais e domésticas mostrando ao público as aflições de mulheres que anseiam por viver um amor redentor um amor ardente inerente ao indivíduo, e que impulsionadas pelas suas pulsões de satisfação regalam-se em amores avassaladores e conquistam a empatia do público leitor por evidenciar aspectos da psique humana que deseja ser mais do que lhe foi dado.
Flaubert é o escritor de “Madame Bovary” a obra mais famosa e precursora da literatura realista que expressa um lado humano, falho e desejoso de uma mulher determinada a alcançar sua satisfação pessoal, com sua publicação problemática e arrebatadora. autores que o sucederam como Eça de Queiroz, Machado de Assis entre outras beberam na fonte de sua estrutura narrativa evidenciando uma modernidade de representação da sociedade. Em “O primo Basílio” do escritor portugues Eça de Queiroz, Luisa poder ser considerada uma agulha na fogueira que Flaubert acendeu, embora suas motivações sejam completamente diferentes, mais carnais do que propriamente etéreas e pulsionais do que Emma, elas se igualam em seus destinos, uma provocou sua morte a outra simplesmente optou por no buscar tarda-la mas ambas encontram na morte a redenção por seus atos uma forma de sentir-se incapaz de lidar com as consequências financeiras de seus atos, a outra a fim de evitar a condenação social e o repúdio de seu marido.
Emma e Luísa, são, acima de tudo a representação do desejo humano por satisfação pessoal e inconformismo com o mal estar social, são sim, mulheres que cedem a seus desejos, que erraram mas que foram produto da angústia humana e da infelicidade na qual a sociedade as aprisionou para manter as aparências que serviram de paradigmas a serem quebrados com a literatura realista não reprimindo seu desejo de cunho sexual e o evidenciado na figura feminina.
Referências
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